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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM um olhar pedagógico

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Dificuldades de aprendizagem:
um olhar
psicopedagógico
Daniela Leal
Makeliny Oliveira Gomes Nogueira
Informamos que é de inteira responsabilidade das autoras a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Ibpex.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei
nº 9.610/1998 e punido pelo
art. 184 do Código Penal.
Apresentação
Este livro tem o objetivo de apresentar aos futuros e atuais psicopedagogos as diferentes concepções teóricas que permeiam o processo de aprendizagem, ampliando os horizontes para o esclarecimento de como tais teorias contribuem para a compreensão dos transtornos de aprendizagem.
Nessa perspectiva, esta obra traz como fonte de reflexão as terminologias específicas para cada um dos diferentes transtornos, percorrendo um grupo encantador, mas, ao mesmo tempo, complexo, que envolve as questões neurobiológicas, como, a plasticidade cerebral, presente no estudo dinâmico e preciso do psicopedagogo para a compreensão dos problemas de aprendizagem.
Estruturamos o livro em seis capítulos, os quais abordam, além da fundamentação teórico‑metodológica, questões e atividades ao seu final, assim como indicações culturais, como filmes, documentários, leituras e sites pelos quais o aluno poderá consolidar o seu aprendizado.
No primeiro capítulo – “Concepções de ensino‑aprendizagem: um breve resgate histórico” –, falaremos sobre como ocorre o processo de ensino‑aprendizagem historicamente, desde os primórdios da educação grega, passando pela Idades Média Moderna e Contemporânea. Em seguida, debruçaremo‑nos sobre as ­concepções mais atuais, por intermédio do resgate das teorias de alguns estudiosos, como Vygotsky, Piaget, Skinner e Freud. Avançaremos um pouco mais, tratando das questões teóricas nas discussões sobre a atual situação da escola pública brasileira.
O segundo capítulo – “Dificuldades de aprendizagem: um olhar psicopedagógico” –, abordará conceitos, caracterizações e terminologias sobre as dificuldades de aprendizagem, na concepção de alguns estudiosos que identificam as dificuldades de aprendizagem como problemas, outros que as consideram como déficit e, ainda, daqueles que as denominam transtornos ou fracassos, destacando que as dúvidas, desequilíbrios e dificuldades para se aprender algo novo são normais e saudáveis.
No terceiro capítulo – “Transtornos funcionais específicos da aprendizagem: disgrafia, disortografia, dislexia e discalculia” –, veremos, na apresentação, na conceituação e nas características de cada um dos transtornos específicos de aprendizagem o quão complexo é cada um desses temas. Desejamos que os leitores tenham uma fonte de consulta para que a identificação desses transtornos seja mais precisa, assim como o planejamento do atendimento psicopedagógico seja fundamentado por eixos que norteiam o desenvolvimento da pessoa a ser atendida e não sirva apenas de rótulo para justificar o não aprendizado.
No quarto capítulo – “Plasticidade cerebral e o processo de aprendizagem: novos desafios” –, estudaremos alguns conceitos fundamentais para compreender como acontece o processo de aprendizagem no sistema nervoso central, bem como os estudos sobre o processo de plasticidade cerebral que contribuem para o entendimento de que o cérebro não é estanque, mas sim que possui condições de se regenerar e construir novos aprendizados, tanto no caso de lesões cerebrais em crianças quanto em adultos.
Por fim, no quinto capítulo – “Transtornos do comportamento: o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade” –, discutiremos, juntamente com a dislexia, um dos transtornos mais comentados dentro das salas de aula, que é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O capítulo busca desmitificar os mitos sobre esse transtorno, além de mostrar que, apesar de ser um dos transtornos que ocasionam dificuldades de aprendizagem, este não pertence ao quadro dos transtornos específicos da aprendizagem.
Introdução
Pensando na atuação psicopedagógica em clínicas e instituições e na experiência vivenciada pelas autoras durante a prática profissional, a temática “dificuldades de aprendizagem, a superação de desafios” nos veio à mente como essencial para discutir as questões específicas de cada um dos transtornos de aprendizagem, ou ainda de transtornos comportamentais que, apesar de não serem da aprendizagem, originam dificuldades no processo de escolarização.
Para tanto, após a compreensão essencial e fundamental da terminologia, da etiologia das dificuldades de aprendizagem, trabalharemos a conceituação teórica, mais especificamente a teoria da neurociência 
, para mostrar como se dão os processos de aprendizagem, bem como em que parte do sistema nervoso central ele acontece, assim como em quais hemisférios e lobos cerebrais.
Compreendida essa questão, partimos para a discussão de como ocorrem os problemas de aprendizagem, de acordo com a mesma fundamentação teórica, dando destaque à plasticidade cerebral como um grande avanço da neurociência para o processo de aprendizagem em pessoas com regiões cerebrais afetadas por algum tipo de lesão cerebral.
A seguir, nossa preocupação é descrever cada um dos transtornos específicos de aprendizagem, focando em sua etiologia, suas causas e em como identificá‑los, além da atuação psicopedagógica diante de cada um desses transtornos. Para ampliar um pouco mais o campo de atuação e o olhar diferenciado do psicopedagogo sobre os transtornos, buscamos, em um capítulo à parte, mostrar quando um dos transtornos de comportamento mais discutidos nas escolas torna‑se um empecilho para o desenvolvimento da aprendizagem.
1. Concepções de ensino-aprendizagem: um breve resgate histórico
Neste capítulo estudaremos a forma como aconteceu o processo de ensino‑aprendizagem formal no mundo ocidental ao longo dos séculos, num breve resgate histórico, e depois faremos uma análise da situação da escola pública brasileira na atualidade. Outro ponto de destaque aqui abordado é a aprendizagem e as suas múltiplas concepções teóricas na visão de estudiosos como Vygotsky, Piaget, Skinner e Freud.
A dificuldade de aprendizagem é bastante debatida atualmente, por estar diretamente ligada à ideia de sucesso ou de insucesso do indivíduo no processo de desenvolvimento ao longo de toda a sua vida. Atualmente, esse tema tem sido cada vez mais estudado por especialistas em todo o mundo, na tentativa de encontrar soluções para o impasse, controlando as causas e amenizando os efeitos desse problema na vida de alunos, pais, educadores etc.
