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Fernando Dolabela Oficina do Empreendedor A metodologia de ensino que ajuda a transformar conhecimento em riqueza SEXTANTE Copyright © 2008 por Fernando Dolabela revisão A n a Grillo Luis Américo Costa Sheila Til projeto gráfico e diagramação Valéria Teixeira capa Raul Fernandes pré-impressão ô de casa impressão e acabamento Congregação do Santíssimo Redentor - Editora Santuário CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ D682o Dolabela, Fernando Oficina do empreendedor / Fernando Dolabela. - Rio de Janeiro: Sextante, 2008. Apêndices Inclui bibliografia ISBN 978-85-7542-403-2 1. Empreendimentos - Estudo e ensino. 2. Brainstorming. 3. Planejamento estratégico - Estudo e ensino. 4. Jovens - Educação. 5. Sucesso nos negócios. I. Título. CDD 658.11 08-1988 CDU 658.012.2 Todos os direitos reservados, no Brasil, por GMT Editores Ltda. Rua Voluntários da Pátria, 45 - Gr. 1.404 - Botafogo 22270-000 - Rio de Janeiro - RJ Tel: (21) 2286-9944 - Fax: (21) 2286-9244 E-mail: atendimento@esextante.com.br www.sextante.com.br mailto:atendimento@esextante.com.br CAPÍTULO 2 Um panorama do empreendedorismo Empreendedorismo no mundo Os primeiros cursos e conferências de que se tem notícia tinham maior foco na pequena empresa do que no empreendedorismo. Em 1947,24 a Harvard Business School criou um curso sobre gerenciamento de pequenas empresas. Em 1953, Peter Drucker montou um curso de empreendedorismo e inovação na New York University. Mas foram apenas atividades pioneiras. Muito tempo ainda passaria até que cursos de empreendedorismo fossem oferecidos pelas faculdades de administração de empresas. Em 1948, na Suíça, a Universidade de St. Gallen, ainda hoje uma das mais reputadas no mundo, promoveu a primeira conferência sobre a pequena empresa e seus problemas. O ICSB - International Council for Small Business -, a maior associação voltada para a pesquisa de empreendedorismo, surgiu em 1956, durante uma conferência promovida pela University of Colorado sobre desenvolvimento de pequenos negócios. O primeiro congresso internacional foi realizado em 1973 em Toronto, Canadá. O Babson College, de Boston, instituiu em 1978 a Academy of Distinguished Entrepreneurs para premiar empreendedores de "classe mun- dial", que se tornou o protótipo de outros prêmios, como o Entrepreneur of the Year Award da Ernst & Young, hoje com uma versão brasileira. As publicações científicas da área de empreendedorismo também são re- centes: o Journal of Small Business Management, hoje órgão oficial do ICSB, começou a ser editado em 1963. Estabelecendo importante tradição na área de pesquisa em empreende- dorismo, o Babson College criou em 1981, através dos pesquisadores Karl Vesper e Jack Hornaday, um dos mais importantes congressos acadêmicos em 37 empreendedorismo. Foi convencionado que só participariam desse evento aqueles que apresentassem um trabalho científico. Os primeiros participantes temiam que não houvesse artigos suficientes para justificar o congresso do ano seguinte. Mas isso não aconteceu e o Babson se consolidou como centro de excelência na área. Outra contribuição do Babson College foi a criação do programa Price-Babson Fellows, apoiado pela Price Foundation, através do qual foram levados para o campus do Babson empreendedores experientes que tinham interesse em lecionar na área. Em Baylor, em 1980, na realização do primeiro congresso sobre o "estado- da-arte", foi solicitado a alguns pesquisadores que resumissem o que era conhe- cido e o que não se sabia em determinados tópicos. Surgiu em decorrência a Encydopedia of Entrepreneurship, editada por Karl Vesper e outros, que hoje tem quatro volumes, O empreendedorismo está atravessando crescimento inesperado em todas as suas dimensões. Timmons (1994) fala em revolução silenciosa, que "será para o século XXI mais do que a revolução industrial foi para o século XX". Nos Estados Unidos, o número de universidades que oferecem cursos na área passou de 10 em 1967 para 1.064 em 1998. Existem 27 revistas cien- tíficas sobre o tema, sendo que 10 fora dos Estados Unidos. No mundo todo, o número de empresas que surgem a cada ano é crescente e impressionante, enquanto as grandes empresas declinam. Os números apresentados pelas MPMEs (micro, pequenas e médias empresas) em todo o planeta refletem a sua importância: alta participação no PIB, grande geração de empregos, ino- vação tecnológica. Na Rússia e países do antigo bloco socialista, há uma ver- dadeira febre de empreendedorismo em que a experiência do Ocidente é in- tensamente procurada. O empreendedorismo vai além de uma solução para o problema do desem- prego. Mesmo nos Estados Unidos, em períodos de pleno emprego, os jovens buscam realizar seus sonhos através do negócio próprio, apesar de todos os riscos que este apresenta. Eles estão percebendo que o desenvolvimento das habilidades empreendedoras os coloca em melhores condições para enfrentar um mundo em constante mudança e oferece vantagens também àqueles que preferem disputar a corrida do emprego. Hoje, a visão de Schumpeter (1934) tornou-se predominante: o empreen- dedor como motor da economia, o agente de inovação e mudanças, capaz de desencadear o crescimento econômico. Isto é muito importante, porque 38 significa a crença em que as comunidades, através da atividade empreende- dora, podem ter a iniciativa de liderar e coordenar os esforços no sentido do seu próprio crescimento econômico. Acredita-se ser possível alterar a curva da estagnação econômica e social através da indução de atividades inovadoras, capazes de agregar valores econômicos e sociais. Exemplos em todo o mundo25 mostram que cidades e regiões não precisam se vitimar pelo passado e tradições e podem alterar a sua vocação e atingir níveis elevados de atividade econômica e qualidade de vida. Empreendedorismo no Brasil O ensino de empreendedorismo no Brasil No Brasil,26 pode-se dizer que o empreendedorismo está apenas começando, mas os resultados já alcançados no ensino indicam que estamos no início de uma revolução silenciosa. O primeiro curso de que se tem notícia na área surgiu em 1981, na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, por iniciativa do professor Ronald Degen, e se chamava "Novos Negócios".27 Era uma disciplina do CEAG - Curso de Especialização em Administração para Graduados. Em 1984, o curso foi estendido para a graduação, sob o nome de "Criação