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1 CORÍNTIOS VOLTAR Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 5 Capítulo 9 Capítulo 13 Capítulo 2 Capítulo 6 Capítulo 10 Capítulo 14 Capítulo 3 Capítulo 7 Capítulo 11 Capítulo 15 Capítulo 4 Capítulo 8 Capítulo 12 Capítulo 16 INTRODUÇÃO I. CONTACTOS DE PAULO COM A CIDADE DE CORINTO O evangelho alcançou a cidade de Corinto, a principal da Acaia, cerca de vinte anos após a crucifixão de Jesus. A população era constituída de gregos nativos, colonos romanos e de judeus. A cidade estava situada na principal rota comercial entre o Leste e o Oeste, por isso havia uma corrente ininterrupta de comerciantes de espírito inquieto e vivaz. Nas próprias cartas aos coríntios descobre-se o efeito de tal atmosfera na vida dos crentes dali. Somos informados a respeito de duas visitas de Paulo a Corinto em At 18 e At 20.1-3. Ele também manteve correspondência com aquela igreja em várias ocasiões, como recebia também cartas e informações dos crentes. (Veja-se 1Co 7.1; 2Co 2.4). As relações do apóstolo com a Igreja de Corinto revelam um caráter muito íntimo e pessoal. Ele foi o pioneiro na evangelização da cidade, (1Co 3.6 e 4.15) e acompanhava o crescimento daquela igreja com vivo interesse. Ali existiam dificuldades peculiares. Havia muito entusiasmo de mistura com muita propensão ao erro, algumas vezes o espírito sectário tomava vulto e parece que o Apóstolo teve seus detratores que procuraram minar sua influência. Isto se constata muito facilmente na segunda epístola. A primeira visita a Corinto verificou-se no que chamamos de segunda viagem missionária de Paulo. Ali chegou ele após sua visita a 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 2 Atenas, logo pregando na sinagoga (At 18.4). Paulo enfrentou tal oposição da parte dos judeus, que foi levado a declarar: “Sobre a vossa cabeça o vosso sangue! eu dele estou limpo, e desde agora vou para os gentios”. (At 18.6). Tais palavras parecem sugerir controvérsia sobre a culpa da crucifixão de Jesus. Que o apóstolo fez da Cruz seu assunto fundamental em Corinto, prova-o o que encontramos na primeira carta: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado», (1Co 2.2). Talvez a experiência do apóstolo em Atenas o tivesse levado a esta decisão, o que é bem possível. Ao mesmo tempo houve alguns convertidos de entre os judeus. O primeiro foi Áquila e sua esposa Priscila. Não eram naturais de Corinto, mas residiam ali e Paulo morou com eles (At 18.1-3). Depois vem Crispo, principal da sinagoga. (At 18.8). Este creu no Senhor com toda sua família. A seguir, vem Sóstenes (1Co 1.1) que pode ser o mesmo referido em At 18.17, como o “principal da sinagoga”. Se assim é, ele também recebeu a fé em Jesus Cristo. Mais tarde viajou com Paulo e esteve com ele em Éfeso, pois seu nome está na relação daqueles da Igreja de Corinto aos quais Paulo envia saudações na primeira carta (1Co 1.1). Todavia, o êxito mais importante de Paulo foi entre os próprios coríntios, a respeito dos quais se diz: “muitos dos coríntios... criam” (At 18.8). Também Deus lhe assegurou por meio de uma visão: “tenho muito povo nesta cidade” (At 18.10). Os judeus hostis continuaram a perseguir o apóstolo e, eventualmente, o trouxeram perante Gálio, lugar-tenente ou procônsul romano da Acaia (At 18.12). Gálio não deu atenção a esses judeus e o incidente refluiu sobre a cabeça de Sóstenes, que era o principal da sinagoga, isto através de uma demonstração antijudaica por parte da população grega (At 18.17). A menção do nome de Gálio como procônsul dá-nos razão de colocar a primeira visita de Paulo a Corinto entre os anos 50 a 55 do primeiro século, pois o consulado de Gálio é colocado no verão, ano 51, ou o mais tardar no ano 52. O apóstolo demorou-se ali cerca de dezoito meses (At 18.11), o que lhe deu excelente oportunidade para estabelecer a igreja naquela cidade. Não foi 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 3 a sua maior permanência em um só lugar, pois lemos de sua estada por dois anos, mais tarde, em Éfeso (At 19.10). II. AS VISITAS DE PAULO A CORINTO Quantas vezes o apóstolo ainda visitou Corinto? Somente mais uma visita está registrada em At 20.1-3. Não há pormenores, mas foi uma visita anterior à sua última viagem a Jerusalém e, por isso, pode ser considerada como sua última visita a Corinto. Desse modo, temos em Atos o registro da primeira e da última visitas. Nas epístolas que ora estudamos, o apóstolo fala como se esta última visita fosse realmente uma terceira (2Co 13.1). Neste particular, não há dúvida que existe certa ambigüidade, visto como foi cancelada uma visita que havia sido prometida (2Co 1.23). Se outra visita foi realizada, não há referência explícita, o que torna difícil encontrar solução segura sobre a questão. O que sabemos é que Paulo teve de escrever com certo rigor aos coríntios sobre a conduta deles (2Co 2.4), e adiou sua prometida visita a fim de que não estivesse presente para repreendê-los mais severamente do que por meio da sua carta (2Co 1.23). Se a visita prometida não foi realizada, então não houve uma visita intermediária. III. A DATA DAS EPÍSTOLAS O valor da discussão deste assunto está simplesmente em reconstituir as circunstâncias que se relacionam com a redação de 1 e 2 Coríntios. Sabemos que Paulo demorou por dezoito meses em Corinto, na sua primeira visita, viajando depois, por mar, até Éfeso; visitou Jerusalém e Antioquia, percorreu os lugares da Ásia Menor onde, anteriormente, fizera trabalho missionário, voltando então a Éfeso onde demorou dois anos (At 18.11,18-23-19.1). Escreveu de Éfeso a primeira carta aos Coríntios, talvez um ano após sua chegada ali, no ano 55 A. D. A carta foi escrita, em parte para condenar o espírito faccioso existente entre eles, fato que lhe chegou ao conhecimento por intermédio dos membros da família de Cloe (1Co 1.11) e, em parte, para repreender os 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 4 coríntios por motivo de um ato de baixa imoralidade cometido por um membro daquela igreja e contra quem eles não tomaram as medidas radicais que o caso exigia (1Co 5.1-8); e também foi escrita para responder a respeito de certas questões, sobre as quais lhe haviam solicitado conselhos (1Co 7.1). Parece que Timóteo já estava viajando para Corinto, quando Paulo escreveu esta carta (1Co 16.10) de modo que esta foi levada diretamente a Corinto por algum outro portador. Sabemos com segurança que pouco tempo após Paulo haver escrito esta carta (embora não fosse a primeira que escrevera aos coríntios, como vemos em 1Co 5.9), ele mesmo partiu para Corinto via Macedônia (1Co 16.5). Embora tenha sido este o plano que ele estabeleceu finalmente, já havia previamente falado em ir primeiro a Corinto e, então, à Macedônia, voltando após a Corinto. Faz referência a esta intenção declarada antes (2Co 1.15-16) porque parece que alguns ficaram ofendidos por causa da modificação do plano, e tentaram, fazendo referências aviltantes, solapar sua influência entre os coríntios. Poderíamos ainda supor que o portador que levou a primeira carta aos coríntios regressou logo a Éfeso, com informações sérias a respeito do estado daquela igreja. Em conseqüência disso, Paulo, em vez de visitar Corinto imediatamente escreveu às pressas uma carta (que não chegou até nós), na qual repreendeu os coríntios um pouco severamente, carta que enviou a Corinto pelas mãos de Tito. (Veja-se 2Co 2.3-4,9 e 7.5-16). Isto deixou o apóstolo muito preocupado e muito ansioso por saber, logo que possível, como os coríntios tinham reagido a tal reprovação. Tito tinha de voltar pela Macedônia; e Paulo deixou Éfeso e foi primeiro a Trôade e, depois, à Macedônia, no intuito de encontrar Tito o mais breve possível.Quando o encontrou ficou muitíssimo alegre em saber, por intermédio dele, que aquela carta severa tivera efeito benéfico, e que os coríntios haviam reconhecido plenamente o ponto de vista do apóstolo (2Co 2.12-14). Em conseqüência disto escreveu a carta que chamamos 2 aos Coríntios e enviou Tito de volta com a mesma, juntamente com 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 5 outros dois irmãos (2Co 8.16-24). Esses entregaram a epístola e também completaram o recolhimento de uma coleta que tinha sido levantada em Corinto para os crentes pobres em Jerusalém (2Co 8.11). 2 Coríntios foi portanto escrita da Macedônia e expressou a alegria de Paulo sobre os resultados alcançados em Corinto. Nela, todavia, o apóstolo também não hesitou em ministrar-lhes as lições a respeito da “discórdia” sobre a qual se deteve nos últimos quatro capítulos (10.1-13.10). Esta reconstituição é apenas conjectural e não é aceita por muitos. Alguns admitem que essa carta tão severa e mencionada em 2Co 2.3 é a mesma 1 Coríntios; outros sugerem que 2 Coríntios, como a possuímos, é constituída de duas ou três divisões tomadas de epístolas diferentes, escritas por Paulo aos coríntios em diferentes ocasiões. Tais divisões distintas seriam 1 a 9, exceção feita de 6.14-7.1, e 10.1-13.10. Tal possibilidade não pode ser desdenhada e a ela nos referiremos depois. Tal ponto de vista, porém, não é absolutamente necessário, e excelentes argumentos podem ser alinhados em favor da unidade de 2 Coríntios, como esta se apresenta. Em qualquer caso, porém, a autoria de Paulo quanto ao conteúdo total é indisputável. Eventualmente, o próprio Paulo chegou a Corinto partindo da Macedônia, onde se demorou, por três meses. Uma vez mais teve de escapar à perseguição dos judeus e deixou Corinto por terra em vez de viajar por mar, como era sua intenção a princípio (At 20.3). Até onde é possível verificar-se, o apóstolo jamais voltou a Corinto. IV. EVIDÊNCIA EXTERNA Muito tempo depois, Clemente de Roma enviou uma carta à Igreja de Corinto, escrita daquela cidade. Isto ocorreu mais ou menos no ano 95 A. D. e