À medida que avançamos na discussão de tal questão, perdemos de vista o caminho trilhado até chegar a ela. Portanto, propomos, neste capítulo inicial, um breve resgate histórico do processo de ensino‑aprendizagem no ocidente, assim como um estudo das principais concepções teóricas da aprendizagem, para que possamos unir os fios que ligam essa complexa teia bio‑psico‑social ao longo da história do ensino formal, até chegarmos às dificuldades de aprendizagem, tema central desta obra.
1.1
Breve história do processo de ensino‑aprendizagem: a perspectiva ocidental
A aprendizagem é considerada um dos polos do processo educativo. Segundo Pain (1992, p. 17‑18), “tal processo compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura, inclusive os objetivados como instituições que, especificamente (escola) ou secundariamente (família), promovem a educação”. De acordo com esse autor (1992, p. 18), é através da escola “que o sujeito histórico exercita, assume e incorpora uma cultura particular […]”.
Historicamente, a educação e a cultura tiveram início alguns séculos antes de Cristo, para os ocidentais, no chamado Período Clássico ou Antiguidade, o qual durou do século VI a.C. ao século IV a.C. De acordo com Gadotti (2004, p. 29), “uma sociedade estratificada como a grega, sustentada por colônias, desenvolvida numa situação geográfica que facilitava o comércio entre o Oriente e o Ocidente, serviu de berço da cultura,da civilização e da educação ocidental”.
Nessa época, o filósofo grego Sócrates (469‑399 a.C.), filho de um escultor e de uma parteira, desenvolvia seus ensinamentos com os jovens em praça pública, instigando‑os a pensarem por si próprios. Sua célebre afirmação “conhece‑te a ti mesmo” era uma espécie de provocação para que cada pessoa fosse capaz de descobrir por si própria a sua ignorância, mas também sua capacidade de superá‑la, ou seja, “parir” (inspirado no ofício de sua mãe) as próprias ideias. Esse filósofo “desenvolvia o saber filosófico em praças publicas, conversando com os jovens, dando sempre demonstrações de que era preciso unir a vida concreta ao pensamento. Unir o saber ao fazer [...].” (Cotrim, 2002, p. 93‑94).
Esse pensador foi considerado subversivo na época e condenado à morte (envenenamento por cicuta – veneno extraído de uma planta), pelo fato de instigar os jovens a pensarem por si próprios e a questionarem o regime social vigente.
Por volta do ano 387 a.C., em Atenas, o filósofo Platão (427‑347 a.C.), discípulo de Sócrates, fundou a Academia, sendo esta uma das primeiras instituições de ensino do mundo ocidental. Nessa época, a educação acontecia por meio de uma formação política, científica, filosófica, ética e estética. Em seguida, seu discípulo, Aristóteles (384‑322 a.C.) fundou o Liceu, por volta de 335 a.C., o qual também era uma escola filosófica, na qual os estudantes aprendiam por meio da lógica, da observação e da experiência. No Período Clássico, apesar do estimulo evidente à formação integral do cidadão político
 na polis grega, a estrutura da sociedade era baseada numa pseudodemocracia na qual apenas os homens da elite tinham acesso à educação e, consequentemente, à aprendizagem da leitura, da escrita, da matemática, da arte de “bem falar” (eloquencia ou retórica), das atividades esportivas etc. Os demais, mulheres, crianças, artesãos e escravos, não usufruíam desses ensinamentos.
Após o Período Clássico, já na Idade Média, as instituições escolares baseavam seus ensinamentos na supremacia da fé católica, em detrimento da razão, cujos principais expoentes foram Santo Agostinho (354‑430), o qual desenvolveu seu pensamento a partir do platonismo, no final do século IV d.C. e início do século V d.C., e São Thomás de Aquino (1226‑1274), no século XIII d.C., que elaborou sua teoria em cima dos ensinamentos de Aristóteles. Esse foi um longo período histórico, que durou aproximadamente mil anos, do século V ao século XIV, período chamado de Idade das Trevas, devido à forte repressão, à pobreza e às atrocidades vividas na época, tais como tortura, inquisição e as Cruzadas ou “guerras santas”, como ficaram conhecidas. Nesse período, a aprendizagem não evoluiu como poderia, pois a Igreja reduziu a leitura e a escrita às obras que considerava adequadas aos cristãos e, com isso, passou a privilegiar apenas o conteúdo religioso. Além disso, nesse período, enfatizava-se a aprendizagem repetitiva, por meio da memorização e da cópia.
Na chamada Idade Moderna, que vai dos meados do século XV até o fim do século XVIII, vários nomes ficaram conhecidos. Entre eles, destacamos Francis Bacon (1561‑1626), com seu método experimental, e René Descartes (1596‑1650), com uma visão mecanicista e racional do homem. Em seguida, podemos citar Jean Jaques Rousseau (1712‑1778), que “foi uma figura de transição dentro do Iluminismo: de um lado, acentuou as exigências de liberdade presentes no movimento; de outro, abriu caminho para o romantismo, criticando os excessos racionalistas” (Cotrim, 2002, p. 172). Nessa época, opostamente à Idade Média, os grandes estudiosos propuseram que se priorizasse a aprendizagem por meio da razão, da investigação científica e da pesquisa experimental e que se abandonasse o argumento da fé. Além disso, passaram a considerar um absurdo o propósito de se decorar para aprender, enfatizando um processo de ensino‑aprendizagem baseado no condicionamento (aprendizagem mecânica – estímulo‑resposta).
No período contemporâneo, século XIX, podemos destacar nomes como Hegel (1770‑1831), Marx (1818‑1883) e Engels (1820‑1895). Os dois últimos fizeram a crítica ao primeiro, invertendo sua filosofia idealista
 e voltando‑se para a realidade e para os indivíduos em suas ações e condições reais de vida e trabalho na sociedade. Apesar de esses autores não se deterem especificamente nas questões educacionais do processo de ensino‑aprendizagem, contribuíram de maneira muito significativa para o avanço do pensamento ocidental e desenvolveram obras de grande valor para a história da humanidade. Nessa fase, “a alfabetização crescente da população permitiu ir diferenciando entre o que se diz nos textos, o que se escreve, o que o leitor entende, o que agrega em sua interpretação, distinção sem a qual a ciência moderna não teria sido possível” (Pozo, 2008, p. 29).
Atualmente, passados quase dez anos do século XXI, perguntamo‑nos: “Como estão as nossas escolas?”, ou “Como está o processo de ensino‑aprendizagem na atualidade?”, “Houve grandes mudanças?”, “O que é valorizado agora que não era valorizado antes?”, “Como atuam os professores?”, “Como se sentem os estudantes?”, enfim, “Como anda a educação?”.
