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A EDUCAÇÃO LIBERTADORA DE PAULO FREIRE E A ESCOLA SEM PARTIDO Aline dos Santos Pereira1 aline.magabb@hotmail.com Maria das Graças de Almeida Baptista2 Mgabaptista2@yahoo.com.br Resumo A tentativa emergencial de instituir o “Programa escola sem partido” que apregoa uma neutralidade ideológica em detrimento da 'servidão curricular' e da 'mordaça ao professor' nos faz enquanto docentes analisar as modificações que vêm ocorrendo não apenas na educação, mas em todos os âmbitos da sociedade e voltarmos as leituras do teórico da prática Paulo Freire, cujos métodos e ideias têm sido ridicularizadas por cidadãos que não entenderam os escritos de Paulo Freire e a importância de uma educação libertadora e conscientizadora. As ideologias dominantes que sempre tiveram grande impacto durante toda a história do ensino brasileiro estão se reordenando para se adaptar às novas necessidades políticas e econômicas. É preciso uma ação critica e reflexiva no sentido de enquanto docentes nos reordenarmos também no sentido de defender os interesses dos oprimidos através de uma educação problematizadora pautada no diálogo entre educador e educando. O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a educação libertadora e conscientizadora de Paulo Freire cuja proposta é alfabetizar e conscientizar os educandos para uma vida plena enquanto cidadão. Palavras chaves: Educação libertadora. Escola sem partido. Neutralidade ideológica. 1- INTRODUÇÃO O contexto social e histórico em que vivemos ideologicamente forjado por tradições e princípios de uma sociedade opressora e preconceituosa, tendenciosamente nos quer fazer acreditar que pode haver uma instituição social ideologicamente neutra. Pura falácia. Podemos dizer que no contexto em questão, ideologia são as ideias que fundamentam os princípios e as tradições dessa mesma sociedade. Como é possível querer questionar e excluir o debate político da educação e ser ideologicamente neutro se essa imposição que estão querendo implantar já é por si só um ato político e ideológico? Como o espaço escolar, produtor do conhecimento pode desenvolver 1 Graduanda em Psicologia pela FPB, Pedagoga pela Universidade Federal da Paraíba, Especialista em Psicopedagogia e em Educação em Direitos Humanos e professora da educação básica. 2 Pós-doutora em educação pela UNICAMP, Doutora e Mestre em Educação pela UFPB e professora do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE/ UFPB) criticidade entre seus alunos e por em prática seu papel transformador, se o docente tiver tolhido o seu direito de liberdade de expressão? Assim, o tema central deste trabalho, tem como objetivo suscitar essa e outras questões em torno da pedagogia libertadora de Paulo Freire e o programa amordaçador da escola sem partido que tem tentado desmerecer a importância e marginalizar a relevância da pedagogia libertadora e conscientizadora de Paulo Freire, um dos educadores de maior visibilidade internacional. Para nos aproximarmos de respostas para nossas reflexões e questionamentos nos apropriamos dos escritos de Freire (1984), (1997), (2005), (2015), Gadotti (1995) e da leitura do Projeto de Lei 867 de 2015, que tem como objetivo incluir nas Diretrizes e bases da educação nacional os princípios da tal escola livre de ideologia. 2- O OLHAR PEDAGÓGICO DE PAULO FREIRE 2.1 A educação enquanto dialética A intenção da educação dialética foi influenciada pelas idéias de Karl Marx (1818-1883), filósofo que com o método da dialética analisa as contradições, as lutas de classe e a realidade socioeconômica de uma época. De acordo com Lessa e Tonet (2011, p. 81- 99), a dialética de Marx é também o método do materialismo e do processo histórico. Assim, o marxismo acredita que o Estado administra os conflitos existentes na sociedade, sempre em favor de uma minoria que detém a posse dos meios de produção, ou seja, a classe dominante é quem manda e põe o Estado a seu serviço para manter seu status quo. Para por o Estado a sua disposição, a classe dominante, tem utilizado estratégias ‘ocultas’ para reproduzir sua cultura e reforçar o seu poder enquanto classe dominante nas instituições sociais. Segundo Lessa e Tonet (2011, p. 83), “todas as relações humanas são convertidas em instrumentos de luta pela acumulação privada de capital”, ou seja, os meios de produção e os aparelhos ideológicos vigiam as instituições sociais e procuram formas de justificar a manutenção da estrutura da sociedade. Os meios de produção e de comunicação sempre estiveram nas mãos de quem detém o poder de classe, e a escola pode ser sim, e muitas vezes o é, instrumento de controle usado pelas classes dominantes. De acordo com Bourdieu e Passeron (2011) a educação é um instrumento que reproduz e inculca o poderio de uma classe sobre a outra, preparando alguns educandos para perpetuarem a detenção do poder e alienando a grande maioria para que continuem vendendo barato a sua força de trabalho, impondo hegemonicamente as idéias através de um currículo oculto. Seguindo essa linha de pensamento, nós professores, reproduzimos sem perceber a ideologia dominante e inculcamos em nossos alunos que há duas classes em nossa sociedade: uma minoria que manda e se mantém no topo da pirâmide do poder e uma maioria que é mandada e compõe a base dessa pirâmide. Qual seria a solução para equilibrar essa desigualdade? Para Marx, seria modificar a estrutura da própria sociedade, onde não existiriam classes sociais. Para Freire, seria formar o educando para exercer plenamente sua cidadania, sendo que nesse processo o educando não mais seria um depósito de conhecimento, mas, construtor de seu próprio conhecimento, tendo o professor como facilitador desse processo. Desta maneira, não avaliasse apenas o aluno, mas, todo o sistema educacional. 