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Autora: Profa. Daniela Emilena Santiago Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudella Profa. Ronilda Ribeiro Política Social no Brasil Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Professora conteudista: Daniela Emilena Santiago Assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica contra crianças e adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP), mestra em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e mestra em História pela mesma Universidade. Atualmente é funcionária pública do município de Quatá/SP, atuando como assistente social na Secretaria Municipal de Promoção Social, e é doutoranda em História na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Exerce também a função de docente e líder no curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP), na modalidade EaD. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S235p Santiago, Daniela Emilena Política Social no Brasil / Daniela Emilena Santiago. – São Paulo: Editora Sol, 2019. 200 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-181/19, ISSN 1517-9230. 1. Política social de educação. 2. Política social de saúde. 3. Política social de assistência social. I. Título. CDU 304 U501.85 – 19 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Souza Aline Ricciardi Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Sumário Política Social no Brasil APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 AS POLÍTICAS SOCIAIS CONSTITUÍDAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL: DA LEI DOS POBRES AOS SERVIÇOS CONSOLIDADOS ATÉ A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ..........................9 2 O PÓS-GUERRA E A CONSOLIDAÇÃO DO WELFARE STATE ............................................................ 26 3 E NO BRASIL? DA ERA COLONIAL AO PRIMEIRO MANDATO DE VARGAS ................................ 33 4 E NO BRASIL: O ESTADO DE MAL-ESTAR SOCIAL ATÉ FINS DO GOVERNO DITATORIAL ...................................................................................................................................... 43 Unidade II 5 O CONTEXTO DA CRISE CAPITALISTA DOS ANOS 1970 E A PERDA DOS DIREITOS SOCIAIS: O DESMONTE DAS POLÍTICAS SOCIAIS NA EUROPA, NOS ESTADOS UNIDOS E NA AMÉRICA LATINA ..................................................................................................................................... 51 5.1 Os anos 1980 e o Sistema de Seguridade Social no Brasil .................................................. 62 5.2 A política social de saúde .................................................................................................................. 64 5.3 A política social de assistência social ........................................................................................... 70 5.4 A previdência social ............................................................................................................................. 75 6 O AVANÇO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL ..................................................................................... 78 6.1 O Brasil e as políticas sociais nos governos Lula, Dilma e Temer ...................................... 97 Unidade III 7 AS POLÍTICAS SOCIAIS SETORIAIS: SAÚDE MENTAL ........................................................................118 7.1 História das práticas em saúde mental: realidade internacional e no Brasil .............118 7.2 As ações em saúde mental desenvolvidas no Brasil ............................................................128 7.3 O assistente social e a atuação em saúde mental ................................................................133 8 AS POLÍTICAS SOCIAIS SETORIAIS: EDUCAÇÃO E HABITAÇÃO ....................................................136 8.1 A política social de educação e a atuação do assistente social ......................................136 8.1.1 A política social de habitação e a atuação do assistente social ........................................141 8.2 As políticas sociais setoriais: justiça, segurança e intervenção com família .............153 8.2.1 A atuação do assistente social perante a justiça e a segurança ...................................... 153 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 8.3 O assistente social e a ação na família ......................................................................................163 8.4 As perspectivas analíticas e teórico metodológicas da política social .........................167 8.4.1 Funcionalismo, idealismo e marxismo: diversidade na forma de compreensão sobre a política social .................................................................................................................................... 167 7 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 APRESENTAÇÃO Olá, aluno, começamos esta disciplina convidando-o a refletir sobre a matéria a seguir. Vejamos: Sessão pelos 30 anos da Constituição terá segurança reforçada amanhã A sessão solene que nesta terça-feira (6) vai comemorar os 30 anos da Constituição Federal promete movimentar a Câmara e o Senado. Um forte esquema de segurança está sendo montado no Congresso para o evento. O presidente e o vice-presidente eleitos, Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, são aguardados para a cerimônia. Será a primeira vez que Bolsonaro volta à Casa desde que venceu a corrida presidencial. Ao todo, 1,5 mil convites foram distribuídos pelo cerimonial do Congresso e a solenidade está sendo vista como uma espécie de ensaio para a posse de Bolsonaro, em 1 de janeiro de 2019. O acesso ao plenário da Câmara e suas galerias ficará restrito a convidados e a visitação do público à Câmara e ao Senado será suspensa. Segundo a Agência Brasil apurou, não somente pela presença do presidente eleito, que oficialmente foi convidado como parlamentar, mas também pelo grande número de autoridades que devem prestigiar a sessão, o esquema de segurança será reforçado. Para esse tipo de solenidade, fora o tapete vermelho, não haverá pompa. As autoridades chegarão ao Congresso pela chapelaria, como é de praxe nessas ocasiões. Além dos chefes dos três Poderes da República, Michel Temer (Executivo), Eunício Oliveira (Legislativo) e Dias Toffolli (Judiciário), devem participar da cerimônia parlamentares constituintes, a procuradora-geralda República, Raquel Dodge, ministros de Estado, embaixadores, deputados e senadores em exercício e os que tomarão posse em 2019. A depender dos discursos, a solenidade marcada para as 10 h pode terminar por volta das 14 h. Fonte: Melo (2018). Nela vemos um evento que aconteceria no dia 6 de novembro e que tinha como objetivo comemorar os trinta anos da Constituição Federal do Brasil. Essa Constituição, conhecida como Constituição Cidadã, pode ser considerada como um marco na definição dos direitos sociais dos brasileiros, uma vez que, por meio desse documento, o Estado brasileiro passou a ter a responsabilidade por tais direitos. Nesse sentido, é mister repensar a consolidação dos direitos sociais, não apenas considerando a realidade brasileira, mas como esse processo se desenhou pelo mundo. Tal entendimento deve vir alicerçado na compreensão de como são entendidos os direitos sociais atualmente e em que medida eles têm sido implementados por meio de políticas e serviços sociais. A nós, assistentes sociais, é basal o entendimento dos direitos sociais constituídos e das políticas sociais a eles vinculados, uma vez que é nesse universo que nos movimentamos e atuamos. Nossa intervenção é múltipla, já que tanto trabalhamos no planejamento, avaliação e execução dos serviços sociais vinculados às políticas sociais. Por oportuno, nos é basal esse entendimento, ou melhor, é fundamental em nossa formação o conhecimento amplo desses serviços e das políticas sociais. Por 8 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 isso, convidamos você para adentrar nesse estudo, nessa compreensão e assim ampliar ainda mais seu entendimento acerca do quão relevantes são tais direitos para os segmentos mais vulnerabilizados de nosso País. INTRODUÇÃO Analisaremos no presente livro-texto as questões análogas à política social. Para isso, iniciaremos com a discussão que nos permitirá conhecer o desenvolvimento histórico das políticas sociais, considerando o cenário internacional e também a realidade brasileira. Nesse aspecto, cabe destacar que tanto o contexto das leis dos pobres, quanto a constituição das políticas sociais sob a esfera da acumulação capitalista até meados dos anos 1970 serão ora retratadas. Tais considerações serão apresentadas na parte inicial do presente material. Após tais colocações arroladas, daremos seguimento aos nossos estudos, abordaremos então outras informações sobre as configurações das políticas sociais, partindo dos anos 1970 até a contemporaneidade. Também, nesse caso, vamos nos respaldar na disposição das políticas sociais no cenário internacional, assim como a realidade dos serviços no Brasil. Obviamente que esse entendimento vem perpassado por muitos dados, fatos, eventos que marcaram substancialmente as políticas sociais. Tais fatos são basais para o entendimento dos serviços e políticas sociais que se constituíram no país ao longo dos anos. E são fundamentais ainda para que possamos compreender as reformas gerenciais estatais e que incidiram sobremaneira nas políticas sociais. E, por fim, todo esse embasamento nos levará ao momento de apresentarmos o tripé que conforma a seguridade social brasileira, além de realizarmos indicações a respeito das chamadas políticas sociais setoriais, nas quais abordaremos a questão da educação, habitação, justiça e segurança e a familiar. No sentido referenciado, é necessário ressaltar que a educação e a habitação já são consideradas políticas sociais consolidadas. A justiça e a segurança também são serviços básicos, atualmente, no Brasil, não temos uma política social de família, mas sim intervenções com centralidade nela. Ao final, concluiremos nossas colações, abordaremos as diversas perspectivas de políticas sociais, a saber: a funcionalista, a idealista e a crítico-dialética. Dessa maneira, por meio da forma com que o estudo foi estruturado, será possível conhecermos tanto o desenvolvimento histórico das políticas sociais quanto a sua configuração, adotada nos mais variados contextos. Portanto, esse saber estruturado, por meio desse material, representa o saber produzido por vários autores, muitos dos quais são assistentes sociais, e que nos trazem perspectivas críticas e alicerçadas em uma sólida análise da realidade em que vivemos e suas influências para os direitos sociais e para as políticas sociais. Enfim, agora que já apresentamos e introduzimos o assunto em questão, nos resta convidá-lo uma vez mais para dar início a essa leitura e a percorrer os caminhos que nos levam ao maior entendimento das políticas sociais. 