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FICHAMENTO TEXTUAL Rizinni, Irene; Pilotti, Francisco, (orgs.). A Arte de Governar Crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2011. PARTE 1 O objetivo principal desta obra é mostrar como se deu a atenção dispensada às crianças e adolescentes no Brasil ao logo dos tempos. Projetos, Instituições, Leis, Decretos, tudo que foi feito com o objetivo de preservar o pleno desenvolvimento da criança e adolescente no Brasil. Claro, desde já, é válido ressaltar que grande parte das iniciativas foram apenas de papel, que não surtiram efeitos positivos na prática, seja pela forma rasa com que eram criadas as leis, seja pela falta de interesse por parte daqueles que eram responsáveis por tal situação e, pela corrupção e troca de favores envolvidos. No Brasil, a assistência à criança e adolescente sempre foi voltada às crianças pobres, marginalizadas, de rua, tratadas como um problema para o bem-estar social. (p. 16) A responsabilidade pela criança, ao longo do tempo, vem “mudando de mão”, de responsabilidade. Desde o período colonial com os padres Jesuítas, com os senhores de escravos, que as utilizavam como mão de obra; o Sistema de Roda criado pela Santa Casa de Misericórdia, que acolhia as crianças expostas, mas na verdade o objetivo intrínseco era esconder aquelas crianças geradas fora do casamento dos da elite da sociedade; o asilo para crianças foi outra maneira de recolher aqueles que estavam soltos ameaçando a ordem pública; os higienistas interveem também no sentido de levar os cuidados médicos para as Casas dos Expostos; os tribunais, que seriam para garantir os direitos desses menores, acaba sendo nada mais que um órgão encaminhador de crianças e adolescentes para os reformatórios e casas de correção; as crianças trabalhadoras durante o século XIX e perdurou no século XX, apenas mudando as formas com que eram utilizadas; na família pobre, geralmente era tida como sem condições financeiras e morais para a criação da criança, podendo o Estado intervir no seio da família através da retirada e restituição do Pátrio Poder; o clientelismo, troca de favores, corrupção sempre estiveram presentes; no período da Ditadura Militar, cria-se a FUNABEM e PNBEM, que não muda muito em relação às já criadas anteriormente; na década de 80, a sociedade civil começa a questionar mais assiduamente as irregularidades nessas instituições, tal movimento é de suma importância para a criação do ECA. (p. 15-30) CAP. I Levando em consideração o período republicano de nosso país, e analisado todas as políticas que dizem respeito à criança e ao adolescente, é perceptível que o Estado, as Instituições e o privado sempre mantiveram um jogo de interesses, o clientelismo mutuo e o desenvolvimento de políticas voltadas ao atendimento digno às crianças fica em segundo plano. Desta forma, irei prosseguir fazendo uma linha história de como se deram as políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente desde a República Velha até os anos 90. A República Velha (1889-1930) “Nosso pressuposto é de que omissão, repressão e paternalismo são as dimensões que caracterizam a política para a infância pobre na conjuntura da Proclamação da República [...]”. (p. 36) O período da República Velha, que compreende os anos 1889 até 1930, é marcada pelo enaltecimento do paternalismo (p. 38) que nada mais é do que a troca de favores políticos e jogo de interesses, sempre pautada na ambiguidade de criticar a participação do Estado no que diz respeito à infância, no entanto, impulsionando a inciativa privada, configurando assim a troca de favores, e cada um buscando seus próprios interesses. Dessa forma, as crianças e adolescente ficavam à margem do interesse real do Estado, em famílias mergulhadas na extrema pobreza, crianças misturavam-se aos adultos desde cedo no trabalho pesado, ressalta-se ainda, a ineficiência do sistema educacional que não suficiente para atender a demanda de crianças, das quais, as mais pobres ficavam de fora do sistema, fadadas ao trabalho, marginalidade e desamparo total. As propostas de intervenções governamentais existentes eram, como diz a autora, em manter a disciplina e a ordem nas famílias, e também nas ruas, adotando