de Novos Negócios - Formação de em- preendedores". A partir de 2004 foi criado na FGV-SP o CENN, Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios, com ampla e importante atuação na área acadêmica.28 A USP - Universidade de São Paulo - começou a oferecer o ensino de em- preendedorismo em 1984, quando o professor Silvio Aparecido dos Santos introduziu a disciplina criação de empresas no curso de graduação em Admi- nistração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade.29 Em 1985, também na FEA, foi oferecida a disciplina criação de empresas e empreendimentos de base tecnológica, no programa de pós-graduação em Administração. Em 1992, a FEA, através da Fundação Instituto de Admi- nistração, oferecia um programa de formação de empreendedores voltado para profissionais da comunidade interessados em abrir empresas. Ainda em 1984, o professor de informática Newton Braga Rosa, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em trabalho pioneiro, instalava uma disciplina de ensino de criação de empresas no curso de bacharelado em Ciência da Computação. 39 Em 1992, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) criou a ENE - Escola de Novos Empreendedores -, que, no decorrer do tempo, veio a se constituir em um dos mais significativos projetos universitários de ensino e pesquisa em empreendedorismono Brasil, com profunda inserção acadêmi- ca e envolvimento tanto com projetos e órgãos internos da UFSC como com outras universidades e organismos internacionais. Em 1992, o Departamento de Informática da Universidade Federal de Pernambuco criava o Cesar - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife -, com o objetivo de ser um núcleo de aproveitamento industrial dos resultados acadêmicos. A expe- riência gerada no Cesar foi importante na concepção do Projeto Softex- Gênesis. Em 1993, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), através de ini- ciativa do professor Paulo da Cruz Freire dos Santos, concebia um curso de Administração de Empresas com ênfase no empreendedorismo. Em 1994, a Ufal criava um mestrado direcionado ao empreendedorismo que, no entanto, foi descontinuado alguns anos depois. Em 1995, a Efei - Escola Federal de Engenharia de Itajubá -, em Minas Gerais, criou o Cefei - Centro Empre- sarial de Formação Empreendedora de Itajubá -, com o objetivo de inserir o ensino de empreendedorismo na instituição. No início dos anos 1990, o Sebrae-MG apoiou a criação do Gepe - Grupo de Estudos da Pequena Empresa no Departamento de Engenharia de Produção - da UFMG, com o objetivo de desenvolver estudos na área de empreendedo- rismo. Entre as atividades realizadas pelo Gepe, destacou-se o oferecimento de workshops nos anos de 1992 a 1994, ministrados por professores canadenses liderados por Louis Jacques Filion, que se transformaram em núcleos de pro- pagação do empreendedorismo. Preocupando-se com uma percepção inter- nacional do empreendedorismo, a teoria desenvolvida por Filion, baseada em pesquisas feitas com 51 empreendedores em vários países, constitui o funda- mento da metodologia de ensino utilizada hoje no Brasil. Em 1993, atendendo a convite do Programa Softex do CNPq, através do seu núcleo mineiro, a Fumsoft, o autor deste livro desenvolveu uma metodologia de ensino de empreendedorismo que seria oferecida no curso de graduação em Ciência da Computação da UFMG já no segundo semestre daquele ano, vindo a ser uma experiência de sucesso que gerou em média cinco empresas a cada oferecimento da disciplina o empreendedor em informática. A UnB - Univer- sidade de Brasília - criou em 1995 a Escola de Empreendedores, que mantém atividade fervilhante na área de incubação, ensino e pesquisa. 40 O ano de 1996 foi um marco na área de ensino de empreendedorismo no Brasil. O Programa Softex, criado pelo CNPq em 1992, e a partir de 1997 gerido pela Sociedade Softex, com a finalidade de estimular a exportação do software brasileiro, implanta dois projetos: o Gênesis, de incubação univer- sitária, e o Softstart, na área de ensino de empreendedorismo. Esses dois pro- gramas causaram grande impacto em nosso ambiente universitário, extra- polando a área de informática e lançando sementes em outros campos do conhecimento. Além dos resultados extremamente positivos - 20 incubadoras de software instaladas, a disciplina o empreendedor em informática imple- mentada em mais de 100 instituições de ensino, e 120 empresas criadas -, a principal contribuição desses programas foi a disseminação ampla de uma nova cultura educacional, que aproxima centros de pesquisa, empresas e forças da sociedade em um único esforço de formar empreendedores. Como conse- qüência, a partir de 1996, surgem em todo o país importantes projetos uni- versitários de empreendedorismo, principalmente na área de informática. Em 1997, é criado em Minas Gerais o Programa Reune - Rede de Ensino Universitário de Empreendedorismo -, apoiado por um consórcio de insti- tuições formado pelo Sebrae-MG, IEL-MG, Fumsoft, Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia e Fundação João Pinheiro, com o objetivo de disse- minar o ensino de empreendedorismo nas universidades do estado. A partir de 1998, através da iniciativa do IEL Nacional e do Sebrae Nacional, o ensino de empreendedorismo baseado na metodologia descrita no presente livro passou a ser oferecido em todo o Brasil. Atualmente, centenas de instituições de ensino superior oferecem a Oficina do Empreendedor atra- vés de cerca de 5.000 professores universitários que participaram de semi- nários no estilo "Formação de Formadores" ministrados pelo autor deste livro. São importantes as ações de instituições criadas recentemente, a Endeavor30 - de apoio a empreendedores - e o GEM31 - dedicado à pesquisa -, que, mesmo não sendo diretamente vinculadas à educação, a ela prestam grande contribuição. As incubadoras no Brasil e parques tecnológicos O movimento de incubadoras,32 liderado pela Anprotec,33 mostra espan- tosos índices de crescimento. De duas incubadoras em 1988, existem hoje 383 incubadoras no Brasil, sendo 339 em operação (com empresas incubadas), 32 em implantação (em processo de estruturação) e 12 em projeto. E relevante 41 o grau de integração cora centros de pesquisa: 83% das incubadoras mantêm vínculos com universidades. A quantidade de Parques Tecnológicos34 no Brasil também é crescente. (Fonte: www.anprotec.org.br) Os valores da sociedade brasileira em relação ao