1.2 
O ensino‑aprendizagem no Brasil: 
a crise da educação atual
Evidentemente, alguns métodos sobrevivem de uma forma ou de outra em nosso contexto educativo, por mais que não haja inquisições nem assassinatos por cicuta, a nossa educação está um tanto quanto defasada.
Grande parte das instituições escolares tornou‑se decadente face ao desenvolvimento tecnológico e científico e ante os avanços histórico‑sociais e culturais vividos pela Humanidade. As salas de aula estão cada vez mais ultrapassadas, assim como o formato curricular seguido pela maior parte delas. As crianças tornam‑se insatisfeitas, os pais reclamam, alguns professores lutam para tentar manter a ordem e ensinar alguma coisa nas corridas aulas de 50 minutos... Outros apenas desistem e “fingem que ensinam” enquanto alguns alunos “fingem que aprendem”. Conclusão: os professores têm sofrido tanto quanto os alunos e as famílias para que se sustente “os velhos muros das escolas de pé”.
Segundo a Constituição Brasileira
, todos são iguais perante a lei, inclusive no que concerne à Educação para Todos
, em que a legislação assegura a todos, independente de raça, sexo, cor, idade ou classe social, o direito (ou a obrigatoriedade) aos primeiros anos de escola. Mas, apesar de o acesso à rede de ensino estar se universalizando, ainda persistem problemas associados à qualidade da escola. Os problemas são muitos: violência, desrespeito, dificuldades de aprendizagem, insatisfação em relação aos salários, desânimo, enfim, são inúmeras as questões que vêm interferindo na educação escolar atual.
Conforme estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseado na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), divulgou‑se uma Síntese de Indicadores Sociais, demonstrando, entre outras coisas, que no ano de 2007 a taxa de analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos caiu de 14,7% para 10%, no entanto, persistia um número elevado de pessoas que não sabiam ler ou escrever: 14,1 milhões de analfabetos, dos quais 9 milhões eram pretos e pardos e mais da metade residia no Nordeste. Os dados demonstram que, apesar da melhora no percentual de estudantes que cursavam nível médio na idade adequada (15 a 17 anos) passar de 26,6% para 44,5% entre 1997 e 2007, houve, por outro lado, um aumento da desigualdade no acesso de brancos, pretos e pardos ao nível superior. Em 1997, 9,6% dos brancos e 2,2% dos pretos e pardos, de 25 anos ou mais de idade, tinham nível superior completo no país; em 2007, esses ­percentuais eram de 13,4% e 4,0%, respectivamente. As consequências das desigualdades educacionais se refletem nos rendimentos médios dos pretos e pardos, que se apresentam cerca de 50% menores que os dos brancos.
Mesmo dentro de sala de aula, os brasileiros ainda não conseguiram transpor uma barreira que mantém o Brasil distantede países desenvolvidos: o analfabetismo. Há 2,1 milhões de crianças entre 7 e 14 anos no país que, embora frequentem a escola, continuam analfabetas. O estudo revela ainda que 87,2% das crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos que não sabem ler e escrever – 2,1 milhões – frequentavam a escola regularmente em 2007. E uma minoria deles estava com os estudos atrasados: apenas um quarto dos estudantes do ensino fundamental tinha mais de dois anos acima da idade recomendada para a série que estudava.
A taxa de analfabetismo entre os que estudam contrasta com a frequência escolar dos jovens entre 7 e 14 anos, que alcançou 97,6%, em 2007. Um nível considerado “praticamente universalizado” pelo IBGE. “O acesso à rede de ensino está se universalizando [...]. No entanto, ainda persistem problemas associados à eficácia da escola”, diz o texto da Síntese de Indicadores Sociais (IBGE, 2010).
Segundo Haddad (2010a), “os números não são ‘neutros’, ao contrário, traduzem a exclusão social no país, que tem cor, etnia, sexo, idade, endereço e condição econômica”.
Nas palavras de Haddad, (2010b):
No Brasil, grande parte das pessoas de 7 a 14 anos está estudando, mas a baixa qualidade do ensino, unida à baixa qualidade de vida dessa população, fazem com que os alunos não consigam completar sua escolaridade, criando um novo tipo de exclusão social e educacional, provocada não mais pela ausência de vagas, mas sim pela incapacidade de adquirir a escolaridade, mesmo frequentando os bancos escolares, transformando grande parte da população jovem e adulta incapaz de ler e escrever com autonomia.
Segundo os dados dos testes de leitura do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em suas pesquisas mais recentes:
42% dos alunos do 3º ano do ensino médio estão nos estágios “muito crítico” e “crítico” de desenvolvimento de habilidades e competências em Língua Portuguesa. São estudantes com dificuldades em leitura e interpretação de textos de gêneros variados. Não são leitores competentes e estão muito aquém do esperado para o final do ensino médio. Os denominados “adequados” somam apenas 5%. São os que demonstram habilidades de leitura de textos argumentativos. (Araújo; Luzio, 2010)
Como sabemos, esses fatos não são grande novidade para ninguém. Pais, educadores, coordenadores, diretores, estudantes e qualquer pessoa que volte os olhos em direção à escola hoje são capazes de perceber que há algo errado e uma necessidade imensa de mudar, renovar e transformar a educação no Brasil. Com raras exceções, as escolas, principalmente as instituições públicas, tornaram‑se locais cujo dia a dia é uma “guerra” e um “salve‑se quem puder”.
Em meio a esse quadro, surge, ou melhor, ressurge um olhar sobre as dificuldades de aprendizagem. Este é o nosso principal foco nesta obra: compreender e tecer caminhos teóricos e práticos para lidar com essa realidade, agravada obviamente pela situação atual vigente na educação.
Para compreendermos um pouco melhor essas e outras questões que surgirão neste livro ao longo dos capítulos, será necessário resgatar as concepções do processo de ensino‑aprendizagem vigentes em nosso contexto educacional brasileiro, destacando algumas influências dos autores que contribuíram e vêm contribuindo para uma educação de melhor qualidade, por meio da compreensão do processo de desenvolvimento do ser humano. Esses estudiosos, apesar de não influenciarem diretamente a transformação dos fatores externos e internos, trazem, em suas teorias, grandes contribuições para que possamos compreender e superar tais fatores.
