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Leitura e Ensino: Práticas e Pesquisa

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Leitura, pesquisa e ensino
Série Pesquisa em Educação / Práticas de leitura e de escrita
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Ricardo Vieiralves de Castro
Vice-reitor
Paulo Roberto Volpato Dias
EDITORA DA UNIVERSIDADE DO 
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Conselho Editorial
Antonio Augusto Passos Videira
Erick Felinto de Oliveira
Flora Süssekind
Italo Moriconi (presidente)
Ivo Barbieri
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Conselho Editorial da Série
Alice Casimiro Lopes (UERJ)
Dario Fiorentini (Unicamp)
José Gonçalves Gondra (UERJ)
Maria Isabel da Cunha (Unisinos)
Zaia Brandão (PUC-Rio)
Rio de Janeiro
2013
 Márcia Cabral da Silva
Leitura, pesquisa e ensino
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
Copyright © 2013, EdUERJ.
Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado do Rio de Janei-
ro. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, ou de parte do mesmo, em quaisquer 
meios, sem autorização expressa da editora.
EdUERJ
Editora da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rua São Francisco Xavier, 524 – Maracanã
CEP 20550-013 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Tel./Fax: 55 (21) 2334-0720 / 2334-0721 
www.eduerj.uerj.br
eduerj@uerj.br
Editor Executivo Italo Moriconi
Assistente Editorial Fabiana Farias
Coordenadora Administrativa Rosane Lima
Coordenador de Publicações Renato Casimiro
Coordenadora de Produção Rosania Rolins
Revisão Fabiana Farias
 Shirley Lima 
Capa Heloisa Fortes
Projeto e Diagramação Emilio Biscardi
S586 Silva, Márcia Cabral
 Leitura, pesquisa e ensino / Márcia Cabral da Silva. – 
 Rio de Janeiro : EdUERJ, 2013.
 204 p. - (Pesquisa em educação)
 ISBN 978-85-7511-265-6
 1. Leitura. 2. Leitores – Reação crítica. 3. Livros e 
 leitura. I. Série. II. Título.
CDU 028.6
Aos mestres, com gratidão.
Aos alunos, que, pela dúvida, curiosidade e entusiasmo, 
me estimulam o exercício da profissão.
Alguns meses depois de meu ingresso na escola, aconteceu algo 
solene e excitante que determinou toda a minha vida futura. Meu 
pai me trouxe um livro. Levou-me para um quarto dos fundos, 
onde as crianças costumavam dormir, e o explicou para mim. 
Tratava-se de The Arabian Nights, As mil e uma noites, numa 
edição para crianças. Na capa havia uma ilustração colorida, creio 
que de Aladim com a lâmpada maravilhosa. Falou-me, de forma 
animadora e séria, de como era lindo ler.
Elias Canetti
Sumário
Prefácio.................................................................................................................11
Apresentação .......................................................................................................15
Capítulo 1 – Bibliotecas populares: memória, modos de 
leitura e acervos ..................................................................................................19
Capítulo 2 – Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e 
aspectos histórico-culturais da leitura ..........................................................37
Capítulo 3 – A leitura dos jovens em um curso de 
formação de professores ...................................................................................53
Capítulo 4 – Leitura e leitores em circulação no 
Nordeste brasileiro na passagem do século XIX ao XX ..........................73 
Capítulo 5 – Leitura e ensino em dois manuais escolares: 
Terceiro livro de leitura, do Barão de Macaúbas, e 
A arte de aprender a ler, de Duarte Ventura ............................................. 101
Capítulo 6 – Leitura e educação para meninas e moças: a 
orientação católica e literária de Alceu Amoroso 
de Lima (1930-1950) .................................................................................... 123
Capítulo 7 – O texto como aliado do trabalho do professor 
das séries iniciais do Ensino Fundamental .............................................. 143
Capítulo 8 – Projetos de leitura: planejamento e 
implementação ................................................................................................ 157 
Capítulo 9 – Literatura na formação da criança e do jovem .............. 175
Capítulo 10 – Leitura na escola e na vida em sociedade ..................... 189
Sobre a autora.................................................................................................. 199
Prefácio
Leitura, pesquisa e ensino, de Márcia Cabral da Silva, é um 
livro original e marcante. Ele se destaca dentre as muitas obras 
contemporâneas que se debruçam sobre questões de leitura. Con-
cebendo como fundamentação teórico-metodológica a existência 
de um sistema letrado – no interior do qual se inscreve o sistema 
literário, noção seminal de Antonio Candido (1959) –, os dez en-
saios que integram este livro abordam a leitura de diferentes e 
fecundas perspectivas, dialogando tanto com a pesquisa de ponta 
da área quanto com educadores de sala de aula.
Observe-se, inicialmente, o histórico de cada um de seus 
ensaios: apresentados e discutidos em fóruns de relevo dentro e 
fora do Brasil, às vezes originalmente publicados em periódicos, 
seu percurso – da voz à letra – é uma primeira forma de o leitor 
familiarizar-se com a relação fraterna entre oralidade e escrita. 
Na realidade, trata-se de um primeiro aprendizado. 
Nos cuidadosos rodapés, a autora registra a trajetória de 
cada um dos ensaios. Ressalta-se a informação de que todos fo-
ram adaptados/retomados/modificados, procedimentos que levaram 
a esta versão que o leitor tem em mãos. 
Segundo aprendizado: da mesma forma que um texto pode 
ter quase tantos significados quanto as leituras realizadas deles, o 
escritor – leitor de seu próprio texto – também o reescreve, adap-
ta, modifica e retoma. 
12 Leitura, pesquisa e ensino
A questão não é de somenos: ao contrário, discutir reescri-
tura tanto amplia o âmbito das discussões que ocorrem no bojo de 
alguns dos inúmeros eventos contemporâneos que se debruçam 
sobre a questão entre leitura, escola e literatura como também 
atesta o caráter provisório da escrita, sempre passível de reescrita. 
Ressaltam-se ainda – no que este livro representa de vitrine 
de uma área acadêmica – a pertinência, a variedade e a atualidade 
da bibliografia elencada ao final de cada capítulo, o que também 
aponta para a riqueza do tema leitura, objeto de tantas disciplinas. 
Em vários dos ensaios aqui reunidos, certos tópicos frequen-
tes em discussões sobre leitura ganham uma bem-vinda concretu-
de, como ocorre, por exemplo, com a instituição biblioteca: atra-
vés da menção a nomes de bibliotecas e à sua localização, ganha 
concretude a noção de biblioteca de que se ocupa o primeiro texto. 
Pesquisando bibliotecas populares do Rio de Janeiro, o tra-
balho de Márcia Cabral da Silva dá a essas instituições feições 
concretas: a pesquisadora estuda seus acervos, seus frequentadores 
e algumas práticas de leitura que nelas ocorrem. Se, por um lado, 
o texto documenta o que poderia ser considerado uma subutiliza-
ção da biblioteca (recorrem a ela, basicamente, alunos em busca 
de materiais para lição de casa), por outro lado ele pode inspirar 
– profissionais da biblioteca e, em geral, profissionais de leitu-
ra – projetos que ampliem o âmbito de atuação da biblioteca na 
formação de leitores. 
Na sequência, segue um belo estudo de D. Quixote das 
crianças, obra que Monteiro Lobato publicou em 1936. Em aná-
lise primorosa e detalhada, a autora vai mapeando os aspectos de 
leitura envolvidos e tematizados na adaptação do livro de Cer-
vantes. Nesse capítulo, não apenas encontram-se sólida discussão 
de pressupostos teóricos e exemplos práticos da contemporânea 
noção de mediador/mediação de leitura, como também sugestões 
úteis para fecundar a contemporânea prática de reconto, categoria 
da literatura infanto-juvenil em franca ascensão.
13Prefácio
A discussão sobre mediadores de leitura prepara o leitor 
para a reflexão sobre os dados apresentados no terceiro capítulo, 
que discute as práticas de leitura de futuroseducadores.
Em discussão que se vale de sofisticados procedimentos me-
todológicos (técnica do grupo focal), o leitor de Márcia Cabral da 
Silva familiariza-se, ao longo do texto, com o que os alunos de um 
curso de formação de professores pensam sobre leitura e como a 
praticam (ou não praticam). 
Esse flash contemporâneo é seguido de um retrospecto que 
focaliza situações e práticas de leitura no Nordeste brasileiro de 
um século atrás. O ensaio é impecável: debruça-se amorosamente 
sobre a obra de Graciliano Ramos e tempera com a precisão nu-
mérica de dados censitários da época o retrato que traça de livros e 
de leitura. Esse panorama histórico também se matiza – e dialoga 
com outros capítulos do livro – pela análise dos diferentes media-
dores de leitura presentes na obra de Graciliano Ramos. 
Os capítulos seguintes debruçam-se sobre certas obras como 
os livros escolares (o antológico Terceiro livro de leitura, de Barão 
de Macaúbas [publicado em 1890], e A arte de aprender a ler, de 
Duarte Ventura [publicado nas últimas décadas do século XIX]), 
e certas coleções de livros, como, por exemplo, romances da Co-
leção Menina e Moça, e ensejam um fascinante exercício analítico. 
O ensaio que constitui o capítulo cinco leva os leitores a 
percorrerem o contexto sócio-histórico que fundamenta as pro-
postas pedagógicas de livros mais antigos destinados à circula-
ção escolar. 
No capítulo seis, foca-se em uma coleção de romances vol-
tados para o público feminino brasileiro dos anos 30/40 do século 
XX e, dessa forma, familiariza o leitor com alguns pressupostos 
que embasam a rigorosa discussão de leitura para moças. Em um 
momento como o atual, em que questões de gênero constituem 
categorias muito produtivas nos estudos literários, esse capítulo, 
estrelado por Alceu Amoroso Lima, constitui, sem dúvida, uma 
14 Leitura, pesquisa e ensino
bela contribuição que enlaça questões de gênero às questões histó-
ricas e ideológicas de crítica. 
Seguem-se mais quatro capítulos voltados a questões de lei-
tura e de escrita específicas de certos graus de escolaridade, conte-
údos e disciplinas. 