trabalho Como veremos adiante neste livro, o empreendedor é alguém que imagina, desenvolve e realiza uma visão. Em outras palavras, acredita que pode realizar seu próprio sonho, julgando-se capaz de mudar o ambiente em que está inse- rido. Ao buscar definir seu destino, ele assume riscos. Ora, tanto a concepção do sonho como a crença na capacidade de sua efetivação são processos indivi- duais no seu nascedouro e coletivos ou grupais na sua implementação. No Brasil, "a falta de uma ideologia do trabalho como valor positivo e como mecanismo efetivo de ascensão social" faz com que se duvide "da ca- pacidade do indivíduo de moldar a realidade de acordo com a sua visão do mundo, por sua determinação e esforço", diz Lívia Barbosa.35 Ela lembra ainda que o brasileiro tem mostrado toda a sua força e criatividade mais para resistir à adversidade do ambiente do que para modificá-la e adequá-la a seu sonho e necessidades. Portanto, essa energia não costuma ser proativa, mas de sobrevivência passiva. A idealização dos nossos heróis é uma confirmação da acomodação fatalista, quando se diz que o brasileiro é "antes de tudo um forte"; ou triste, como o Jeca Tatu; ou astucioso, alegre e irreverente como Macunaíma e o malandro. Nessas formulações, não há a idéia do esforço consciente, perseverante, de um ser voltado para a construção da sua própria libertação. Está subjacente a superioridade das forças do grupo e do ambiente sobre a capacidade do indivíduo de mudar o mundo, diferentemente da con- cepção do trabalho nas sociedades que seguiram a reforma protestante, nas quais a dignidade das pessoas se baseava na valorização positiva do trabalho. Herança dos valores da cultura ibérica, a dignidade e o status, entre nós, estavam vinculados mais à ociosidade do que à ocupação. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil,36 diz que "uma digna ociosidade sempre pare- ceu mais nobilitante a um bom português ou a um espanhol que a luta insana pelo pão de cada dia". Além disso, o trabalho foi vinculado à imagem do es- cravo, levando o homem livre a evitá-lo. Diz Lívia Barbosa: "Esse valor tradicional atribuído ao trabalho na cultura ibérica e brasileira transformou-o num princípio abstrato da economia e num 42 http://www.anprotec.org.br personagem fictício de nosso sistema de mobilidade social. Trabalho duro, ascensão social e enriquecimento pessoal nunca fizeram parte de qualquer trilogia com credibilidade no imaginário nacional. Aliás, trabalho e enrique- cimento estão mais associados a exploração e malogro, aventura e risco, sorte e corrupção do que a determinação, acumulação, recompensa e investimento de longo prazo. Na sociedade brasileira, que concebe seus indivíduos como seres reativos, o sucesso é visto antes como conseqüência da História e das forçasdo ambiente do que das características e habilidades do indivíduo. Ou seja, a responsabilidade pelos resultados finais é atribuída às condições em que o indivíduo operou, e não às suas próprias qualidades. Assim, tanto as causas dos problemas sociais e econômicos como a sua solução não cabem a nós, mas sempre a terceiros, sejam eles instituições ou forças externas. São eles, e não os indivíduos, que, segundo nossa percepção, têm a capacidade de provocar transformações. Entre nós, a diversidade de resultados entre as pes- soas é interpretada não como uma diferença de desempenho, mas como algo decorrente da natureza das pessoas. Ela suscita perguntas como 'Por que ele e não eu?', 'O que ele tem que eu não tenho?'." Ainda segundo Lívia Barbosa, alguns fatores são evocados para explicar o sucesso: a posição social - se é pobre, rico -; as deficiências estruturais do sis- tema brasileiro, tais como a pouca importância que o governo atribui à edu- cação - só os ricos podem estudar, as condições de trabalho são precárias -; e a maneira de ser e características individuais, entre elas a energia pessoal, con- dições familiares e psicológicas, etc. Devido às diferenças de oportunidade na sociedade brasileira, há uma grande dificuldade de buscar as causas e explicar o enriquecimento de indivíduos pela atividade empresarial. Por isso, na repre- sentação popular, é comum atribuir-se o sucesso financeiro a herança ou a protecionismo, à sorte ou a atividades pouco lícitas. Numa sociedade de grandes contrastes socioeconômicos, de poucos ricos e muitos pobres, que percebe a mobilidade social vertical através de valores extrínsecos ao indivíduo, é natural que a livre competição seja vista como um mecanismo social negativo, pois as pessoas estarão competindo em desigual- dade de condições. Qual o impacto dos valores da nossa sociedade37 na formação de uma cul- tura empreendedora? Eles são fundamentais para o entendimento da nossa formação cultural, mas não devem ser tomados como obstáculo ao desen- volvimento do espírito empreendedor entre nós. Tal como no processo de 43 desenvolvimento do indivíduo empreendedor, em que o autoconhecimento é instrumento fundamental para a criação e implementação de uma visão, é fundamental que busquemos entender nossas origens e a estrutura de valores dentro da qual nos desenvolvemos como sociedade, pois é a partir do conhe- cimento da realidade que criamos as condições para mudá-la. A percepção social da atividade empresarial no Brasil No Brasil, a atividade empreendedora ainda não é percebida pela sociedade de forma inteiramente positiva. Pelo contrário: para o senso comum, o em- presário brasileiro é alguém que enriquece à custa da proteção governamen- tal, da exploração de trabalhadores ou de atitudes ilícitas. Com exceção, talvez, dos países anglo-americanos, a maioria das culturas associa o termo empresário a alguém que trapaceia. Há a crença de que o mercado é um lugar sujo, onde, para sobreviver, a pessoa se torna desumana, utilizando-se de qualquer arma ou artifício. E comum achar que a crescente competição exige explorar os outros para atingir o sucesso. As percepções negativas sobre a economia de mercado também prevalecem. Segundo elas, o mercado seria um lugar de encontro de tubarões que criam as regras do jogo, pois têm capital, tecnologia, eficiência e poder. Sendo assim, não se pode impedir que os tubarões engulam os peixes pequenos. Quem está fora deste mercado tende a achar que o mundo empresarial é suspeito e inacessível. O mercado visto sob a lente do laissez-faire induz a pensar que, neste mundo, o mais forte domina o mais fraco - o