1.3 
O processo de desenvolvimento e aprendizagem: algumas concepções
Uma criança ao nascer não está geneticamente programada para viver em sociedade: não sabe falar, andar, ir ao banheiro ou usar as técnicas para a sua subsistência e proteção. É necessário ensinar‑lhe como se comportar, como viver em sociedade; é preciso humanizá‑la, civilizá‑la, e a educação formal e a informal servem justamente para realizar o trabalho de inserção da criança no meio sociocultural ao qual ela pertence.
Sendo assim, não podemos conceber a educação como algo isolado, sem vínculos com a economia, a cultura e a política, como se os processos educativos acontecessem de maneira isolada e desintegrada da realidade social. Por isso, a necessidade de pensar o desenvolvimento da educação (escola)
 ao mesmo tempo em que se pensa o desenvolvimento do sujeito e da sociedade, pois são interdependentes. Só assim poderemos superar os desafios impostos pelos fatores externos e internos dos quais tratamos anteriormente.
Alguns teóricos que estudaram o processo de desenvolvimento e aprendizagem humano, defendem diferentes concepções acerca do desenvolvimento do sujeito e da sociedade. A seguir, destacaremos algumas delas.
A concepção de Freud
Sigmund Freud nasceu em Freiberg, na Morávia, em 6 de maio de 1856, e morreu em 23 de setembro de 1939, aos 83 anos, em Londres. Apesar de ter se formado em Medicina, não se sentia à vontade nesta profissão, porém destacou‑se como um excelente clínico e criador da psicanálise.
Para a medicina em si mesma não sentia nenhuma atração direta. Não escondia ele, anos mais tarde, que nunca havia estado à vontade na profissão médica, e que não se sentia como um membro regular dessa profissão. [...] Apesar disso, o mundo saudou‑o corretamente, entre outros atributos, como um grande clínico. (Jones,1975, p. 61)
Seu interesse inicial era pesquisar as causas das doenças mentais (neuroses e psicoses). A obra do médico foi influenciada pelo modelo cartesiano de ciência, embora ele discordasse dos racionalistas em relação à razão humana, pois acreditava que o homem é fortemente comandado pelo inconsciente (conteúdos reprimidos – não presentes – da consciência pela ação de censuras internas) e por forças instintivas.
Para Freud (1974), todo comportamento humano é superdeterminado, ou seja, nossos atos (mesmo os que parecem ocorrer ao acaso) estão relacionados a uma série de causas, das quais frequentemente não temos consciência. O psiquiatra também defende a tese de que a frustração é necessária ao desenvolvimento saudável dos sujeitos, que necessitam se “conformar” com a realidade, aceitando leis e regras necessárias para se viver em sociedade. Isso não significa que a criança deva “aprender pela coerção”, mas sim que a educação deve ser prazerosa, porém com limites. O desenvolvimento e a aprendizagem da criança necessitam ser estimulados afetivamente, levando em conta o desejo desta, porém não se deve confundir afetividade com permissividade ou, por outro lado, a repressão, a violência e o castigo não educarão a criança adequadamente, é necessário uma relação de respeito e amizade para ensinar significativamente.
A concepção de Skinner
Burrhus Frederic Skinner (1904‑1990) nasceu em Susquehanna, na Pensilvânia, em 20 de março de 1904, e formou‑se em ­Letras, mas foi um grande estudioso da psicologia, influenciando estudos em todo o mundo. As pesquisas de Skinner analisavam o comportamento observável, sem se preocupar com os processos internos – fisiológicos e mentais, enfatizando apenas a importância dos processos externos – ambientais. Apesar de esse autor não ignorar a existência da subjetividade humana, acreditava que apenas os processos objetivos e observáveis do comportamento humano fossem passíveis de estudo e validade científica (Schultz; Schultz, 2007).
Apesar de seu trabalho ter sofrido muitas críticas e contestações, trouxe contribuições significativas para a educação. Skinner explicita propostas para a formação de professores, assim, todas as suas obras relativas à educação analisam o papel fundamental do professor no planejamento das condições de aprendizagem. Podemos sintetizar quatro pontos básicos que norteiam o processo de ensino‑aprendizagem a partir da concepção desse autor (Skinner, 1975):
Para usar adequadamente os “instrumentos” do ensino, independentemente de quais sejam eles e quais deles estejam disponíveis no momento do ensino, o professor deve tomá-los comoreferência para instalar mudanças no aluno, possibilitando‑o, assim, se comportar de maneira mais eficiente e diferente da que acontecia antes do processo de ensino.
O professor deve conhecer as possibilidades do estudante, em termos comportamentais (sob quais contingências seu comportamento está sendo mantido), tomando‑as como condição prévia para planejar um ensino eficiente, que elimine dificuldades desnecessárias para o aluno.
O professor necessita conhecer e estabelecer os objetivos do processo de ensino, de modo que eles interfiram relevantemente no comportamento do aluno.
O professor precisa dominar o conteúdo a ser utilizado no processo de ensino.
O behaviorismo orienta o ensino tecnicista de educação, propondo: planejar e organizar de forma racional as atividades acadêmicas; operacionalizar os objetivos; parcelar o trabalho, especializar as funções; ensinar por computadores e teleaulas e procurar tornar a aprendizagem mais objetiva. Contudo, é preciso ter em mente que isso não pode significar ou levar, evidentemente, as instituições a formatar “robôs” sem autonomia, supervalorizando a técnica como meio de produção, pois se corre o risco de empobrecer o significado real dessa dimensão, separando‑a, isolando‑a como apenas um fazer e a descolando do “pensar para fazer”. Isso gera uma mecanização, a reprodução sem reflexão, causando a alienação do estudante.
A concepção de Piaget
Jean Piaget nasceu em 9 de agosto de 1896, em Neuchâtel, Suíça, filho de um meticuloso e crítico estudioso de história medieval e de uma devota religiosa. Em 1915, Piaget licenciou‑se em Ciên­cias Naturais e em 1918 fez tese de doutoramento na área de biologia, ocasião em que entrou em contato com as discussões da Teoria da Evolução de Darwin. Além da biologia, interessou‑se também por religião, sociologia, psicologia e filosofia. Piaget estudou o desenvolvimento cognitivo de seus filhos e foi baseado nessas observações e em seus estudos que ele escreveu alguns de seus livros sobre o desenvolvimento da inteligência na primeira infância (Costa, 2003).
A epistemologia genética de Piaget tem como foco principal o sujeito epistêmico, ou seja, o sujeito que constrói conhecimentos. Ao refletir sobre esse processo de aprendizagem no decorrer do desenvolvimento humano, Piaget parte da relação entre o sujeito e o objeto (meio físico e social), postulando que estes estabelecem contínuas relações entre si, em que um constitui o outro mutuamente.