O capítulo sete se ocupa de questões de alfabetização. O dia 
a dia do desenvolvimento de projetos escolares comprometidos 
com a formação de leitores é discutido no capítulo oito, e a ques-
tão da literatura dentro e fora da sala de aula – de que tratam os 
capítulos nove e dez – é o fecho do livro. 
Nesses capítulos, o leitor talvez se lembre dos versos em que 
Camões fala daquele saber só de experiências feito. São reflexões 
preciosas que, fortemente inspiradas nos tópicos teóricos e histó-
ricos dos demais capítulos, voltam-se para a prática com generosas 
sugestões de trabalho. 
Tais são as razões pelas quais Leitura, pesquisa e ensino, de 
Márcia Cabral da Silva constitui – repita-se – um livro raro e 
marcante: ao discutir com competência as diferentes linguagens e 
perspectivas pelas quais se escreve e se discute a história da leitura 
no Brasil. Este livro é uma efetiva e benvindíssima contribuição 
para sua área de estudos com a vantagem adicional de dialogar 
com os diferentes profissionais – dos gabinetes universitários às 
salas de aula – envolvidos com leitura. 
Marisa Lajolo1
1 Ensaísta, pesquisadora, crítica literária e professora universitária.
Apresentação
Este livro reúne artigos em torno de sujeitos, práticas e ob-
jetos, cuja abordagem procura tornar visíveis elementos relativos à 
história da leitura no contexto brasileiro. Destaca-se a convivência 
entre a tradição oral e a escrita em algumas práticas observadas, 
assim como a importância dos manuais escolares na formação de 
gerações de leitores. Nem sempre se leu da forma apressada como 
se lê contemporaneamente. Houve períodos, como se sabe, em 
que os livros circularam em pequenas quantidades. Os aspectos 
materiais que conformam o objeto livro também sofreram pro-
fundas transformações, de acordo com a tecnologia de impressão 
ao longo do tempo, entre outros fatores de natureza econômica e 
cultural. Ao colocar em cena o leitor e o impresso em diferentes 
momentos da trajetória da leitura, o estudo visa contribuir com 
elementos derivados da pesquisa e do ensino para melhor conhe-
cimento da história cultural do impresso no Brasil. De um lado, 
acompanha-se o desenvolvimento da pesquisa e das aulas no curso 
de graduação e de pós-graduação na Faculdade de Educação da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde o ano de 
2004; de outro, enfatiza-se o debate travado entre alunos e pro-
fessores em curso de formação continuada das redes municipais e 
privadas de ensino, dos programas de incentivo à leitura em di-
versas instâncias culturais, como atestam os cursos ministrados no 
âmbito do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER) 
16 Leitura, pesquisa e ensino
vinculado às ações da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de 
Janeiro e ao Ministério da cultura (MinC).
Essas diferentes instâncias de formação têm renovado de 
maneira expressiva o investimento em pesquisa no espaço acadê-
mico e, principalmente, contribuído com um volume de questões 
cada vez mais refinadas sobre a formação da cultura letrada em 
nosso país, cuja fisionomia revela, lamentavelmente, níveis tão de-
siguais de acesso ao livro e aos ambientes de leitura. 
Por essa razão, parte-se da premissa de que é necessário exa-
minar ainda outras múltiplas faces de que se revestem sujeitos, 
práticas e objetos da leitura no Brasil. Espera-se que professores, 
estudantes da área das ciências humanas e sociais e, em especial, 
professores dos ensinos Fundamental e Médio encontrem neste 
estudo algumas pistas para prosseguir na investigação.
Para facilitar o exame, o livro encontra-se organizado da 
forma que se segue. No primeiro capítulo, a ênfase recai no de-
senvolvimento da pesquisa em seu sentido estrito: mapeamento 
de bibliotecas populares na cidade do Rio de Janeiro. Sua organi-
zação e práticas de leitura desenvolvidas nesse contexto foram os 
objetivos principais do primeiro estudo.
No segundo capítulo, discute-se o conceito de mediação 
pela análise de uma obra literária clássica voltada às crianças: Dom 
Quixote das Crianças, de Monteiro Lobato. Em seguida, no desen-
volvimento da pesquisa “A leitura do jovem: concepções e práti-
cas”, privilegiaram-se a metodologia do grupo focal e os estudos 
sócio-históricos, enfatizando a linguagem conforme a perspectiva 
de Mikhail Bakhtin.
Nos capítulos quatro e cinco, evidencia-se a investigação 
de caráter documental sobre práticas de leitura na passagem do 
século XIX para o século XX no interior de Alagoas. Buscou-se 
compreender o que se lia e como se lia em um cenário em que os 
níveis de alfabetização ainda eram rarefeitos. O capítulo seis traz 
para o primeiro plano representações de leitura em uma coleção 
17Apresentação
de livros literários destinada à menina e à moça no contexto bra-
sileiro dos anos de 1930 a 1950. Analisam-se elementos relativos 
à produção e à circulação da Coleção Menina e Moça, série de ro-
mances traduzidos do francês e editados pela Livraria José Olym-
pio Editora, que ganhou proeminência no mercado editorial de 
livros ficcionais à época.
Na segunda parte, discutem-se instrumentos teóricos e 
metodológicos que contribuem para a formação de leitores no 
âmbito da sala de aula, como ilustram o trabalho diário com 
o texto e o desenvolvimento de projetos de leitura. A escola e a 
cultura escolar são particularmente privilegiadas nesse conjunto. 
Acrescente-se, por último, a reflexão sobre a importância da li-
teratura e de outras mídias na formação de crianças e de jovens, 
da centralidade da leitura na biblioteca escolar e dos contextos 
sociais no cenário da sociedade brasileira contemporânea.
Leitura, pesquisa e ensino, para além da reunião de artigos 
derivados do exercício da pesquisa e de textos relativos a palestras 
ministradas em cursos de formação, procura relacionar esferas in-
dissociáveis de práticas de ensino e de aprendizagemnas institui-
ções educativas e na vida social. Talvez resida nesse aspecto a razão 
mais importante para sua publicação.
Uma palavra de agradecimento, de modo especial, pelas 
bolsas de auxílio à pesquisa de iniciação científica da FAPERJ, 
UERJ e CNPq recebidas ao longo das atividades de ensino e 
de pesquisa, assim como os auxílios APQ1 de 2010 e APQ3 de 
2011.2, concedidos pela FAPERJ para a consecução de parte ex-
pressiva do estudo desenvolvido nos limites deste livro.
Capítulo 1
Bibliotecas populares: memória, 
modos de leitura e acervos1
A biblioteca é um lugar de descobertas e de surpresas, de viagens, 
de emoções boas e ruins. Estou lá o dia todo, esses anos todos, 
e sempre descubro uma coisa nova, um escritor que não conhe-
ço. Porque às vezes há situações assim: comentei com o Dr. José 
“Adoro escrever carta, cartas manuscritas, com caneta tinteiro, 
papel fininho, faço isso até hoje”, e ele disse “Nós somos uma es-
pécie em extinção” e me contou sobre um livro de Pedro Salinas, 
El Defensor, que falava sobre isso. Peguei o livro na estante, levei 
para casa, li – e me senti muito gratificada com a leitura. Nunca 
iria adivinhar que esse livro existia, não conhecia o autor, por-
tanto não iria procurá-lo, tudo surgiu a partir de uma conversa. 
Cristina Antunes, 
Memórias de uma guardadora de livros, 2004
1 Texto apresentado como comunicação no 16º COLE, em 2007, e adaptado para 
esta publicação.
20 Leitura, pesquisa e ensino
O relato de Cristina Antunes, bibliotecária do inestimável 
acervo José Mindlin, faz parte de um interessante livro intitula-
do Memórias de uma guardadora de livros. Interessante porque 
é incomum encontrarmos relatos escritos por bibliotecárias com 
tamanho entusiasmo pela descoberta de autores e livros que to-
quem suas vidas. Tocar a vida, as suas palavras sugerem mobilizar 
o leitor para novas leituras, possibilitando, inclusive, acréscimos 
sobre o assunto pelo qual originalmente sentia interesse.
Assim como Antunes, neste artigo falaremos de bibliotecas 
e das muitas surpresas com as quais se defronta o pesquisador na 
área da história do livro e da leitura. Entre decretos, lombadas, 
estantes e leitores, buscaremos compartilhar os principais resulta-
dos da pesquisa A rede de Bibliotecas Populares da Cidade do Rio 
de Janeiro e a Formação de Leitores, desenvolvida no curso de gra-
duação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro no período 
compreendido entre julho de 2004 e fevereiro de 2007.
A pesquisa foi organizada em três etapas: o levantamento 
do histórico de oito bibliotecas populares, a indagação sobre os 
modos e os suportes de leitura presentes nesses espaços e, por úl-
timo, a investigação acerca da organização, circulação e recepção 
do acervo relativo a seis bibliotecas populares.
Um pouco de história
Buscamos como objetivo inicial investigar a rede de biblio-
tecas populares da cidade do Rio de Janeiro situadas nos diversos 
bairros e totalizando, à época, 26 unidades, sendo a mais recente 
a Biblioteca Popular do Complexo da Maré, inaugurada em maio 
de 2005.2 Essa rede faz parte da Secretaria Municipal das Culturas 
2 Dados colhidos junto à Secretaria Municipal de Culturas da cidade do Rio de 
Janeiro em julho de 2005.
21Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
e integra o Departamento Geral de Documentação e Informação 
Cultural.
Tendo em vista a natureza etnográfica da pesquisa, optamos 
pela distribuição dos pesquisadores nas bibliotecas, em pequenos 
grupos, utilizando o critério de proximidade do local de residên-
cia ou da facilidade de acesso em relação ao local de trabalho. Des-
se modo, tivemos de modificar seu objetivo inicial adotando um 
modo de investigação que contemplasse o estudo de 28 pesqui-
sadores distribuídos em oito bibliotecas. Essa foi a sistematização 
exequível para conduzir a pesquisa na primeira etapa, cujo enfo-
que privilegiou o levantamento do histórico dessas instituições e o 
modo de funcionamento atual. 