nessa carta Clemente faz referência a uma epístola de Paulo que pode ser identificada com a 1Coríntios. Essa referência posterior torna 1 Coríntios uma das mais bem autenticadas epístolas do Novo Testamento. Possivelmente a referência mais remota a 2 Coríntios é encontrada nos 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 6 escritos de Irineu e Clemente de Alexandria, já nos fins do segundo século, mas a genuinidade da epístola jamais foi posta em dúvida. V. A IGREJA EM CORINTO A Igreja em Corinto foi formada a princípio de uns poucos judeus e muitos gentios, como já foi dito. Seus pontos fracos e fortes podem ser notados através do estudo das cartas que Paulo lhe endereçou. Em nenhuma dessas epístolas, contudo, nem no relato das visitas de Paulo encontrado nos Atos, nos é referido exatamente o que aconteceu na igreja e que deu lugar à severa repreensão que lhes foi aplicada. Somos informados de um caso de incesto peculiarmente vergonhoso (1Co 5.1- 5); houve também um caso de um «que fez o mal» (2Co 7.12), se é que se trata de duas pessoas diferentes. Mas deduzimos que houve um motivo mais geral, além dos referidos, que inquietou o apóstolo, como algum movimento que lançava dúvidas sobre o seu apostolado, e lhe contrapunha um rival (2Co 11.1-6). Não temos bastante luz sobre este assunto para, com exatidão, traçar o curso dos acontecimentos. Tentemos chegar a uma conclusão até onde possível. Do livro de Atos sabemos que Apolo também visitou a Acaia (e certamente Corinto, a capital) e pregou ali com bastante aceitação (At 18.28). Ele é também mencionado por Paulo elogiosamente, em 1 Coríntios – "Apolo regou” - (3.6). E é interessante observar que o nome de Apolo foi um dos escolhidos para líder de um partido - “Eu sou de Apolo” - (1Co 1.12). Do que lemos a seu respeito em Atos, parece ter sido um judeu culto que se tornou cristão e orador eloqüente. Evidentemente não era responsável pela criação do partido que tinha o seu nome como bandeira, nem tampouco Paulo pelo outro que tinha o seu. Timóteo, Tito e Suas também trabalharam com Paulo em Corinto (Veja-se At 18.5 e 1 e 2 Coríntios, onde se fala deles). Tem-se especulado se Pedro fez alguma visita a Corinto, e isto por causa da referência ao «Partido de Cefas» (1Co 1.12). Em todo o Novo Testamento não se pode descobrir qualquer referência ou idéia de ter 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 7 ocorrido tal visita. Que representaria, em particular, esse partido de Cefas? É um problema para o qual não se tem resposta certa; mas devido ao fato de o próprio Paulo em sua epístola aos Gálatas declarar: «Resisti a Pedro face a face» (Gl 2.11), é possível que notícias dessa desavença entre eles em assunto de tanta seriedade tivessem chegado a Corinto e ali alguns ficassem do lado de Pedro. O caso teria sido, então, a estrita observância da lei judaica por todos os cristãos. VI. PROPÓSITO DE PAULO EM ESCREVER A índole do povo de Corinto, devido à população ser constituída de raças diversas, prestava-se a divisões partidárias. Até mesmo os crentes foram atingidos por esse espírito sectarista, ostentando os nomes dos líderes mais destacados, até mesmo o do próprio Cristo, para fazer sobressair suas várias divisões. Contra isto o apóstolo tinha de escrever de maneira muito forte, e os primeiros quatro capítulos de 1 Coríntios são destinados a salientar o mal do espírito sectário entre os cristãos. Paulo atribui a causa dessas divisões a uma falsa concepção de sabedoria, de um lado, e do ministério cristão, do outro. Essas divisões na igreja eram um mal, não somente por causa da amargura que produziam, mas também porque os mestres, cujos nomes os diversos partidos adotavam, não viviam a se opor mutuamente. Isto acontecia entre a população pagã de Corinto, onde existiam mestres de opiniões opostas. Por exemplo, Públio Élio Aristides, do segundo século informa que “em cada rua de Corinto pode-se encontrar um ‘sábio’ que tem sua própria solução para os problemas da vida”. Esse partidarismo pode ser atribuído à natural tendência entre os gregos para certa inconstância mental; também uma curiosidade em torno de mistérios, a qual se satisfazia com muitas explicações possíveis, sem necessariamente decidir sobre qual era a verdadeira (cf. At 17.21). Para que a comunidade cristã não seguisse tal tendência, o apóstolo escreveu energicamente: “Está Cristo dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós?” (1Co 1.13). 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 8 Todavia, temos apenas considerado os nomes dos partidos mencionados em 1 Coríntios. Todos esses nomes eram de homens genuinamente bons, e a dificuldade não foi causada por eles, mas pelos próprios coríntios que usavam os nomes deles para fins sectaristas. Em 2 Coríntios encontramos uma situação diferente, porque agora um grupo de outros “apóstolos” surgiu, solapando a influência de Paulo, que a eles se refere nos últimos quatro capítulos dessa epístola. Quando os menciona, é levado a usar de grande clareza de linguagem. Mostra a atitude deles. Diziam: “Suas cartas (de Paulo), com efeito, são graves e fortes, mas a presença dele é fraca, e a palavra, desprezível” (2Co 10.10). Contra estes Paulo tem de falar acerca de si próprio, de uma maneira que, obviamente, o fere. “Mas o que faço, e farei, é para cortar ocasião àqueles que a buscam” (2Co 11.12); e “o que falo, não o falo segundo o Senhor e, sim, como por loucura nesta confiança de gloriar-me” (2Co 11.17). E segue uma relação de experiências de sua própria vida, que não teríamos conhecido, se esses semeadores de desordens na igreja de Corinto não tivessem dado lugar a isso. Assim, do mal resultou o bem. O que nos inspira maior interesse, ao contemplarmos esses acontecimentos, é o fato de o apóstolo ter-se conservado em comunhão com tal grupo de crentes sectaristas. Nãose separou deles, como se fossem gente intratável, mas cumpriu a ordem de nosso Senhor «não desesperando de ninguém» (ver Lc 6.35). E em meio a essas palavras de controvérsia pessoal, podemos sentir o espírito do amor cristão e a operação do princípio proclamado em 1Co 13. «Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol das vossas almas. Se bem que tanto mais vos ame, tanto menos seja amado por vós» (2Co 12.15). VII. DUAS CARTAS, OU TRÊS? Façamos aqui uma digressão a fim de considerar se esses capítulos (2Co 10 a 13), na posição que ocupam atualmente, não estão deslocados, devendo então ser considerados como uma carta separada, e mesmo como a carta referida em 2Co 2.3-4. Vejamos como Paulo a descreve: 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 9 “E isto escrevi para que, quando for, não tenha tristeza da parte daqueles que deveriam alegrar-me; confiando em todos vós de que a minha alegria é também a vossa. Porque no meio de muitos sofrimentos e angústias de coração vos escrevi, com muitas lágrimas, não para que ficásseis entristecidos, mas para que conhecêsseis o amor que vos consagro em grande medida”. Agora, se passarmos diretamente destas palavras para o cap. 10, podemos apreciar a força do argumento acima apresentado. O cap. 10 assim começa: “E eu mesmo, Paulo, vos rogo, pela mansidão e benignidade de Cristo, eu que, na verdade, quando presente entre vós, sou humilde; mas, quando ausente, ousado para convosco, sim, eu vos rogo que não tenha de ser ousado, quando presente, servindo-me daquela firmeza com que penso devo tratar alguns que nos julgam como se andássemos em disposições de mundano proceder”. Mais adiante, em 11.2-3, lemos: “Porque zelo por vós com zelo de Deus; visto que vos tenho preparado para vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo. Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva, com a sua astúcia, assim também sejam corrompidas as vossas mentes, e se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo”. Tais sentimentos, pensam alguns, ajustam-se tão bem à descrição que Paulo faz da referida carta, que muitos comentadores concluem constituírem estes capítulos a carta em questão e, portanto, devem ser cronologicamente colocados antes de 1 a 9. A atual colocação, porém, é encontrada em todos os manuscritos e não aparece qualquer evidência que indique não pertencerem os quatro últimos capítulos originalmente aos primeiros nove. Portanto, a questão só pode ser discutida do ponto de vista da evidência interna, não se conseguindo unanimidade de opinião. Em defesa da correção da ordem atual pode-se argumentar que os caps. 1 a 9, embora registrem alegria, também contêm reprimenda (veja-se por exemplo 1.23). Isto indica que a reprimenda não está inteiramente fora 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 10 do pensamento do autor, por isso o tom de advertência dos últimos quatro capítulos pode seguir apropriadamente a matéria dos nove primeiros. Demais disto, o tom ou linguagem de 10 a 13 não é todo de hostilidade; e pode-se dizer não ser bastante severo para justificar a alegação feita de ser uma carta de repreensão. Amor genuíno e profundo interesse assinalam esses capítulos (veja-se por exemplo 12.20): “Temo, pois, que, indo ter convosco, não vos encontre na forma em que vos quero, e que também vós me acheis diferente do que esperáveis, e que haja entre vós contendas, invejas, iras, porfias, detrações, intrigas, orgulho e tumultos”. Quando se consideram essas qualidades de cada divisão, o teor geral de cada seção não é tão diferente que a última não possa vir em seguimento da primeira. Teria o apóstolo conseguido reatar suas boas relações cristãs com a Igreja de Corinto, e também entre os membros da própria Igreja? Aqueles que colocam os caps. 10 a 13 antes dos caps. 1 a 9 podem responder: Sim. Se achamos que a ordem desses capítulos deve ser como se apresenta na carta, podemos ainda crer que Paulo, pelo Espírito Santo, teria sido uma vez mais “consolado