Na epistemologia genética, Piaget aborda o processo de construção do conhecimento pelo sujeito, do nascimento até a idade adulta, contudo, seu enfoque principal é no desenvolvimento infantil. Segundo Stoltz (2001, p. 6), “a partir da perspectiva piagetiana vemos a discussão da construção do conhecimento enfatizando cada vez mais o papel das interações sociais em seu processo”. Nesse sentido, “Piaget aborda a importância das transmissões e interações como um dos fatores indispensáveis, essenciais da construção da inteligência do ser humano, juntamente com a maturação orgânica, a experiência física e o processo de equilibração” (Stoltz, 2001, p. 6).
Para Piaget, a aprendizagem acontece por meio de constantes processos de equilibração e desequlibração. Diante de uma nova aprendizagem, ocorre o desequilíbrio (ou desadaptação), o qual mobiliza uma necessidade, uma ação do sujeito. Diante desse acontecimento, entram em ação dois mecanismos que contribuirão para que as estruturas do sujeito se desenvolvam e voltem a se equilibrar: a assimilação e a acomodação à nova aprendizagem.
O primeiro desses conceitos, a assimilação, é definida por ­Piaget (citado por Costa, 2003, p. 13) como “uma estruturação por incorporação da realidade exterior a formas devidas à atividade do sujeito”; explicando, podemos dizer que é a tentativa do sujeito de resolver uma situação‑problema por meio dos esquemas que já construiu até o momento, não implicando, portanto, em nenhuma mudança em sua estrutura cognitiva. Já a acomodação “é a combinação de esquemas ou modificação de esquemas para resolver problemas que venham de experiências novas dentro do ambiente” (Costa, 2003, p. 13), ou seja, é a necessidade de o sujeito se modificar para superar a situação‑problema. A modificação dessa estrutura cognitiva consiste na criação de um novo esquema ou transformação dos esquemas já adquiridos. Outro conceito importante na teoria piagetiana é o de adaptação, definida como um momento de equilíbrio nas trocas do sujeito com o meio físico e social. Esse equilíbrio é sempre instável, posto que surgem novos desafios na interação entre sujeito e meio físico e sociocultural. Por conseguinte, diante de uma situação de desafio, o equilíbrio é perdido e, com isso, o sujeito entra em uma situação de desequilíbrio (ou desadaptação). Para recuperar o equilíbrio perdido, ele precisará mobilizar os dois mecanismos estudados anteriormente: a assimilação e a acomodação.
Nas palavras de Piaget (2006, p. 156‑157), “a adaptação é um equilíbrio – equilíbrio cuja conquista dura toda a infância e adolescência e define a estruturação própria desses períodos da existência – entre dois mecanismos indissociáveis: assimilação e acomodação”.
Segundo esse autor:
a adaptação intelectual é então, o equilíbrio entre a assimilação da experiên­cia às estruturas (mentais) dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência. De uma maneira geral, a adaptação supõe uma interação tal entre o sujeito e o objeto, que o primeiro possa incorporar a si o segundo levando em conta as suas particularidades; a adaptação é tanto maior quanto forem melhor diferenciadas e mais complementares essa assimilação e essa acomodação. (Piaget, 2006, p. 157)
Assim, a adaptação resulta do equilíbrio sempre instável entre a assimilação e a acomodação, dois mecanismos que não se separam, um não ocorre sem o outro. A interação entre esses dois mecanismos promove a modificação e/ou criação de novos esquemas mentais que permitirão uma condição maior e melhor para o sujeito interagir com o mundo e, consequentemente, ­adquirir novos conhecimentos, por meio do que Piaget denomina adaptação intelectual.
A concepção de Vygotsky
Lev Semenovich Vygotsky, professor e pesquisador, foi contemporâneo de Piaget, nasceu em 1896 na cidade de Orsha, Bielo‑Rússia e faleceu prematuramente em 1934, na cidade de Moscou, vítima de tuberculose. Sua família era de origem judaica, estável economicamente, e propiciava‑lhe um ambiente intelectual muito favorável; sua mãe, como professora, incentivava a leitura de romances, críticas de arte, filosofia, entre outras áreas do conhecimento. Vygotsky possuía uma grande capacidade intelectual e aos dezessete anos, apesar das restrições preconceituosas impostas aos judeus para frequentarem a universidade, conseguiu se formar em Direito. A frequência à universidade favoreceu o contato com intelectuais e os estudos em filosofia e em economia política. Estudou autores como Spinoza, Marx e Engels, que marcaram suas ideias e trajetória (Nunes, 2009).
Vygotsky buscava a compreensão do desenvolvimento dos processos psicológicos, os quais se dividem em: elementares (reações automáticas, ações reflexas e associações simples – origem biológica) e funções psicológicas superiores (capacidade de planejamento, memória e imaginação). De acordo com Vygotsky (citado por Rego, 1995, p. 39), os processos psicológicos superiores “não são inatos, eles se originam nas relações entre indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo do processo de internalização de formas culturais de comportamento. Diferem, portanto, dos processos psicológicos elementares (presentes na criança pequena e nos animais)”. Dessa forma, Vygotsky “se dedicou ao estudo das chamadas funções psicológicas superiores, que consistem no modo de funcionamento tipicamente humano” (Rego, 1995, p. 39). Tais funções constituem o homem ao longo de sua história, enquanto espécie humana e como história individual. De acordo com Lúria (citado por Rego, 1995, p. 41) “as funções psicológicas superiores doser humano surgem na interação dos fatores biológicos, que são parte da constituição física do Homo sapiens, com os fatores culturais, que evoluíram através das dezenas de milhares de anos de história humana”.
Segundo as ideias de Vygotsky, o homem deve ser considerado sob várias óticas:
Filogênese – O homem enquanto espécie (aspectos biológicos da espécie).
Sociogênese – O homem em agrupamentos coletivos (convivência com outros homens), sociais, em torno de uma atividade (trabalho) que permita a sobrevivência da própria espécie e do próprio sujeito enquanto ser. Dessa organização social do trabalho surge a linguagem.
Ontogênese – O homem enquanto ser individual. Ela qualifica o sujeito, interpreta esse sujeito e seu contexto histórico e sociocultural.
Microgênese – Diz respeito ao que será observado nesse sujeito (o homem).