que, evidentemente, não está de acordo com o nosso senso de moralidade, ética ou justiça social. Como conseqüência dessa imagem negativa, o interesse e a inserção no campo do empreendedorismo ainda são pequenos. Provavelmente, pequeno demais para criar massa crítica favorável a uma "cultura do empreendedorismo" que iria por si mesma melhorar as condições de empreendedores em potencial.38 Mesmo contando com várias instituições que desenvolvem importantes ações nesse sentido,39 no Brasil ainda é baixo o nível de sinergia na relação universidade-empresa. Distanciados, universidade e empresa não consegui- ram construir um modus vivendi capaz de originar ecossistemas auto-susten¬ tados em quantidade e qualidade suficientes para a competição no mundo globalizado. Com poucos canais de comunicação que possam provocar resulta- dos importantes para o desenvolvimento econômico, universidade e empresa 44 correm o risco de cristalizar as visões tradicionais e os preconceitos que supos- tamente as justificam. A urgência do empreendedorismo no Brasil decorre, entre outros fatores comuns a todos os países, da contingência da abertura abrupta do mercado nacional para o mundo globalizado, fazendo com que as empresas nacionais, que operavam em mercado protegido, passassem a competir internacional- mente sem preparação prévia e sem tradição na área tecnológica. Sabe-se que a tarefa de estimular e apoiar o surgimento de empresas competitivas não é exclusiva de um setor, como por exemplo a universidade, mas de todas as forças da sociedade, a que chamamos de "sistemas de suporte". Não é de surpreender que, diante do quadro institucional do Brasil, os nos- sos sistemas de suporte ainda atuem de forma bastante tímida. Com exceção dos órgãos voltados para o apoio às PMEs, as demais forças da sociedade rara- mente têm participação na medida das necessidades. Isto em um país como o nosso, onde os recursos são escassos, a renda é muito mal distribuída, as dis- paridades regionais são abissais, a taxa de geração de empregos é incapaz de absorver a mão-de-obra emergente e o desemprego é também alimentado pela forte política de privatizações. Por outro lado, o capitalismo de risco, fundamental elemento de financia- mento das empresas emergentes, ainda é uma atividade iniciante no Brasil, estando restrito a poucas iniciativas. As políticas públicas, extremamente des- favoráveis às PMEs, aliadas à inexistência de linhas eficazes de financiamento e à alta carga tributária, são fortes inibidores do nascimento e do crescimento de empresas. Assim, podemos formular alguns sinalizadores propostos pela realidade brasileira em termos de um programa de formação de empreendedores: • O início da disseminação da cultura empreendedora deve dar-se a partir da universidade, por sua força de propagação e porque tem o poder de "oficializar" o empreendedorismo como um conteúdo de conhecimento. • A formação de empreendedores deve se processar em larga escala, para corresponder às dimensões continentais do país. • A urgência na formação de empreendedores induz à priorização da velo- cidade na propagação do ensino. • Deve-se utilizar a infra-estrutura educacional existente nos três níveis de ensino, principalmente a capacidade docente já instalada, evitando a 45 pulverização de esforços e a multiplicação desnecessária de custos. Docentes de diversas áreas, e não somente os de administração de empre- sas, devem ser capacitados para promover a formação de empreendedores. • Deve-se atingir todos os cursos de graduação, e não somente os de admi- nistração de empresas. • O ensino de empreendedorismo deve ser oferecido pelos próprios profes- sores de cada curso (e não de forma centralizada através dos professores de administração). É essencial que cada curso seja responsável pela oferta de educação empreendedora aos seus alunos. • Por ser um tema cultural, que diz respeito, portanto, a valores, crenças, com- portamentos grupais, o ensino de empreendedorismo deve ser prioritário na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio).40 Nesse contexto, emergiram as seguintes questões: • Como implementar a disciplina de fora para dentro das universidades? • Como sensibilizar,induzir, incentivar, treinar o corpo docente existente? • Como superar os obstáculos à integração universidade-empresa? • Como mobilizar a sociedade e envolver os sistemas de suporte? E ainda, em decorrência da metodologia proposta: • Como trazer o empreendedor para a sala de aula, convidando-o a ocupar um lugar que a tradição reserva exclusivamente ao professor? • Como abrir vagas na sala de aula para a emoção, o sonho, o ego, o in- definido, o incerto? Como priorizar o ser em relação ao saber? Um obstáculo tipicamente brasileiro: a "síndrome do empregado" Neste início de século, o Brasil, como outros países, apresenta um quadro em que o emprego não é visto mais pelo jovem como um projeto de vida. Em nossas pesquisas junto a estudantes, este dado aparece como posição quase unânime e significa uma grande mudança em relação às gerações anteriores, cujo sonho era conseguir emprego no governo ou em uma grande empresa, de preferência multinacional. Esta percepção é decorrente do duro confronto do 46 jovem com a realidade do mundo do trabalho, em que, além de a oferta de em- pregos ser reduzida e os salários, baixos, a instabilidade passa a ser a regra. De uma forma geral, o jovem já percebeu o que ele não quer: o emprego. (Ou não pode querer, já que os empregos oferecidos pelas empresas, por sua baixa remuneração e instabilidade, não preenchem as condições de um pro- jeto de vida.) Mas, na maioria dos casos, ele não sabe o que pode, porque ainda não está preparado para se inserir profissionalmente de forma autôno- ma, empreendedora. Isto em função dos valores da nossa sociedade e do nosso sistema educacional, que contaminam nossos jovens com a "síndrome do empregado", mesmo percebendo que este elemento, independentemente de qualquer juízo de valor, está desaparecendo nas relações produtivas. A "síndrome do empregado" - útil no paradigma econômico que se esgotou; nociva para as atuais relações de trabalho - é conseqüência tanto de uma cul- tura como de um sistema de ensino que forma pessoas com exclusiva ênfase na tecnologia, mas sem a preocupação de encontrar formas novas para a sua apli- cação, sem a capacidade de ler o mercado e dar-lhe um significado que permita sua inserção profissional. Não que devamos descuidar