2.2. A educação para Paulo Freire O alto índice de analfabetismo, a manutenção de privilégios para uma minoria e uma educação verticalizada, inquietou Paulo Freire a escrever um projeto popular de educação, tendo como principal instrumento o diálogo político-pedagógico, resgatando a cidadania e estimulando o combate contra as verdades prontas e impostas. Para Freire, em seu livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa( 2015), a educação pode fazer das pessoas donas de sua própria história ou acomodá- las ao mundo. Para ele, não cabe na educação libertadora, um ensino monológico, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (2015, p. 24). A educação bancária, onde o professor deposita o conhecimento e o aluno apenas a recebe, sem reflexões, sem questionamentos, reforça a ideologia do opressor e da divisão de classes, onde alguns nasceram para serem sujeitos e detentores do saber e outros objetos. A educação que ele classifica como libertadora deve ser dialógica, problematizadora e reforçar no educando o ato de refletir, de criticar, de idealizar, de questionar e de ser autônomo. Para André, (2016), formar sujeitos autônomos é formar: [...] pessoas que tenham ideias próprias, pensem por si mesmas, sejam capazes de escolher entre alternativas, decidam o caminho a ser seguido, implementem ações e tenham argumentos para defender suas escolhas e ações. Ao exercer sua autonomia, essas pessoas vão se sentir cada vez mais livres das amarras do poder político e econômico (ANDRÉ, 2016, p. 20). Rafael Realce Ao reforçar no educando a reflexão e a problematizar e questionar sobre a realidade e o contexto sócio-econômico em que esse indivíduo está inserido, dá-se consciência da responsabilidade social e política do educando, inquietando-o a voltar para sua realidade com um novo pensar. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quemse comunica, a quem comunica, a produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde a dialogicidade. O pensar certo, por isso, é dialógico e não polêmico (FREIRE, 2015, p. 39) Ao escrever Pedagogia do oprimido (2005), Freire afirma que a escola tem uma função conservadora, refletora e reprodutora das desigualdades e injustiças sociais. Mas, que pode ser também um instrumento de resgate da cidadania. Sendo assim, o educador tem um forte papel político-pedagógico, já que não existe educação neutra. A educação pode ajudar a converter os excluídos em sujeitos da sua história e para que essa conversão ocorra, não serve qualquer tipo de educação, mas uma educação libertadora, reflexiva, crítica e dirigida à responsabilidade social e política. Como o professor poderá ser instrumento de construção desse tipo de conhecimento sendo amordaçado por um programa ameaçador? 3. O PROGRAMA “ESCOLA SEM PARTIDO” Nos últimos dois anos, muitos projetos políticos foram desenvolvidos com o objetivo de instituir o “Programa escola sem partido” em alguns estados brasileiros, mas foi o Projeto de Lei 867 de 2015 que mais teve destaque e ele que queremos trazer à reflexão. Esse Projeto de Lei (PL) além de querer instituir a “Escola livre” ainda tem como objetivo incluir nas Diretrizes e bases da educação nacional os princípios da tal “Escola livre”, que são: I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico; III - liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência; IV - liberdade de crença; V - reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado; VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença; Rafael Realce VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções (Projeto de Lei, Nº 867, de 2015, p. 2). A precariedade e a desqualificação da educação pública com o apoio do poder público tem privilegiado setores privados da educação e aviltado o direito constitucional da população a educação pública e gratuita. Não bastando o descaso e a desqualificação, é proposto um projeto de podar a liberdade do docente de ensinar e assim, esconder seu objetivo principal disfarçado nas entrelinhas, que é a intolerância ao diferente, até reduzir a nada o que não se encaixa nos padrões neoliberais. A 'ideologia' de liberdade de pensamento que é propagada no 'Programa escola sem partido' vem para maquiar a desigualdade social, a meritocracia e a política das minorias, amordaçando os docentes de debater, refletir e questionar em sala junto com os educandos questões que para os poderosos, são perigosas para a manutenção do status quo de quem se encontra no topo da pirâmide social. O Projeto de Lei (PL) 867/2015 de autoria do deputado Izalci Lucas Ferreira do partido do PSDB, cujo objetivo é incluir entre as diretrizes e bases da educação nacional, o 'Programa escola sem partido' que tem como primeiro princípio a neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado, acredita que o professor em sala tem “poderes” para manipular e doutrinar política e ideologicamente seus alunos ferindo gravemente a democracia e a Constituição Federal. O que essa PL está querendo defender? Os alunos, a educação ou a política meritocrática? Qual o