assim caráter repressivo e controlador (p. 39) longe do caráter assistencialista que vise o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente. A questão do trabalho infantil sempre foi negligenciada, ficando estes ao bel prazer do empregador, público e Privado aliados defendendo seus próprios interesses. Em linhas gerais, nesse momento histórico, defendia-se a não intervenção do Estado sobre a questão da criança. “Dentre os atores ou agentes que articulam as forças em torno das políticas para a infância [...] destacam-se os higienistas e juristas, encaminhando estratégias de controle da raça e da ordem, combinadas, não raro, com a interação do setor estatal e do setor privado (p. 43). ” “Médicos e advogados são articuladores de instituições e reformas que foram sendo implantadas na conjuntura de 1920 a 1926 [...] ” (p. 43) Podemos perceber novamente a interligação entre o Estado e o Privado, não olhando a criança em sua totalidade, mas sim, uma raça que garantirá o futuro da nação e que precisa ser cuidada. As instituições, voltadas ao encaminhamento para o trabalho ou para a repressão social propriamente dita, eram o que estas tinham de garantia de direito. Se estavam abandonadas na rua ou a família perdia o pátrio poder, elas eram encaminhadas às instituições que cuidavam de lhes ensinar trabalhos domésticos e serviços para ir ao mercado de trabalho, aquelas que cometiam crimes, eram aprisionadas, numa tentativa de manter a ordem social. Diz a autora que o ensino público, que foi uma promessa da República, foi um grande fracasso (p. 49). Os anos 30 – a era Vargas (1930-1945) Um período de grandes promessas e projetos, mudanças em vários setores, autoritarismo e novamente a interação público/privado. A primeira citação com relação à infância é justamente no que diz respeito ao trabalho, onde as empresas queriam que fosse a partir dos 12, mas o Código de Menores só permitia o trabalho a partir dos 14 anos de idade, no entanto, isso foi mudado com um Decreto de 1932, que permite o trabalho a partir dos 12 anos. Esse quadro só mudará novamente com a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, que proíbe o trabalho a menores de 14 e restringe aos de 14 a 18. A educação também passava pela integração do Estado com as instituições privadas, com a criação do SENAI e posteriormente, do SENAC. Ou seja, em tudo havia envolvimento de vários interessados, tanto do Estado quanto das empresas privadas, fato esse bem explicitado quando a autora diz o seguinte “O Estado se articula como setor privado fazendo-o semioficial, distribui verbas, busca legitimação em troca de favores, e, ao mesmo tempo, deixa ao descaso as instituições públicas. (p. 54)”. Após a queda do governo Vargas, algumas mudanças acontecem, como o que consta na nova constituição de 1946. “Dentro os direitos dos trabalhadores incluídos na nova Constituição, estão [...] a proibição do trabalho de menores de 14 anos [...]. O artigo 164 preceitua que ‘é obrigatória, em todo território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência’. ” (p. 58) No entanto, aparentemente, a única solução possível para o “controle social” e “ajuda” ao menor, continua sendo a internação em instituições, essa ideia era fortalecida pela iniciativa privada, visando seu retorno financeiro e também pelos clientelistas, tendo o mesmo objetivo. (p. 60) Período da Ditadura Militar No contexto do período da Ditadura Militar (1964-1985), as coisas não mudam, a FUNABEM continua alinhada aos interesses do setor privado, adotando uma posição tecnicista, sendoassim, podemos observar outro período histórico, porém a mesma história se repete em relação ao menor na sociedade: trabalho infantil, autoritarismo e repressão. (p. 65) “As construções feitas sob orientação da FUNABEM, [...] para ‘reeducação’ são verdadeiras penitenciárias, ‘com uma ênfase na segurança’” (p. 69) Mesmo com a promulgação do novo Código de Menores, em 1979, pouca coisa muda na situação da criança e do adolescente na cidade, tudo continua nos mesmo moldes da FUNABEM. “A Constituição de 1967 (art. 158, X) reduz a idade da proibição para o trabalho até 12 anos, visando a incorporar mais cedo a mão-de-obra ao mercado de trabalho, reforçando a estratégia de