do conhecimento tecno- lógico. Ele é fundamental. Mas, neste início de milênio, não é suficiente. A ên- fase exclusiva na tecnologia é uma herança da dinâmica de funcionamento dos mercados na primeira metade do século XX. O uso da tecnologia e a capacidade de produção eram, por si mesmos, vantagens competitivas. Nessa esteira, elas foram sucedidas pelo controle de custos e qualidade, que passaram a represen- tar um diferencial. Hoje, todos esses elementos são condições necessárias, mas não suficientes. A empresa que não os tiver encontrará sérias dificuldades para permanecer no mercado. O profissional contaminado pela "síndrome do em- pregado", cujas características estão sintetizadas no Quadro 2.1, necessita que alguém crie e lhe ofereça condições para que desenvolva o trabalho. Ou seja, depende de alguém para desenvolver seu oficio. Prepara-se, aprofunda-se nos conhecimentos tecnológicos e espera que alguém identifique uma necessidade, uma idéia com valor de mercado, e a apresente a ele como problema já formu- lado, decodificado, à espera de solução. Ora, este não é o perfil do empreende- dor. E nem o do empregado moderno. São traços essenciais ao profissional dos nossos dias a capacidade de formular perguntas em relação ao meio ambiente e dar sentido à leitura que dele se faz. 47 Q U A D R O 2 . 1 Caracter íst icas d o p o r t a d o r d a " s í n d r o m e d o empregado " É dependente no sentido de que necessita de alguém para se tomar produtivo, para trabalhar Descuida de outros conhecimentos que não sejam voltados à tecnologia do produto ou à sua especialidade. Domina somente parte do processo. Não é auto-suficiente: exige supervisão e espera que alguém lhe forneça o caminho. Não busca conhecer o negócio como um todo: a cadeia produtiva, a dinâmica dos mercados, a evolução do setor. Não se preocupa com o que não existe ou não é feito: tenta entender e melhorar somente o que existe. Não se preocupa em transformar as necessidades dos clientes em produtos/serviços. Não percebe a importância da atividade de marketing. Não sabe ler o ambiente externo: ameaças, oportunidades. Não é proativo. Raramente é agente de inovações: não é criativo, não gera mudanças e não muda a si mesmo, Mais faz do que aprende. Não se preocupa em formar sua rede de relações, estabelece baixo nível de comunicações. Tem medo do erro (que é punido em nosso sistema de ensino e em nossa sociedade) e não o toma como fonte de aprendizagem. G E M C o n t r a o f u t u r o e m p r e e n d e d o r A favor do f u t u r o e m p r e e n d e d o r Pontos negativos Pontos favoráveis Custo alto e dificuldade de acesso ao capital. As grandes carências da população acabam por gerar muitas oportunidades de negócios. Alta carga tributária e elevados encargos trabalhistas. Crescente número de parcerias e popularização dos processos de terceirização. Baixo número de programas de apoio ao Criatividade do brasileiro para responder a situações empreendedorismo. difíceis, característica que o toma flexível e adaptável a um ambiente de constantes mudanças sociais e econômicas. Sistema educacional insuficiente para o Crescimento vertiginoso das incubadoras nos últimos desenvolvimento do espírito e das habilidades anos, viabilizando novos projetos. empreendedoras entre os estudantes. Distância entre a produção da ciência e a sua aplicação na inovação tecnológica. Cultura impregnada da busca de emprego na esfera pública. Falta de legislação de apoio para as MPEs (micro e pequenas empresas): desburocratização, tributação, informação, apoio, capacitação em gestão, Plano de Negócio, Cultura: empreendedor é o vilão, não é referência de sucesso. 48 Apo io ao empreendedor emergente: sugestões para o Brasil O Brasil é um dos países mais hostis à empresa emergente.41 Não obstante as grandes dificuldades enfrentadas pelas empresas emergentes no Brasil, principalmente as de base tecnológica, às quais faltam tanto políticas públi- cas adequadas quanto sistema de financiamento baseado em capital de risco, o quadro aqui apresentado sobre o movimento do ensino universitário de em¬ preendedorismo, ainda que rústico, pode ser otimista e fazer crer que a visão e os esforços do governo e da iniciativa privada nesta área podem caminhar juntos. E importante constatar o papel decisivo de algumas instituições no apoio a programas de empreendedorismo, como Sebrae, IEL, CNPq, BNDES, Finep, algumas fundações estaduais de amparo à pesquisa, institutos estaduais de tecnologia, prefeituras. Os programas Reune e Softstart, de abrangência nacional, foram iniciativas que mostraram como realizar mudanças no para- digma de ensino. A pesquisa ainda é incipiente, mas existem docentes e alunos de mestrado interessados na área. Já é possível notar a presença brasileira, ainda que timidamente, em congressos internacionais. As ações da CNI-IEL Nacional e do Sebrae Nacional e de seus órgãos regionais têm sido muito relevantes na disseminação do ensino de empreendedorismo no Brasil. No entanto, ainda nos ressentimos da ausência de pesquisas mais amplas e tam- bém de dados que possam proporcionar análises na área de micro, pequenas e médias empresas. Qual seria o projeto para o Brasil? Por mais gigantesca que seja, a tarefa de inserir o aprendizado de empreendedorismo no nível universitário é apenas um passo no caminho da criação de uma cultura empreendedora que dará su- porte ao processo de desenvolvimento econômico. E o que, a nosso ver, pre- cisa ser feito pelo conjunto das forças da nossa sociedade? O aprofundamento no tema foge aos propósitos deste livro, mas nele cabemalgumas sugestões, apresentadas de forma sintética. Primeira sugestão: Propagar o ensino de empreendedorismo em todos os níveis educacionais A universidade é o ponto de partida, porque ela é uma forte formadora de opinião e multiplicadora do saber. Mas é preciso disseminar a cultura em- preendedora desde a educação infantil,42 o primeiro degrau do sistema edu- 49 cacional, pois só assim iremos criar uma sociedade empreendedora, dirigida por uma nova cultura que sinalize positivamente para valores empreendedores que priorizam a geração e distribuição de riquezas, a inovação, a cidadania, a ética, a liberdade em todos os níveis, o respeito ao homem e ao meio ambiente, no lugar de tradições que apontam para o emprego (principalmente em órgãos públicos), o medo ao risco e ao erro, a dependência dos governos, que impe- dem a criação de capital