De acordo com Rego (1995), nessa concepção histórico‑cultural o homem só se constitui homem na convivência, na interação com o outro (homem); ou seja, quando interage com o meio físico e o meio social. Para atuar no meio físico, o homem necessita de mediadores, os instrumentos, que geram os produtos do trabalho humano e, consequentemente, modificam a natureza, pois deve haver uma organização social. Para atuar no meio social, o homem também necessita de instrumentos, os quais modificam o próprio homem; esses instrumentos são os signos e simbolizam tudo o que pode ter significado. Exemplos: sistema numérico, arte, escrita, linguagem, entre outros. Ou seja, o homem aprende continuamente a se relacionar com os outros seres humanos, e a educação tem um papel crucial neste processo.
De acordo com Nogueira (2009, p. 19):
o processo de ensino‑aprendizagem possui um papel de destaque em nossas reflexões, pois é esse processo que permitirá ao homem passar de geração a geração seus conhecimentos, métodos e técnicas para transformar a realidade natural, que antecede sua existência, em uma realidade histórica e cultural, modificada e marcada diretamente por sua atividade no mundo. 
Sob essa perspectiva, como afirma Leontiev (1978, p. 267), “cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É‑lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana”.
Por tudo isso, cada um de nós tende a aprender de múltiplas e diferentes maneiras, construindo ativamente os conhecimentos (escolares ou não) nas interações com os outros ao longo de toda a vida.
Síntese
Neste capítulo, estudamos, de maneira breve, a perspectiva ocidental da história da aprendizagem formal, que ocorreu desde a Grécia Antiga, fundamentada nos pilares filosóficos de grandes nomes como Sócrates, Platão, Aristóteles; passando pela Idade ­Média, com nomes como Santo Agostinho e São Thomas de Aquino; a Idade Moderna, com Francis Bacon, René Descartes e Jean Jaques Rousseau; o período contemporâneo, com Hegel, Marx e Engels até os dias atuais. Destacamos também a crise do ensino‑aprendizagem na educação brasileira atualmente, devido ao problema da qualidade do ensino, agravado por situações preocupantes, tais como: violência, desrespeito, dificuldades de aprendizagem, insatisfação em relação aos salários, desânimo, condição socioeconômica precária etc. Em seguida, apresentamos as concepções de quatro grandes estudiosos do desenvolvimento humano, a saber: Piaget, Vygotsky, Skinner e Freud, e suas contribuições para o processo de ensino‑aprendizagem, destacando a importância das interações entre o indivíduo e o meio sociocultural e histórico em que ele vive. Também explicitamos que é por meio da aprendizagem que o indivíduo se apropria de algo novo, apreende um novo conhecimento, de modo que este passa a fazer parte dele. Assim, chegamos à conclusão de que, além de a aprendizagem ser muito importante para cada pessoa individualmente, é de grande relevância para a humanidade, pois é por meio dela que as novas gerações se apropriam de saberes já dominados pela cultura.
Indicações culturais
Filmes
B. F. Skinner. Direção: Régis Horta. Brasil: Paulus, 2007. 40 min. (Coleção Grandes Educadores).
Documentário apresentado pela professora Maria Martha Costa Hubner que retrata a vida e a obra de Skinner, de forma clara e objetiva.
FREUD além da alma. Direção: John Huston. EUA: Versátil Home Vídeo, 1962. 140 min.
O filme apresenta as descobertas teóricas revolucionárias de Freud em articulação com alguns acontecimentos da sua vida, mostrando os conflitos vividos pelo psicanalista em Viena no início de sua carreira (século XIX).
JEAN Piaget. Direção: Régis Horta. Brasil: Paulus, 2006. 57 min. (Coleção Grandes Educadores).
Documentário apresentado pelo professor Yves de La Taille, da Universidade de São Paulo (USP), discutindo de forma bastante clara e didática os principais conceitos da teoria piagetiana e sua obra.
LEV Vygotsky. Direção: Régis Horta. Brasil: Paulus, 2006. 45 min. (Coleção Grandes Educadores).
Documentário apresentado pela professora Marta Kohl, da USP, retratando a vida e a obra de Vygotsky a partir dos principais conceitos do pensamento deste.
Atividades de autoavaliação
1. A perspectiva ocidental do processo de ensino‑aprendizagem teve início há muitos séculos, na Grécia Antiga. Sobre essa perspectiva, assinale a alternativa correta:
O ensino e a aprendizagem escolar tiveram início alguns séculos depois de Cristo, no chamado Período Clássico ou ­Antiguidade.
O filósofo Platão, discípulo de Sócrates, fundou o Liceu, sendo esta uma das primeiras instituições de ensino do mundo ocidental.
Aristóteles fundou a Academia por volta de 335 a.C., a qual também era uma escola filosófica, em que os estudantes aprendiam por meio da lógica, da observação e da experiência.
Após o Período Clássico, já na Idade Média, as instituições escolares baseavam seus ensinamentos na supremacia da fé católica, em detrimento da razão.
2. Na chamada Idade Moderna, a qual durou de meados do século XV até o fim do século XVIII, destacaram‑se alguns filósofos e algumas ideias. Assinale a alternativa que apresenta o estudioso que não teve destaque durante esse período:
Francis Bacon (1561‑1626), com seu método experimental.
René Descartes (1596‑1650), com uma visão mecanicista e racional do homem.
Jean Jaques Rousseau (1712‑1778) que abriu caminho para o romantismo, criticando os excessos existencialistas.
Nesse período enfatiza‑se um processo de ensino‑aprendizagem baseado no condicionamento (aprendizagem mecânica – estímulo – resposta).
3. Alguns teóricos que estudaram o processo de desenvolvimento e aprendizagem humanos defendem diferentes concepções acerca do desenvolvimento do sujeito e da sociedade. De acordo com a concepção freudiana estudada neste capítulo, assinale (V) para verdadeiro e (F) para falso:
Todo comportamento humano é superdeterminado, ou seja, nossos atos estão relacionados a uma série de causas, das quais frequentemente não temos consciência.
A frustração é necessária ao desenvolvimento saudável dos sujeitos, que necessitam se “conformar” com a rea­lidade, aceitando leis e regras necessárias para se viver em sociedade
A criança deve “aprender pela coerção”, pois a educação deve ser prazerosa, porém com limites.
O desenvolvimento e a aprendizagem da criança necessitam ser estimuladas afetivamente, levando em conta o desejo desta, porém não se deve confundir afetividade com permissividade.