9 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL Unidade I 1 AS POLÍTICAS SOCIAIS CONSTITUÍDAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL: DA LEI DOS POBRES AOS SERVIÇOS CONSOLIDADOS ATÉ A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Como protoformas iniciais das intervenções em política social, nos referimos às ações empreendidas no estágio pré-capitalista. Começaremos nossas colocações considerando a realidade europeia, bem como a de outros países, desde os povos mais antigos, pois tais ações são conhecidas como as bases iniciais das intervenções em política social. Obviamente que nem todas essas intervenções não eram sistematizadas e desenvolvidas pelo Estado, tal como evoca a noção de política social, mas demonstram a preocupação de alguns segmentos em atuar em prol daqueles que estão em maior situação de vulnerabilidade. Realizando uma retrospectiva histórica, podemos concluir que a ajuda ao próximo é algo tão antigo quanto o desenvolvimento do gênero humano. Apesar de o auxílio não ser uma política social, a sua institucionalização em espaços públicos guarda relação com as formas iniciais de caridade. Nesse sentido, Martinelli (2009) nos coloca que as ações de ajuda ao próximo foram iniciadas provavelmente a 3000 a.C., sobretudo no Antigo Egito, Grécia, Itália e Índia. Essas ações não eram empreendidas pelo Estado ou por qualquer órgão que pudesse ser tido como regulador das relações entre os homens, mas eram empreendidas pela caridade privada. As confrarias surgem na Antiguidade, todavia, estão presentes até a Idade Média. Nos termos postos, Martinelli (2009, p. 96) destaca que essas intervenções iniciais de auxílio aos segmentos em situação de vulnerabilidade social ficaram conhecidas “confrarias do deserto”. Elas eram organizadas pela caridade de grupos específicos e inicialmente foram sendo constituídas para facilitar a caminhada de alguns grupos pelo deserto, oferecendo alimentos e outros itens que se faziam necessários para a sobrevivência durante o trânsito. Com o tempo, porém, essas confrarias passaram a ser localizadas nas “cidades”, ainda rudimentares que já vinham se constituindo, sendo comuns durante a Idade Média. Quando as confrarias foram constituídas nas cidades, passaram a oferecer os serviços de esmola esporádica, visita domiciliar, concessão de gêneros alimentícios, de roupas e também de calçados. A autora também nos diz que essas concessões não eram orientadas apenas às pessoas que iriam viajar pelo deserto, mas aos cidadãos mais empobrecidos das sociedades em questão. Martinelli (2009) ainda nos coloca que para a concessão dos “benefícios” em questão, era comum que os responsáveis pelos serviços realizassem visitas, entrevistas, sendo que, segundo a autora, os judeus priorizavam a realização das abordagens via visita domiciliar para viúvas, órfãos, idosos e enfermos. Somente mediante tais interpelações, o benefício era concedido. 10 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I Essas intervenções foram intensificadas a partir do surgimento do cristianismo, que começou a pregar a necessidade do auxílio ao próximo. Nos termos postos, a filosofia de ajuda ganhou grande ênfase dentro da Igreja Católica a partir do século XIII, sobretudo quando passou a ser proposta por Tomás de Aquino, sendoque esse filósofo também foi tido como santo pela instituição religiosa em questão. Todavia, além da simples concessão de benefícios, provavelmente inspirada pela caridade, a ajuda possuía um caráter ideológico a ser alcançado. De acordo com Martinelli (2009), a caridade era também usada como uma forma de controle, de transmissão da ideologia, sobretudo da Igreja Católica, que desenvolvia grande parte das ações. No caso, a autora nos coloca que a ajuda a outros era “[...] uma forma de controlar a pobreza e de ratificar a sujeição daqueles que não detinham posses ou bens materiais” (MARTINELLI, 2009, p. 97). Conforme Faleiros (2000), a caridade da Igreja e de alguns poucos grupos privados ainda prevaleceu durante muito tempo. No entanto, a satisfação das necessidades dos servos, na Idade Média, ainda dependia do desejo do senhor feudal. No caso, como sabemos, o regime feudal se caracterizava por possuir a sociedade constituída por senhores feudais, servos e a Igreja e, em tal sistema, o senhor feudal era o proprietário da terra, ao passo que o servo era o trabalhador. O autor nos coloca que tanto as ações desenvolvidas pelos senhores feudais quanto as empreendidas pela Igreja possuíam uma conotação que buscava alcançar a servidão das pessoas. Além das esmolas, essas iniciativas prestavam ainda o acesso a cuidados básicos de saúde e a asilos em determinadas situações. Essa perspectiva é corroborada por Behring e Boschetti (2010, p. 47), que ainda nos indicam que essas intervenções tinham como enfoque realizar um controle dos pobres, evitando assim o que era tido como “vagabundagem”, sendo utilizadas como uma forma de manter a ordem social no período. Além disso, tais ações não eram contínuas, e sim pontuais, serviam apenas para atender a situações emergenciais que se apresentavam em determinadas circunstâncias. Também foi nesse período que o Estado passou a desenvolver algumas ações, pontuais, nos problemas sociais. “Ao lado da caridade privada e de ações filantrópicas, algumas iniciativas pontuais com características assistenciais são identificadas como protoformas de políticas sociais” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 48). No caso, a intervenção estatal era mínima, sendo que as ações empreendidas pelo Estado acabavam figurando apenas no aspecto legislativo, ou seja, delimitando aspectos legais de proteção aos trabalhadores, ou impondo sanções de trânsito das pessoas pelas cidades, como veremos. O Estado só começou a intervir efetivamente, para além da definição das leis, quando constatou que a filantropia se mostrava insuficiente e, mesmo assim, tal intervenção não era empreendida sob a ótica do direito, como veremos. Pereira (2011) chega a descrever que as ações de caridade eram desenvolvidas nas paróquias. “[...] a partir da constatação de que a caridade cristã não dava conta de conter possíveis desordens que poderiam advir da lenta substituição da ordem feudal pela capitalista, seguida de generalizada miséria, desabrigos e epidemias” (PEREIRA, 2011, p. 62). Pereira (2011) destaca que em 1351, na Grã-Bretanha, durante o reinado do Rei Eduardo III, ainda na Idade Média, teria sido constituída a Lei dos Trabalhadores. A autora nos coloca que, nesse período, grande parcela da população local fora morta pela Peste Negra e isso resultou na escassez de mão de obra. Dessa forma, para atender a situação posta, Eduardo III definiu pela constituição da Lei dos Trabalhadores. Essa legislação fora 11 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL feita com o objetivo de controlar as relações de trabalho por meio da fixação do valor dos salários dos trabalhadores e, também, para controlar sua mobilidade. Nesse documento, Eduardo III obrigou todos que estivessem em condições físicas ao trabalho. No caso, essa legislação é representativa das legislações inglesas constituídas no período e segundo as quais havia o controle da mão de obra. A autora ainda assevera que no ano de 1530, estimado por Pereira (2011) como um período transitório, com o fim da Idade Média e início da Idade Moderna, temos a legislação do rei Henrique III, na França, que definiu que as próprias paróquias poderiam arrecadar recursos na comunidade local para a caridade. Além dessa autorização, durante esse reinado, crianças e adolescentes que não trabalhavam eram colocados nos asilos, e os adultos que não trabalhavam eram tidos como vagabundos. Os vagabundos podiam ser punidos caso não trabalhassem. Pereira (2011) destaca que as pessoas que não trabalhavam foram reconhecidas pelo parlamento inglês em 1547 como passíveis até de serem escravizadas. Os socorros oferecidos pelas paróquias nesse contexto eram prestados por meio das caixas de socorro. Essas caixas ainda seguiam o princípio das confrarias do deserto, ou seja, concediam benefícios eventuais como alimentação, remédios, vestuários. Esses bens eram obtidos por meio da arrecadação na paróquia, mas só eram concedidos para serem usados como um remédio paliativo contra o vício, a vagabundagem e a imoralidade, sendo que nesse período a pobreza era compreendida de tal forma, ou seja, como vício, vagabundagem