social através da cooperação estendida socialmente. A educação deve combater as concepções individualistas e estimular a for- mação de comunidades (grupo de pessoas unidas por um sonho comum) e de cidadania. Segunda sugestão: Estimular a pesquisa na área de empreendedorismo Apesar das múltiplas iniciativas de encontros acadêmicos na área de em- preendedorismo e em virtude de a pesquisa na área, embora de crescimento recente, ser ainda iniciante, ainda não se conseguiu criar um congresso aca- dêmico de excelência no Brasil, que estimule a pesquisa na área e seja o ponto de encontro de todos os envolvidos com o empreendedorismo - a comu- nidade acadêmica, praticantes, empreendedores, sistemas de suporte - e que promova um permanente intercâmbio com pesquisadores de todo o mundo. Terceira sugestão: Criar sistemas de apoio à atividade empreendedora Sensibilizar os sistemas de suporte e as forças sociais, políticas e econômi- cas para a necessidade de apoio às empresas emergentes. Esta não é uma tarefa isolada de um segmento específico, mas de toda a sociedade. Já ouvimos autoridades governamentais dizerem: "A pequena em- presa é problema só do Sebrae." Nada mais enganoso. E um problema, ou melhor, uma solução que toda a sociedade tem que perseguir, porque ela é a base do desenvolvimento econômico. Estamos falando de 4,5 milhões de em- presas, 98% das empresas nacionais, que envolvem uma massa de 60 milhões de pessoas e hoje representam cerca de 20% do PIB nacional. Sistemas de apoio devem ser compostos por órgãos como o Sebrae, secretarias estaduais e municipais de desenvolvimento e de ciência e tecnologia, sistema CNI, Instituto Euvaldo Lodi (IEL), incubadoras, parques tecnológicos, centros de empreendedorismo, bancos de desenvolvimento estaduais e federal, empresas de capital de risco, instituições de microcrédito, bancos de dados públicos, ofer- ta de know-how na área de planejamento e gestão de micro e pequenas empresas. 50 Mas os esforços serão dispersados se não houver forte integração entre os diversos apoiadores. Quarta sugestão: Política tributária, inclusão empresarial "Para que se consiga incluir os trabalhadores e empreendedores na formali- dade é preciso implantar políticas que arranquem os trabalhadores da pobreza. A formalidade é uma conseqüência deste processo. E preciso criar condições para que as atividades cresçam qualitativamente, economicamente e em ter- mos humanos, o que tornará a formalização automática."43 Medidas necessárias: • Redução de impostos sobre o empreendedor emergente. Muito países isentam de impostos as empresas nos primeiros anos de existência. • Microcrédito: programas nacionais e abrangentes de crédito para os em- preendedores e de apoio e estímulo à criação de cooperativas. • Estímulo aos Arranjos Produtivos Locais. • Aumento da participação das MPEs nas compras governamentais. • Aplicação de uma política de crédito que aumente a concorrência entre instituições financeiras, com o objetivo de baixar o custo do crédito. • Estímulos à exportação. • Apoio à organização dos segmentos autogestão e informalidade, para os quais faltam políticas públicas. Quinta sugestão: Marcos regulatórios adequados à MPE A importância política dada à pequena empresa no Brasil não corresponde à sua relevância econômica e social. E necessário que o governo e a classe polí- tica coloquem o empreendedorismo e as MPEs no quadro das maiores prio- ridades nacionais. As relações entre o Estado brasileiro e as micro e pequenas empresas são organizadas por regras jurídicas de tal forma complexas, difíceis e inadequadas que criam um ambiente impróprio ao surgimento e fortalecimento da MPE. É fundamental implantar políticas públicas e legislação que facilitem a aber- tura e fechamento de empresas, que garantam respeito aos contratos, que diminuam os trâmites burocráticos, que gerem sistemas de apoio, que esti- mulem a criação de empresas de capital de risco e a utilização da capilaridade do sistema bancário comercial no apoio à MPE. Cada agência dos bancos 51 comerciais deve ser uma referência de suporte ao empreendedor emergente, não só de crédito acessível, mas principalmente de inserção na rede de relações necessárias ao empreendedor. Antes de tudo, é preciso fazer uma campanha nacional junto aos órgãos públicos, principalmente os voltados a tributação e controle, para desfazer a imagem de vilão, injustamente associada ao empreendedor, e divulgar a sua real natureza, qual seja, o elemento capaz de gerar crescimento econômico e desenvolvimento social. Sexta sugestão: Promoção do spin-off 44 O spin-off' consiste na geração de novas empresas a partir de uma empresa- mãe ou de centros de pesquisa e universidades. Ele pode ser qualificado de parceria empreendedora, fonte de importante aprendizado que se constitui, há séculos, como uma das principais razões da estabilidade das práticas orga- nizacionais na Europa. O spin-off constitui uma das melhores maneiras de se adequar a organização empreendedora e de diminuir o risco no processo de criação de empresas. É também o meio mais eficaz de se apoiar a consolidação de fontes de empregos relativamente mais estáveis nas regiões ou localidades mais vulneráveis. Em obra recente de Filion, Luc e Fortin, mostrou-se a importância que pode assumir o spin-off na sobrevivência e no desenvolvimento de muitas empresas. Supõe-se, entretanto, que o spin-off implique freqüentemente terceirização. Neste sentido, é importante que a flexibilidade esteja presente na Legislação Trabalhista, como também é importante a iniciativa dos líderes políticos no sentido de mudar a concepção que certos grupos mantêm sobre o spin-off, sobretudo os trabalhadores sindicalizados. Com efeito, o spin-off freqüente- mente é assimilado como sinônimo de terceirização e, como a terceirização é percebida como prejudicial aos trabalhadores, o spin-off passa a ser identifi- cado da mesma forma. Os dois conceitos devem se tornar práticas aceitáveis. Uma das preocupações consiste em saber se é possível evitar os abusos liga- dos a certas práticas de terceirização. Muito sucintamente, é possível dizer, contudo, que existem diferenças fun- damentais entre os dois conceitos. Primeiro, a prática da terceirização não implica sempre a geração de uma nova empresa. Uma empresa pode decidir subcontratar uma ou várias operações, seja por meio de concursos regulares 52 ou por meio de concursos pontuais, com contratos de