4. Assinale a alternativa que completa a frase: “A epistemologia genética de Piaget tem como foco:
o sujeito epistêmico, ou seja, o sujeito que constrói conhecimentos.
o processo de construção do conhecimento pelo sujeito, com enfoque principal no desenvolvimento adulto.
a relação entre o sujeito e o objeto meio físico e social.
o processo de construção do conhecimento pelo sujeito, do nascimento até a idade adulta, com enfoque no desenvolvimento infantil.
5. De acordo com a teoria de Vygotsky, o homem deve ser considerado sob várias óticas. Assinale (V) para verdadeiro e (F) para falso de acordocom as ideias desse autor.
Filogênese – O homem enquanto gênero (aspectos biológicos da espécie).
Sociogênese – O homem em agrupamentos coletivos (convivência com outros homens).
Ontogênese – O homem enquanto família – ela qualifica o sujeito, interpreta esse sujeito e seu contexto histórico e sociocultural.
Microgênese – Diz respeito ao que será observado nesse sujeito (o homem).
Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Reflita sobre os pontos positivos e negativos da lei que assegura a todos, independente de raça, sexo, cor, idade ou classe social, o direito (ou a obrigatoriedade) aos primeiros anos de escola.
2. Como estudamos neste capítulo, em relação ao analfabetismo no Brasil, os números das pesquisas traduzem a exclusão social no país. Itens como cor, etnia, sexo, idade, endereço e condição econômica provêm de fatores internos e de fatores externos. Produza uma síntese pessoal sobre esses fatores (ilustre com exemplos da sua própria vivência pessoal e escolar).
Atividade aplicada: prática
Rememore sua trajetória desde os primeiros anos escolares até a pós‑graduação e tome nota de como aconteceu esse processo em cada uma das etapas (ensino fundamental, médio e superior). Em relação ao conteúdo estudado nas diferentes concepções de aprendizagem (Skinner, Freud, Piaget e Vygotsky), defina qual apresenta uma melhor semelhança com o que você viveu, e qual apresenta maior relação com o que pensa e pratica em seu dia a dia, seja no âmbito do trabalho ou no ambiente familiar.
2. Dificuldades de aprendizagem: um olhar 
psicopedagógico
Neste capítulo, abordaremos as dificuldades de aprendizagem, apresentando conceitos e caracterizações sobre as dificuldades na visão de vários teóricos que se debruçaram sobre o tema. Nosso objetivo neste momento é estudar o conceito, a caracterização e a terminologia adotados por diversos estudiosos ao tratar o tema em questão, tais como: problema de aprendizagem, déficit, distúrbio, transtorno, obstáculos, fracasso etc., buscando identificar se há ou não diferenças entre eles ou se são sinônimos.
O ensino formal, que prima e prioriza o racional, o igual, a cópia, a receptividade, o individualismo, a competição e o autoritarismo, assim como os meios de comunicação que expelem modelos prontos, sem espaço para o desenvolvimento criativo da criança, precisa ser superado radicalmente, pois, definitivamente, a educação não deve estar relacionada simplesmente à transmissão de conteúdos e ao estabelecimento de modelos a serem seguidos. Parece um contrassenso, já que é justamente isso o que vem acontecendo em vários espaços educativos.
Os educadores devem procurar novos caminhos e alternativas para todo esse delicado processo de aprender, para que os estudantes não sejam obrigados a se tornarem copistas que fazem as coisas por fazer ou para passar de ano, cumprindo uma obrigação desmotivante e castradora. É necessário que o estudante sinta‑se bem, é preciso que ele tenha prazer em aprender.
Uma educação voltada para os aprendizes deve levar em conta o desejo e a curiosidade destes em relação às coisas novas ou ao que se quer aprender” e procurar desenvolver cada vez mais o espírito critico e a consciência autônoma. Nesse momento, os educadores precisam buscar a parceria com os pais, a direção e os coordenadores da escola, com os outros professores e, principalmente, com os estudantes. É necessário que o educador assuma seu papel de “companheiro de viagem” do educando, abrindo trilhas e apontando caminhos na busca do conhecimento, mas cabe ao educando escolher seus próprios caminhos.
Todavia, nesse caminhar, é importante que os professores, diretores, coordenadores, estudantes, pais e todos os envolvidos no processo de ensino‑aprendizagem compreendam o que são as dificuldades de aprendizagem e como podem, juntos, superá‑las. A seguir, falaremos dessas e de outras questões, buscando apresentar novas possibilidades para lidar com o problema, por meio de um olhar psicopedagógico.
2.1 
O que são as dificuldades de aprendizagem: conceito e caracterização
Neste ponto, é necessário definir o conceito de dificuldade de aprendizagem, também denominado por alguns estudiosos como problema de aprendizagem, distúrbio, transtorno de aprendizagem ou ainda fracasso escolar. Mas será que todos esses termos são adequados? O que significa cada um deles? Há diferenças entre essas expressões ou são sinônimas?
Essas e outras questões necessitam ser esclarecidas para que possamos dar continuidade aos nossos estudos. Para tanto, propomos a análise das colocações de autores que abordam esse tema, respondendo às dúvidas aqui levantadas de maneira clara e ­objetiva.
Segundo o documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008, intitulado Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, a terminologia adotada deve ser Transtornos Funcionais Específicos (Brasil, 2008).
 De acordo com esse documento:
A escola historicamente se caracterizou pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da educação se evidencia o paradoxo inclusão/exclusão, quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos processos de segregação e integração que pressupõem a seleção, naturalizando o fracasso escolar. A partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, decorre uma identificação dos mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação e produção das desigualdades. Essa problematização explicita os processos normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar. ­(Brasil, 2008, p. 6, grifo nosso)
Além disso, o documento coloca que:
Consideram‑se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. [...] Dentre os transtornos funcionais específicos estão: dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros. As definições do público alvo devem ser contextualizadas e não se esgotam na mera categorização e especificações atribuídas a um quadro de deficiência, transtornos, distúrbios e aptidões. Considera‑se que as pessoas se modificam continuamente transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, enfatizando a importância de ambientes heterogêneos que promovam a aprendizagem de todos os alunos. (Brasil, 2008, p. 15)
Em consonância com essas ideias, Nunes e Silveira (2008, p. 176) destacam que:
O conceito de fracasso escolar é algo mutável e está profundamente conectado com os conhecimentos demandados pela sociedade, em um período histórico específico. Uma criança que fracassa é alguém que, em determinado momento e na avaliação da escola, não consegue aprender o que a instituição espera que aprendam os alunos de sua idade, necessitando de medidas concretas para corrigir a situação. Isso demonstra que o fracasso escolar não se limita apenas ao não aprender por parte do aluno. É também o reconhecimento oficial, a legitimação desse não aprender, é o que diz a escola a esse respeito. [grifo nosso]
Segundo Rovira (citado por Nunes e Silveira, 2008, p. 176‑177), “a expressão fracasso escolar é a mais conhecida e difícil de ser substituída, emboraseja um termo excludente, por não deixar nuances”(grifo do original). Ainda de acordo com esse autor, “fala‑se em fracasso escolar de uma maneira global, como se o aluno fracassasse em sua totalidade, ou seja, como se não progredisse em nada durante os anos escolares, no que tange aos seus conhecimentos ou seu desenvolvimento pessoal e social” [grifo nosso].