Algumas perguntas iniciais nortearam o estudo: o que é bi-
blioteca pública/ popular? De que modo as bibliotecas populares 
na cidade do Rio de Janeiro surgiram? Como relacionar os da-
dos históricos com o modo de funcionamento atual? A partir das 
primeiras observações, chamaram a atenção alguns depoimentos 
registrados pelos investigadores:
Com a intenção de pesquisar sobre as bibliotecas públicas da 
cidade do Rio de Janeiro, resolvemos visitar a Biblioteca Popular 
do Engenho Novo, que foi inaugurada em 1960, em um casarão 
da Rua Silva Rabelo, com o nome de Serafim da Silva Neto e o 
seu acervo era de 8.500 livros. Hoje, esta biblioteca tem o nome 
de Agripino Grieco e atende mais de 150 pessoas por dia, sendo 
a maior parte de estudantes que moram no bairro do Méier, En-
genho Novo, Lins, Riachuelo e Engenho de Dentro (FIGUEI-
REDO, MARTINS, CRISTINA e BRITO, 2005, p. 1.)
Funcionamento da biblioteca Popular da Penha – Álvaro Mo-
reyra [...]. Quanto aos leitores, averiguamos que a maioria mora 
na Penha, é jovem e estudante da rede pública, que procura a bi-
blioteca para realizar tarefas e pesquisas escolares. Sobre o perfil 
22 Leitura, pesquisa e ensino
desse leitor que frequenta a biblioteca, é interessante notar que, 
quando questionados sobre o prazer de ler, sempre dizem que só 
fazem pesquisas, ou seja, que não estão interessados em ler um 
livro por pura curiosidade ou prazer (LOURENÇO, MONTEI-
RO e CRISTINA, 2005, p. 5).
Nesses depoimentos transcritos, aparecem algumas obser-
vações interessantes quando confrontadas com as definições de 
natureza teórica (MILANESI, 1983; SILVA, 2004), segundo as 
quais as bibliotecas públicas deveriam atender a todo tipo de lei-
tor, mantendo um acervo de caráter universal. Na pesquisa em-
pírica, constata-se, ao contrário, a presença de jovens leitores, em 
sua maioria estudantes, interessados em desenvolver pesquisa es-
tritamente escolar.
No que diz respeito aos instrumentos da investigação, ten-
do em vista que nossa intenção inicial foi apreender a história das 
bibliotecas populares, o caderno de campo constituiu-se dispo-
sitivo fundamental para o registro das fontes. Foi possível, por 
exemplo, anotar dados extraídos de documentos oficiais – atos 
governamentais, decretos –, recortes de jornal contendo discur-
sos por ocasião da inauguração das bibliotecas e depoimentos de 
pessoas que, de algum modo, estiveram ou estão ligadas à histó-
ria das bibliotecas públicas. A seguir, destacaremos alguns dados 
relevantes extraídos dos diversos documentos consultados,3 com 
o intuito de mapear elementos relativos ao histórico e ao modo 
3 Distrito Federal, Resolução nº 2, de 05 de janeiro de 1945. Instala vinte biblio-
tecas populares no Distrito Federal. Distrito Federal, Decreto nº 13. 455, de 31 
de janeiro de 1957. Aprova o regulamento das bibliotecas populares da Secretaria 
Geral de Educação e Cultura. Estado da Guanabara. Decreto nº 1594, de 25 de 
março de 1963. Organiza a Secretaria de Educação e Cultura. Rio de Janeiro, 
Decreto nº 15, de 23 de maio de 1975. Dispõe sobre a estrutura orgânica da 
Secretaria Municipal de Educação e Cultura e estabelece sua competência. Rio de 
Janeiro, Lei nº 1598, de 30 de agosto de 1990. Autoriza o poder executivo a dar 
nomes de autores da Literatura Brasileira às Bibliotecas Populares mantidas pelo 
Município. Rio de Janeiro, Decreto nº 10.205, de 18 de junho de 1991. Dispõe 
23Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
de funcionamento atual das bibliotecas pesquisadas na primeira 
etapa do estudo:
Biblioteca Popular de Bangu – Cruz e Souza. Inaugurada em 18 
de dezembro de 1981, atende a leitores residentes nos bairros de 
Bangu, Santíssimo, Realengo, Valqueire, Senador Camará, Padre 
Miguel e Deodoro. Por dia, passam pela biblioteca cerca de cem 
pessoas. Destacam-se as seguintes atividades: gibiteca, brinque-
doteca, hora do conto e oficinas.
Biblioteca Popular de Botafogo – Machado de Assis. Inaugurada 
em 20 de janeiro de 1956.Está instalada num prédio neoclássico 
de 1929, construído pela família Castro Maya para residência. 
Além de Botafogo, atende os bairros adjacentes, como Flamen-
go, Largo do Machado, Laranjeiras e Cosme Velho. Cerca de 
150 pessoas passam diariamente pela biblioteca. As principais 
atividades são: encontros para a terceira idade, encontro de poe-
tas, cursos e oficinas, polo de jornal em biblioteca.
Biblioteca Popular do Engenho Novo – Agripino Grieco. Inaugu-
rada em 22 de novembro de 1960, em um casarão da Rua Silva 
Rabelo, com o nome de Serafim da Silva Neto e o acervo inicial 
de 8.500 livros. Atende cerca de 150 pessoas por dia, na maio-
ria estudantes residentes nos bairros do Méier, Engenho Novo, 
Lins, Riachuelo e Engenho de Dentro. Destacam-se as seguintes 
atividades: gibiteca, brinquedoteca, bibliocine e hora do conto.
Biblioteca Popular do Grajaú – Clarice Lispector. Inaugurada em 
26 de fevereiro de 1974, foi criada por sugestão do professor 
Diofrildo Trotta, diretor da Escola Municipal Francisco Cam-
sobre a denominação das Bibliotecas Públicas Municipais (Era uma vez. Rio de 
Janeiro: Departamento Geral de Documentação e Informação, s. d.).
24 Leitura, pesquisa e ensino
pos, Como acervo inicial, recebeu os livros que pertenciam à bi-
blioteca da escola. Atende cerca de 50 pessoas por dia, a maioria 
estudantes do Grajaú, Vila Isabel e Andaraí. Principais ativida-
des: brinquedoteca, bibliocine e hora do conto.
Biblioteca Popular de Irajá – João do Rio. Inaugurada em 16 de 
julho de 1959. Primeira biblioteca da rede a funcionar em prédio 
construído para essa finalidade, para o qual foi transferido em 18 
de dezembro de 1992. Atende por dia cerca de cem leitores, na 
maioria estudantes, oriundos de Irajá e bairros adjacentes e tam-
bém de Nilópolis. Destacam-se as seguintes atividades: gibiteca, 
brinquedoteca, oficinas para a terceira idade, games, videoteca, 
multimídia, acesso à internet e polo de jornal em biblioteca.
Biblioteca Popular da Penha – Álvaro Moreyra. Inaugurada em 16 
de novembro de 1978. Foi a segunda biblioteca popular a de-
senvolver a seção Braille e a única designada por cordelteca, com 
pesquisa e concursos de literatura de cordel. Atende cerca de cem 
pessoas por dia, na maioria estudantes, provenientes de todos os 
bairros da Leopoldina e de municípios vizinhos. Atividades: gi-
biteca, brinquedoteca, cordelteca, palestras, oficinas, exposições 
e polo de jornal em biblioteca.
Biblioteca Popular de Santa Teresa – José de Alencar. Inaugurada 
em 15 de outubro de 1971. Desde 6 de junho de 1996, está no 
anexo do Centro Cultural Laurinda Santos Lobo. Atende, apro-
ximadamente, 60 leitores por dia, na maioria estudantes de San-
ta Teresa, Centro e Catumbi. Atividades: gibiteca, brinquedote-
ca, hora do conto, oficinas, cursos, palestras e acesso à internet.
Biblioteca Popular da Tijuca – Marques Rebelo. Inaugurada em 
29 de setembro de 1960. Está no atual endereço desde 12 de 
março de 1979 (Rua Guapeni, 61). Atende cerca de cem leitores 
25Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
diariamente, grande parte deles pessoas que trabalham na Tijuca 
e moram em outros bairros. Atividades: polo de jornal em bi-
blioteca, cursos e encontros com a terceira idade.
As bibliotecas mencionadas foram inauguradas ao longo 
das décadas de 1950, 1960, 1970 e início da década de 1980. 
Período histórico bastante restritivo em relação ao acesso a bens 
culturais, visto que, como se sabe, o país atravessava um regime 
autoritário dos mais violentos de nossa história. Pudemos obser-
var que as atividades, em sua maioria, têm sido organizadas em 
torno do que designam por brinquedoteca (em grande parte, con-
siste em coleções de jogos didáticos), da gibiteca e da hora do conto. 
As condições históricas por ocasião de sua implementação devem 
ter sido determinantes para o desenvolvimento de atividades prio-
ritariamente lúdicas. Os eventos de caráter mais reflexivo e ana-
lítico, como palestras e cursos, embora constem da programação, 
mostraram-se efetivamente rarefeitos.
Por outro lado, chamou bastante atenção o fato de só 50% 
das bibliotecas pesquisadas disporem de jornais diários para 
consulta, conforme observação da atividade designada por polo 
de jornal em biblioteca. Como ter acesso à informação, mini-
mamente, sem a possibilidade de consultar jornais diários ou 
outros meios de informação equivalentes, tais como periódicos 
que abordem os fatos recentes que ocorrem no mundo contem-
porâneo?
