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PONTO XV – O SISTEMA ANGLO-INDIANO DE DIREITO 15.1. As Origens do Sistema – A Índia é um país emergente no cenário político- econômico mundial. Portanto, é natural que o conhecimento de seu sistema legal chame cada vez mais a atenção de um número maior de interessados, não somente pela questões relacionadas ao comércio exterior, mas também no meio acadêmico em geral. Antes de mais nada, temos que ter em mente que aqui impera a dicotomia entre as antigas tradições culturais do passado e o novo. Por isso mesmo, nos parece equivocada a tentativa de situar esta concepção jurídica no universo do Common Law. A Índia possui, pois, um sistema legal absolutamente sui generis, calcado no encontro de costumes milenares com o modelo de organização judiciária britânico, em função, obviamente, no processo histórico imposto pelo colonizador europeu. Neste ínterim, não se pode jamais confundir o Direito Indiano, laico e de origem estatal, portanto, com o Direito Hindu, de natureza religiosa e sagrada. O sistema, pois, reflete como um todo estas três facetas, quais sejam, a europeia, a do direito hindu e aquela do direito indiano. 15.2. As Castas na Índia. Quatro são as castas tradicionais na Índia antiga. Todas elas aparecem na mais antiga codificação surgida naquelas terras, o Código de Manu (século datado do II a.C.) A legislação oficial do país (Marriage Validity Act, 1949), porém, proíbe já há um bom tempo qualquer forma de segregação entre as pessoas. Para efeitos legais impera, pois, o princípio da isonomia. Ocorre que durante muito tempo a casta que representa o topo da pirâmide social, os brâmanes, gozava de maiores privilégios. Estes são de origem sacerdotal, considerados homens de linhagem sagrada. Logo após vem os Ksatryas, que são aqueles que são membros da classe social militar, os antigos guerreiros. No mesmo substrato, aparecem em terceiro plano os Vaisyas, os comerciantes. Em último plano encontrava-se a casta servil, os Sudras. Há também os “sem-casta”, ou seja, os Chandallas. Estes últimos estiveram nesta situação em função de casamentos não autorizados pelas lei hindu. 15.3. O Dharma. A filosofia do Direito Hindu antigo é perpassada pela ideia central do Dharma. A palavra em sânscrito está relacionada ao ato de “sustentar”, de “apoiar” algo ou alguém. Hodiernamente, podemos compreendê-la como o “reto caminho”, ou seja, a postura adequada de um homem perante os deuses e o próximo. Nesse sentido, o termo se aproxima do chinês Tao, que significa “caminho”. Para Sthephen Knapp1, “Dharma é a força que sustenta o universo”. Para o jurista hindu Chandrasekharendra Saraswati2 é uma espécie de “escudo protetor”, que delimita não somente o presente do homem, mas também define os contornos de seu futuro, nesta ou noutras existências, porquanto os indianos creem em reencarnação. De qualquer modo, o vocábulo em questão encontra-se mais relacionado, do ponto de vista jurídico de “dever” ou “obrigações” e não, propriamente, de “direito”. 15.4. O Satti. A palavra em sânscrito traduz no suicídio da viúva ou em seu enterro ainda viva diante do populacho. Ocorre que alguns, em nome de uma tradição antiga, consideram “virtuosa” e “devota” uma mulher que se entrega às chamas. Acreditam eles que é seu dever acompanhar o marido em sua jornada post-mortem. Graças aos esforços do lorde William Bentrick e do indiano Raja Roy a prática em questão foi abolida do país ainda em 1829, através do Bengal Sati Regulation. No entanto, a aprovação da referida medida legal alcançou severa oposição pelos locais, gerando distúrbios sociais de toda a ordem. Posteriormente, no ano de 1987, a Comissão de Prevenção ao Sati aprovou nova regulamentação, agora melhor tipificando certas condutas relacionadas ao crime em tela, considerando ilegais, entre outras coisas: a) o induzimento ao cometimento do satti; b) a glorificação do satti; c) o elogio a alguém que tenha praticado o satti; d) a construção de templos em homenagem a quem praticou o satti; e) a presença no lugar onde ocorreu o satti. f) o suporte financeiro ao satti. 