e imoralidade (FALEIROS, 2000). Derivando dessa concepção, em 1576, na França, foi realizada uma diferenciação entre os pobres válidos e os pobres desvalidos. Os pobres válidos seriam aqueles que podiam trabalhar e os inválidos, consequentemente, eram aqueles que não podiam exercer atividade laboral. Ambos eram encaminhados para as poor houses, ou casas dos pobres, onde eram alojados. Esses serviços também receberam a nomenclatura workhouses e hospitais de pobres. Porém, é preciso notar que essas instituições permutavam a concessão de benefícios pelo trabalho e eram organizadas em antigos palácios abandonados. A figura a seguir é de uma instituição dessa natureza. Nela vemos que a legenda indica tratar-se de uma foto de meados de 1900. Optamos por inserir essas representações por não possuirmos imagens específicas do surgimento das casas de trabalho. Portanto, as figuras na sequência tornam-se bastante representativas. Figura 1 – Hospital da Ilha de Blackwell em meados de 1900 12 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I Figura 2 – Cela na workhouse de Washington Figura 3 – Senhora Lucy na workhouse de Washington Nelas vemos representações de quartos dessas instituições que recebia um dado grupo de pessoas não aceitas na sociedade, além de observamos que havia instituições em que os atendidos permaneciam em celas, como retratado. Na sequência observamos uma paciente, apresentada pelo nome de Lucy, que era atendida em uma casa de trabalho de Washington, possivelmente no início dos anos 1900. As workhouses eram as casas de trabalho para onde deveriam ir, com o objetivo de fazer as pessoas que foram ou que eram atendidas pela caridade trabalharem. As primeiras delas teriam sido criadas, de acordo com Faleiros (2000), na Inglaterra, em 1730. Alguns desses pobres permaneciam reclusos nesses locais desempenhando as funções que eram a eles atribuídas, o que Faleiros (2000) chegou a descrever como sendo um regime de prisão. Nelas eram concedidos auxílios mínimos e havia grande seleção para os atendimentos. Considerava-se que havia pobres merecedores de ajuda, e pobres que não eram merecedores de ajuda. “Aos primeiros, merecedores de auxílio, era assegurado algum tipo de assistência, minimalista e restritiva, sustentada em um pretenso dever moral e cristão de ajuda, ou seja, não se sustentavam na perspectiva do direito” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 49). Essas workhouses também ficaram conhecidas com o termo hospital de pobres ou dispensários. 13 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL Behring e Boschetti (2010), por outro lado, reconhecem nas protoformas das políticas sociais o arcabouço legal instituído durantea Idade Média e a Modernidade, pelo Estado, citando, nesse sentido, a seguinte legislação como referência: Estatuto dos Trabalhadores, de 1349; Estatuto dos Artesãos (Artífices), de 1563; Leis dos pobres elisabetanas, que se sucederam entre 1531 e 1601; Lei de Domicílio (Settlement Act), de 1662; Speenhamland Act, de 1662, Lei Revisora das Leis dos Pobres, ou Nova Lei dos Pobres (Poor Law Amendment Act), de 1834 (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 48). Vejamos quais as características e peculiaridades de cada uma dessas legislações. O Estatuto dos Trabalhadores determinava que todas as pessoas com menos de 60 anos de idade precisavam trabalhar, sendo “garantido” aos trabalhadores um teto mínimo de salário. O Estatuto dos Artesãos, por sua vez, regulamentava o exercício desse segmento e definia ser necessário ao menos 7 anos para ser considerado artesão profissional (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Saiba mais Para informações adicionais sobre os temas tratados aqui, recorra ao livro a seguir: MACHADO, E. M. Política social: a moderna Lei dos Pobres. [s . l.], 2019. Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/pela/pl-000259.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2019. A Lei dos Pobres, por sua vez, orientava sobre o desenvolvimento da caridade. Segundo essa legislação os pobres deveriam trabalhar para serem atendidos, mesmo por meio da caridade privada. Melhor dizendo, toda a caridade recebida por uma pessoa seria paga no futuro através do trabalho do atendido. Pereira (2011) nos diz que a lei publicada em 1601, apesar de repressora, buscou focar a necessidade de atender segmentos específicos, além do mais, delimitou que tais intervenções deveriam ser de responsabilidade das paróquias. Tal legislação ainda destacou que para receber atendimento, a pessoa deveria residir há pelo menos três anos no local da paróquia. A Lei do Domicílio, por sua vez, conforme Behring e Boschetti (2010), impedia que os trabalhadores se mudassem dos municípios onde trabalhavam sem uma comunicação prévia às autoridades. Essa legislação também ficou conhecida como termo Lei de Residência, sendo que, além da exigência de fixação, autorizava os delegados e fiscais locais a rejeitarem pessoas que se mudassem sem autorização. Tal legislação recomendava que as pessoas que fossem para os locais sem autorização poderiam ser direcionadas aos locais que residiam antes ou então para as workhouses (PEREIRA, 2011). Essa legislação ainda era utilizada como sendo uma forma de repressão, posto que impedia mesmo o trânsito dos indivíduos. 14 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I A Speenhamland Act dispunha que todos os homens sem trabalho recebessem uma ajuda do Estado, considerando o preço do pão e a Lei Revisora da Lei dos Pobres, que tornou a intervenção da pobreza ainda mais seletiva e residual. A Nova Lei dos Pobres torna o trabalho obrigatório e condiciona a ajuda recebida ao pagamento posterior, via trabalho. Para ser auxiliada, a pessoa precisava comprovar que estava em situação de pobreza, e eram separados os pobres em dignos e indignos (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). De acordo com Behring e Boschetti (2010), as legislações postas estabeleciam uma permuta entre a caridade e o trabalho, ou seja, quem tinha “ajuda” precisava retribuir com o trabalho tal como posto nas diversas versões das Leis dos Pobres. Pereira (2011) nos coloca que isso inaugurou uma concepção de que a política social deveria ser permutada pelo trabalho, algo como uma contrapartida necessária para quem era beneficiado. Ou, então, quem trabalhava possuía alguns poucos direitos, como o de ter um salário. De tal forma, o que tais legislações buscavam era garantir que todas as pessoas que possuíssem capacidade pudessem trabalhar, sendo assim era uma forma de “forçar” o trabalho, ou como nos dizem as autoras elencadas, tratava-se de um “[...] código coercitivo do trabalho” (PEREIRA, 2011, p. 49). O trabalho poderia ser desenvolvido em obras da Igreja ou em obras públicas. Havia uso corrente da repressão para que o trabalho fosse desenvolvido, sobretudo nos segmentos que eram “beneficiados” com a caridade, ou seja, os pobres. O pobre, sobretudo, era o mais agredido, digamos assim, posto que era obrigado a aceitar qualquer tipo de trabalho que aparecesse. Ou seja, o objetivo seria o de: [...] estabelecer o imperativo do trabalho a todos que dependiam de sua força de trabalho para sobreviver; obrigar o pobre a aceitar qualquer trabalho que lhe fosse oferecido; regular a remuneração do trabalho de modo que o trabalhador pobre não poderia negociar formas de remuneração; proibir a mendicância dos pobres válidos, obrigando-os a se submeter aos trabalhos forçados (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 48). Visto que, como o teto do salário já era regulado, o trabalhador não poderia se opor ao que fora delimitado, reivindicando, assim, aumentos salariais. No caso, figura como relevante ainda destacar que as legislações buscavam evitar a mendicância, sendo que isso era tido como uma forma de ajuste das pessoas à ordem social estabelecida. Behring e Boschetti (2010) nos colocam que essas ações buscavam ainda evitar a circulação das forças de trabalho, além de oferecer à sociedade do mercado a mão de obra, que era extremamente necessária para aquele estágio de desenvolvimento capitalista. A observância da lei era garantida por meio do desenvolvimento de ações punitivas e coercitivas, que eram empregadas à grande parcela da população, tais como “[...] surras, mutilações e queimaduras com ferro em brasa nos andarilhos, embora estes àquela época, não fossem tão numerosos como se fazia crer” (PEREIRA, 2011, p. 62). Essas práticas eram compreendidas como corretas e até aceitas socialmente. Faleiros (2000) coloca que o objetivo dessas ações era também acabar com os tidos como “vagabundos”, que não poderiam mais pedir esmolas. Se uma pessoa fosse pega mendigando, era encaminhada para as casas de trabalho e, se fosse pega novamente mendigando, poderia ser severamente punida. “Assim, os considerados vagabundos e mendigos eram açoitados ou, em caso de reincidência se lhes marcara 15 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL com ferro e os condenava à morte (coação direta e indireta ao trabalho). Foram proibidas as esmolas aos mendigos não identificados como tais” (FALEIROS, 2000, p. 12). Ainda segundo o autor, os atendidos não permaneciam em regime de internato, que eram poucos, eram obrigados a residir onde estavam localizadas as workhouses, ou seja, “[...] os pobres eram obrigados a residir no lugar de ajuda para que a mão de obra não fugisse dos senhores locais” (FALEIROS, 2000, p. 13). Similares a essas instituições, temos a criação das rodas e das casas dos expostos. As rodas recebiam, via de regra, crianças pequenas, e quando elas atingiam 7 anos, iam para as casas dos expostos, onde aprenderiam um ofício. Essas instituições recebiam ajuda das câmaras municipais, mas eram geridas pela Igreja e por pessoas ocupadas com a caridade privada. São modelos importantes de atendimento, porque foram também organizadas no Brasil (BADINTER, 1985). A imagem a seguir retrata um grupo de crianças que foram abandonadas por seus pais, no distrito de Volga, na Rússia. Figura 4 – Crianças russas em situação de abandono Saiba mais Caso se interesse em saber mais sobre o tema, recorra ao site: BATISTA JUNIOR, J. A história de paulistanos deixados na roda dos expostos da Santa Casa. Veja São Paulo, jun. 2016. Disponível em: <http:// vejasp.abril.com.br/cidades/roda-dos-expostos-santa-casa/>. Acesso em: 19 fev. 2019. Apresenta uma matéria com informações sobre as rodas e até histórias de pessoas que foram abandonadas nessas instituições no Brasil. É um texto forte, com relatos comoventes sobre a realidade de quem viveu em tais locais. 