Além disso, as hipóteses referentes ao perfil do leitor levan-
tadas pelos pesquisadores, por ocasião das primeiras visitas realiza-
das, puderam ser confirmadas. Considerando a frequência diária 
nas oito bibliotecas pesquisadas, variando entre 50 a 150 pessoas, 
observa-se que a maioria dos leitores é formada por estudantes do 
Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
A reunião de um conjunto de dados relevantes sugeriu ca-
minhos para uma sistematização inicial: 
26 Leitura, pesquisa e ensino
a) Conforme os índices coletados, as bibliotecas populares 
da cidade do Rio de Janeiro selecionadas para a pesquisa 
foram implementadas desde a década de 1950 até o iní-
cio da década de 1980. Não obstante o momento histó-
rico comum, cada biblioteca foi constituída com mar-
cas de singularidade e com movimento próprio. Assim, 
procuramos relacionar o momento histórico e os dados 
mais relevantes, de forma a não apagar os movimentos 
próprios de cada espaço investigado, conforme pode ser 
observado na sistematização indicada em páginas ante-
riores; 
b) Muitas dessas bibliotecas parecem funcionar como 
anexos de escolas públicas, evidenciando-se a presença 
constante de jovens estudantes do Ensino Fundamental 
e Médio da rede pública de ensino. Haveria precarie-
dade no acervo das bibliotecas das escolas públicas da 
cidade do Rio de Janeiro, especialmente no que se refere 
a obras de referência e de textos científicos que costu-
mam subsidiar a pesquisa escolar? A articulação desse 
resultado com dados extraídos da investigação nas bi-
bliotecas escolares e salas de leitura em funcionamento 
nas escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro pode 
indicar campo bastante favorável para pesquisas futuras; 
c) Em alguns momentos da história, baixaram-se decretos 
que designavam as bibliotecas com nomes de escritores 
ilustres, como pode ser observado nos exemplos a se-
guir: Biblioteca Popular da Penha – Biblioteca Álvaro 
Moreira; Biblioteca Popular de Santa Teresa – Biblio-
teca José de Alencar; Biblioteca Popular do Grajaú – 
Biblioteca Clarice Lispector.4 Contudo, em conversa 
4 A esse respeito, foram consultados dois documentos esclarecedores: Lei nº 1598, 
de 30 de agosto de 1990: autoriza o poder executivo a dar nomes de autores da 
27Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
informal, os frequentadores e funcionários costumam 
identificá-las apenas pelo nome do bairro em que estão 
localizadas. Essa evidência indica, sobretudo, que os de-
cretos parecem se anular, quando em confronto com a 
memória da comunidade. 
d) As bibliotecas populares registram atividades conside-
radas culturais: hora do conto, oficinas, exibição de fil-
mes, palestras para a terceira idade, dentre outras. As 
atividades em destaque, de fato, dialogam com a cultu-
ra local?
Entre a formação do gosto e os modos de leitura
Concomitantemente aos estudos teóricos, iniciamos a 
pesquisa de campo, que pressupõe metodologia e instrumentos 
adequados.
Para o desenvolvimento dessa fase, planejamos estratégias 
metodológicas complementares: entrevistas semiestruturadas – 
individuais e coletivas – com o intuito de captar melhor as falas 
dos atores sociais envolvidos; visitas semanais à biblioteca, em um 
ambiente que possibilitasse a narração e a troca de experiências, 
além da observação cuidadosa do campo, procurando conhecer 
os contextos de vida, as formas de pensar e de se comportar dos 
leitores e dos grupos sociais estudados (FERREIRA e AMADO, 
2002;MINAYO, 1994; OLIVEIRA, 1998). 
Como pretendíamos compreender melhor a apropriação da 
leitura pelo leitor, foram formuladas questões abertas que versa-
vam sobre os seguintes itens: as primeiras experiências com a lei-
tura, as escolhas realizadas pelo leitor, as razões da visita habitual 
Literatura Brasileira às Bibliotecas Populares mantidas pelo Município do Rio 
de Janeiro e Rio de Janeiro e Decreto nº 10.205, de 18 de junho de 1991, que 
dispõe sobre a denominação das Bibliotecas Públicas Municipais. 
28 Leitura, pesquisa e ensino
à biblioteca e a importância da leitura em meio a outras atividades 
consideradas pedagógicas e culturais.
Leitura e Leitores
Em uma primeira análise, observamos os materiais lidos pe-
los frequentadores dessas bibliotecas.
Na biblioteca popular de Botafogo, Zona Sul do Rio, um 
leitor, economista, 37 anos, sublinha as leituras realizadas e que 
marcaram sua vida: A morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller, 
e Os sequestrados de Altona, de Jean-Paul Sartre. Ao se referir à li-
teratura, considera o gênero dramático o que mais o influenciou. 
Segundo ele, a dramaticidade expressa nos diálogos torna os tex-
tos inesquecíveis.
Aparecem também, em suas lembranças, as leituras realiza-
das na escola. Dessa vez, leitura significa imposição, ao rememo-
rar textos literários ou não, distantes de seu horizonte de interes-
se, cuja interpretação não escapava às formas mais simplificadas. 
Além disso, menciona a relevância da biblioteca popular, por 
conter um vasto acervo, incluindo obras de referência, o que lhe 
permite melhores condições, para prestar concursos públicos.
Outro gênero literário lembrado, dessa vez por uma jovem 
estudante de 20 anos, é a prosa com marcas de comicidade. Nessa 
modalidade, indicou a obra O Grande Mentecapto, de Fernando 
Sabino, como um tipo de leitura que muito lhe agradou. 
Por intermédio da leitora, aprendemos também sobre as 
preferências de uma jovem que, embora muito interessada em en-
redos de histórias de ficção, precisa atualizar-se com rapidez para 
enfrentar a face pragmática da leitura, expressa nas recomenda-
ções dos programas dos concursos. Ao lado da leitura de Clarice 
Lispector, escritora admirada, destaca a leitura de jornais diários 
e de livros sobre atualidades que possam ser objeto das questões 
de concurso.
29Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
Observa-se que a leitura é bastante valorizada como forma 
de suporte para o conhecimento cognitivo, como meio de infor-
mação e como possibilidade de ascensão social. A circunstância de 
prazer e de fruição torna-se rarefeita, em particular, na experiência 
dos jovens e dos adultos entrevistados.
A bibliotecária não ficou de fora da pesquisa. Mediadora en-
tre os leitores e o acervo, revelou-se leitora compulsiva – costuma 
ler de dois a três livros ao mesmo tempo. Seu interesse é variado 
e oscila da biografia de personagens famosos à Poética, de Aristó-
teles. Como sabemos, a função de uma bibliotecária compreende 
a ordem dos livros, com vistas à organização de títulos, obras e 
textos do universo específico do escrito. Mas pode ultrapassar esse 
propósito, como bem indica a bibliotecária, ao mencionar o inte-
resse pela leitura extensiva e pela a descoberta de temas em livros 
novos ou antigos, de modo a se preparar para atender às exigências 
dos leitores.
Nas demais bibliotecas, os dias da semana mostraram-se 
invariavelmente propícios para as leituras voltadas à pesquisa es-
colar. Com o objetivo de conhecer outros focos de interesse em 
relação à leitura, os pesquisadores da biblioteca popular de Jaca-
repaguá, Zona Oeste do Rio, frequentaram-na também nos fi-
nais de semana. Aos sábados, é possível encontrar alguns jovens 
envolvidos com prosa de ficção ou gibis, definidos como opção 
de lazer. Curioso perceber que, ao se referirem a um bom livro, 
associavam-no às noções de prazer, cultura, emoção, diversão e 
imaginação. Ainda segundo esses depoimentos, um texto literário 
tem o potencial de veicular tais elementos, como o best seller Har-
ry Potter, de J.K. Rowling, por exemplo.
Uma última opção identificada diz respeito aos livros deno-
minados de autoajuda. Muitos leitores, inseridos agora na catego-
ria de adultos, reconhecem nesse gênero um modo de aperfeiçoa-
mento humano e espiritual que não encontram em nenhum outro 
material de leitura. Alguns títulos são recorrentes: Você merece ser 
30 Leitura, pesquisa e ensino
feliz, de Amanda Gore, A era do talento, de Roberto Lira Miranda, 
e Seja um vencedor, de Peter Han. 
Modos de Leitura 
Em um segundo conjunto de dados, foram observados os 
modos de leitura recorrentes e o que revelam sobre o leitor de bi-
bliotecas populares situadas na cidade do Rio de Janeiro.
Nem sempre se leu de forma apressada e em tantos for-
matos de material impresso, tal como assistimos nas sociedades 
letradas contemporâneas. Conforme pesquisas desenvolvidas por 
Darnton (1986) e Chartier (2004), na França do Antigo Regi-
me os livros eram raros, o que tornava frequente a leitura de um 
mesmo livro repetidas vezes. Era o caso, por exemplo, dos textos 
religiosos lidos em voz alta para uma audiência com baixos ní-
veis da alfabetização, cuja finalidade resumia-se à memorização do 
conteúdo narrado. Contudo, ao longo desse período, assistimos 
a grandes mudanças. O pesquisador, ao inventariar as formas de 
acesso ao livro na França do século XVIII, elenca as cenas de lei-
tura extraídas de quadros em que os pintores passam a retratar a 
leitura íntima, de foro privado.
A Moça lendo, de Fragonard (National Gallery, Washington), 
confortavelmente instalada, lê com uma atenção comportada 
e aplicada um livro elegantemente seguro na mão direita. Por 
trás da imobilidade perfeita da leitora, como que retirada fora 
do mundo, adivinha-se uma animação totalmente interior, uma 
tensão calma. (CHARTIER, 2004, p. 214) 
Para essa leitura de intimidade descrita, há em proporções 
equivalentes um mobiliário cuidadosamente arranjado: poltronas 
guarnecidas de braços e almofadas, marquesas, luminárias, indi-
31Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
cando que o leitor ou a leitora pode acomodar-se à vontade para 
o prazer da leitura. 
Nas bibliotecas populares pesquisadas, destacam-se as ob-
servações que ampliam muitas das representações consideradas 
anteriormente: 
a) A leitura de diversos materiais concomitantemente: 
prosa de ficção, livros didáticos, biografias, manuais, 
jornais (O Dia, Extra, O Globo, Jornal do Brasil) e revis-
tas (Caras, Veja, Isto É, Galileu, Época, Claudia);
b) Leitores jovens, em sua maioria estudantes, interessa-
dos na leitura fragmentada dos livros, visto que não dis-
põem de muito tempo para a prática da leitura; 
c) A necessidade de um espaço silencioso no interior da bi-
blioteca, uma vez que muitas não possuem mecanismos 
que impeçam os ruídos do trânsito; 
d) O leitor voltado para o espaço externo da biblioteca, 
para acompanhar ao mesmo tempo a leitura e o movi-
mento da rua; 
e) O fascínio e os limites da tela do computador, em quan-
tidade ainda restrita nas bibliotecas populares, em geral 
uma máquina para os leitores. Se por um lado a inter-
net pode facilitar a busca de informações, por outro os 
leitores foram unânimes em reconhecer a experiência 
insubstituível de folhear e sentir o cheiro e a textura do 
livro. Das falas dos entrevistados, depreende-se, então, 
que cada suporte de texto possui o seu próprio valor 
histórico. 