15.6. Arthasastra de Kautilya - Estudamos outra obra clássica intitulada “Arthashastra”, de Kautylia, escrita originalmente em sânscrito entre 321 e 300 antes de Cristo, considerado uma espécie de “Maquiavel indiano”. A obra em questão é “uma espécie de manual de administração pública” onde são transmitidos ao governante – o príncipe – 1 KNAPP, Stephen. The Power of Dharma: An Introduction to Hinduism and Vedic Culture. New York; Lincoln; Shangai: iUniverse, 2006, p.53. 2SARASWATI, Chandrasekharendra. Introduction to Hindu Dharma. Bloomington, Indiana: World Wisdom, 2008, p.1. conselhos para este gerir o cotidiano de seus súditos. Ocorre que a obra antecede a publicação do clássico acima mencionado em, aproximadamente, dezoito anos. O livro em questão concede ênfase às punições (dandaniti) como forma de se impor às pessoas do reino. Eis algumas de suas colocações principais: “A punição é o cetro de que dependem o bem-estar e o progresso das ciências da agricultura, pecuária e comércio, assim como administração pública. É a ciência do governo que baseia-se na lei e no castigo”3. “Os professores e os ministros que livram o soberano dos perigos que o ameaçam, e, medindo as horas do dia, o advertem sobre sua conduta, mesmo secreta, devem ser invariavelmente respeitados”4. “A soberania somente só é possível com assistência, pois uma roda isolada nada pode transportar. Por isso o príncipe terá ministros e ouvirá opiniões”5. 15.7. O Casamento da Viúva e Divórcio. A mulher possui, até hoje, dificuldades de inserção no mercado de trabalho, e o Estado ainda se ressente do estabelecimento de políticas públicas adequadas a tanto. A viúva, não raro, possui dificuldades de comprovar a efetividade de novas núpcias, pois muitos homens negam a existência destas uniões. A situação era a tal ponto incômoda que editou-se em 1856 o Hindu Widow’s Remarriage Act. Do mesmo modo, o divórcio também é bastante dificultado, especialmente quando é ela a parte interessada. Heróis indianos como Vidyasagar (1820-1891) lutaram pelo direito da mulher ao acesso às educação. Até hoje seu legendário nome serve de referência para o trato de tan is questões no âmbito governamental. 15.8. A Suprema Corte Indiana e o Homossexualismo. O Direito Indiano, mesmo em meio à modernidade, tem passado por mudanças mais lentas. Assim, a Suprema Corte da Índia têm cumprido com um importante papel neste cenário. Recentemente, o órgão máximo do judiciário daquele país revogou decisão anterior que, tendo como base o artigo 377 do Código Penal Indiano, considerava o homossexualismo um crime. Agora, qualquer forma de discriminação desta natureza constitui afronta contra o corolário dos direitos humanos fundamentais. 3 KAUTILYA. Arthashastra. Trad. Sergio Bath. Brasília: UnB, 199, p.19. 4 KAUTILYA. Arthashastra. Trad. Sergio Bath. Brasília: UnB, 199, p.20. 5 KAUTILYA. Arthashastra. Trad. Sergio Bath. Brasília: UnB, 199, p.20. 15.9. O Caso Nirbhaya. A Suprema Corte da Índia condenou à morte por enforcamento quatro dentre os seis envolvidos na prática de um estupro coletivo que chocou a opinião pública daquele país. Trata-se do Caso Nirbhaya. A vítima não suportou as agressões e faleceu poucos dias depois deixando sua família inconsolável. A pressão popular para que houvesse algum tipo de punição pelo crime assumiu grandes proporções por todo a nação. Um dos envolvidos veio à óbito na própria cela e o outro era menor de idade, tendo sido encaminhado a uma entidade correcional competente.
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