16 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rson - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I E também aos seguintes textos: TRINDADE, J. M. B. O abandono de crianças ou a negação do óbvio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 19, n. 37, set. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S0102-01881999000100003>. Acesso em: 19 fev. 2019. WEBER, L. N. D. Os filhos de ninguém: abandono e institucionalização de crianças no Brasil. Conjuntura Social, Rio de Janeiro, n. 4, p. 30-36, jul. 2000. Disponível em: <http://lidiaweber.com.br/Artigos/2000/2000Osfilhos deninguem.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2019. Também compreendendo as legislações, destacamos a Lei de Speenhamland, que, de acordo com Behring e Boschetti (2010), fora a menos repressora de todas. Nesse caso, era delimitado que fosse realizado o pagamento de um valor financeiro específico em complementação aos salários recebidos pelos trabalhadores, tomando ainda como base o preço do pão ou do trigo usado para produzi-lo. Essa assistência porém não era restritiva aos trabalhadores, mas contemplava alguns segmentos que estivessem momentaneamente desempregados ou que recebessem salários muitos baixos. Todavia, tais concessões exigiam a fixação dos trabalhadores na área em que o trabalho era exercido. Essa legislação fora definida, de acordo com Faleiros (2000), em Speenhamland por um grupo de juízes. Contudo, essa compreensão entrou em declínio a partir da Poor Law Amendment Act 1834, que recuperou os trabalhos forçados em prol da concessão de benefícios pontuais e emergenciais. No caso, as pessoas que não podiam trabalhar estavam entregues à própria sorte, posto que a concessão da ajuda era condicionada ao trabalho. Além dessas intervenções, havia ações pontuais e de abrigamento para idosos pobres e inválidos, mas tais ações eram precárias, pontuais e não tinham qualidade. No entanto, a partir de tais legislações, algumas intervenções passaram a ser mediadas pelo Estado. Entretanto, o principal foco dessas ações, que era impedir a “vagabundagem” e diminuir ou minimizar as expressões da pobreza, não fora alcançado. No caso, Pereira (2011) nos diz que a pobreza somente se ampliou até o século XVIII, já na Idade Moderna, e observamos uma crescente precarização da vida como um todo, sendo que tais condições afetavam não apenas os desempregados, mas a classe trabalhadora: “agora, não só os impotentes e desempregados, mas também os empregados, tinham de ser sustentados, em vista da presença ameaçadora da fome e do aumento dos preços dos produtos de extrema necessidade” (PEREIRA, 2011, p. 67). Apesar de tais condições de precarização da vida em geral, as intervenções desenvolvidas pelo Estado nas expressões da questão social ainda continuaram pontuais, focais e, em grande medida, dependendo da iniciativa privada e da caridade. Essa forma de agir do Estado, digamos assim, foi intensificada durante o século XIX e só entrou em declínio a partir do início do século XX. Behring e Boschetti (2010) nos colocam que grande parte do perfil assumido pelo Estado nesse período deriva de uma concepção denominada como “liberal” ou “liberalismo”. De acordo com essa concepção, o Estado não deveria realizar intervenções na economia e nem na vida das pessoas, cabendo 17 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL ao mercado a regulação da vida por meio da “mão invisível” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 56). Conforme tal pensamento, o Estado era um mal necessário, que deveria apenas fornecer a base legal para o desenvolvimento do mercado e, dessa forma, seria possível ampliar os benefícios para os homens. Esses pontos de vista foram originados em meados dos séculos XVI e XVII e possuíram como principais expoentes Maquiavel, Hobbes e Rousseau, mas tiveram grande divulgação a partir do século XIX. Em conformidade com essas compreensões, cabia ao Estado “[...] a defesa contra os inimigos externos, a proteção de todo indivíduo de ofensas dirigidas por outros indivíduos; e o provimento de obras públicas, que não possam ser executadas pela iniciativa privada” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 60), sendo que, de acordo com essa teoria, o Estado deveria apenas garantir o direito à vida, à liberdade, à individualidade e à propriedade privada. Nos termos postos, mesmo evocando o direito à vida, o liberalismo não demandava que o Estado realizasse intervenção nas expressões da questão social. Apesar disso, esse padrão de concepção do papel do Estado entrou em declínio a partir de finais do século XIX e início do século XX. Para Behring e Boschetti (2010), nesse período, vivenciamos uma ampliação da pobreza, das condições precárias de vida, e isso orientou o abandono do liberalismo como tendência teórica adotada pelo Estado. Essa alteração foi fortemente influenciada pela crise econômica que se evidenciou em todo o mundo a partir do início das primeiras décadas do século XX, tendo como sua maior expressão a Crise de 1929. Sobre esse período, temos o grande privilégio de possuir algumas imagens livres de direitos autorais. A seguir indicamos duas representações desse momento em fotografias de Migrant Mother, que, por sua vez, fora uma das fotógrafas mais famosas nos Estados Unidos e na Europa na década de 1930. Na figura a seguir, temos a representação fotográfica de Florence Owens Thompson, que procurava uma alternativa para ter suas necessidades atendidas e a de seus sete filhos, pós-crise, no ano de 1936, após o falecimento de seu esposo. Figura 5 – Margareth Mead no contexto da crise Na imagem, temos uma representação relevante da realidade concreta que afetou grande parcela da população no momento. 18 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I É necessário que se atente para o fato de que a crise econômica vivenciada motivou as organizações civis e políticas a se manifestarem contrárias às situações de desigualdade social que afetavam grande parcela da população. No caso, as mobilizações do movimento operário também influenciaram na mudança do papel até então assumido pelo Estado, ou seja, para conter manifestações, muitas vezes cercadas de muita violência, o Estado começou a intervir nas expressões da questão social, como uma alternativa para minimizá-las e restringir as manifestações do movimento operário. No entanto, no momento que estudamos, as ações eram pontuais e emergenciais e características do Estado nomeado como liberal. É importante que compreendamos bem o liberalismo, posto que essa forma de entender o papel do Estado será recuperada, tempos depois, com o nome “neoliberalismo”. O liberalismo disciplina a forma com que o poder público entende a realidade e como o Estado irá administrar as políticas sociais. Partiremos dos primeiros pensadores, dentre os quais Maquiavel. Com certeza, você já ouviu falar dele e de outros, como Hobbes, Locke e Rousseau. Agora, conheceremos as colocações desses pensadores para a sustentação do liberalismo. Assim sendo, para uma compreensão do liberalismo, iniciaremos com uma breve discussão do que Behring e Boschetti (2010, p. 57) denominam como “pré-liberalismo”. A compreensão do pré-liberalismo nos remete a pensadores como Maquiavel, Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Por meio das argumentações desses teóricos, teremos uma noção do que as autoras consideram como pré-liberalismo. Essas compreensões foram idealizadas durante meados do século XVI e início do século XVIII, sendo que, nesse momento, também experienciamos no mundo uma série de alterações em relação aos pensamentos antes hegemônicos sobre a vida em sociedade. No sentido posto, é nesse período que o mundo assiste o declínio da doutrina de lei divina; esta, uma forma de compreender o mundo, a vida social, como vontade de Deus e difundida por muitas religiões, sobretudo a Católica. Com essa mudança, abre-se a possibilidade para que o ser humano busque outras explicações sobre o mundoque o circunda, sobre os fenômenos cotidianos de sua vida (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Observação O regime feudal é assentado na produção nos feudos e refere-se à sociedade estratificada em senhores feudais, servos e representantes da Igreja. Já o regime capitalista é fundamentado no comércio de produtos e na sociedade dividida entre burgueses e trabalhadores. Também nesse período, em que há o declínio da ordem feudal, antes hegemônica como modo de produção da vida. Agora, temos o surgimento e a consolidação do sistema capitalista de produção, ainda em sua forma mais rudimentar, o capitalismo mercantilista, ou conforme nos dizem as autoras no estágio de “acumulação primitiva do capital” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57). Consequentemente, é um período de muitas mudanças, inclusive no pensamento de determinados teóricos. Comecemos por Maquiavel, famoso por ter escrito O Príncipe, em 1513, um verdadeiro tratado sobre o papel do Estado. 