Perceber o significado da leitura literária em meio a outros 
materiais recorrentes constituiu-se um dos objetivos da pesquisa. 
Foi possível constatar que a leitura literária é importante, podendo 
proporcionar sensações não experimentadas na leitura dos demais 
32 Leitura, pesquisa e ensino
gêneros; sobretudo o leitor jovem não parece encontrar fôlego 
para as leituras extensas. Quais, então, são as formas de mediação 
possíveis no espaço da biblioteca pública? É possível pensar nahipótese do acesso a adaptações dos clássicos de qualidade, além 
da divulgação de depoimentos de leitores mais experientes que 
pudessem aguçar a curiosidade e, como consequência, o interesse 
pela leitura mais densa.
Adaptações dos clássicos, clássicos em quadrinhos, recon-
to? Para cada uma dessas modalidades, é preciso considerar ele-
mentos distintos na esfera da produção, no trânsito entre essas 
modalidades modificadas e a construção de um repertório de 
leitura que respeite a inteligência e o horizonte de expectativa 
do leitor. 
Os dados da pesquisa revelam, da mesma forma, a alternân-
cia de textos literários com não literários. Os leitores podem, in-
clusive, compor um repertório de leitura em que convivam obras 
de natureza diversa concomitantemente. De certa forma, esses da-
dos conduzem a uma representação dessacralizada do estatuto do 
texto literário, tão cara a uma perspectiva idealista, ancorada na 
essência da obra.
Sobre o acervo
Na última etapa, desenvolvida ao longo do segundo semes-
tre de 2006 e início de 2007, foram necessárias algumas mudan-
ças: os pesquisadores anteriormente distribuídos na Biblioteca 
Popular de Botafogo, Machado de Assis, em razão de obras estru-
turais, mudaram-se para a Biblioteca Popular da Ilha do Governa-
dor, Euclides da Cunha; os estudiosos antes alocados na Bibliote-
ca Popular de Irajá, João do Rio, transferiram-se para a Biblioteca 
Popular de Jacarepaguá, Cecília Meireles, e, devido à redução do 
número de participantes no grupo, não foi possível realizar uma 
análise do acervo das Bibliotecas Populares do Grajaú e da Penha. 
33Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
De tal modo, iniciamos a pesquisa com oito bibliotecas e, ao final, 
consolidamos o estudo em seis instituições.
A imagem clássica de biblioteca como espaço de silêncio, 
depositária de tesouro intocável, sofreu profundas modificações 
nas sociedades contemporâneas. No que diz respeito às bibliotecas 
populares, em particular, pudemos defini-las como territórios por 
onde circula um grande número de pessoas, em especial estudan-
tes que, além do interesse por leitura e pesquisa estabelecem laços 
de convivência e interação social.
Segundo concepção da Secretaria Municipal de Cultura a 
rede municipal de bibliotecas populares deve proporcionar à po-
pulação dos bairros cariocas acesso às ciências, às artes e ao lazer, 
por meio de leitura, pesquisa, oficinas e palestras.
A análise dos seis acervos examinados quanto à organização 
e à circulação indica pontos coincidentes e algumas especificida-
des. Em relação aos pontos comuns, observa-se que são com-
postos, em sua maioria, por livros técnicos que atendem, princi-
palmente, estudantes do Ensino Médio, embora contemplem os 
demais gêneros como obras gerais, romances, poesia, infantojuve-
nil, obras de referência e outros; todo ano, as bibliotecas populares 
recebem livros comprados e enviados pela Secretaria Municipal 
de Cultura. A quantidade dependerá da verba disponível para essa 
finalidade; ao que tudo indica, ainda insuficiente para atendê-la 
plenamente. Em 2005, por exemplo, as bibliotecas receberam 424 
livros comprados em número e títulos iguais para todas, con-
forme depoimento extraído do relatório da Biblioteca da Ilha 
do Governador, Euclides da Cunha. Acresça-se que os espaços 
físicos foram considerados insuficientes para a organização dos 
livros, haja vista que as bibliotecas recebem um número elevado 
de doações. Em todas, verificou-se o destaque para os exemplares 
recém-chegados, que, em geral, passam a ocupar lugar especial 
no interior da biblioteca, para atrair a atenção dos leitores. Outra 
maneira de divulgar o acervo diz respeito ao destaque a algum au-
34 Leitura, pesquisa e ensino
tor que esteja sendo homenageado em determinado período, em 
razão de data comemorativa.
Em relação a manutenção, limpeza e conservação do acer-
vo, os pesquisadores foram unânimes em indicar a necessidade 
da ampliação do número de funcionários para o exercício da 
tarefa.
Chamou atenção o fato de que, embora exista um arqui-
vo destinado às fichas catalográficas, organizadas por nome do 
autor, assunto ou título, mostra-se pouco utilizado pelo usuário, 
que prefere procurar o livro por conta própria nas estantes ou, 
em último caso, solicitar auxílio da bibliotecária. A classifica-
ção dos livros segue o sistema CDD, desenvolvido por Melvil 
Dewey, em 1876, que consiste em organizar o conhecimento 
humano em dez classes principais, e a catalogação é regida pelo 
sistema anglo-americano.
Frente às grandes mudanças contemporâneas na área da 
informação e do conhecimento, não faz sentido conceber o bi-
bliotecário como um mero conservador do acervo. Em todos os 
relatórios, é possível percebê-lo como mediador entre o leitor 
e o material de leitura, organizando-o, agindo e disseminando 
as informações necessárias. Para usar a expressão de Nóbrega 
(2002), o acervo deve ser percebido e dinamizado para além do 
lugar da ordem, uma vez que contempla a ação e a circulação 
dos saberes.
Quanto às especificidades, convém destacar a iniciativa dos 
leitores da Biblioteca de Jacarepaguá, que, por julgarem o espaço 
físico insuficiente (137,87 m2 de área interna, para abrigar 20.121 
obras), solicitaram, por meio de abaixo-assinado, a mudança da 
biblioteca para um espaço físico mais amplo: a Região Adminis-
trativa de Jacarepaguá. Já a Biblioteca Popular da Ilha do Gover-
nador, embora considerada a maior da rede, ocupa uma área de 
1.482 m2, e tem os livros organizados em um número de pratelei-
ras insuficientes para o acondicionamento dos livros.
35Bibliotecas populares: memória, modos de leitura e acervos
Considerações finais 
Ao longo das três fases desta pesquisa, foi possível constatar 
grande interesse por parte dos leitores que frequentam as Biblio-
tecas Populares, mesmo que este interesse se incline para pesquisas 
apressadas ou para a leitura de natureza pragmática, como pare-
ce ser aquela modalidade voltada às tarefas escolares. Além disso, 
destacou-se o papel mediador do bibliotecário, posicionando-se 
para além da ordem dos livros e revelando-se elo fundamental en-
tre acervo e leitor, o que justifica um projeto de capacitação desse 
profissional em elevados níveis de investimentos. Por último, o es-
paço de disseminação do conhecimento e da cultura do porte das 
bibliotecas populares precisa ser contemplado a partir de políticas 
públicas das quais derivem ações contínuas e consistentes.
Referências:
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Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Florianópolis: Escritório do Livro, 2004.
CÊA, Ângela Sobreira dos Santos. et al. Relatório parcial da pesquisa sobre Bi-
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CHARTIER, Roger. “Do livro à leitura”. Práticas da leitura. São Paulo: Estação 
Liberdade, 1996, pp. 77-105.
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FERREIRA, Marieta M. e AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio 
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36 Leitura, pesquisa e ensino
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tecas Populares da cidade do Rio de Janeiro e a Formação de Leitores. Rio de 
Janeiro, 2005.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas: 
Papirus, 2004. 
Capítulo 2
Dom Quixote das crianças: sobre a 
mediação e aspectos histórico-culturais 
da leitura1
Ah! Rangel, que mundos diferentes, o do adulto e da criança! 
Por não compreender isso e considerar a criança “um adulto em 
ponto pequeno”, é que tantos escritores fracassam na literatura 
infantil e um Andersen fica eterno.
(Monteiro Lobato em carta a Rangel, fevereiro de 1943)
Muito já se escreveu sobre a obra de Monteiro Lobato 
destinada ao público infantil. Ao examinarmos a história da 
literatura destinada à criança, encontramos alguns dados que 
justificam essa assertiva: sua obra marcou inúmeros discípu-
los – a geração “Lobatiana”, “os filhos de Lobato” – que ora 
se inspiraram em seus argumentos, ora em seus personagens, 
e, sobretudo, no que considero fundamental em relação ao 
1 Parte deste texto foi publicada no Dossiê sobre Monteiro Lobato. Revista Misce-
lânea, 6, 2009. Revista da Pós-Graduação em Letras UNESP/ASSIS e adaptada 
para este capítulo.
38 Leitura, pesquisa e ensino
conteúdo de seus livros, ela aposta na curiosidade e na enorme 
capacidade crítica da criança. Por outro lado, sua produção 
marca uma ruptura com o estatuto inicial do gênero no Brasil, 
tão comprometido com os fins pedagógicos e moralizantes. 
É principalmente nas décadas de 1920 e 1930 que Monteiro 
Lobato insere-se no domínio da literatura infantil, conferindo-
-lhe uma nova perspectiva, tanto de ordem temática quanto 
discursiva. A criança não é poupada de conflitos sociais, e o 
ponto de vista da narrativa muitas vezes lhe é transferido e 
abre-se espaço para a voz questionadora da personagem crian-
ça metamorfoseada, com frequência, na polêmica figura da 
boneca Emília.
Os elementos mencionados constituem razões suficientes 
para considerarmos Lobato memória inesgotável da história do 
livro para crianças no Brasil. No caso específico de Dom Qui-
xote das crianças (1965), 2 contado por Dona Benta, recriação 
da obra-prima de Miguel de Cervantes Saavedra, um clássi-
co da literatura espanhola seiscentista, nosso autor necessitou 
não somente dosar ingredientes para uma literatura à altura da 
exigência dos pequenos leitores, como também encontrar uma 
maneira perspicaz de reelaborar uma obra clássica para ser des-
vendada por leitores dotados, hipoteticamente, de menor com-
petência de leitura.