utilização precoce da mão-de-obra infantil. ” (p. 71) “O sistema de internamento do menor e do esquema de segurança montado nas escolas dá a conotação de instituições fechadas. Indica que o Sistema de Atendimento privilegia de tal forma as relações menor-Instituição que chega a esquecer as relações menor-sociedade. ” (P. 72) Dessa forma, é impossível pensar que alguma criança ou adolescente iria passar pela ressocialização, a intenção verdadeira era somente tira-las da rua para manter a “ordem social”. Levando em consideração o exposto, considera-se que no âmbito das políticas voltadas para infância no período da ditadura militar foi um fracasso. (p. 72) O pós ditadura, a “Nova República” Período de grandes mudanças no cenário político do país, crise econômica e instabilidade político partidária. Se pode observar as mesmas características dos governos anteriores, muito se fala, no entanto, as coisas tendem a seguir o mesmo caminho sempre, trabalho infantil, clientelismo, jogo de interesses e troca de favores entre a iniciativa privada e o Estado. Os direitos da criança eram sempre colocados em pauta através das organizações, no entanto, na Constituição de 1988 ficam estabelecidos os direitos da criança nos artigos 227, 228 e 229 (p. 76), desses, destaco o seguinte artigo: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição, 1988) No mesmo período, vários projetos alternativos são apresentados através das ONGs, fortalecendo a ligação público/ONGs, e a partir disso é que, nos anos de 1986, 1989 e 1993 são realizados, pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMIVIR), encontros nacionais que contribuíram para trazer a questão da política para a infância como debate nacional (Faleiros et al. 1986, 1992 e 1993 apud Rizinni; Pilotti. 2011, p.80) Em 1990, é criado o Estatuto da Criança e do Adolescente, revogando assim o Código de Menores de 1979, nele, traz detalhadamente os direitos da criança e do adolescente já em forma de diretrizes gerais para uma política nessa área (p. 80), consta no ECA todos os direitos inerentes à criança e ao adolescente, garantias e deveres, afim de proporcionar a inserção destas como cidadãos de direito perante a sociedade. Em 1991, é criado o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que vem impulsionar a implantação do ECA. Em linhas gerais, diversas características como o clientelismo, trabalho precoce, exploração, repressão, autoritarismo, altos índices de repetência escolar, miséria, e outros se mantém vivos durante toda a história republicana do Brasil, sendo as tentativas, por meio de projetos e leis ficando apenas no papel, fadadas ao fracasso e à corrupção no jogo de interesses. *** O segundo capitulo deste livro vem trazer de forma mais especificada o andamento das leis e decretos criados que tratavam da situação da criança (do menor) na sociedade brasileira, sempre voltados para as crianças “errantes” e “desvalidas”, da camada pobre da sociedade. Em sua maior parte, os decretos eram voltados ao recolhimento desses menores, os quais eram encaminhados a dois destinos: internação ou trabalho. Não dá para perceber realmente alguma preocupação com a emancipação desses menores, a intenção era simplesmente retirá-los de circulação prezando o bem- estar social. Historicamente falando, os “direitos” inerentes aos menores, eram baseados em decretos que pouco eram respeitados, uma vez que esses decretos se baseavam regulamentação de jornada e remuneração de trabalho infantil, claro, existiam outros pontos também, no entanto, despertava o interesse de apenas uma pequena parcela da sociedade. Há a ausência de acesso à educação, a miserabilidade era alta, crianças necessitavam ir para o mercado de trabalho para ajudar na renda familiar, e isso acabava enfraquecendo o vínculo do seio familiar, criando uma criança de rua. A assistência social propriamente dita não chegava a essa população mais pobre, quem dirá, às crianças. Os menores passam a ser uma “preocupação” do Estado, e cada vez mais ficando sob a vigilância dos órgãos públicos. Na primeira parte deste livro vemos que o menor desvalido é levado a ser responsabilidade do Estado, e este, usa-os a seus interesses, que o principal é, sem dúvidas, a remoção dessas crianças