19 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL Em seus escritos, Maquiavel propunha que o Estado apenas fosse tido como sendo um mediador, um ente necessário somente para garantir a civilização dos homens, a repressão dos indivíduos, seu controle, o controle de suas paixões que poderiam conduzi-lo a atitudes negativas e que trariam prejuízo para o ser humano e para toda a sociedade. Assim sendo, segundo Maquiavel, ao Estado “[...] caberia o controle das paixões, ou seja, do desejo insaciável de vantagens materiais, próprias dos homens em estado de natureza” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57). Para Maquiavel, o Estado deveria centralizar o poder político, sendo permitido a ele tomar todas as decisões, sem consultar o povo se elas fossem tidas como ações em prol do bem-estar da sociedade. Apesar disso, o pensador defendia a república, mas isso não era necessário se o Estado não julgasse como tal. Partilhando dos ideais de Maquiavel, sobretudo no que concerne à necessidade de controle das vontades individuais, temos também o trabalho de Hobbes. Grande parte dos postulados de Hobbes está contido em seu famoso livro Leviathan, publicado nos idos do ano de 1651 (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Portanto, Hobbes defendia que o Estado deveria ser constituído para que fosse possível regular os homens. Segundo sua compreensão, todos os seres humanos eram dotados de “apetites e aversões” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57), e estes deveriam ser controlados porque o homem não poderia ser controlado apenas por seus apetites, suas vontades. No caso, para Hobbes, em prol do bem comum, o indivíduo deveria abrir mão de sua individualidade e submetê-la ao controle irrestrito do Estado, descrito pelo autor como sendo o “soberano” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57). Assim, “[...] a sujeição seria uma opção racional para que os homens refreassem suas paixões, num contexto em que o homem é o lobo do homem” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57). Saiba mais Recomendamos o acesso aos sites a seguir para aumentar a compreensão sobre os teóricos aqui estudados: HENRIQUES, M. C.; COSTA, M. A. John Locke – O segundo tratado sobre o governo civil. O portal da História, 2010. Disponível em: <http://www. arqnet.pt/portal/teoria/mch_locke.html>. Aceso em: 11 mar. 2019. PHYLOSOPHY PAGES. Jean-Jacques Rousseau. [s. d.]. Disponível em: <http:// www.philosophypages.com/ph/rous.htm>. Acesso em: 11 mar. 2019. RIBEIRO, P. S. Maquiavel e a autonomia da política. Brasil Escola, [s. d.]. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/ciencia-politica -maquiavel.htm>. Acesso em: 11 mar. 2019>. 20 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I Já para John Locke, a sociedade era composta de homens que se agrupavam para se defender, sobretudo contra a guerra. Locke se contrapunha à monarquia absoluta e propunha que o poder político estivesse diluído na sociedade. Assim, o poder político deveria estar nas mãos dos homens, sujeitos coletivos de uma determinada sociedade e não apenas do Estado. No entanto, para que os sujeitos pudessem ter o poder político, era necessário deter também a propriedade privada, ou seja, havia uma perspectiva relacional entre o poder político e a propriedade privada. Portanto, quem não detinha a propriedade privada não tinha acesso também ao poder político. Aliás, a propriedade privada era compreendida por Locke como algo necessário para oferecer uma base sólida à sociedade (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Para o autor, era necessário que os homens estabelecessem um pacto para que o bem comum fosse alcançado. E esse bem comum só seria alcançado se todos os seres humanos o buscassem de forma igualitária. Cabia, portanto, ao indivíduo se esforçar para alcançar esse bem comum posto. Deu para perceber que há similaridade entre Locke e Hobbes? Isso porque ambos destacam que é importante o esforço do ser humano para a construção de uma sociedade mais justa. Por outro lado, é válida também a premissa: se uma sociedade não se desenvolve, seria por que os indivíduos não se esforçam o suficiente? Sim, para Locke e para Hobbes, o ser humano deveria sempre buscar o seu desenvolvimento, e, assim, toda a sociedade sairia lucrando. E, por fim, chegamos a compreensão de Jean-Jacques Rousseau, que deriva das demais anteriormente elencadas, com algumas particularidades das quais trataremos no decurso desses escritos. Rousseau se tornou especialmente popular ao buscar discorrer sobre o papel do Estado em seu célebre livro Contrato Social, publicado em 1762. Behring e Boschetti (2010, p. 58) nos colocam que, para Rousseau, o homem era tabula rasa, ou seja, era despido de maldades. Para ele, o homem era essencialmente bom, ou como o autor nos dizia, era o “bom selvagem”. Porém, para ser assim tão selvagem, necessitava do auxílio do Estado apenas para controlar esse homem para que ele não desenvolvesse um lado negativo. Para Rousseau, a sociedade fora corrompida pela propriedade privada em decorrência de uma supervalorização. O Estado, de acordo com essa perspectiva, fora criado apenas para garantir a propriedade privada e de tal forma era um ente que buscava proteger os ricos e a propriedade privada. Rousseau propõe uma inversão desses valores, uma mudança dos princípios sob os quais a sociedade estava assentada. Em Rousseau, temos a indicação para o Estado de que o poder teria de ser partilhado com o povo, e, nesse formato, o Estado deveria representar a vontade de todos, a vontade geral, sendo que isso seria o “contrato social”, ou seja, “[...] um Estado cujo poder reside no povo, na cidadania, por meio da vontade geral. Este é o contrato social” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 58). Consequentemente, para que fosse possível que a população escolhesse, deliberasse em conjunto, era necessário que o Estado investisse na educação pública, na educação voltada para todas as populações. Nos termos postos, em Rousseau, o Estado era um “mal necessário” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 59), apenas para regular a vida em sociedade, já que segundo sua perspectiva todo poder deveria emanar do povo. 21 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL De forma que esses teóricos seriam os principais idealizadores do pré-liberalismo, ou seja, dos ideais do liberalismo que começou a se desenvolver apenas nos séculos XIX e XX. Antes de adentrarmos com os conceitos do liberalismo, vejamos a representação fotográfica de alguns dos teóricos por nós estudados. Figura 6 – Hobbes Figura 7 – Locke Figura 8 – Rousseau 22 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I De certa maneira, podemos observar que os autores possuem especificidades. Portanto, cada qual tem uma perspectiva de Estado, compreendendo-o como um ente com finalidades específicas. No entanto, o ponto pacífico dentre ambos é que o Estadonão deve se ocupar dos problemas sociais. Para colaborar em sua compreensão sobre os assuntos que discorremos até o momento, elaboramos uma síntese, exposta a seguir, sobre os principais conceitos tratados por esses teóricos. Vejamos: Hobbes Estado como controlador das vontades individuais Ser humano deveria abdicar de sua individualidade em prol do Estado Locke Poder político era relacionado à propriedade privada Os homens deveriam se agrupar pelo bem comum Rousseau Contrato Social pautado na vontade geral Estado como um mal necessário Figura 9 – Síntese dos conceitos relacionados ao pré-liberalismo E, de tal forma, tendo tais colocações arroladas, passaremos agora a discorrer sobre o liberalismo. Vimos que ele foi uma doutrina econômica que teve seu desenvolvimento a partir de meados do século XIX e ganhou grande aceitação a partir dos primeiros anos do século XX. Nesse período, assistimos ao declínio dos governos autocráticos, do poder do clero e também do Estado absolutista. Segundo essa doutrina econômica, o mercado deve ser capaz de atender a todas as necessidades dos seres humanos. Essas necessidades podem ser contempladas pelo trabalho, sendo assim, o trabalho passa a ser compreendido como mercadoria, e sua regulamentação deve ser regulada pelo livre mercado (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Grandes teóricos que representaram o ideal liberal são David Ricardo e Adam Smith, sendo que grande parte das contribuições dos autores mencionados deriva dos estudiosos que estudamos nos conteúdos afeitos ao pré-liberalismo. Bem, vejamos as colocações de Adam Smith. Para Adam Smith, cada indivíduo precisa agir em prol de seu próprio interesse e assim buscar alcançar o seu bem-estar. Somente quando cada indivíduo procurar seu bem-estar será possível alcançar o de toda a sociedade. Esse bem-estar individual seria alcançado apenas no mercado, por meio do trabalho. O Estado, por sua vez, de acordo com Smith, deveria fazer com que o funcionamento livre e ilimitado do mercado fosse garantido. Seria uma intervenção pontual, ou conforme destaca o autor, uma intervenção por meio da “mão invisível do Estado” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 56), que deveria 23 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL apenas fornecer a base legal para o mercado se desenvolver e se expandir cada vez mais. Quando o Estado desempenhar essas intervenções, será possível ampliar os benefícios aos homens. Smith propunha que o Estado não realizasse uma intervenção na vida dos