Parece, portanto, tratar-se de duplo desafio: escrever para 
o público infantil, respeitando-lhe a curiosidade, o senso crítico; 
e recriar uma obra clássica para pequenos leitores, assegurando a 
qualidade estética e rejeitando as infantilizações. Nos limites deste 
capítulo, interessa-nos refletir sobre esse duplo desafio, analisando 
o caso da adaptação e examinando o papel da mediação.
2 Dom Quixote das crianças, editado pela primeira vez em 1936, pela Cia. Ed. Na-
cional, contendo ilustrações de Gustave Doré que só aparecem naquela edição. 
Utilizo neste trabalho, no entanto, a 9ª edição da Brasiliense, com ilustrações de 
André Le Blanc, de 1965.
39Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e aspectos histórico-culturais da leitura
Dom Quixote das crianças: um caso de adaptação
A adaptação remete à noção de adequação de uma obra 
estrangeira que, além da tradução, implica modificações no tex-
to original. Monteiro Lobato dedicou-se também a essa tarefa, 
realizando inúmeras adaptações e traduções de textos infanto-
-juvenis, tais como: Contos de Andersen, Peter Pan, Alice no país 
das maravilhas, Robinson Crusoé, Contos de Grim, Robin Hood, 
entre outros. É o caso de Dom Quixote das crianças (1965) que 
passaremos a examinar.
Do título, já inferimos o destinatário da matéria narra-
da, e Lobato poderia ter escolhido a preposição para, o que, 
de algum modo, significaria feito na medida da criança e a ela 
endereçado. No entanto, a preposição escolhida sugere mais 
do que o endereçamento, pois trata-se de posse : Dom Quixote 
das crianças; livro elaborado respeitando o ponto de vista da 
criança e que por direito lhe pertence. O lugar do público já 
está posto em situação crítica, antes mesmo de iniciarmos a 
leitura. Há ainda outro dado inicial revelador da qualidade 
dessa adaptação. Trata-se de uma história recriada a partir do 
ponto de vista de uma narradora-personagem cuja tarefa cen-
tral é contar a história clássica considerando a competência de 
leitura das crianças. Tarefa, diga-se de passagem, nada simples. 
Anunciado, então, logo na folha de rosto, o lugar de destaque 
que assumirá Dona Benta, alguns problemas parecem inicial-
mente solucionados.
A adaptação de Dom Quixote diz respeito também à 
materialidade do livro: forma de impressão, suas dimensões, 
adequação ao manuseio do leitor-criança. Lobato foi bastante 
hábil nessa aventura e dedicou um capítulo inteiro ao desenvol-
vimento do tema. E, assim, “Emília descobre Dom Quixote”: 
40 Leitura, pesquisa e ensino
Emília estava na sala de Dona Benta, mexendo nos livros. Seu 
gosto era descobrir novidades – livros de figura [...] Uma vez 
a pestinha fez o Visconde levar para lá uma escada [...] Foi 
um trabalho enorme levar para lá a escadinha. O coitado do 
Visconde suou, porque Emília, embora o ajudasse, ajudava-o 
cavorteiramente, fazendo que todo peso ficasse do lado dele 
[...] Emília subiu. Alcançou os livrões e pode ler o título. Era 
o D. Quixote de La Mancha, em dois volumes enormíssimos 
e pesadíssimos. Por mais que ela fizesse não conseguiu nem 
movê-los do lugar (LOBATO, 1965, p. 9).
Observamos, portanto, diversos aspectos materiais que 
impedem, em um primeiro momento, a aproximação do leitor-
-criança de uma obra clássica, conforme lemos no fragmento: 
sua localização, em uma parte muita mais alta do que a criança 
poderia alcançar e, mesmo que se tenha resolvido o problema 
com o auxílio de uma escada, restava, ainda, a tarefa dificílima 
de remover dois volumes enormes e pesados. 
Do exame desse capítulo, infere-se que a leitura é dese-
jada, que a criança encontra-se a um palmo de sua conquista, 
mas o obstáculo é imensurável, e ela não conseguiria por si 
mesma superá-lo. Isto é, as questões relacionadas à materiali-
dade do livro parecem anunciar outra dificuldade relacionada 
à leitura: sua compreensão.
Nesse sentido, Monteiro Lobato habilmente constrói um 
capítulo para nos anunciar: as crianças logo, logo estarão lendo 
uma obra clássica, mas não é uma tarefa simples, e, devido à sua 
complexidade, é necessária uma forma de mediação que, a esta 
altura, só poderia ser realizada por um adulto; seja devido às 
proporções de tamanho e volume do livro, seja, principalmen-
te, pela necessidade de facilitar sua apreensão. Como Lobato 
resolve o impasse? Aprontando Dona Benta, leitora experiente, 
41Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e aspectos histórico-culturais da leitura
para entrar em cena, que, neste ponto, torna-se peça-chave na 
estrutura narrativa. E assim:
Dona Benta começa a ler o livro.
O Visconde ficou encostado a um canto, e Dona Benta, na 
noite desse mesmo dia, começou a ler para os meninos a 
história do engenhoso fidalgo da Mancha. Como fosse livro 
grande demais, um verdadeiro trambolho, aí o peso de uma 
arroba, Pedrinho teve de fazer uma armação de tábuas que 
servisse de suporte. Diante daquelaimensidade sentou-se 
Dona Benta, com as crianças ao redor. 
– Este livro – disse ela – é um dos mais famosos do mundo 
inteiro. Foi escrito pelo grande Miguel de Cervantes Saave-
dra... Quem riscou o segundo a de Saavedra?
– Fui eu – disse Emília.
– Por quê?
– Porque sou inimiga pessoal da ortografia velha coroca que 
complica a vida da gente com coisas inúteis. Se um a diz 
tudo para que dois? (LOBATO, 1965, p. 15)
Reinações de Dona Benta: um caso de mediação
 Dona Benta entra em cena e tudo indica que terá uma 
árdua tarefa pela frente, pois, solucionadas as questões relativas à 
materialidade da leitura, com o auxílio, inclusive, de armação de 
tábua para sustentar o “trambolho”, apresenta-se a questão que 
Lobato anunciava homeopaticamente, talvez para não afugentar 
os leitores mais arredios à complexidade de algumas leituras: seu 
desvendamento. 
Meus filhos – disse Dona Benta –, esta obra está escrita em alto 
estilo, rico de todas as perfeições e sutilezas de forma, razão pela 
42 Leitura, pesquisa e ensino
qual se tornou clássica. Mas como vocês ainda não têm a neces-
sária cultura para compreender as belezas da forma literária, em 
vez de ler vou contar a história com palavras minhas (LOBATO, 
1965, p. 17)
Conforme resultado de pesquisas na área da aquisição da 
leitura, sabemos que ela é processual e envolve dimensões bas-
tante complexas: domínio do léxico, familiaridade com o as-
sunto, organização dos elementos sintáticos na frase, ortografia, 
experiência do leitor, cruzamento com leituras prévias, entre 
outros aspectos que tocam as esferas linguísticas, psicológicas, 
histórico-culturais e cognitivas (KLEIMAN, 1999; ZILBER-
MAN e SILVA, 1991). 
Angela Kleiman (1999) aponta para horizontes desta aná-
lise, cujo desenvolvimento, além da perspectiva histórico-cultu-
ral, leva em consideração aspectos cognitivos na formação do 
leitor-criança. A autora discute aspectos cognitivos da compre-
ensão da leitura de textos, apontando a utilização do conheci-
mento prévio como pressuposto para a compreensão de um texto 
– conceito que aponta para três níveis reguladores (KLEIMAN, 
1999, p. 13). 
O primeiro nível diz respeito ao conhecimento linguísti-
co, isto é, ao conhecimento implícito que todo falante detém 
na utilização da língua materna: pronúncia, vocabulário, re-
gras da língua. O conhecimento linguístico tem grande im-
portância para o segundo nível, o processamento do texto, defi-
nido por Kleiman como a atividade pela qual as palavras são 
reunidas em unidades maiores: os constituintes da frase. Esse 
tipo de conhecimento permitirá a identificação de categorias, 
segmentos ou frases e poderá levar à compreensão do texto 
propriamente (KLEIMAN, 1999, pp. 14-5). O conhecimento 
textual é o terceiro nível do conhecimento prévio, e ambos são 
43Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e aspectos histórico-culturais da leitura
condições para a compreensão de um texto e para o desenvol-
vimento do leitor. 
Com efeito, o conhecimento de diferentes estruturas tex-
tuais, como, por exemplo, a estrutura narrativa, a descritiva, a 
expositiva, assim como a percepção de outras marcas formais 
materializadas através de categorias lexicais, sintáticas, semânti-
cas e estruturais (elementos cotextuais), funciona também como 
requisito importante para a produção de sentido no ato da leitu-
ra, visto regular as expectativas do leitor em relação ao conteúdo 
do material que será lido.
A autora analisa ainda outro tipo de conhecimento que 
deverá ser ativado para que a leitura seja bem-sucedida: o conhe-
cimento de mundo, ou conhecimento enciclopédico, que advém da 
experiência cotidiana ou da aprendizagem formal. Nesse tipo de 
conhecimento, estaria envolvida, por exemplo, a familiaridade 
do leitor com o assunto abordado. Assim, do ponto de vista de 
Kleiman (1999), para haver compreensão durante a leitura, é ne-
cessário que este último tipo de conhecimento esteja “ativado”, 
isto é, presente em um nível consciente.
Em síntese, a interação desses diferentes níveis de conheci-
mento – o linguístico, o textual, o de mundo – são pressupostos 
fundamentais para a compreensão daquilo que se lê. Nessa pers-
pectiva, a leitura é considerada um processo interativo justamen-
te porque utiliza esses diferentes níveis de conhecimento.
Em Dom Quixote das crianças, Dona Benta representa uma 
forma de mediação entre a complexidade do material narrado e a 
capacidade interativa em relação à leitura por parte dos pequenos 
leitores da obra. A mediação, em um sentido genérico, refere-se à 
ação de relacionar duas ou mais coisas, de servir de intermediá- 
rio ou de uma espécie de ponte que permitiria a passagem de 
uma coisa à outra. O conceito de mediação, segundo a tradição 
filosófica clássica, refere-se ao problema da necessidade de expli-
car a relação entre duas coisas, sobretudo, de natureza distinta. 