duração determinada. Em contrapartida, pode estimular os seus próprios empregados, afetados por esse procedimento, a começarem sua própria empresa e a entregar-lhe, com exclusividade ou não, o serviço ou o produto em questão. Esta segunda opção constitui o spin-off. A terceirização que conduz ao spin-off permite a muitas empresas se tornarem mais flexíveis em contexto de concorrência internacional, conservando os empregos que, de outro modo, poderiam ter sido perdidos. As nossas investigações mostraram que o spin-off não diminui os empregos,mas, ao contrário, aumenta-os: para cada emprego criado por uma nova PME manufatureira spin-off, temos um novo emprego criado na empresa mãe.45 Sétima sugestão: Organização e representatividade das MPEs As micro e pequenas empresas no Brasil são responsáveis por 60% do pes- soal ocupado e 20% do PIB nacional. Entre 2000 e 2004, o número de micro e pequenas empresas (MPEs) no Brasil aumentou 22,1%. De 4,11 milhões em 2000, passou para 5,02 milhões, quatro anos depois. Uma das dificuldades atuais do desenvolvimento do empreendedorismo está no fato de que as forças empresariais não são estruturadas nem represen- tadas suficientemente. Encontramo-nos numa situação em que aqueles que seriam os principais atores do desenvolvimento - os empresários e os líderes de pequenas empresas - estão ausentes da elaboração da legislação que go- verna a nossa sociedade. O mesmo fenômeno pode ser constatado entre os trabalhadores autôno- mos, que também constituem uma parte cada vez mais importante do tecido empreendedor da maior parte dos países. Aí estão incluídos não somente os agricultores, mas todas as categorias profissionais que oferecem serviços às empresas: tradutores, analistas de sistemas, consultores de gestão e conselheiros, dentre um número crescente de especializações. Ao contrário dos Estados Unidos, onde milhares de grupos de pressão procedentes do mundo dos negócios, das PMEs e do mundo do empreende- dorismo são exemplarmente organizados - realidade que não é partilhada na maior parte dos sistemas políticos, onde os sindicatos e o patronato das grandes empresas se enfrentam continuamente. Estas associações de trabalhadores sindicalizados e do grande patronato são poderosas e numerosas e geralmente são bem organizadas e estruturadas, englobando centros de investigação e equipes que trabalham na articulação das tomadas de decisão. 53 As Associações e Federações do Comércio desempenham um papel de certa importância, mas não representam particularmente as PMEs. Faz-se necessário instaurar organizações onde as pessoas possam se identificar mais facilmente para que, assim, sejam capazes de trocar melhor suas experiências e aprender mais entre si, criando, ao mesmo tempo, meios de solidariedade empreendedora nos bairros e nas regiões para apoiá-las nos períodos mais difíceis. Estas organizações também poderão servir para veicular melhor os valores empresariais no entorno. Oitava sugestão: Criação de núcleos municipais de inteligência e conectividade - Rede empreendedora O Brasil tem 5.5604 6 municípios. Eles são o palco e o ambiente da ativi- dade empreendedora. Todos os municípios devem estar dotados de núcleos de fomento da atividade empreendedora, em condições de oferecer à população local informações, conhecimentos, tecnologias, metodologias, ferramentas e, principalmente, redes em que o empreendedor deverá se inserir para ter su- porte ao seu empreendimento. O Núcleo de Inteligência & Conectividade deve ser visto como uma ativi- dade transversal destinada a dar suporte a todas as áreas relativas às atividades da MPE. Dessa forma, deve, de preferência, estar fisicamente localizado fora destes ambientes ou na interseção deles. O trabalho deste Núcleo pode ser resumido em: • Integrar a rede nacional de empreendedorismo nas cidades. • Mapear a atividade econômica da cidade e da região. • Coletar informações sobre atividades e políticas relativas a empreendedo- rismo em cidades brasileiras. • Oferecer informações privilegiadas ao empreendedor local. • Oferecer e indicar fontes de informação e capacitação técnica para os em- preendedores. • Conectar empreendedores em redes nacionais e internacionais da sua res- pectiva área. • Indicar e oferecer recursos de conhecimento e treinamento na área. • Oferecer ensino via Web. 54 A operação do núcleo pode ser dimensionada da seguinte forma: • Equipe. De 3 a 5 pessoas de alto nível (equipe multidisciplinar, boa for- mação acadêmica, proatividade), preparadas para prestar atendimento a pessoas de todas as qualificações e a lidar com sistemas de informação e fazer networking. • Inteligência. O Núcleo irá coletar, armazenar e disseminar informações relacionadas a serviços, instituições, programas, pessoas, artigos, etc. Organizará um banco de dados geo-referenciado (aberto e com possibi- lidade de acesso via internet) sobre tudo o que a região possui na área de empreendedorismo, ou seja: • Projetos e programas de educação e fomento a atividades empreen- dedoras (governamentais e não-governamentais) • Consultores e outros serviços na área de empreendedorismo • Instituições de apoio (ensino, pesquisa, fomento, etc.) • Livros, artigos, publicações, sites, etc. • Legislação pertinente • Arranjos produtivos locais • Cadeias produtivas e cadeias de valor • Balcão (eletrônico) de Negócios (cadastros de oferta e demanda) • Outros, de acordo com a necessidade • Conectividade. O Núcleo deve estabelecer conexões com potenciais par- ceiros do empreendedor na cidade, na região e no exterior. Também deve ajudar os empreendedores a estabelecer relações com atores (pessoas ou instituições) que possam ajudá-los na sua empresa. O Núcleo Municipal deve ser também um centro de irradiação de infor- mação e manter contato estreito com órgãos de imprensa e com as insti- tuições parceiras e de fomento ao empreendedorismo. Nona sugestão: Mobilização política Empreendedorismo é um caso de política Qualquer programa de desenvolvimento do empreendedorismo implica a mobilização social, o envolvimento de toda a população na importância de se desenvolver o potencial empreendedor de cada pessoa. Por ser um fenômeno coletivo, e não individual como normalmente se supõe, o empreendedorismo 55 depende do total comprometimento das forças vivas da sociedade e, princi- palmente, dos líderes políticos. No Brasil a classe política não aborda o tema empreendedorismo. Não se vêem candidatos a