e confortado” como o fora nas ocasiões anteriores (veja-se 2Co 1.1-14). VIII. O ENSINO DESTAS EPÍSTOLAS A igreja de Corinto era, a um só tempo, fonte de alegria e de ansiedade para o apóstolo. As duas epístolas que estudamos são caracterizadas por um espírito de interesse pessoal intenso, da parte do autor, pelos crentes dali. Este interesse impediu-o de desenvolver uma linha de doutrina, como, por exemplo, na epístola aos Gálatas; ou uma apresentação sistemática do caminho da salvação em Cristo Jesus, como é o caso de Romanos (embora seja interessante recordar que a carta aos Romanos foi escrita em Corinto). Muitos tópicos doutrinários são abordados, alguns de capital importância para a compreensão da fé cristã. Certas divisões tratam da natureza da sabedoria humana e da sabedoria divina (1Co 1 a 4); a doutrina da conduta crista (1Co 5; 6; 8; 9 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 11 e 11); o conceito cristão do casamento (1Co 7; cf. 2Co 6.14-7.1); a instituição e significação da Ceia do Senhor (1Co 10 e 11.17-34). Ha também o ensino relativo à unidade da Igreja (1Co 12-13; 16.1-9 e 2Co 8 e 9); sobre os dons espirituais (1Co 14); sobre a Ressurreição (1Co 15) e o ministério cristão (2Co 3.1-6.10; 10.1-13.13). Desta relação pode se constatar que uma perda muito grande a Igreja teria sofrido se estas epístolas não tivessem sido escritas ou preservadas. PLANO DO LIVRO I. INTRODUÇÃO - 1.1-9 a) Saudação aos crentes de Corinto (1.1-3) b) Gratidão pela graça que lhes foi dada (1.4-7) c) Confiante esperança neles (1.8-9) II. DIVISÕES NA IGREJA - 1.10-4.21 a) Exposição dos fatos (1.10-17) b) A raiz das divisões: uma concepção errônea de sabedoria (1.18-3.4) e uma concepção errônea do ministério cristão (3.5-4.13) c) Último apelo para pôr fim às divisões (4.14-21) III. DELITOS MORAIS NA VIDA DA IGREJA - 5.1-6.20 a) Frouxidão no caso de incesto (5.1-13) b) Questões levadas a juízes pagãos (6.1-11) c) O pecado da sensualidade (8.12-20) IV. RESPOSTAS A PERGUNTAS - 7.1-14.31 a) Acerca do casamento (7.1-40) b) Acerca de carnes sacrificadas aos ídolos (8.1-11.1) c) Culto público - os princípios em jogo (11.2-14.40) 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 12 V. O EVANGELHO DA RESSURREIÇÃO - 15.1-58 a) Sumário dos fatos (15.1-19) b) Conseqüência dos fatos (15.20-34) c) A natureza do corpo ressurreto (15.35-49) d) A imortalidade (15.50-58) VI. INSTRUÇÕES FINAIS - 16.1-24 a) Contribuição sistemática (16.1-9) b) Acerca de Timóteo, Apolo e Estéfanas (16.10-18) c) Saudações e bênção final (16.19-24) COMENTÁRIO I. INTRODUÇÃO - 1.1-9 1 Coríntios 1 a) Saudações aos crentes de Corinto (1.1-3) O apóstolo adota a forma usual de saudação grega, na qual o nome do escritor vem no princípio. Apresenta-se ele como alguém que foi chamado pela vontade de Deus para ser apóstolo de Jesus Cristo (1). Estava bem cônscio de que Deus agira na sua chamada. Conhecendo a narrativa da conversão de Paulo (veja-se At 9.1-16), podemos apreciar por que ele constantemente a ela se refere, seja diretamente (veja-se v. g. At 22.1-16), seja indiretamente nas saudações de suas epístolas. Podemos também inferir que Paulo tinha interesse em sublinhar sua missão e autoridade apostólicas, de Deus recebidas, especialmente quando escrevia a igrejas onde, como no caso de Corinto, havia certa tendência da parte de alguns para desacreditá-las. O irmão Sóstenes (1). Tem prazer em juntar ao seu o nome de outro crente, pensando sempre em termos de companheirismo com 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 13 outros no evangelho (cf. 2Co 1.1 e as outras epístolas suas). (A respeito de Sóstenes, veja-se a Introdução). A Igreja de Deus, que está em Corinto (2) é a maneira notável como o apóstolo fala do grupo de crentes, homens e mulheres, de Corinto - os representantes locais da única Igreja de Deus. Santificados em Cristo Jesus(2), isto é, separados ou dedicados a Deus, por sua união com Cristo Jesus. O tempo do verbo no grego, correspondente à palavra “santificados”, indica um estado contínuo, resultante de uma experiência anterior de santificação. Chamados para ser santos (2) mais uma vez indica que a posição do crente procede de Deus e não é ganha por méritos próprios (veja-se nota sobre Fp 1.1). Com todos os que, em todo lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo (2). A Igreja de Cristo é universal, “católica”, e contudo há um sentimento íntimo entre as respectivas partes, entre todos os indivíduos e Cristo - Senhor deles e nosso (2). Podemos considerar as frases descritivas no verso 2, que seguem as palavras igreja de Deus, como expositivas da doutrina da Igreja e como maneira de descrever os seus membros. Observe-se a seqüência – “de Deus”, “santificados”, “chamados”, “invocam”, “deles e nosso”. A Igreja é criação de Deus, que Ele por Sua vontade criou para Si. Seus membros são santificados, postos à parte para uso de Deus; são chamados - também significando potenciados - para ser santos; e eles continuamente invocam o nome de Jesus Cristo, cientes de que outros, em outros lugares, fazem o mesmo, não se considerando eles, portanto, como sendo a Igreja toda, ou que somente eles estão de posse de Cristo. Graça... paz (3); a primeira é a fonte de onde emana a nossa salvação; a segunda é a recompensa da confiança pessoal em Deus. Deus nosso Pai, e... o Senhor Jesus Cristo (3). A associação do nome de Jesus com o de Deus o Pai, em frases incidentais como esta, oferece-nos uma garantia da fé apostólica na deidade de Jesus Cristo, mais do que o fariam declarações formais. A doutrina da Santíssima Trindade não decorre de textos isolados; cremos que ela permeia todo o 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 14 Novo Testamento. Teremos outras ocasiões de lhe fazer referência, à medida que prosseguirmos (vejam-se especialmente as notas sobre o cap. 15). b) Gratidão pela graça que lhes fora dada (1.4-7) O apóstolo afirma que rende graças a Deus continuamente pelos resultados da pregação do evangelho em Corinto, através da qual a graça divina foi aceita por muitos (4). Deus lhe havia dito: “tenho muito povo nesta cidade” (At 18.10), o que se tornou para ele uma fonte de grande alegria. Graça, que vos foi dada (4), o que indica uma experiência definida, no passado. Resultou isto no enriquecimento (5), de acordo com o testemunho que o apóstolo dera de Cristo, o que foi então confirmado neles (6). Os crentes coríntios demonstravam plena fé cristã e viviam na expectação da volta de Cristo (7). O apóstolo desse modo teria querido ensinar-nos a considerar esta expectação como expressão máxima da fé cristã. E é mesmo; hoje, a negligência generalizada por este assunto indica até onde vai o nosso desvio da fé apostólica da Igreja. Cf. a atitude dos “escarnecedores”, em 2Pe 3.3-4. Agradecendo a Deus a graça concedida aos coríntios, notamos que o apóstolo refere a “palavra” e o “conhecimento” como dons especiais outorgados aos crentes daquela cidade. Isto é significativo à luz do que se lê adiante nesta epístola. Por exemplo, ficamos sabendo no cap. 14 o que entendia ele a respeito de falar línguas. Anima antes os coríntios a “profetizar”, isto é, a dar expressão à mensagem do evangelho. Outrossim, nesta epístola discutem-se o verdadeiro e o falso “conhecimento” (vejam-se os vv. 18 e segs.). Os coríntios, pois, por sua atividade intelectual estavam provocando a discussão de novidades, sobre as quais havia necessidade de orientação apostólica. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 15 c) Confiante esperança neles (1.8-9) Jesus Cristo vos confirmará até ao fim (7-8). «Confirmar» significa fortalecer a graça já concedida, de modo a fazê-la durar até ao fim. O resultado será tornarem-se eles irrepreensíveis, inatacáveis, no dia de nosso Senhor Jesus Cristo (8), isto é, quando Cristo voltar como juiz. Fiel é Deus (9). Podemos confiar plenamente nas promessas divinas. Esta é a razão pela qual a confiança em Deus é a pedra de toque e a alegria do verdadeiro cristão. Fostes chamados (9). A certeza de que é Deus quem nos chama para a comunhão do Seu Filho Jesus Cristo (9) remove muitos temores oriundos da confiança própria. Este pensamento tem sido objeto da atenção de muitos mestres cristãos. A frase comunhão do Seu Filho é um modo de referir à Igreja, e seu uso aqui é significativo em vista dos sentimentos sectaristas que haviam surgido em Corinto, a respeito dos quais o apóstolo vai já tratar com seriedade. Os crentes devem estar em comunhão uns com os outros porque cada um deles está nessa relação para com Cristo. II. DIVISÕES NA IGREJA - 1.10; 4.21\ a) Exposição dos fatos (1.10-17) Os vv. 10-17 são algo chocantes. Os “santos” estão brigando uns com os outros! Como explicar isto? A santidade, no Novo Testamento, significa em primeiro lugar um estado diante de Deus, mas deve também manifestar-se em santidade de vida. Isto requer exercício voluntário e autodisciplina. Pelo (ou “mediante” o) nome de nosso Senhor Jesus Cristo (10). Trazer à lembrança o Mestre divino, eis o meio de fazer alguém envergonhar-se dos seus próprios pecados. Aliás Paulo não ousou corrigir os santos por sua própria autoridade. Antes sejais inteiramente 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 16 unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer (10). “Mente” e “parecer” talvez se diferenciem em aquela significar acordo de pensamento, e este querer dizer acordo em decisão ou propósito. Fui informado pelos da casa de Cloe (11). Alguns cristãos de Corinto estavam contristados com as atitudes sectaristas dentro de sua igreja, e apelaram a Paulo. Cloe não se menciona mais em parte alguma. Eu sou de Paulo; e eu de Apolo, e eu de Cefas; e eu de Cristo (12). Qual fosse o ensino particular, ou ponto de vista, de cada um destes partidos, não se pode determinar com certeza. Talvez se