44 Leitura, pesquisa e ensino
Na dialética hegeliana e na filosofia de base marxista, a media-
ção representa as relações concretas que se estabelecem no real 
e as articulações que constituem o próprio processo dialético.3
E, tomando a primeira acepção, já é possível pensar nas re-
lações entre o conceito e a atuação de Dona Benta. Esse processo 
é estabelecido logo no segundo capítulo e pode ser evidenciado 
ao longo de toda a narrativa. Como é tecido, então, o recurso por 
parte do autor? Toda vez que Dona Benta atua, parafraseando 
o conteúdo do original, explicando o léxico, contextualizando o 
cenário e as ações dos personagens em evidência. Observe-se, em 
um curto episódio, a qualidade dessa elaboração:
– Que é alcáçar, vovó? – interrompeu Narizinho.
– É o mesmo que castelo, fortaleza. E velar as armas é uma 
cerimônia da cavalaria. Antes de ser armado cavaleiro, o can-
didato devia passar a noite diante de suas armas, velando-as.
– Quanta besteira, meu Deus! – exclamou Emília – E ainda 
me chamam asneirenta. Asneirenta é a humanidade...
– Bem – exclamou Dona Benta, rindo-se – o estalajadeiro 
ouviu aquilo e [...] (LOBATO, 1965, p. 27) 
Interessante examinar a multiplicidade de vozes divergentes 
que Monteiro Lobato acaba por assegurar nos diálogos, nas inter-
rupções constantes por parte dos personagens-criança. Afasta-se, 
dessa forma, de um didatismo que poderia aparecer cristalizado 
pela voz e pela ideologia de uma única personagem, a avó, teorica-
mente a mais sábia, a mais experiente. A nosso ver, tal simplifica-
ção está longe das intenções de Lobato, tão bem evidenciadas no 
tom que a boneca Emília empresta à narrativa; o que garante da 
3 Sobre isso e outros assuntos: Dicionário de filosofia, de Gérard Durozoi e André 
Roussel (Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1993, e The Cambridge 
Dictionary of Philosophy, Robert Audi (General Editor). Nova Iorque: Cambridge 
University Press, 1999.
45Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e aspectos histórico-culturais da leitura
mesma forma o refinamento do nível de compreensão do persona-
gem-criança e, por analogia, dos pequenos leitores.
E Dona Benta começou a ler:
“Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, 
vivia, não há muito, um fidalgo, dos de lança em cabido, adarga 
antiga e galgo corredor.”
– Ché! – exclamou Emília – Se o livro inteiro é nessa perfeição 
de língua, até logo! Vou brincar de esconder com o Quindim. 
“Lança em cabido, adarga antiga, galgo corredor...” Não enten-
do essas viscondadas, não...
– Pois eu entendo – disse Pedrinho. – Lança em cabido quer di-
zer lança pendurada em cabido; galgo corredor é cachorro magro 
que corre e adarga antiga é... é...
– Engasgou! – disse Emília (LOBATO, 1965, p. 16).
Por outro lado, convém pensar o conceito de mediação no 
desenvolvimento humano, precisamente no que diz respeito ao de-
senvolvimento intelectual da criança. Nesse sentido, torna-se útil 
refletir a partir de algumas proposições formuladas por Lev Seme-
novich Vygotsky (1991, 1998).
Sabemos que a ideia do ser humano imerso num con-
texto histórico, a ênfase em seusprocessos cognitivos e em sua 
capacidade de transformação são proposições bastante caras ao 
ideário contemporâneo. Também o era para esse teórico sovié-
tico que viveu apenas até a década de 1930, mas que chegou a 
conclusões bastante complexas em relação ao conceito de me-
diação simbólica.4 
4 Para o aprofundamento desse conceito, ver, além de Pensamento e linguagem e 
A formação social da mente, ambos editados pela Editora Martins Fontes e am-
plamente divulgados entre os estudiosos de Vygotsky, nos meios acadêmicos; no 
Brasil, Vygotsky, uma síntese, de René Van Der Veer e Jaan Valsiner, tradução de 
Cecília C. Bartalotti. SP: Edições Loyola, 1999. 
46 Leitura, pesquisa e ensino
Esse conceito relaciona-se profundamente com a tese 
histórico-cultural do desenvolvimento humano, cuja base re-
vela que a relação do homem com o mundo não é uma relação 
direta, imediata. Trata-se de uma relação mediada (sendo os 
sistemas simbólicos, os signos, a linguagem, o pensamento, os 
mediadores simbólicos) de natureza psicológica mais refinada en-
tre sujeito e mundo. 
Nos limites deste capítulo, mostra-se enriquecedor re-
lacionar alguns traços dos mediadores simbólicos, nos termos 
propostos pelo pesquisador soviético, e a mediação, no contexto 
das competências de leitura exercida por Dona Benta. 
Assim, passaremos a analisar alguns desses pressupostos. 
O desenvolvimento de conceitos e a elaboração do pensamen-
to tornam-se cada vez mais complexos a partir da utilização 
dos signos, das situações interlocutivas e das interações sociais. 
Verifica-se, portanto, no âmbito dessa teoria, a ênfase nos pro-
cessos interativos, em que estariam, de alguma forma, assegu-
rados o intercâmbio, a negociação de sentidos, os obstáculos e 
os desafios relacionados à compreensão que o sujeito diante de 
outro indivíduo está sempre buscando superar.
A concepção de signo na obra de Vygotsky diz respeito à 
noção de ferramenta mediadora de natureza psicológica. O au-
tor refere-se aos instrumentos de uso genérico, que permitiriam 
interferir na natureza, transformá-la, e aos signos e aos instru-
mentos psicológicos que possibilitariam, através de atividades 
psicológicas mediadas, a conceituação do mundo.
A analogia mostra-se frutífera porque tanto os instru-
mentos como os signos apresentam função mediadora, não obs-
tante suas naturezas serem distintas: enquanto o instrumento 
tem uma orientação externa, age sobre os elementos do mun-
do exterior, os signos são orientados a uma dimensão interna, 
auxiliando no desenvolvimento de funções psicológicas com-
plexas (memória, atenção, percepção, formação de conceitos, 
47Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e aspectos histórico-culturais da leitura
generalizações, abstrações), que o pesquisador, para diferenciar 
das funções elementares de ordem prática, denominou funções 
psicológicas superiores. 
Os processos de internalização dos signos guardam impli-
cações importantes para o conjunto de suas formulações: por um 
lado, ajudam a demonstrar como as relações sociais, os intercâm-
bios culturais são determinantes para a constituição dos indiví- 
duos, de suas subjetividades, por outro, distanciam a compre-
ensão dos processos intelectuais e cognitivos humanos das ex-
plicações recorrentes nas abordagens racionalistas e empiristas. 
Para Vygotsky, os signos não estariam nem predetermi-
nados nos indivíduos desde o nascimento, nem seriam frutos 
de algo fora do indivíduo transmitido por meio das relações 
sociais. Sua pesquisa visa justamente demonstrar como os pro-
cessos superiores mediados pelo auxílio dos signos têm uma na-
tureza social, complexa, construída a partir das interações com 
outros membros da cultura. 
Observando a reconstrução da história desses processos 
é possível compreender por que, para o autor, é tão importante 
sublinhar que a direção dos processos intelectuais, representa-
dos pela utilização de signos, possui um movimento do externo 
para o interno, das relações interpsicológicas para as intrapsico-
lógicas, do social para o individual.
Há um exemplo clássico, mencionado pelo autor, que 
demonstra com nitidez a transformação dos processos psicoló-
gicos superiores, que partem invariavelmente dos intercâmbios 
sociais até serem internalizados e, portanto, compreendidos 
pelos indivíduos. Trata-se dos primeiros movimentos no sen-
tido de tentar agarrar um objeto, realizado pelo bebê. Inicial-
mente, diz Vygotsky, o movimento dirige-se exclusivamente ao 
objeto, na tentativa de alcançá-lo. Com a chegada da mãe, que 
interpreta o movimento do bebê e o auxilia na realização da 
tarefa, o bebê passa a perceber o movimento de agarrar como 
48 Leitura, pesquisa e ensino
um gesto dirigido a um outro indivíduo, portanto, agora, de 
natureza mediada. Isto é, a sua ação passa por uma espécie de 
filtro, a intervenção de um mediador, no caso, a mãe, que, ao 
interpretar a intenção do bebê em agarrar o objeto, irá atendê-
-lo. A partir desse momento, toda vez que o bebê desejar alcan-
çar um objeto, dirigirá o gesto ao mediador e não mais apon-
tará simplesmente para um objeto. Ele passa a compreender, 
por intermédio da leitura de um membro mais experiente da 
cultura, que não se trata de apontar para algo no vazio, mas de 
um gesto.5
O exemplo demonstra, portanto, como um processo psi-
cológico elementar, como o movimento de agarrar, se transforma 
em um gesto de apontar, de solicitação e de atendimento a um 
desejo, porque mediado por intercâmbios sociais.
Por outro lado, acompanhando-se o desenvolvimento des-
sa teoria, observa-se quanto o conceito de mediação formulado 
por Vygotsky é amplo. Refere-se a instrumentos materiais, a sis-
temas simbólicos e, como bem demonstra o exemplo citado, à 
intervenção de outros seres humanos ao longo do desenvolvimento 
do indivíduo. 
De maneira análoga, temos em Dom Quixote das crianças 
um contexto interativo e interlocutivo que permite às crianças 
indagar, recusar informações, buscar informações em outros 
textos lidos e cruzá-las com leituras prévias. E, nessa espécie de 
tessitura de leituras, a compreensão eleva-se, os conceitos prévios 
tornam-se cada vez mais refinados e, ainda, a competência de 
leitura avança de um lugar reservado à menoridade para níveis 
mais complexos.
5 VYGOTSKY, Lev Semenovich . Mind in Society. The Development of Higher Psy-
chological Processes. U.S.A: Harvard University Press, 1978, p. 56.
49Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e aspectos histórico-culturais da leitura
[...] Chamava-se D. Quixote. Era magro, alto, muito madruga-
dor e amigo da caça. E mais amigo ainda de ler. Só lia, porém, 
uma qualidade de livros: os de cavalaria.
– Eu sei o que é cavalaria – disse Pedrinho – Depois das Cru-
zadas, a gente da Europa ficou de cabeça tonta e com mania de 
guerrear. Os fidalgos andavam vestidos de armaduras de ferro, 
capacete na cabeça e escudo no braço, com grandes lanças e es-
padas. Montavam em cavalos que eles diziam ser corcéis e saíam 
pelo mundo espetando gente, abrindo mouros pelo meio com 
espadas medonhas. As proezas que faziam eram de arrepiar os 
cabelos. Já li a história de Carlos Magno e os Doze Pares de 
França...
– Isso mesmo – confirmou Dona Benta. – Eram os cavaleiros 
andantes.
– Por que se chamavam assim? – indagou a menina. (LOBATO, 
1965, p. 18)
No fragmento acima, é possível identificar alguns dos 
pressupostos para formação do leitor experiente e, consequen-
temente, mais exigente. De um lado, observa-se a voz do per-
sonagem Pedrinho, que toma a palavra, propõe conceitos e for-
mulações. De outro, a voz da personagem Narizinho, que, com 
autonomia, interrompe o discurso e propõe questionamentos. 
Desse modo, as vozes divergentes identificadas elevam-se e de-
monstram ganhar, cada vez mais, autonomia. 
Monteiro Lobato parece ter tecido sua matéria, conside-
rando determinadas dimensões. Por um lado, a adaptação cui-
dadosa, rigorosa, revelada a cada pequeno trajeto percorrido por 
seus leitores-modelos; por outro,a construção de um espaço de 
mediação complexo, espesso, diligentemente configurado a par-
tir da inserção de Dona Benta. 
Nesse percurso, a criança demonstra ser a maior beneficia-
da. E o Dom Quixote recriado com tanto requinte e respeito, de 
50 Leitura, pesquisa e ensino
fato, passou a ser dela, com certa “mãozinha” do autor. Monteiro 
Lobato já tinha deixado pistas por ocasião do título (Dom Qui-
xote das Crianças) e também na carta ao amigo Rangel, epígrafe 
deste capítulo. 
Por não considerar a criança “um adulto em ponto pe-
queno”, enfatizamos sua capacidade de compreender conceitos 
e interagir com o material literário. No que se refere a leituras 
mais densas, tal como a adaptação da obra clássica examinada, 
merece especial ênfase a construção dos espaços interativos que 
visam à apropriação da leitura e à qualidade da mediação, exerci-
da de modo sui generis por D. Benta e pelas demais personagens-
-criança no cenário de Dom Quixote das Crianças.
Referências:
AUDI, Robert. The Cambridge Dictionary of Philosophy. Nova Iorque: Cambridge 
University Press, 1999.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 
1995.
BENJAMIN, Walter. A criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 
1984.
DUROZOI, Gérard e ROUSSEL, André. Dicionário de filosofia. Trad. Marina 
Appenzzeler. Campinas, SP: Papirus, 1993.
 KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: 
Pontes, 1999.
LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. SP: Moderna, 2000.
LOBATO, Monteiro. Dom Quixote das Crianças. SP: Brasiliense, 1965.
——. A Barca de Gleyre. SP: Brasiliense, 1972.
PENTEADO, José Roberto Whitaker. Os filhos de Lobato: o imaginário infantil 
na ideologia do adulto. RJ: Dunya/Qualitymark, 1997.
SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. Dom Quixote de la Mancha. Trad. Viscondes 
de Castilho e Azevedo. SP: Abril Cultural, 1978.
SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DE SÃO PAULO. Monteiro 
Lobato, cidadão e escritor. Revista da Biblioteca Mário de Andrade, 56, 1999.
VEER, René Van Der e VALSINER, Jaan. Vygotsky, uma síntese. SP: Edições 
Loyola, 1999.
51Dom Quixote das crianças: sobre a mediação e aspectos histórico-culturais da leitura
VYGOTSKY, Lev Semenovich . Mind in Society. The Development of Higher 
Psychological Processes. U.S.A: Harvard University Press, 1978.
——. A formação social da mente. SP: Martins Fontes, 1991.
——. Pensamento e linguagem. SP: Martins Fontes, 1998.
ZILBERMAN, Regina e SILVA, Ezequiel Theodoro. Leitura: perspectivas inter-
disciplinares. SP: Ática, 1991.
Capítulo 3
A leitura dos jovens em um curso de 
formação de professores1
Este capítulo enfatiza a técnica do grupo focal no desenvol-
vimento da pesquisa A Leitura do Jovem: Concepções e Práticas.2 
Trata-se de pesquisa realizada com jovens em uma escola pública 
de formação de professores, no bairro do Jardim Botânico, Zona 
Sul da cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa desenvolveu-se em 
duas etapas: inicialmente, com vistas ao levantamento prelimi-
nar de alguns dados, como o perfil cultural do grupo de alunos 
e o contexto social de origem dos entrevistados, decidiu-se pela 
aplicação de um questionário organizado em quatro campos: so-
cioeconômico, trajetória escolar, campo sociocultural e trajetória 
de leitura. 
Na segunda etapa do estudo, optou-se pelo instrumento 
do grupo focal, visto que, conforme adverte Gatti (2005), Carey 
1 Texto originalmente apresentado no 17º COLE, em 2009, e adaptado para este 
livro. Também publicado com algumas modificações em Educar em Revista, 
Curitiba, Brasil, 43, pp. 173-88, jan/mar. 2012, Editora UFPR. 
2 A pesquisa foi realizada no período de 2007 a 2009, com o apoio do CNPq e da 
FAPERJ, e contou com a colaboração dos seguintes bolsistas de iniciação cientí-
fica: Ana Carolina Siqueira Veloso, Déborah de Paula Areias, Gisele Gonçalves 
Isaías e Rodrigo Ruan Merat Moreno.
54 Leitura, pesquisa e ensino
(1994) e Morgan (1997), ele vem crescendo em diversas áreas, 
como saúde, marketing, publicidade, administração e gestão e nas 
pesquisas em ciências humanas. Diferentemente de outras técni-
cas, como a entrevista, por exemplo, possibilitaria a condução me-
nos diretiva por parte dos pesquisadores e maior integração entre 
os participantes.
Todavia, essa compreensão tem sido objeto de grande po-
lêmica entre os cientistas sociais. Segundo a pesquisadora, haveria 
tendência em tratar o grupo focal por uma perspectiva baseada 
na entrevista coletiva (com procedimentos mais estruturados, tais 
como perguntas e questões mais controladas), e também por uma 
tendência que privilegiaria a rede de interações, que, embora foca-
da em temas, oferecesse a possibilidade de trocas e a constituição 
de um campo emergente mais interativo entre os participantes. A 
perspectiva adotada neste trabalho assume esta última tendência3 
e, com o intuito de redimensioná-la, estabelece interlocução com 
a abordagem sócio-histórica presente em estudos sobre linguagem 
do pesquisador russo Mikhail Bakhtin.4
A pesquisa em ciências humanas requer uma compreensão 
ética e política dos sujeitos nela envolvidos.5 Nessa perspectiva, 
3 Bernadete Angelina Gatti adota também em suas análises a tendência que privi-
legia as interações.
4 Embora o autor tenha refletido sobre tantas outras áreas de estudo, como a lite-
ratura, a estética, a psicologia, por exemplo, nos limites deste capítulo abordam-
-se, em especial, investigações sobre a linguagem e os processos interativos. Cf: 
BAKHTIN, M. (VOLOSHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São 
Paulo: Hucitec, 1992; BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: 
Martins Fontes, 1994; BAKHTIN, M. “The problem of the text in linguistics, 
philology, and the human sciences: an experiment in philosophical analysis”. 
Speech genres & other late essays. Trad. Vern W. Mcgee; Edição de Caryl Emerson 
e Michael Holquist. USA. University of Texas Press, 1996, pp. 103-31; CLARK, 
Katerina e HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Cambridge, Mass: Harvard 
University Press, 1984. 
5 Conferir, em particular, as pesquisas reunidas em livro, cujo enfoque assinala 
as ciências humanas, a pesquisa e o exame dos trabalhos de Mikhail Bakhtin. 
Freitas, M.; Jobim e Souza, S. e Kramer, S. (orgs.). Ciências humanas e pesquisa: 
leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003. Além desse conjunto de 
55A leitura dos jovens em um curso de formação de professores
a pesquisa de base sócio-histórica, ancorada em alguns estudos 
de Mikhail Bakhtin (1992), pode indicar orientações frutíferas. 
Quais orientações seriam essas? Como podem auxiliar na dimen-
são da construção de pressupostos teórico-metodológicos, éticos, 
políticos e humanos da pesquisa? 
Uma primeira dimensão diz respeito à linguagem como 
espaço interativo, materializado em discursos e enunciados em 
constante processo de transformação. Tal espaço ganha vida na 
medida em que os sujeitos do discurso agem uns sobre os ou-
tros e sobre a própria linguagem em contextos sócio-culturais e 
históricos específicos. Nas palavras de Bakhtin: “só a corrente da 
comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação” 
(1992, p. 138).
É necessário sublinhar uma segunda dimensão que também 
se refere aos estudos da linguagem: a esfera da compreensão do 
próprio discurso e do discurso alheio impulsionados pelo caráter 
dialógico de toda enunciação verbal. Ou seja, segundo Bakhtin 
(1992), toda palavra provém de um locutor e é sempre dirigida 
a um ouvinte. Infere-se, a partir dessa assertiva, que os enuncia-
dos carregam, de modo indissociável, o gérmen de sua resposta. 
Residiria nessa perspectiva, portanto, o caráter dialógico de toda 
enunciação verbal.
Reitera-se, de tal modo, a necessidade de circunscrever a 
dimensão da linguagem à teoria sócio-histórica, de modo a ga-
rantir a palavra dos pesquisadores. Trata-se, como se pôde acom-
panhar, de uma opção ética e política no sentido de conceber os 
sujeitos como locutores e interlocutores

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