postos eletivos, seja para o executivo ou legislativo, levan- tando a bandeira do empreendedorismo e o incluindo em suas plataformas de ação. Os governantes falam em emprego, mas não falam na sua principal fonte, a MPE. A minha experiência na implementação de educação empreendedora em larga escala é enriquecedora. Nos 126 municípios em que a PEDAGOGIA EMPREENDEDORA foi adotada por todas as escolas de educação básica da rede pública municipal, a primeira etapa da implementação foi a criação de um pacto político entre todas as lideranças da cidade. Essa medida deu a base de sustentação para a implementação bem-sucedida dos programas. No entanto, em grande parte desses municípios os programas foram paralisados pelo prefeito seguinte, prática comum de descontinuidade administrativa no país, com o objetivo de descapitalizar politicamente os adversários. Filion lembra o apoio de todos os presidentes americanos, desde Jefferson, ao empreendedorismo e ao desenvolvimento das pequenas empresas. "Margareth Thatcher pediu às grandes empresas na Grã-Bretanha que fizessem como nos Estados Unidos, isto é, que investissem 5% dos seus lucros para o desen- volvimento do seu meio, o que deu origem a um programa chamado 'Business in the Community'.47 Este programa foi financiado em 50% pelas empresas e 50% pelo governo em cada região ou bairro de grande cidade. Ele oferecia uma fórmula que permitia adotarem-se organismos de apoio ao desenvolvimento empreendedor, implicando, ao mesmo tempo, a contribuição das empresas numa proporção de até 50% dos projetos submetidos pelos municípios. Esta contribuição era revertida diretamente ao organismo de apoio ao desenvolvi- mento comunitário e empreendedor. O programa teve uma duração de três anos, tendo sido substituído gradualmente por outros programas, mas a con- tribuição das empresas ao desenvolvimento do meio permaneceu através destes. Tony Blair multiplicou o apoioà criação de empresas e aos trabalhadores autônomos. Paradoxalmente, a maior parte das políticas de apoio à criação de empresas na Europa foi implementada por governos de esquerda." Em vários estados do Brasil o Sebrae48 tem mantido ótimos programas voltados para o desenvolvimento de municípios. Um exemplo foi o excelente programa PSDL, Programa Sebrae de Desenvolvimento Local, implementado 56 pelo Sebrae-PR, em que a comunidade local era estimulada a unir as lideranças em um foro municipal, com o envolvimento da classe política. No entanto, a tarefa de criação de uma nova mentalidade política de apoio ao empreendedorismo exige o envolvimento da população e, principalmente, dos governos centrais. Décima sugestão: Mudança cultural Os nossos valores culturais sempre estimularam os jovens a procurar em- prego. Mesmo na era da inovação essa prática continua. É referência de ele- vado status o acesso ao emprego público porque, além de altos salários, ele oferece estabilidade e boa aposentadoria. Em seguida a preferência recai em empresas estatais e multinacionais. Essa cultura precisa ser revertida porque consolida uma sociedade dependente, com baixíssima capacidade de inovação. As ações devem ser feitas em várias frentes com o objetivo de criar uma ima- gem positiva do empreendedor e ao mesmo tempo apoiar as ações nessa área: • Através do sistema educacional (Primeira sugestão) • Utilização da mídia de grande alcance • Programas de empreendedorismo dirigidos a públicos específicos, como, por exemplo: • jovens em situação de risco • desempregados • empreendedorismo feminino • envolvidos com drogas • egressos do sistema prisional • Criação, a exemplo de outros países, da Semana Nacional da PME, em que seriam promovidos concursos nacionais e locais de Planos de Negó- cios, e oferecidos prêmios para PMEs em várias categorias e para os gru- pos específicos acima citados. A Semana da PME estimularia também a integração das empresas com as escolas em todos os seus níveis. Décima primeira sugestão: Estimular a criação da cultura empreendedora nos centros de pesquisa O empreendedor é alguém que transforma conhecimento em riqueza. Inúmeras empresas de alta tecnologia têm surgido com base em teses de mes- trado, doutorado e pesquisas. É importante capacitar a comunidade científica 57 para identificar entre os resultados de seu trabalho aqueles que têm potencial de se transformar em produtos. A empresa do conhecimento, força econômica desta era, nasce da inte- gração dos trabalhos de pesquisadores e empreendedores. Não faltam exemplos no Brasil de empresas de alta tecnologia geradas a partir das universidades federais de Pernambuco, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, das universi- dades católicas do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, apenas para citar algumas entre tantas. Apesar disso, a capacidade de geração de empresas a partir de centros de pesquisa ainda é incipiente no Brasil. Décima segunda sugestão: Preparar as empresas existentes para a formulação estruturada de suas demandas aos centros de alta tecnologia E necessário que as empresas de base tecnológica saibam formular deman- das aos centros de pesquisa universitários. O instrumento fundamental é a utilização intensiva da metodologia de Planos de Negócios, que indicam as necessidades da tecnologia dominada pelos centros e também possibilitam a formação de parcerias com empresas surgidas do ambiente universitário. A viabilização deste processo será muito bem conduzida se for assumida pelos órgãos de representação empresarial de cada categoria. Décima terceira sugestão: Preparar a inserção da pequena empresa no mercado mundial - a pequena empresa "classe mundial" A pequena empresa deve estar capacitada a ter sucesso no mercado mundia¬ lizado, através da alta qualidade, conhecimentos avançados e conexões globais. Décima quarta sugestão: Estímulo à criação de empresas de capital de risco Capital de risco49 e empresas de base tecnológica devem andar juntos. O capital de risco é o propulsor do sistema, o elemento focai, substancial. Seu crescimento no Brasil tem se verificado a taxas elevadas. Mas é essencial in- crementar o setor melhorando as condições, que vão desde uma legislação fa¬ cilitadora até a criação de uma cultura que lhe seja favorável e que induza poupadores de todos os portes a buscar investimentos produtivos. Também aqui é fundamental a ação propulsora e educadora do poder público. 58
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