significado de doutrinação para o nobre deputado? Ao se sentir aviltado pelo debate de ideias e a transversalidade dos Parâmetros Curriculares Nacional ele entende que a educação está a favor de quem? E contra quem? Ao se implantar o 'Programa escola sem partido', ele presume que não haverá outra ideologia que não a que ele está combatendo? Quem irá definir qual conteúdo é neutro ou não? Como o docente irá ensinar, debater e construir novos conhecimentos, amordaçado e ameaçado? Como construir conhecimentos em uma sala de aula a partir das convicções religiosas e morais de cada pai de aluno em sala? A partir desses questionamentos levantados pela leitura desse Projeto de Lei, me pergunto como se dará a formação docente e o fazer docente. A Educação não é, e jamais será neutra. Quem defende isso é imperdoavelmente ingênuo ou maldosamente mal intencionado. Não existe neutralidade em não ter um posicionamento ideológico político. Quem não defende suas ideias e pensamentos, sem perceber, defende uma posição. A posição do comportamento servil e da reprodução do pensamento de quem está no poder e ao compactuar com essa servidão, invariavelmente está ao lado do opressor. Seguindo a ideia de Freire, vemos esse posicionamento de neutralidade como um ato de covardia daqueles que não tem coragem de se posicionar contra a opressão. Como podemos estar no mundo, sermos oprimido por ele, reconhecermos essa opressão e não lutarmos para sermos livres? Ao escolhermos esse sofisma da neutralidade, estamos escolhendo o lado do opressor, que desvaloriza teorias e pensamentos que vão contra a sua manutenção no poder e rejeita a educação autônoma, reflexiva e libertadora. Ao confundir o pensamento dos ingênuos, afirmando que política e partidarismo são sinônimos e que, portanto a educação deve ser politicamente neutra, os defensores desse Projeto de Lei, esquecem de avisar aos ingênuos que ao tirar da pauta educacional as discussões acerca de gênero, racismo, misoginia, economia e política, também faz parte de uma política. 4. CONSIDERAÇÕES A partir dos escritos lidos, negar o caráter político da educação é no mínimo, ausência de conhecimento acerca do tema. A nosso ver, é pura maldade dos detentores do poder, ao negar ao oprimido a chance de pensar e de escolher conscientemente o seu futuro e lutar por ele. Estão tentando esconder em uma pseudoneutralidade sua vocação de doutrinadores político a favor de uma minoria. A negação do debate na escola, além de ser um retrocesso, é jogar na lata do lixo os direitos adquiridos com tanta luta e promulgados na Constituição Federal do Brasil de 1988, em seus artigos 205 e 206 que são “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”. Ao nos posicionarmos politicamente neutros, estamos mentindo para nós mesmos e alienando cidadãos, quando o nosso papel enquanto educador é de ajudar o educando/sujeito a encontrar seu caminho no processo de libertação social e intelectual. Não se enganem, não há neutralidade na educação. É preciso resistir a esses abusos de poder para garantir uma pedagogia libertadora, onde todos tenham acesso ao conhecimento e sejam valorizados e reconhecidos enquanto parte da sociedade. Somos contra o silenciamento das minorias marginalizadas e esquecidas pela elite e favoráveis a uma prática pedagógica que pensa, que reflete, que dialoga, mas também que faz e age. Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram ‘fora de’. Sempre estiveram ‘dentro de’. Dentro da estrutura que os transforma em ‘seres para outro’. Sua solução, pois não está em ‘integrar-se’, em ‘incorporar-se’ a esta estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que possam fazer-se ‘seres para si’. (FREIRE, 2005, p. 70) Não há nada mais atual e verdadeiro para exemplificarmos essa atitude “bondosa” da elite ao querer “neutralizar” a educação, do que a fala de Freire (1984, p.89), ao afirmar que “seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”. O que vemos nesse projeto e nas críticas à educação é um retrocessoao ensino bancário, centralizado e vertical onde se consiste transmitir ao aluno meias verdades, disfarçadas no véu da neutralidade ideológica, manipulando e negando ao educando o direito de se posicionar diante das ideologias que nunca vão deixar de existir. REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli. Práticas inovadoras na formação de professores. Campinas: Papirus, 2016. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 5. Ed. Petrópolis: Vozes, 2011. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984 FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 7. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. _____, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 50. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. _____. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GADOTTI, Moacir. Crítica à escola capitalista e democratização do ensino. Pensamento pedagógico brasileiro. In:_____. São Paulo: Ática, 1995. pp. 74-86. _____. A preocupação com a especificidade da educação: a pedagogia dos conteúdos. Pensamento pedagógico brasileiro. In:_____. São Paulo: Ática, 1995. pp. 93-99. _____. Educação e poder: a pedagogia do conflito. Pensamento pedagógico brasileiro. In:_____. São Paulo: Ática, 1995. pp. 108-125. LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. 2. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
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