tratasse apenas de preferências pessoais, mas neste caso é difícil explicar a razão de ser do partido de Cristo. Várias sugestões têm sido apresentadas - que os de Paulo eram um grupo que talvez mais do que este apóstolo dava ênfase à libertação de sob o jugo da lei judaica; os de Apolo eram aqueles influenciados por sua retórica, provindos de Alexandria, centro de retórica judaica; os de Cefas podiam ser oponentes dos Paulinos, homens que se firmavam na lei e no cerimonialismo dos judeus (ver a Introdução); e os de Cristo podiam ser cristãos que arrogavam para si, de um modo exclusivo, o nome do Salvador. Tudo isto, porém, é conjectura, e em qualquer caso não interfere com a principal mensagem da seção que é evitar distinções sutis que levam a meras diferenças verbais (Veja-se outra vez 2Co 10.7-18). O apóstolo enfrenta a situação de modo muito eficaz. Acaso Cristo está dividido? foi Paulo crucificado em favor de vós? (13). A união dos cristãos entre si está em Cristo, e nunca será conseguida por acordo em torno de teorias. Fostes porventura batizados em nome de Paulo? (13). O rito do batismo podia ser mal interpretado como algo que o seu ministro pudesse realizar por virtude própria (veja-se o verso 15). O apóstolo rende graças (nas presentes circunstâncias) por haver batizado muito poucos. Não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho (17). O intuito destas palavras não é depreciar o batismo, mas dar ênfase ao fato de que a pregação de Cristo, levada a efeito por ele, 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 17 Paulo, não podia dar ocasião a ninguém dizer que, por ela, o apóstolo granjeava convertidos para si. E tal pregação era desataviada de retórica mundana, sabedoria de palavras (17), que era, nos dias de Paulo, o critério pelo qual se reconhecia quem falava bem. Ele, porém, se absteve disso, porque a força salvadora de sua mensagem não estava em sabedoria de palavras,mas na cruz de Cristo (17). b) A causa (raiz) das divisões: uma concepção errônea de sabedoria (1.18; 3.4) e do ministério cristão (3.5-4.13) 1. CONTRASTADAS A VERDADEIRA E A FALSA SABEDORIA (1.18-2.5) - A pregação da cruz é loucura para os que se perdem (18). O homem natural, isto é, como nasce no mundo, não pode crer na séria conseqüência do pecado, e por isso não se pode compenetrar da necessidade de receber a Cristo, que foi feito pecado por nós (2Co 5.21). Uma coisa parece loucura ao homem natural, quando não se ajusta às suas idéias preconcebidas. Para nós, que somos salvos, é poder de Deus (18). O grego tem os verbos destas duas frases assim: “Os que estão perecendo... nós que estamos sendo salvos”. Cada frase representa uma classe. O Novo Testamento ensina que os “santos”, isto é, os verdadeiros crentes, estão na classe dos salvos, contudo ainda não estão plenamente santificados. A santificação é um processo. O apóstolo agora passa a considerar a natureza e o valor da sabedoria do mundo, contrastando-a com a natureza e o valor da sabedoria que se acha em Cristo Jesus. Não tornou Deus louca a sabedoria do mundo? (20). Todos os sistemas filosóficos da lavra do homem, que se alheiam de Deus ou O definem segundo a imaginação humana, acabam em nada, em loucura. “Porventura, pesquisando, poderás encontrar Deus?” (Jó 11.7). Por sua própria sabedoria o mundo não O conheceu (21). Na última parte de Rm 1, o apóstolo discorre longamente sobre os falsos caminhos palmilhados pelo homem. Podia-se fazer um confronto das 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 18 duas passagens. Tanto é verdade que Deus é manifestado pelo universo em si (esta é a mensagem de Rm 1) como é verdade que o homem não pode ter um verdadeiro conhecimento de Deus só pelos dons naturais (é esta a mensagem de 1Co 1). A loucura da pregação (21). Pregação aqui, no grego, significa a “mensagem”. Refere-se aos simples fatos, como podíamos dizer, da história cristã, o conteúdo do evangelho. Este conteúdo parecia “loucura” (porque muito fora do comum; como o nascimento virginal, a ressurreição) aos gregos contemporâneos do apóstolo. Ainda parece loucura a muitos hoje, porque a mentalidade grega (mais ou menos racionalista) persiste na Europa. Os que crêem (21). “Crer” no Novo Testamento não implica comumente assentimento intelectual em primeiro lugar; antes é confiança pessoal adicionada a obediência. Aceitando-se os fatos do evangelho como provindos de Deus e, portanto, confiando-se neles plenamente, entra-se num estado de salvação. Os judeus... sinais, os gregos... sabedoria (22). Temos aí a suma das características raciais de cada classe numa palavra. Os judeus eram caçadores de milagres. Lembramo-nos da atitude de nosso Senhor para com os ditos milagres. Aliás, procurava ocultá-los. A sabedoria dos gregos era uma atividade intelectual. Ninguém nega a elevada percepção intelectual dos filósofos gregos, nem a superioridade de muitos de seus escritos. Todavia nada disto tem poder salvador para o gênero humano em sua generalidade. Algo mais é necessário, na presença do qual as lucubrações humanas mais sublimadas se mostram de nenhum poder. Esse algo é Cristo crucificado (23), que é pedra de tropeço (23) para os judeus, por várias razões. Em si mesma a cruz é sinal de ignomínia e derrota. Além disso, feria a sensibilidade da consciência judaica. Era o reverso da vitória do Messias, a estabelecer um «reino glorioso, aqui e agora». É loucura (23) para os gregos, porque não parece ter explicação intelectual. Houve porém alguns judeus e gregos que acharam ser ela o poder e a sabedoria de Deus (24). Poder de Deus porque o pecado, até 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 19 aí adversário invicto do homem, foi por ela vencido; sabedoria de Deus porque mostra que Ele conhecia a verdadeira natureza do fracasso do homem e fez provisão para o mesmo. E o apóstolo conclui declarando triunfantemente que a loucura de Deus (como assim julgam) é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (25). À vista disso, não é de surpreender que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento (26). As idéias deles estavam já fixas em outro canal. Pelo contrário, Deus «exaltou os humildes e os mansos». Ele escolheu as coisas loucas... as coisas fracas.... as coisas humildes... e as desprezadas, e aquelas que não são (27-28) para mostrar Seu poder. Se Deus pode exaltar coisas que os homens rejeitaram como inúteis - tanto coisas como pessoas - então Ele é onipotente. A fim de que ninguém se vanglorie em Sua presença (29). O primeiro passo para a recuperação do gênero humano é descobrir que, fora de Deus, o homem não tem qualquer base para existir. Os vv. 30 e 31 resumem o pensamento do apóstolo. Podiam ser parafraseados assim: “Vós, cristãos, entretanto, reconheceis de fato vossa dependência de Deus, porque sois filhos de Deus em Cristo Jesus, isto é, mediante Seus méritos e vossa relação com Ele. Jesus Cristo é para nós a verdadeira sabedoria que vem de Deus; Ele também representa absoluta justiça e santidade, e completa restauração ao estado de perfeição, em nosso favor. Por conseqüência seguimos a verdade, como está escrito. Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (Veja-se Jr 9.23-24). 1 Coríntios 2 O apóstolo Paulo mesmo procedia assim. Quando fui ter convosco... não o fiz com ostentação de linguagem, ou de sabedoria (2.1). Absteve-se de toda capacidade ou poderes naturais. Seu propósito era declarar o testemunho de Deus (1). Outros MSS gregos trazem 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 20 “mistério de Deus”. A palavra “mistério” no Novo Testamento grego traz o sentido de algo que está sendo revelado - não, como entre nós, alguma coisa que nos mistifica. A idéia aqui do ensino de Paulo é que Deus Se revela aos que dEle se aproximam em Cristo - sendo este, naturalmente, o tema de todo o Novo Testamento. O conhecimento de Deus é, pois, “misterioso” no sentido de que o homem natural, agindo por suas próprias faculdades, não pode recebê-lo (veja-se ainda sobre o verso 14). O vocábulo “testemunho”, que ocorre em outros manuscritos gregos, dá ênfase antes à operação do conhecimento de Deus na vida de Paulo. A obra deste apóstolo em Corinto, como evangelista, assinalou-se por ausência de encenação - foi feita em fraqueza, temor e grande tremor (3). Ocupou-se inteiramente em apresentar a Pessoa de Cristo (pelas razões já enumeradas em 1.30) e Sua obra por nós na cruz - o evento da vida de Cristo que exigia o máximo de compreensão. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria (4). Os coríntios não compreendiam um pregador sem oratória. Tinham ainda que reconhecer a vaidade de toda sabedoria humana, por um lado, e o poder convincente do Espírito (4), de outro. A fraqueza do apóstolo era de fato um auxílio para que o poder do Espírito se demonstrasse (veja-se também 2Co 12.9 – “Meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”). Teve o mérito de evitar que os coríntios fossem levados a exaltar a Paulo em lugar de Deus - para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e, sim, no poder de Deus (5). 2. DEFINIÇÃO DA VERDADEIRA SABEDORIA (2.6-13) - Expomos sabedoria entre os experimentados (perfeitos) (6). Paulo está falando das coisas de Deus ao povo de Deus. A verdadeira sabedoria origina-se em Deus, e todo o seu conteúdo deriva-se dEle. “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria”. (Veja-se também Jó 28.28). A sabedoria humana, pelo contrário, tem numerosos pontos de partida e igualmente diversos conteúdos, de modo que não há nela unidade. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 21 Experimentados (perfeitos) é um termo aplicado no Novo Testamento aos crentes. Pode ser considerado quase como um termo técnico. O crente é “perfeito” porque é nova criaturaem Cristo, de cuja perfeição participa aos olhos de Deus. Não implica impecabilidade enquanto ele estiver na carne. “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos” (1Jo 1.8). A palavra é provavelmente introduzida neste contexto para dar ênfase ao fato de que, em Cristo, o crente tem experiência das realidades finais. Príncipes deste mundo (6). “Poderosos desta época” (ARA). A palavra é “governadores”, e o pensamento pode ser a maneira pela qual o povo do mundo acompanha o aparato dos que estão em autoridade. Tais aparatos logram larga publicidade, mas eventualmente se reduzem a nada (6). (Alguns comentadores acham que “príncipes deste mundo” significa anjos. Satanás algumas vezes é assim chamado). Pelo contrário, a sabedoria de Deus é oculta (7), é falada em mistério (veja-se 2.1). Está oculta na própria natureza do universo, preordenada desde a eternidade (7) com vistas à nossa glória (7), isto é, levando-nos à glória e trazendo glória para nós. Nenhum dos príncipes deste mundo conheceu (8) tal glória, porque se eles a conhecessem sua atitude para com Cristo teria sido diferente - não teriam crucificado o Senhor da glória (8). Note-se este título de Cristo. “Glória” é outro termo técnico no Novo Testamento que significa um atributo de Deus que Ele concede aos crentes. No verso 9 se diz que é algo além da capacidade natural que o homem tem de concebê-la - O olho não viu, etc. Estas palavras não se acham no Velho Testamento exatamente como estão citadas aqui, porém parecem ser uma combinação de Is 64.4 e 65.16-17. Temos aqui uma ilustração instrutiva do conhecimento que Paulo tinha do Velho Testamento, e do livre uso que dele fazia. Deus no-las revelou pelo seu Espírito (10). Este versículo declara a necessidade que temos da direção do Espírito para a compreensão das coisas de Deus. Assim como alguém compreende seu 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 22 companheiro mediante a participação de um espírito que lhes é comum (11), assim o homem só pode compreender a Deus por meio da comunhão do Espírito de Deus (11). Este verso é interessante por apresentar a idéia de comunicação mediante um “espírito” comum. A palavra “espírito” na Bíblia não é facilmente definida, significando às vezes pouco mais do que “influência”, mas outras vezes é usada de um modo que indica plena e distintamente a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. O verso 11 podia ser usado como ponto de partida de uma investigação deste assunto. Nós não temos recebido o espírito do mundo, e, sim, o Espírito que vem de Deus (12). Aqui, no grego, a palavra “mundo” é diferente da que foi usada no verso 7, acima. Lá o sentido é de “época”; aqui a significação é de “universo ordenado”. A frase espírito do mundo quer dizer o espírito ou modo de ver, concepção de nossa humana civilização. Foi-nos dado gratuitamente (12). A revelação de Deus foi-nos dada completamente no Jesus histórico; é pois um acontecimento do passado, mas com potencialidades sempre presentes. Falamos esta verdadeira sabedoria de Deus, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito (13). É um tipo de sabedoria de todo em todo diferente, contendo concepções diferentes e assim se expressando de modo diferente. Conferindo coisas espirituais com espirituais (13). Dentro do âmbito desta sabedoria espiritual há oportunidade para comparações de uma parte com outra. 3. POR QUE TANTOS FALHAM EM COMPREENDER (2.14-3.4) – O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus (14). No “homem natural” não há o Espírito de Deus que o capacite a compreender. O homem espiritual (15). Temos aí o contrário do “homem natural”. O contraste é entre o homem como ser inteligente (mas caído) e o homem como ser espiritual (regenerado pelo Espírito). Julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém (15). O regenerado 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 23 tendo em si o Espírito de Deus, tem capacidade de julgar todas as coisas sob uma verdadeira luz - a luz de verdade; mas ele próprio esta fora do alcance da compreensão do homem natural. Moffatt tem: “Ninguém pode ler o que ele é”. A razão é que o homem natural não conhece a mente do Senhor (16), mas os crentes têm a mente de Cristo (16), porquanto Cristo neles habita pela fé (veja-se Cl 3.16). 1 Coríntios 3 O apóstolo põe de parte esse tema elevado e volta-se para os seus leitores, os cristãos coríntios. Estes ainda não estão inteiramente entregues à operação do Espírito Santo. São carnais, crianças em Cristo (3.1). Teve de alimentá-los com leite, e não com sólido (2) e continuam precisando deste gênero de alimento. Ainda sois carnais: porquanto, havendo entre vós ciúmes, etc. (3). A existência de lutas partidárias era índice de que o Espírito Santo não dominava inteiramente aquela igreja. A forma grega da palavra “carnal” difere ligeiramente no verso 1 e no verso 3. No verso 1 a palavra significa “carnal”, “feito de carne”; no verso 3 quer dizer “carnal no caráter”, “de mentalidade carnal”. Os recém-nascidos do Espírito ainda conservam seus desejos naturais por mais ou menos tempo. Isto não é censurável, porém, sim, permanecer mentalmente carnal, isto é, conservar o critério pelo qual o mundo julga as coisas. Proceder assim é andar segundo o homem (3). E o mundo vai sempre atrás de vozes de partido - Eu sou de Paulo... Eu sou de Apolo (4). Esta seção, em sua inteireza (1.18-3.4) ensina que o Espírito dá ao crente o poder de julgar todas as coisas. Todavia não implica que a religião cristã é uma forma de experiência ou de pensamento que se opõe às operações das faculdades naturais do homem, tais como a razão e o sentimento. Mais adiante, nos caps. 12 e 14, o apóstolo adverte seus leitores contra uma atitude anti-racionalista no que concerne a fatos 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 24 espirituais. Além do que, o ensino aqui, enquanto sustenta que a vida cristã é vivida no Espírito, não implica entretanto que é uma vida de misticismo, divorciada dos interesses humanos e ordinários. Paulo era possivelmente, dos apóstolos, o de mentalidade mais prática. 4. OS MINISTROS, EM SI, NADA SÃO (3.5-9) - O apóstolo agora considera a segunda causa das divisões. Não apenas têm uma concepção errônea de sabedoria: do ministério também fazem um conceito errado. Servos por meio de quem crestes (5). O ministro nada é em si, e de fato é erro perigoso ele agigantar-se no horizonte visual dos crentes, atraindo para si as atenções, porquanto ele é apenas aquilo que Deus o fez ser - conforme o Senhor concedeu a cada um (5). Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus (6). Os dois primeiros verbos, no grego, indicam ação completa no passado, enquanto o terceiro (veio) está no pretérito imperfeito, denotando ação continuada. A mudança do tempo do verbo é digna de nota. São um (8). Paulo e Apolo não dissentem entre si; aliás, os ministérios deles para Deus, embora diferentes no caráter, são partes de um mesmo processo. Cada qual, porém, tem sua parte a realizar, e receberá o seu galardão (8). Lavoura de Deus, edifício de Deus (9). São duas metáforas favoritas da doutrina cristã, e vale a pena ponderá-las. Deus é o Mestre- Jardineiro, o supremo Arquiteto. Apolo, que é mencionado aqui, é também referido em At 18.24- 28. Alexandrino culto, com algum conhecimento do Cristianismo, veio a Éfeso onde foi mais instruído por Áquila e Priscila, amigos íntimos de Paulo. Parece que ele almejava, de modo particular, ir a Corinto, de onde Paulo, Áquila e Priscila saíram havia pouco, sendo recomendado por carta aos irmãos dali. Logo começou a ensinar na sinagoga de Corinto que Jesus era o Messias. Devia ser um orador distinto, para que um partido, naquela igreja, tomasse o seu nome. Será que ele, sem o querer, 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 25 fez surgir ali o espírito de partido?Paulo não indica que Apolo se lhe opusesse - o que planta e o que rega são um - de modo que não podemos admitir esta idéia. No caso, a falta não estava nos ministros. A menção que o apóstolo faz aqui ao seu nome e ao de Apolo pode ser apenas para servirem de exemplo: o verso 4.6 possivelmente o indica. 5. OS MINISTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA NATUREZA DA OBRA QUE EXECUTAM (3.10-17) - Segundo a graça que me foi dada (10). Embora a si mesmo chame de mestre-construtor (10), recebe de Deus instruções e força. A obra é de Deus, pensamento este que tanto acalma ansiedade excessiva da parte do ministro, como também o inspira lembrando-lhe a alta dignidade de seu ofício. Lancei o fundamento... que é Jesus Cristo (10-11). Cf. Ef 2.20 n. O único fundamento do Cristianismo é Jesus Cristo. Nenhuma teoria ou sistema, de idéias, mesmo aquele que dê um lugar a Jesus Cristo, pode substituir esse fundamento. Se alguém edificar... (12). Empregando a metáfora da construção, o apóstolo compara as obras dos ministros cristãos a ouro, prata... (12) Algumas obras são preciosas duráveis; outras não têm valor e não resistem à prova. Será revelada pelo fogo (13). Ouro, prata e pedras preciosas podem passar ilesos pelo fogo; madeira, feno, palha são por ele consumidos. Assim, as obras de alguns ministros resistem; as de outros desaparecem. Note-se a mudança que Paulo faz da metáfora, passando de edifício para os materiais que ilustram durabilidade ou o inverso, quando submetidos ao fogo. O dia a demonstrará (13). Provavelmente o apóstolo queria dizer somente o dia da prova, não o dia de Juízo. Cf. Rm 14.10-12. Receberá galardão... sofrerá dano (14-15). Quando estamos “em Cristo Jesus” (veja-se Rm 8.1), podemos executar trabalho para Deus, que Ele avaliará e recompensará conforme for de justiça; a natureza da recompensa não está revelada aqui. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 26 Esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo (15). Paulo se empenha por fazer distinção entre o ministro e sua obra. Esta pode perder-se - como palha consumida no fogo; mas o ministro crente será salvo “todavia como que através do fogo”. Esta frase pode ser mero provérbio dos gregos significando “escapar por um triz”, sendo coincidência que a figura do fogo se empregue aí para descrever a prova da obra, e a mesma palavra se encontre nesta frase proverbial. O apóstolo considera digno de lástima o cristão que não tem obras para exibir, visto perder o gozo do serviço do Mestre. Estes vv. 13-15, admite-se, soam estranho à primeira vista, e têm sido interpretados de outras maneiras que não a acima indicada. As idéias decisivas são apresentadas pelas palavras o dia (13) e salvos através do fogo (15). Trata-se do Dia do Juízo? Em caso afirmativo, “fogo” aí seria o juízo divino; e tal metáfora, com efeito, usa-se no Velho Testamento, e ainda por nosso Senhor ao referir-se à Geena. Perfilhando esta idéia, a Igreja Romana usa o verso 15 em apoio de sua doutrina acerca do Purgatório. Mas como acontece tantas vezes com hipotéticos apoios bíblicos que ela apresenta para suas doutrinas distintivas, a frase salvos pelo fogo está inteiramente deslocada do seu contexto. Este contexto é o Dia do Julgamento (se tal suposição for aceita), e não um estado intermediário entre a morte e o juízo. Não é possível a passagem em questão apresentar a doutrina de uma purificação dos crentes após a morte. A explanação oferecida acima é muito simples, e baseia-se no ponto de vista de que “o dia” significa algo como sejam as ocasiões de prova que ocorrem cada dia; “fogo” emprega-se então aí em dois sentidos um como simples ilustração de algo que submete a um teste severíssimo, e o outro sentido deriva-se de um provérbio grego. Em todo o Novo Testamento encontram-se exortações aos crentes para que se dêem às boas obras a começar com o ensino de nosso Senhor, assim quando disse, “Brilhe de tal modo a vossa luz diante dos homens que eles vejam vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 27 está no céu”. Outrossim, a concessão de recompensas a tais boas obras foi referida por nosso Senhor – “de modo algum perderá seu galardão” - e outras vezes mencionada nos escritos apostólicos. Conseqüentemente a passagem em lide enquadra-se perfeitamente no ensino geral do Novo Testamento; apenas sua fraseologia é peculiar. Vós sois santuário de Deus (16). Em outro lugar o apóstolo diz que o crente é habitado pelo Espírito Santo - "vosso corpo é santuário do Espírito Santo” (1Cr 6.19), mas aqui ele o diz da Igreja de Corinto inteira. Se alguém o destruir... Deus o destruirá (17). É o oposto do pensamento do verso 15, onde se diz que o obreiro cristão faltoso é salvo, embora sua obra seja destruída. Aqui, o que danificar o santuário de Deus será por Deus destruído. Podemos comparar este pensamento com a doutrina de nosso Senhor acerca dos tropeços posto diante de um crente (veja-se Mt 18.6). 6. AVISO CONTRA A JACTÂNCIA E O JUÍZO (3.18-4.5) - Se alguém se tem por sábio (18). Este verso é um bom exemplo do modo franco de Paulo falar. Podia dirigir-se aos que se vangloriavam da educação que tinham, porque ele próprio tivera uma “educação universitária”. Conhecia de experiência a vaidade da especulação humana concernente ao sentido real da vida e do universo. Faça-se estulto (18). Seu conselho é que se ponha de lado, decididamente, tal sabedoria humana. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus (19). Parte da penalidade da queda é a corrupção de toda atividade humana - tudo quanto o homem faz «antes da graça de Cristo» (veja-se o Artigo nº XIII dos Artigos de Religião da Igreja Episcopal) está manchado de pecado. Seguem-se duas citações; a primeira é citação livre de Jó 5.13 - a única citação direta desse livro no Novo Testamento - e a segunda (verso 20) é do Sl 94.11. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 28 Ninguém se glorie nos homens (21). Como o verso seguinte mostra, Paulo ainda tem no pensamento as lutas partidárias referidas em 1.12 e 3.4. Cada grupo arrogava-se claramente o monopólio da verdade e da sabedoria, vangloriando-se no líder particular de sua preferência. Estes grandes líderes, porém, são realmente servos, e cada um deles pertence à igreja toda. Permitindo que tais grupos sectários ergam o colo no meio deles, os cristãos coríntios mostram não perceber a extensão do que possuem em Cristo. Têm um Mestre em quem se gloriar, Cristo Jesus ao qual pertencem. O próprio Jesus pertence a Deus. (Quanto a esta última frase e Cristo de Deus, veja-se nota sobre o cap. 15.24-28). A advertência contra o “culto dos heróis” deve ser observada com cuidado. A glorificação do homem é a raiz de muito sectarismo que há. 1 Coríntios 4 Ministros... e despenseiros (4.1). O pensamento do apóstolo passa de um aspecto do caso para outro. Depois de dizer que os ministros em si nada são, e que é tolice alguém se proclamar adepto de um mestre humano, passa a considerar que ele e Apolo são ministros de Cristo - o nome de Jesus dá-lhes uma posição que não deve ser subestimada. Emprega a metáfora da mordomia. O mordomo (ou despenseiro), tendo irrestrito acesso aos haveres de seu patrão, precisa ser honesto tanto quanto leal ao mesmo patrão (1). A única pessoa cuja apreciação o mordomo valoriza (ou teme) é o seu senhor - a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós.... pois quem me julga é o Senhor (3-4). O mordomo nem sequer pode confiar no juízo que faz de si mesmo; pode não estar cônscio de suas próprias falhas (4). O conselho do apóstolo, portanto, aos cristãos é no sentido de desistirem de emitir juízo uns sobre os outros, deixando o exercício desse julgamento para Cristo, quando vier, e então cada um receberá o seu louvor da parte de Deus (5). É parte significativa do evangelho apresentado por Paulo o fato de o Senhor vir para julgar. Uma cláusula1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 29 do Credo Niceno conserva-nos de sobreaviso com relação a esta verdade - “Creio... que Ele virá em glória, para julgar os vivos e os mortos”. Deste modo o apóstolo enfatiza seu ensino concernente aos ministros cristãos. Todo o seu conceito repousa em Cristo, de quem eles são ministros. Todos os crentes pertencem a Cristo; os ministros foram instrumentos por meio dos quais creram (3.5). 7. O EXEMPLO DOS APÓSTOLOS (4.6-13) - Apliquei a mim e a Apolo (6). Desde a primeira referência às várias divisões em 1.12, Paulo omitiu qualquer alusão a líderes, exceto ele mesmo e Apolo. De 16.12 podemos inferir que o assunto fora discutido com Apolo, e este, sem dúvida, concordou com a decisão de Paulo de usar os dois como ilustração de fragilidade humana, a fim de mostrar aos coríntios que não deviam ultrapassar o que estava escrito (6). Aí provavelmente se refere às Escrituras e significa que a opinião que fazemos do homem deve ser bíblica. Podíamos ainda entender daí que “na apreciação que fazemos dos homens não devemos ir além do que se acha escrito (isto é, manifesto) no caráter deles”. Exaltando um (digamos Paulo) em detrimento de outro (como Apolo) incentivavam o orgulho deles, coríntios. A tolice de tal orgulho é evidenciada nos versos seguintes. Que tens tu que não tenhas recebido? (7). Este pensamento corta pela raiz toda vanglória. Já estais fartos.... (8). Paulo fala ironicamente. Tal vanglória de si mesmos como crentes não é compatível com a verdadeira espiritualidade. Oxalá reinásseis (8). E uma súplica fervorosa pelo advento do reino de Deus, que torna ainda mais vívida a descrição que adiante faz dos seus sofrimentos presentes. Espetáculo (9); é referência às disputas dos gladiadores na arena. Ele figura o mundo inteiro e até os anjos como espectadores, ao passo que os apóstolos, um grupinho fraco, são por fim introduzidos em cena para combaterem até à morte. Com certa ironia ele contrasta ainda mais 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 30 as pretensões dos coríntios com a experiência atual dos apóstolos, que são desprezados e tratados como escravos. E nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos (12). Veja-se At 18.2-3 e cf. 1Ts 2.9 e 2Ts 3.8. Cf. também 1Cr 9.18. (12). O apóstolo põe em prática o ensinamento de nosso Senhor no Sermão do Monte. Veja-se Mt 5.44. A atitude dos coríntios, na aparência, era muito diferente. Veja-se 6.7. Os termos lixo e escória, no verso 13, trazem a idéia de sacrifício. Tamanha degradação Paulo pode querer dizer que é em favor dos outros. Toda esta passagem revela a profunda simpatia do apóstolo e seu grande interesse pelos cristãos coríntios. c) Último apelo para pôr fim às divisões (4.14-21) Escrevo para vos admoestar como a filhos meus amados (14). Isto mostra verdadeira simpatia de Paulo pelos coríntios. Eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus (15). Aqui ele reclama explicitamente para si ter sido o primeiro a pregar o evangelho em Corinto. Provavelmente o mesmo aconteceu com a Grécia de modo geral. Veja-se At 16.6-11; 18.1-18. Pode, portanto, exigir deles justificadamente atenção e lealdade - que sejais meus imitadores (16). Com efeito enviou-lhes Timóteo para lhes lembrar o que dele haviam aprendido, o que evidentemente vieram a esquecer (17). Ensoberbeceram-se (18). Esta palavra aliás é distintiva desta epístola, onde ocorre seis vezes (4.6,18-19; 5.2; 8.1; 13.4). Indica uma atitude de superioridade sobre os outros, verdadeira antítese do espírito cristão. Não a palavra, mas o poder (19). A atitude do apóstolo para com esses tais é desafiadora. Que sejam provados e vejamos se a força de agir é tão grande como a jactância deles quer sugerir. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 31 O reino de Deus consiste não em palavra mas em poder (20). O que revela que somos membros desse reino é o poder de Deus em nossa vida, e não mera profissão de lábios. Irei a vós outros com vara (21). O apóstolo assume atitude autoritária dispondo-se a aplicar medidas disciplinares contra eles, caso seja necessário. Esta deliberação, no entanto, procede não do desejo de dominá-los, mas de real ansiedade pelo bem estar espiritual deles, como se vê das palavras seguintes, ou com amor e espírito de mansidão (21). A eles cabia escolher. III. DELITOS MORAIS NA VIDA DA IGREJA - 5.1-6.20 1 Coríntios 5 a) Frouxidão no caso de incesto (5.1-13) O apóstolo passa de súbito a comentar a frouxidão moral dos cristãos coríntios. Primeiro é o caso notório do crente que tomou a mulher de seu próprio pai. Podemos supor que o pai já houvesse morrido; contudo, esse ato era contrário às leis matrimoniais do Velho Testamento, as quais ainda obrigavam a Igreja. Além disso era um ato que nem os gentios toleravam (veja-se o verso 1). Mas o que mais admirava era a igreja ali aceitar a situação sem discuti-la! Andais ensoberbecidos e não chegastes a lamentar (2). Eu... já sentenciei (3), diz ele. Este é um dos casos em cuja condenação ninguém deve hesitar; não é possível haver circunstâncias que o atenuem. Com palavras muito solenes o apóstolo instrui a igreja como deve proceder - Em nome do Senhor Jesus... seja ele entregue a Satanás para a destruição da carne (4-5). A igreja devia convocar uma assembléia solene e, cônscia do poder do Senhor Jesus Cristo (note-se o título completo) no seu meio, entregasse a Satanás o irmão escandaloso. Paulo mesmo estaria com eles, e o meu espírito (4). Pode significar que empregaria o tempo em fervente oração por eles. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 32 Seja entregue a Satanás (5). O Novo Testamento ensina que Satanás é o “príncipe deste mundo” (veja-se Jo 12.31). Contudo tem poder apenas sobre a “carne” (Jó 2.5-6; Lc 13.16; 2Co 12.7). Em 1Tm 1.20 lemos: “Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás para que aprendam a não blasfemar”. Estas passagens mostram que Satanás tem permissão de Deus para infligir sofrimento físico aos homens, o que pode resultar no arrependimento deles. Devemos admitir que hesitaríamos muito, hoje em dia, em fazer precisamente o que o apóstolo mandou que os coríntios fizessem. Podíamos desculpar-nos lembrando que a Igreja dos tempos apostólicos tinha de agir de modo especial em determinadas circunstâncias, a fim de, inequivocamente, estabelecer a autoridade do Senhor ressuscitado. Demais disto, a Igreja apostólica era uma corporação pequena, relativamente, e por conseqüência sua vida era muito mais intensa em assuntos espirituais (ou era capaz de o ser, sob a direção apostólica). Mas, embora hoje possamos achar difícil pensar nos termos precisos aqui usados pelo apóstolo, não há razão para não tomarmos a sério e pormos em prática o conselho que ele dá, a saber, excluir da congregação os que são malfeitores notórios. Olhando o verso 11 adiante, vemos ali uma lista de pecados que devem ser tratados desse modo. Qualquer membro da igreja que peque dessa forma deve ser francamente condenado em face da congregação, fazendo-se ver a ele que Satanás o tem preso em tais práticas, afastando-se do seu convívio os outros crentes, na esperança de que venha a descobrir a gravidade de sua situação e se arrepender, de modo que seu espírito se salve no dia do Senhor Jesus (5). Fermento (6). Aqui o termo é empregado como símbolo da natureza humana corruptível. Se um elemento de corrupção for tolerado na igreja, toda ela se corromperá. Lançai fora o velho fermento (7). O uso que faz dessa palavra lembra-lhe a cerimônia da páscoa, na religião do Velho Testamento, e 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 33 pelo Espírito é levado a ver na mesma uma ilustração da dispensação cristã. Cristo é nossa páscoa (7) e foi imolado por nós (7). Por isso celebremos a festa... com sinceridade e verdade (8). Os israelitas na antiguidade ficaram de sobreaviso e se prepararam, espiritual e moralmente,para a observância da páscoa. Assim também devem estar os cristãos, em todo o tempo da presente era da páscoa de Cristo. Acrescenta o apóstolo, no verso 9, que já lhes aconselhara, numa epístola anterior, a não se associarem com os impuros. Esclarece agora o que quis significar: não deviam admitir pessoas impuras como membros na igreja. Reconhece que os crentes, em suas relações com o mundo, não podem evitar o contacto dos impuros, avarentos ou roubadores (10). Mas, se alguém que se diz irmão for impuro, com esse tal nem ainda comais (11). Esta referência a uma carta anterior é muito interessante. Ao que saibamos, nada ficou dessa carta, que chegasse ao nosso conhecimento, a não ser (como alguns pensam) que 2Co 6.14-7.1 seja parte da mesma. O apóstolo termina sublinhando outra vez a necessidade que a Igreja tem de manter disciplina para os seus membros - os de fora Deus os Julgará (13). E assim, insiste com os coríntios que expulsem do seu meio o malfeitor (13). 1 Coríntios 6 b) Questões levadas a juízes pagãos (6.1-11) Esta passagem ensina que se os crentes têm pendências uns com os outros, devem levá-las ao conhecimento de outros crentes, para serem por estes julgadas e não levá-las aos juízes pagãos (1). Mas a só existência de tais animosidades entre irmãos é índice de falta de compreensão espiritual. Os crentes que forem injuriados devem sofrer isso, e não procurar desforra (7). Cf. 4.12-13 onde, sem dúvida, ele teve esta situação em mente. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 34 Os santos hão de julgar o mundo (2). Havemos de julgar os próprios anjos (3). Tais afirmações surpreendentes não são invencionices de Paulo. Nosso Senhor ensina no Evangelho de Mateus que os apóstolos se sentarão “em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mt 19.28). Veja-se ainda Ap 20.4, “Vi também tronos e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar”. Esse julgamento a cargo dos santos será também exercido nos anjos, ou seres espirituais. A crença nos anjos está, naturalmente, presente em toda a Escritura e tem sido mantida pelos cristãos através dos séculos. Hb 1 e 2 trata da função e posição deles. Constituís um tribunal daqueles que não têm nenhuma aceitação na Igreja! (4). Estas palavras têm sido interpretadas de vários modos. Podiam ser irônicas. E podiam significar que mesmo os crentes menos aceitos são mais dignos de julgar do que os pagãos. Podiam referir-se aos pagãos, “que nenhuma aceitação” tinham na igreja. Este escritor aceita a primeira hipótese, porque o apóstolo prossegue orientando os coríntios na escolha de pessoas sensatas (5) entre eles para exercerem juízo. Pareceria, a julgar pelo procedimento estulto desses coríntios, que tais homens eram com efeito de nenhuma aceitação entre eles. O apóstolo prossegue avisando-os que, se continuam nos pecados que os caracterizavam antes de se converterem, não herdarão e reino de Deus (9-10). Os pecados enumerados aqui indicam o baixo padrão moral da vida em Corinto, antes da chegada do evangelho. Mas vós vos lavastes... fostes santificados.... justificados (11). O evangelho, porém, ergueu os que o aceitaram para uma nova posição diante de Deus. Entretanto os velhos pecados apegavam-se firmemente neles e alguns não se haviam ainda aproveitado do poder do Espírito Santo que opera na vida dos crentes, para lançarem fora tais pecados. Pode haver aqui uma referência ao rito do batismo (cf. At 22.16). Santificação e justificação são aspectos da regeneração. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 35 c) O pecado da sensualidade (6.12-20) O verso 12 contém toda a filosofia a atitude cristã para com as coisas terrenas. (Usamos a palavra “terrenas” em lugar de «mundanas». A primeira significa o que por natureza pertence a esta vida aqui na terra; a segunda significa civilização humana desenvolvida pelo homem sem referência a Deus). Todas as coisas são lícitas, diz o apóstolo, mas nem todas convêm, ou não são proveitosas; e mais, embora lícitas, ele tem cuidado para não se deixar dominar por elas. Pode, portanto, não convir, às vezes, participar de algumas dessas coisas terrenas; e em tempo algum a condescendência com elas deve levar à escravização. Ora, é claro que os folguedos e a impureza se associavam intimamente à idolatria; os que usavam sua liberdade com relação a uma dessas coisas podiam reclamar igual liberdade a respeito de outra. Paulo então mostra que o princípio de liberdade, apresentado no verso 12, não se aplica a coisas definidamente ruins em si mesmas. Com relação ao alimento, este e o corpo foram feitos um para o outro, e ambos eventualmente perecerão ou “serão reduzidos a nada” (gr. lit.). Comer ou não comer é, pois, matéria neutra. A impureza, entretanto, pertence a um gênero de todo diferente. O corpo não foi feito para ela, mas para o Senhor (13), como se prova pelo fato de Deus nos levantar na ressurreição (14). Os corpos dos crentes são de fato membros de Cristo (15), por uma união espiritual com Ele (17), pelo que devem ser instrumentos para o Seu uso. Como pode um crente condescender na entrega do seu corpo a uma meretriz? Porque a impureza é nada menos que isso (16). Fugi, pois, da impureza, diz o apóstolo (18). Todo outro pecado é fora do corpo, mas este o atinge, cumprindo ter cuidado especial para evitá-lo. Em outras palavras, o crente é habitação do Espírito Santo e no sentido mais profundo não se pertence a si mesmo (19). Um resgate de alto preço foi pago por ele; deve pois glorificar a Deus por isso, fazendo-se, no corpo e no espírito, instrumento de Deus (20). Note-se como o 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 36 apóstolo repete a frase não sabeis? (15-16,19), lembrando-lhes assim o orgulho que tinham da plenitude do seu conhecimento e sabedoria cristã. Esta passagem proporciona-nos a doutrina cristã a respeito do corpo e prepara-nos para a crença na sua ressurreição, que nos é apresentada cabalmente no cap. 15. Também esboça o princípio de liberdade cristã, assunto que volta a ser tratado no cap. 8 (veja-se). O fato básico, que governa o exercício da liberdade cristã, é que o crente foi remido pelo precioso sangue de Cristo, e assim Lhe pertence. Sua dedicação a Cristo é mais profunda do que anteriormente ao «mundo», ao qual pertenceu antes de ser resgatado. IV. RESPOSTAS A PERGUNTAS - 7.1-14.31 1 Coríntios 7 a) Casamento (7.1-40) 1. A OPINIÃO PARTICULAR DO APÓSTOLO SOBRE O CASAMENTO (7.1-9) - Passa o apóstolo a responder perguntas formuladas pela igreja dos coríntios. A primeira delas diz respeito ao casamento e aos deveres recíprocos de marido e mulher. Afirma claramente ser bom o homem não tocar mulher (1). Para ele, o companheirismo que em Cristo tinha com os demais crentes satisfazia plenamente a necessidade humana de companhia, a que o casamento normalmente supre. Com efeito, ficava mais do que satisfeita, porque para o apóstolo o companheirismo cristão ou espiritual era até mesmo mais profundo do que o casamento. Contudo, reconhece que “por causa da tentação para a imoralidade” (2) existente numa cidade pagã como Corinto, havia fortes razões pelas quais seus sentimentos pessoais nessa questão deviam ser desatendidos. Paulo, aqui, não faz um conceito menos digno do matrimônio. Está escrevendo na contextura de um estado de coisas existente. O que ele diz deve ser interpretado dentro dessa contextura. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 37 Passa a dar conselho concernente ao estado matrimonial. Um homem e uma mulher ligados pelo casamento têm o dever de atentar para as necessidades um do outro. Um falso ascetismo pode realmente dar oportunidade a Satanás de levar um ou outro ao pecado. Isto vos digo como concessão (6). Na ARC se lê “por permissão”. Não quer ele dizer que tem permissão, porém não mandamento, do Espírito para dizer isto; senão que sua sugestão, para que os homens e as mulheresse casem, não deve ser vista como ordem, e sim apenas como permissão. Seu verdadeiro desejo é declarado no verso 7. Contudo aqui novamente ele observa que os homens e as mulheres têm capacidades e dons variados, de modo que ele seria o último a julgar um irmão ou a insinuar, por pouco que fosse, sua própria superioridade. É melhor casar do que viver abrasado (9). O apóstolo declara aqui graus de moralidade cristã - é melhor casar, porém o melhor é ficar solteiro, de modo a pessoa poder dedicar-se inteiramente a Cristo. Daí teólogos católicos terem elaborado a teoria do “padrão duplo”, isto é, um padrão para os cristãos comuns, e outro para os “experimentados”. O sistema monástico nasce desta concepção. O ponto de vista evangélico de Cristianismo prefere não fazer tal distinção, porque ela conduz inevitavelmente à crença de que os “religiosos” adquirem méritos, o que é contrário ao princípio básico da redenção, como compreendido pelos evangélicos. Embora não se negue que o sistema monástico tem levado alguns dos seus membros a um grau elevado de santidade e à realização de obras admiráveis por Cristo, a opinião evangélica é que, apuradas as contas, o sistema resvala para o lado oposto. O fato de a Igreja Romana ensinar abertamente haver méritos no monasticismo parece justificar a opinião evangélica sobre esta matéria. Embora não tenhamos que hesitar em dizer com Paulo que certo modo de agir é superior espiritualmente a outro, devemos evitar a sistematização e a formação de institutos de gente “superior”. A discussão destes assuntos constitui o escopo da teologia moral e ascética. 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 38 2. MANDAMENTO DIVINO CONTRA O DIVÓRCIO (7.10-11) - O apóstolo declara, em termos categóricos, que o voto do matrimônio vigora por toda a vida. E tem o cuidado de lembrar aos coríntios o ensino de Cristo sobre esta questão. A mulher não se separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case)... o marido não se aparte de sua mulher (pensando em casar com outra). O apóstolo interpreta o ensino de nosso Senhor, portanto, como permitindo a separação, porém não o divórcio. 3. ACERCA DE CÔNJUGES INCRÉDULOS (7.12-16) - Digo eu, não o Senhor (12). Paulo agora passa a tratar de um problema que não fora objeto de nenhum mandamento específico de nosso Senhor. Que fazer quando um cônjuge é crente e o outro ainda é pagão? Devia haver muitos casos desses em Corinto, como ocorrem hoje constantemente no campo missionário. Aconselha os cristãos a não se separarem do cônjuge incrédulo, a não ser que este voluntariamente vá embora (12,13,15). Tal conselho nos impressiona de pronto, por sua caridade e espírito cristão. O apóstolo tece outros comentários: O marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente. Doutra sorte os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos (14). Os comentadores não são acordes sobre o sentido destas palavras. Quererão dizer que o incrédulo ou a incrédula em razão de sua união conjugal com uma crente ou um crente, participa com o cônjuge fiel de uma posição de santidade diante de Deus e, além disso, que os filhos nascidos de tal união (e a fortiori, da união de dois crentes) são de algum modo santos (i. e., isentos da mancha do pecado original)? Significarão que, por serem santificadas as relações com o cônjuge inconverso, no mundo subjetivo do pensamento e vida do crente, nada há de mal em manter tais casamentos já existentes, aos quais se refere? Se as relações, dessa forma, não fossem santificadas, então os filhos, por 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 39 igual, seriam uma ofensa a Deus (impuros), porém agora são santos, isto é, não há mal que lhes pegue por serem filhos de tal casamento «misto». Ou, ainda, significarão simplesmente que, por ser Cristo mais forte que Satanás, o cônjuge fiel exercerá uma influência dominadora no lar, introduzindo, neste, dose elevada de santidade, de modo que, de fato, os filhos que aí se criem são santos? Este escritor subscreve esta terceira alternativa, visto a mesma estimular os cônjuges crentes à evangelização dos seus familiares. Se, no entanto, o cônjuge infiel deliberar se apartar, que se aparte (15), diz o apóstolo. O vínculo matrimonial não exige do crente um esforço por conservar essas relações sob tais circunstâncias. Não há certeza de resultar daí a salvação do marido ou da esposa descrente (16). Conclui reconhecendo que se deve decidir cada caso individual à luz dos dons e da vocação recebida de Deus, de sorte que essa decisão seja tomada, por fim, entre o indivíduo e seu Senhor (17). Vejam-se os versículos 7,20 e 24 onde o mesmo pensamento aparece. 4. É NECESSÁRIO PERMANECER NO ESTADO EM QUE FOMOS CHAMADOS (7.17-24) - Paulo ensina: cada indivíduo tem seu próprio dom ou posição na sociedade que a divina providência lhe concedeu. Deve procurar viver para a glória de Deus no lugar em que o Senhor o colocou, e não procurar ou esperar grande mudança porque se tornou cristão. E vêm como exemplos: circuncisão ou incircuncisão (18); servo (escravo) ou livre (20). A atitude cristã é permanecer a pessoa no seu estado particular, no que concerne à aparência exterior, porém permanecer nele diante de Deus (24). Isto é o que faz toda a diferença, relativamente ao sentido que o “estado” tem para a pessoa em causa. A circuncisão, por exemplo, nada é em si, nem a incircuncisão é impedimento algum. O essencial é observar os mandamentos como apresentados por Cristo (19). Outrossim, aquele que ao ser chamado era escravo, não se preocupe com isto; embora que, se lhe oferecerem liberdade, deve aproveitar-se da 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 40 oportunidade. Esta questão de posição social não é o que importa. Porque o escravo cristão é espiritualmente livre em Cristo, e o livre faz- se voluntariamente servo de Cristo quando se torna crente. Por preço fostes comprados; não vos torneis escravos de homens (23). As primeiras palavras são um eco de 6.20. Uma vez que pertencem a Cristo, os crentes não mais seguem servilmente o juízo humano em assuntos que tais. O espírito cristão transcende os empecilhos terrenos, ciente de que as circunstâncias da vida estão todas sob a direção de Deus. 3. UM PROBLEMA ESPECIAL: O CASAMENTO DE VIRGENS (7.25-40) - Existe alguma dificuldade em descobrir se Paulo se dirige aqui a pessoas casadas que se abstiveram da consumação física do casamento, ou se responde à pergunta “Devem os pais cristãos dar as filhas em casamento?” o que parece ser o sentido. Vejam-se especialmente os vv. 36-38. Se a passagem for interpretada do primeiro modo a resposta é a seguinte: o homem que acha ser mais prudente casar tem toda a liberdade de fazê-lo. Se, entretanto, pode permanecer firme no seu propósito - e sua consorte também então faz melhor (38) Este escritor, no entanto, vê na passagem a resposta à pergunta atinente à responsabilidade dos pais na questão do casamento de suas filhas. Respondendo, Paulo aproveita a oportunidade de lembrar e repetir o que disse antes sobre o casamento em geral e acerca da necessidade de se glorificar a Deus naquela condição de vida em que Ele nos encontrou. Estás casado? não procures separar-te. Estás livre de mulher? não procures casamento (27). Este princípio aplica-se às mulheres tanto quanto aos homens, e nos versos seguintes é desenvolvido em sua dupla aplicação. O celibato deve ser preferido, contudo o apóstolo percebe perfeitamente que todos não receberam esse dom. Se todas as circunstâncias sugerirem que a uma filha se deve dar consentimento para 1 Coríntios (Novo Comentário da Bíblia) 41 casar, que se case. Todavia as que forem capazes de ficar solteiras, farão melhor (36-38). O ensino da passagem, no seu todo, é bastante claro. Desestimula para o casamento, no interesse de maior serviço cristão. O apóstolo
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