das ruas, visando a diminuição da criminalidade – isso é o discurso – no entanto, o desejo intrínseco é mesmo de manter a ordem e o bem- estar daqueles que pertencem às elites. PARTE 2 Nesta segunda parte, tecida por Esther Maria de Magalhães Arantes, a autora nos leva até o período do Brasil Colônia, nos primórdios da colonização, todas as características territoriais e de costumes dos nativos indígenas, de que forma o Estado e a Igreja “solucionaram” este “problema”, que na verdade, nada mais era do que a cultura que já existia aqui, mas que para os europeus era reprovável, abominável. Estratégias adotadas – “remédios” – para o controle dos mesmos, que se baseavam na catequização, repressão, imposição de leis e intimidação psicológica sob os nativos, para que dessa forma, como afirma a autora “estando os índios sob sujeição, estava aberto o caminho para a conversão e o trabalho escravo [...] (p.160) ”, dessa forma, gradativamente vai sendo moldada aos interesses dos colonizadores o modo de vida dos nativos. Tendo em vista a dificuldade de converter à fé cristão os índios adultos, os jesuítas voltaram a atenção para a educação das crianças e estes foram os educadores do Brasil por mais de 200 anos (p. 165-166). O tocante à questão da criança, de fato, começa quando estas são utilizadas para obter lucro, valendo-se da dualidade social existente na época entre escravo- colono, o colono usava de seu poder para vender, comprar, possuir, trocar, enfim, fazer o que quisesse com os escravizados (negros e indígenas), em alguns locais isolados praticava-se a chamada “pecuária negreira”, que consistia em “produzir” crianças para servirem de escravos. Estas crianças entravam no mundo do trabalho aos 7 anos de idade, e na condição de escravos a partir dos 12, pois considerava-se que já tinham plena força de trabalho para aguentar as jornadas de “trabalho”. O abandono de crianças nas portas de igrejas e até mesmo nas ruas eram constantes e “(...) eram frequentemente devoradas por cães, porcos ou outros animais. Outras vezes, morriam de fome ou de exposição aos elementos” (Orlandi, 1985, p.75 apud Rizzini; Pilotti, p. 176), visando, mesmo que não de forma satisfatória, uma solução para esse problema de abandono de recém-nascidos é que surge, em 1726, a Roda dos Expostos, que funcionava como um asilo para esses bebes abandonados onde ficava, até os 7 anos. As Rodas são extintas em meados do século XIX, que é a partir da criação de legislações especificas para a criança, é que muda esse quadrode caridade e estas passam a ser alvos de políticas públicas (p. 180). “Pode-se dizer que durante três séculos e meio, as iniciativas em relação à infância pobre no Brasil foram quase todas de caráter religioso (p. 180) ”, até então, o Estado não demonstrava interesse algum inerente às crianças pobres da sociedade, quadro que começa a mudar após 1850, que é quando o Estado cria algumas instituições para acolhimento – ou recolhimento – e dessas crianças órfãs, desvalidas, que vagavam nas ruas, e na maior parte dessas instituições, era oferecido ensino prático ou profissionalizante, preparando-os para o trabalho e as meninas, para o serviço doméstico. No início do século XX, surge, através de médicos higienista, uma preocupação maior com a puericultura, sob o rótulo de “a arte de cultivar crianças”, que entendia a criança em desenvolvimento como um todo, dotada de particularidades, e estas deveriam ter uma atenção integral, mostrando assim, o surgimento do sentimento de infância no Brasil. No entanto, esta preocupação não atinge ou não tem como objetivo chegar às crianças mais pobres, ficando reservado a essas, a “assistência” do Estado e caridade da Igrejas. “Com a crescente intervenção do Estado na assistência, a partir da década de 1920, tem início a formalização de modelos de atendimento, não se constatando, no entanto, diminuição da pobreza ou de seus efeitos” (p. 191), logo, o que poderia ser uma forma de inclusão social da camada mais pobre através de políticas públicas, acabou por ser uma estratégia de “remediar” o problema da criminalidade sempre presente na sociedade, em linhas gerais, ser pobre já era uma forma de ser criminoso.
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