indivíduos, mas somente no mercado. Assim, o autor não propunha a extinção do Estado, “ao contrário, reafirmava a necessidade da existência de um corpo de leis e a ação do Estado que garantisse maior liberdade ao mercado livre” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 57). Ainda, ele recomenda um “estado mínimo” na interferência na vida dos seres humanos, sendo que o Estado deveria ser controlado pelos indivíduos e pela sociedade como um todo. “Trata-se, portanto, de um Estado mínimo, sob forte controle dos indivíduos que compõe a sociedade civil, na qual se localiza a virtude” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 59). Segundo a perspectiva de Smith, o Estado mínimo possuía apenas três funções a desempenhar, sendo essas: “[...] a defesa contra os inimigos externos; a proteção de todo o indivíduo de ofensas dirigidas por outros indivíduos; e o provimento de obras públicas, que não possam ser executadas pela iniciativa privada” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 60). Ou seja, não se recomenda a intervenção do Estado nos problemas sociais, mas apenas nas funções básicas que instrumentalizem o mercado a produzir. Competia, assim, ao indivíduo, a cada ser humano, buscar se desenvolver e ter suas necessidades atendidas, e não ao Estado. Nos termos postos, para esse autor, quando o indivíduo busca atender suas necessidades o faz movido por sentimentos éticos e morais, que seriam também uma forma de controle dos seres humanos. Assim, os sentimentos morais e éticos orientariam o indivíduo a ter suas carências atendidas por meio do mercado. Portanto, Adam Smith percebe como um grande mérito o fato de os indivíduos, movidos por sentimentos morais e éticos, buscarem atender suas necessidades através do mercado. Para ele, é inerente ao ser humano a possibilidade de cada um deles usar, em seu próprio benefício, suas capacidades individuais, suas potencialidades. Para Smith, competia ao mercado também regular as relações sociais, estabelecidas entre os homens. Behring e Boschetti (2010) nos dizem ainda que, para Smith, há uma seleção natural do mercado no sentido de escolher aqueles que serão a ele incorporados e daqueles que não conseguirão ter suas necessidades contempladas. Assim sendo, segundo Behring e Boschetti (2010, p. 61) o liberalismo, proposto por Adam Smith, se peculiariza por um intenso “darwinismo social”, no qual cada ser humano precisa se mostrar capaz de atender suas necessidades sociais. Como se isso fosse natural à sociedade, algo inerente a ela e que não pudesse ser mudado. No caso, os que não conseguem ter suas necessidades atendidas estão condicionados pela seleção natural, em que apenas os mais fortes possuem condição de sobreviver. 24 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I Saiba mais Para dados adicionais extras sobre a vida e a obra desse importante nome do liberalismo, recomendamos o acesso ao site: DANTAS, T. Liberalismo econômico. Brasil Escola, 2019. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/economia/liberalismo-economico.htm>. Acesso em: 11 mar. 2019. Esse darwinismo social deriva também das compreensões de Malthus. Para ele, havia mais pobres do que o normal, existia até a proposição do extermínio desse segmento, além da sugestão de que os pobres fossem vigiados, controlados e punidos, sendo que isso deveria ser algo comum nas sociedades, segundo o referido autor. Ainda, para Malthus, o fato de haver uma quantidade elevada de pobres não deveria demandar uma ação do Estado. O Estado, segundo tal teórico, também não teria de interferir na regulação do trabalho, ou seja, expressa, em grande medida, o ideal liberal. Assim sendo, “Trata-se da negação da política e, em consequência, da política social que se realiza invadindo as relações de mercado [...]” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 61). De forma que, apontando as principais características do liberalismo, Behring e Boschetti (2010, p. 61-62), indicam as seguintes: [...] predomínio do individualismo, o bem-estar individual maximiza o bem-estar coletivo, predomínio da liberdade e da competitividade, naturalização da miséria, predomínio da lei da necessidade, manutenção de um Estado mínimo, as políticas sociais estimulam o ócio e o desperdício e a política social deve ser um paliativo. Todavia, vejamos como podemos compreender cada um dos aspectos elencados na citação anterior. O predomínio do individualismo faz referência à crença de que o indivíduo, sendo esse um sujeito que alcançou os direitos civis, tem liberdade de ir e vir, de adquirir e comercializar produtos, sendo que sua liberdade individual era um componente essencial para o seu desenvolvimento na sociedade capitalista. Como tal, o indivíduo tem a possibilidade de buscar alcançar o seu bem-estar individual, este, um requisito para que seja alcançado também o bem-estar coletivo. No caso, depende de cada indivíduo alcançar seu bem-estar e colaborar, assim, para o bem-estar da coletividade. Os liberais ainda defendem que há um predomínio da liberdade e da competitividade, compreendidas como forma de autonomia do indivíduo e de possibilidade de escolha frente às possibilidades que lhes são postas. A competitividade é percebida como algo necessário para estimular o comércio. Figura ainda como compreensão liberal, a naturalização da miséria, ou seja, a miséria e a pobreza são tidas pelos liberais como algo natural, inerentea nossa sociedade. A miséria é entendida também como resultado 25 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL da amoralidade que perpassa a raça humana e não como uma desigualdade gerada na sociedade capitalista consolidada. Atrelada a essa concepção, temos o predomínio da lei de necessidade, que corresponde à crença de que as necessidades humanas básicas não devem ser totalmente contempladas, visto que, dessa forma, será possível controlar o crescimento populacional e, por conseguinte, colaborará com o controle da miséria. A manutenção do Estado Mínimo, tal como já apontamos, corresponde à compreensão de que o Estado deve ser neutro e desenvolver apenas ações que não possam ser empreendidas pelo mercado ou pela iniciativa privada. Por sua vez, as políticas sociais não devem ser empreendidas pelo Estado, visto que tais ações estimulam o ócio e o desperdício, pois, para os liberais, as políticas sociais desestimulam o indivíduo a trabalhar e, por isso, são um risco à sociedade do mercado. Assim, as políticas sociais deveriam ser ações paliativas destinadas apenas aos seres humanos que não tinham condição de ingressar no mercado de trabalho como, por exemplo, crianças, idosos e pessoas com deficiência. A pobreza, por sua vez, deveria ser administrada pela caridade privada e não pelo Estado. Assim sendo, caberia a cada ser humano ter suas necessidades atendidas, e não ao Estado. Os casos mais graves, no entanto, ficariam resignados a intervenção da caridade privada. Com tais colocações, chegamos ao fim de nossos estudos sobre o liberalismo, sendo que agora passaremos a discutir o keynesianismo, que será uma forma diferenciada de compreender a política social. Antes disso, observemos o texto a seguir com destaque e as questões a ele atribuídas. As políticas sociais do liberalismo Anda por aí em voga a ideia de que é preciso mais Estado para proteger os cidadãos da crise. Mais regulamentação da actividade laboral, mais protecção do trabalhador, maior controle das decisões tomadas pelos empresários, da forma como estes devem gerir a sua empresa, como os bancos devem conceder créditos. São inúmeros os exemplos, significativos dos ventos que correm e que tanta coragem têm dado à esquerda para que volte a desejar, sem receio de parecer ridícula, o fim do capitalismo. Junte-se, a esta euforia, a ideia alicerçada até ao fundo da nossa consciência cívica de que os liberais não cuidam dos mais desfavorecidos. Não se preocupam com as situações mais gritantes da miséria humana, acreditando que toda a vida do homem é um percurso natural na evolução da condição humana. Que basta o trabalho, o esforço e a fé no mercado para que tudo corra pelo melhor. Não há, no entanto, nada mais errado. Ao contrário do que tem sido ponto assente, quanto maiores as dificuldades para o despedimento, e que as forças de esquerda tanto preconizam, maior a dificuldade na obtenção de emprego. Se tais medidas protegem quem tem trabalho, já prejudica quem não trabalha. Qualquer homem e qualquer mulher que fique em casa sem nada fazer e desconhece como vai pagar as contas no final desse mês. Da mesma forma, as licenças de maternidade/paternidade podem ter um efeito contrário ao pretendido. Se protegem a mãe com emprego e que tem um filho, prejudica aquela que, estando desempregada, engravida e dificilmente encontrará alguém disposta a contratá-la. 26 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I É, pois, uma medida que também pode desincentivar à constituição de família e contribui, à sua maneira, para a redução da natalidade. A desregulamentação é, pois e muitas vezes, a melhor forma de não discriminar e, não discriminando, não prejudicar os cidadãos [...] Fonte: Amaral (2009). Exemplo de aplicação Após a leitura do texto, construa um texto argumentando em que medida o ideal liberal propõe ou não uma redução nas intervenções relacionadas à pobreza e destacando ainda em que medida o indivíduo, segundo essa perspectiva, é responsabilizado pela sua condição de pobreza. Assim, após tais colocações, passaremos a tratar do keynesianismo. Preste bastante atenção, pois adentraremos em uma perspectiva de entendimento da realidade social e do Estado totalmente distinta da que estudamos até agora. Essa percepção é basal a nós, uma vez que incide diretamente sobre a consolidação das políticas sociais. Conhecer essa doutrina e os serviços que foram a ela vinculados é extremamente relevante, pois, nós, assistentes sociais, atuaremos de modo direto com esses serviços. Dessa maneira, podemos observar como a doutrina teórica e econômica é essencial ao Estado na delimitação de serviços públicos. 2 O PÓS‑GUERRA E A CONSOLIDAÇÃO DO WELFARE STATE Faremos uma reflexão sobre o keynesianismo. Para compreender o que é posto segundo essa doutrina econômica, será fundamental realizar também uma incursão sobre o desenvolvimento econômico de um determinado momento histórico. Assim sendo, todas as informações aqui tratadas serão de suma importância para a compreensão dessa maneira distinta de compreender a política social, o keynesianismo. Porém, é necessário destacar que tal sistema não se restringe à forma de organização das políticas sociais, mas a um novo formato do que é idealizado como papel a ser assumido pelo Estado nas áreas econômica e social. Todavia, sem mais delongas, vamos nos aproximar desse conceito basal para nós, assistentes sociais. Antes de prosseguirmos, entretanto, uma pequena pausa, para que, como curiosidade, observar a seguir a representação de Keynes na fotografia: Figura 10 – Keynes 27 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL Keynes, como a analogia entre seu nome e a corrente teórica nos indica, foi o idealizador dessa perspectiva teórica. Agora que já sabemos, melhor, que podemos enfim visualizar a imagem daquele que idealizou o keynesianismo, passamos então aos conteúdos mais específicos dessa corrente de pensamento. A grande expressão do seu pensamento encontra-se no livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, que fora publicado no ano de 1936. Antes de prosseguirmos na descrição das concepções de Keynes, precisamos retomar alguns acontecimentos desse período e que condicionaram tais postulados e recomendações. No caso, precisamos retomar alguns fenômenos econômicos que se desenharam em todo mundo antes de 1936, ou seja, antes da publicação da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Nesse momento, vivenciamos dois grandes fenômenos que irão influenciar sobremaneira o pensamento de Keynes, um fenômeno de natureza política e outro de natureza econômica. Acontece que, segundo Couto (2010), no período em questão, temos a ampliação significativa de muitos movimentos revolucionários europeus, em decorrência das precárias condições de vida que afetam grande parcela da população, desde a classe trabalhadora até a população em geral. Esses movimentos foram organizados na verdade no fim de 1848, sendo que o mais expressivo deles seria a Comuna Francesa, por sua vez, com grande expressão a partir de 1871. Tais fenômenos de reivindicação tornam-se ainda mais latentes no começo de 1900, e a pressão posta por movimentos dessa natureza promoveu uma reflexão sobre a importância do Estado, que será, como veremos, a pedra de toque do pensamento de Keynes. No caso, vivenciamos também, nesse momento, um contexto de crise econômica que se inicia em meados da década de 1920 e que vai ter seu grande apogeu no final da década de 1930. Uma grande expressão dessa crise econômica foi a quebra da Bolsa de Nova York, no ano de 1929 (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). No contexto da crise econômica de 1929 e do crescimento das desigualdades e das tensões sociais inerentes ao capitalismo na sua fase monopolista, surgiu no âmbito mundial a proposta do Estado social, quealcança sua consolidação e desenvolvimento no pós-guerra, notadamente nas décadas de 1950 e 1960 (COUTO, 2010, p. 64). A crise, segundo Behring e Boschetti (2010), é uma realidade que integra o sistema capitalista, ou seja, as autoras nos dizem que faz parte desse método a sua ocorrência. A crise é expressa por meio da queda da taxa de extração do lucro, pela escassez de consumo e por uma série de fenômenos. Ela acontece no entanto em momentos alternados, ou seja, o sistema capitalista não se mantém somente com crises, mas com períodos alternados, de expansão e desenvolvimento e estagnação. Assim, durante a expansão, temos altas taxas de lucro e elevados ganhos de produtividade, porém, nos momentos de crise, o quadro de expansão não se mantém. Lembra-se das imagens que inserimos no item anterior retratando o contexto da crise e do conteúdo análogo a ela? Estamos falando sobre esse mesmo período. As autoras nos dizem que as crises se tornam mais constantes no capitalismo em sua fase madura e consolidada. É, nessa fase, que ele é descrito como aquele em que observamos um intenso processo de monopolização, subsidiado por intervenções do Estado para fazer com que o capitalismo consiga produzir 28 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I e alcançar as taxas de lucro. Essa fase de desenvolvimento do capitalismo se consolida, sobretudo, após a Segunda Grande Guerra Mundial (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Lembrete A crise capitalista de 1929 é reconhecidamente uma das mais agressivas do capitalismo nesse período. Contudo, enfim, foi a crise que motivou Keynes a tecer suas considerações. Para ele, em decorrência da crise, seria necessária a intervenção do Estado para que fosse possível reativar a produção econômica. Essa intervenção, conforme nos mostra Couto (2010, p. 65), deveria acontecer de uma forma planejada previamente e, desse modo, apenas a produção econômica seria reativada e assim “condições de acumulação capitalista se reestabeleceriam”. Apesar de defender a liberdade individual e a independência da produção do mercado, Keynes delega uma grande responsabilidade ao Estado no sentido de recuperar o desenvolvimento econômico. Segundo Keynes, vivenciamos uma ineficiência por parte do mercado em escoar a produção. Assim, não há pagamentos em circulação, e isso amplia a crise. “Nesse sentido, o Estado deve intervir, evitando tal insuficiência’ (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 85). Para que essa intervenção do Estado acontecesse, era recomendado que o referido ente federado empreendesse uma regulação da política fiscal, creditícia e de gastos por meio de investimentos que possam atuar nos períodos de crise e também em períodos de desenvolvimento capitalista, buscando assim conter o declínio da taxa de lucros. Segundo as autoras, o keynesianismo se assentava no princípio de que o Estado deveria gerar empregos e proporcionar também serviços sociais públicos por meio das políticas sociais. No caso, figura como recomendação keynesiana a possibilidade de gerar o pleno emprego, ou emprego para todos aqueles que tivessem em condição de trabalhar. Dessa forma, com grande parte da população trabalhando, o consumo seria reativado. No entanto, para os segmentos como idosos, deficientes e crianças, tidos por Keynes como “incapazes para o trabalho” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 86), deveria ser constituída a política social, sobretudo por meio de uma política de Assistência Social que atendesse as necessidades desses grupos. Dessa forma, mesmo aqueles que não pudessem trabalhar, ou seja, que não pudessem ter suas necessidades atendidas por meio do trabalho, poderiam tê-las contempladas por meio das políticas sociais. No sentido em questão, isso também tenderia a ativar o consumo. No caso, Keynes defendia que o ser humano deveria buscar atender suas necessidades através do mercado, do trabalho, porém, quando isso não pudesse ser alcançado, e priorizando-se sempre os segmentos mais vulneráveis, é que o Estado deveria intervir por meio das políticas sociais. É relevante pontuar que essa intervenção proposta por Keynes não tinha como foco atender esses segmentos em decorrência da situação de vulnerabilidade social vivenciada, e sim constituir uma série de mecanismos para que o sistema capitalista recuperasse a extração do lucro e, portanto, a superação da crise que abalava substancialmente tal modelo. 29 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL Nos termos postos, o objetivo era apenas modificar, reorientar o mercado para que ele mesmo se recuperasse e voltasse a oferecer lucratividade. Couto (2010, p. 66) nos mostra que, para isso, o Estado deveria intervir: [...] • garantindo aos indivíduos e às famílias uma renda mínima, independente dos valores do trabalho ou de sua propriedade; • restringindo o arco de insegurança, colocando os indivíduos e as famílias em condições de fazer frente a certas contingências (por exemplo, a doença, a velhice e a desocupação), que, de outra forma, produziram as crises individuais e familiares; e • assegurando que [a] todos os cidadãos, sem distinção de status ou classe, seja oferecida uma gama de serviços sociais. Consequentemente, seria possível que o sistema capitalista saísse da crise agora vivenciada. Para Keynes, todas as ações deveriam considerar o limite da capacidade do Estado, ou seja, extrair ao máximo a capacidade estatal para alcançar o que era esperado. Behring e Boschetti (2010) ainda nos dizem que os postulados de Keynes sustavam o modo de produção capitalista, que na época estava assentado no formato de produção fordista. O fordismo, de acordo com Behring; Boschetti (2010), se caracteriza por um formato de produção que acontece em massa para um consumo também em massa. Também se assenta na afirmação de acordos coletivos com os trabalhadores que possuem como enfoque a ampliação da produtividade. As autoras ainda nos dizem que o modo de produção fordista também se peculiariza pela introdução da linha de montagem e da eletricidade, o que tendeu a influenciar no sentido de ampliar significativamente a produção. Ademais, elas apontam que a partir do fordismo, também com o objetivo de ampliar a produção, as empresas começam a exercer um controle sobre o modo de vida e consumo dos trabalhadores, além do momento de trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). O fordismo foi idealizado por Henry Ford e, apesar de ter sido pensado nas primeiras décadas do século XX, somente a partir do segundo pós-guerra, é que essa forma de produção foi intensificada em todas as partes do globo. Conjuntamente, no mesmo período, os ideais de Keynes ganharam grande aceitação no mundo, ou seja, a partir do segundo pós-guerra. Lembrete Keynesianismo é a doutrina econômica e social idealizada por Keynes, já o fordismo trata-se do formato de produção desenvolvido por Henry Ford. 30 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I O keynesianismo associado ao fordismo resultou, durante grande tempo, em um crescimento econômico considerável, porém esse crescimento não se sustentou, e tal formato de produção foi sendo substituído, assim como a perspectiva sobre as políticas sociais também o foi por outra perspectiva. Todavia, isso será objeto de discussão em um próximo tópico, visto que ainda temos considerações a traçar sobre o keynesianismo. No caso, cabe destacar que por meio dos serviços em que são constituídas as políticas sociais, com o objetivo de reativar o comércio, também se consegue manter, segundo Behring e Boschetti (2010), o pacto social entre a classe burguesa e o Estado. Segundo esse pacto social, digamos assim, a classe trabalhadora e a classe empobrecida precisam ter acesso a determinados serviços, proporcionados pelo Estado, para que não se coloquem contrários à dominação capitalista e ao poder do Estado. Isso posto,a política social é uma maneira de coação e garante o pacto social. Dessa forma, torna-se possível manter a acumulação capitalista. Behring e Boschetti (2010) ainda nos dizem que o keynesianismo só se mostra exequível em decorrência de alguns fatores, dentre os quais, apontam o estabelecimento de políticas para gerar o pleno emprego e o crescimento econômico em um mercado liberal; a constituição de serviços sociais para assim criar a demanda e ampliar o mercado de consumo e o estabelecimento do chamado pacto social, ou seja, um acordo estabelecido entre as classes sociais e o Estado. Apesar de não ter havido um formato idêntico de aplicação dos postulados de Keynes pelo mundo, convencionou-se que esse formato de regulação estatal seria denominado pela terminologia de Welfare State, ou Estado de Bem-Estar Social. Em geral, ele foi adotado em vários países, mas, em que pese as diferenciações adotadas em cada formato de Welfare State, há algumas características que são comuns nesse modo de gestão estatal. Como não é objetivo de nosso estudo discutir exaustivamente os modelos adotados, descreveremos apenas alguns, os mais comuns, para que você possa compreender melhor de que tipo de Estado estamos falando. É importante antes atentarmos ao fato de que esse padrão de Estado se implantou inicialmente na Europa e, depois, nas outras partes do mundo. Couto (2010) nos diz que foram os modelos adotados na Europa os mais próximos das recomendações de Keynes, mas, vejamos algumas experiências. A autora nos diz que nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, o mais comum foi a adoção da assistência, conferida pelo Estado, apenas a pessoas que fossem comprovadamente pobres. Grande parte das intervenções, no entanto, ainda eram mantidas por meio de ações empreendidas pela iniciativa privada. Já na Austrália, França, Alemanha e Itália, o que teria predominado é um Estado de Bem-Estar Social Corporativista. O padrão corporativista figura como aquele em que os direitos sociais só são concedidos para as famílias que não conseguem, por si mesmas, atender as necessidades básicas de seus membros, ou seja, em casos de extrema necessidade. 31 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL E tivemos ainda o formato social-democrata, adotado em muitos países escandinavos, tais como Noruega, Suécia e Dinamarca, sendo que, nesse formato, as intervenções eram organizadas por meio de serviços sociais universais, pautados na igualdade, na desmercadorização dos direitos sociais e na busca por se alcançar o pleno emprego, conforme o que era recomendado por Keynes em suas argumentações (COUTO, 2010). Em que pese todos os modelos diferenciados organizados, podemos dizer que o Welfare State se manifesta por meio de uma ampliação do orçamento social, pela ampliação da população idosa economicamente ativa, o que resulta ainda na elevação de gastos com aposentadorias, e também com pensões. Observamos que os Estados de tal natureza se peculiarizam por um crescimento substancial dos programas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Porém, o Welfare State não se esgota nessas manifestações. A grande expressão do Welfare State está expressa no Plano Beveridge, que fora um documento publicado na Inglaterra em 1942. Esse documento, que propôs realizar uma crítica ao padrão adotado pelo Estado inglês no que concerne aos seguros sociais, teceu ainda uma série de orientações sobre a seguridade social. O Plano Beveridge destacava assim que caberia ao Estado a responsabilidade por manter as condições de vida dignas por meio da regulação econômica e da viabilização do acesso ao pleno emprego por uma grande parcela da população brasileira. De acordo com o Plano Beveridge, caberia também ao Estado a prestação de serviços sociais básicos e universais, ou seja, extensivos a toda a população, e caberia ainda a esse ente a implantação de uma rede de segurança, de proteção social, na qual a política de assistência social adquiriu especial destaque e relevância (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Sintetizando nossas argumentações, observe a figura a seguir sobre os conteúdos tratados relacionados ao keynesianismo: Keynesianismo Idealizado por Keynes Difundido sobretudo no segundo período pós-guerra Subsidia o fordismo Intervenção do Estado na economia Intervenção por meio de políticas sociais Figura 11 – Síntese dos conhecimentos sobre o keynesianismo 32 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 Unidade I De forma que, conforme podemos concluir, o keynesianismo é uma doutrina econômica que defende a intervenção estatal na regulação da economia e também na regulação da vida dos seres humanos, sendo que o principal mecanismo que operacionaliza essa regulação ocorre por meio dos serviços sociais, das políticas sociais. Essa argumentação mostra-se, no entanto, diferenciada em relação à concepção liberal por nós já estudada. Consta, na sequência, um texto no qual a discussão sobre o keynesianismo é trazida à baila na atualidade. Keynes não defendia Estado forte, destaca pesquisador Essa é a ideia apresentada pelo economista José Roberto Afonso em livro lançado neste mês. Pensamento keynesiano foi mal interpretado, diz autor A crise financeira que estourou nos Estados Unidos em setembro de 2008 e as atuais turbulências por que passa a Europa – que implicaram trilhões de dólares despejados pelo poder público no salvamento de bancos, seguradoras e, no caso europeu, países – reacenderam as discussões sobre o papel do estado na economia. O debate está mais vivo que nunca. Na semana passada, milhares de pessoas foram às ruas de cidades espanholas e gregas para pedir por “mais governo”. Dizeres em cartazes e hinos cantados pela multidão criticaram cortes no orçamento e a redução de subvenções estatais. Como pano de fundo, acadêmicos e alguns líderes políticos têm feito coro à população e clamam por mais John Maynard Keynes [...] na condução da economia – em referência ao brilhante pensador que um dia ousou atribuir ao estado um papel fundamental em momentos de crise. A lembrança é pertinente – mas infelizmente a maneira como Keynes é invocado distorce muitas de suas principais ideias. Em 1936, Keynes escreveu uma de suas obras mais conhecidas, a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Em vez de repetir o mantra de que o Estado não deveria interferir na atividade em hipótese alguma, o economista britânico afirmou que naqueles momentos em que a economia está à beira de um colapso deveriam contribuir como indutores do investimento. Fonte: Fernandes (2012). Exemplo de aplicação Refletindo sobre o texto, à luz dos conteúdos tratados até o presente momento, construa uma argumentação sobre a relevância da intervenção estatal na economia e também nas expressões da questão social. No entanto, as concepções de Keynes entraram em declínio a partir de meados da década de 1970, quando assistimos também a muitas mudanças na organização da produção capitalista. Behring e Boschetti (2010) nos dizem que na verdade o que vivenciamos é o fim da possibilidade de combinar 33 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 4/ 03 /1 9 POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL acumulação capitalista, equidade e democracia. Isso nos conduz ao tema que debateremos no próximo tópico de nosso material e demonstra a outra concepção sobre as políticas sociais. Saiba mais Para obter informações sobre o declínio do Welfare State, recomendamos: BEVERIDGE, W. O Plano Beveridge: relatório sobre o seguro social e serviços afins. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1943. Ele é bastante expressivo e importante para ampliar nosso entendimento acerca desse período. Porém, vamos contextualizar o desenvolvimento do neoliberalismo e as implicações que esse formato de doutrina traz às políticas sociais mediante à adesão de tais valores pelo Estado. Agora, como
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