Para Cordié (citado por Bossa, 2002, p. 18):
O fracasso escolar é uma patologia recente. Só pôde surgir com a instauração da escolaridade obrigatória no fim do século XIX e tomou um lugar considerável na preocupação de nossos contemporâneos, em consequência de uma mudança radical na sociedade […] não é somente a exigência da sociedade moderna que causa os distúrbios, como se pensa muito frequentemente, mas um sujeito que expressa seu mal‑estar na linguagem de uma época em que o poder do dinheiro e o sucesso profissional são valores predominantes […].[grifo nosso]
Para Paz (citado por José; Coelho, 2008, p. 23):
podemos considerar o problema de aprendizagem como um sintoma, no sentido de que não aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa numa constelação peculiar de comportamentos, […]. Além disso, os autores que se dedicam a esse assunto usam os termos problema e distúrbio de maneira indiscriminada. [grifo nosso]
Em relação à expressão problemas de aprendizagem, Nunes e Silveira (2008, p. 175) propõem uma síntese, destacando sete tipos de problemas de aprendizagem mais comuns na atualidade: dislexia – déficit no reconhecimento e na compreensão de textos escritos; dislalia  – dificuldades na articulação, omissões ou trocas de um ou vários fonemas; disfasia  – atraso no início da fala disortografia – dificuldades no grafismo; disgrafia – dificuldades com a estrutura escrita, sintaxe, pontuação, posição das letras, organização dos parágrafos etc.; discalculia – dificuldades com o raciocínio lógico‑matemático; Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) – dificuldades em manter a atenção controlar os impulsos e inquietação motora.
O conceito de dificuldade de aprendizagem, adotado nesta obra foi instituído por Samuel A. Kirk, em 6 de abril de 1963, na conferência denominada Conference on exploration into problems of the perceptually handicapped child. Por conseguinte, Sánchez (2004, p. 13) afirma que “o conceito de aprendizagem é propriamente norte‑americano e canadense de origem”.
Kirk (1962, p. 263), afirma que:
Uma dificuldade (ou distúrbio) de aprendizagem refere‑se a um atraso, desordem ou retardo do desenvolvimento em um ou mais processos da fala, leitura, escrita, aritmética ou outro resultado escolar do sujeito causado por uma desvantagem psicológica devido a uma possível disfunção cerebral e/ou distúrbios emocional ou comportamental. Ela não é o resultado de retardo mental, privação sensorial ou de fatores culturais e educacionais. [Grifo nosso]
Segundo García Sánchez (citado por Nunes; Silveira, 2008, p. 174), “a definição mais aceita entre os estudiosos do tema tem sido a de um conjunto heterogêneo de transtornos que se expressa no campo da linguagem, da leitura, da escrita e das habilidades matemáticas, que podem aparecer ao longo do ciclo vital” [grifo nosso].
Alguns autores fazem uso de mais de uma terminologia na mesma definição do conceito, como é o caso de Drouet (2000, p. 93):
Todos os distúrbios – da fala, da audição, emocionais, do comportamento etc. – têm sua origem em causas diversas, porém todos eles se constituem em obstáculos à aprendizagem, prejudicando‑a ou mesmo impedindo‑a. São, portanto, problemas dentro do processo de ensino‑aprendizagem. [Grifo nosso]
Barbosa (2006, p. 53) também utiliza mais de um termo em suas colocações, como vemos a seguir
Estar com dificuldade para aprender […] significa estar diante de um obstáculo que pode ter um caráter cultural, cognitivo, afetivo ou funcional e não conseguir dar prosseguimento à aprendizagem por não possuir ferramentas, ou não poder utilizá‑las, para transpô‑lo. [Grifo nosso]
Outro autor que também usa mais de um termo em suas discussões sobre a terminologia é Ross (1979, p. 13‑14), ao dizer que distúrbios de aprendizagem é uma expressão que desperta a atenção para a existência de crianças que frequentam escolas e apresentam dificuldades de aprendizagem, embora não aparentem defeito físico, sensorial, intelectual ou emocional [Grifo nosso].
Por conseguinte, compreendemos, a partir das colocações e dos pontos de vistas dos autores, que há uma variedade de termos quando o assunto é a dificuldade de aprendizagem, porém, é necessário salientar neste momento que todas essas nomenclaturas, por mais que possam apresentar formas diversas de abordar as dificuldades, exigem uma investigação diagnóstica clínica aprofundada, realizada por uma equipe de especialistas que vai desde o psicopedagogo, passando pelo psicólogo, o neurologista, o fonoaudiólogo etc. Só a partir de uma avaliação dessa equipe multidisciplinar será possível vislumbrar o não aprender de maneira profissional e acertada para que não haja julgamentos precipitados e preconceituosos, visto que, em alguns casos, não raros, alguns alunos taxados como disléxicos, desatentos, hiperativos etc. não o são.
O que queremos dizer é que o processo de aprendizagem é um processo bastante complexo e delicado, porém é muito saudável que haja dúvidas, desequilíbrios, dificuldades e adaptações para se assimilar e acomodar novos conhecimentos. Como estudamos a partir das contribuições de Piaget, no capítulo anterior, esse é um caminho adequado para se aprender.
Tal complexidade do processo de aprendizagem humana leva Visca (1987) a concebê‑lo sob quatro diferentes níveis, denominados por ele de esquema evolutivo da aprendizagem, estendendo‑se do nascimento até a morte do indivíduo:
Protoaprendizagem ou 1º nível de aprendizagem – É a aprendizagem das primeiras relações vinculares, interação entre a criança e a mãe.
Deuteroaprendizagem ou 2º nível de aprendizagem – Apreensão da cosmovisão do grupo familiar.
Aprendizagem assistemática ou 3º nível de aprendizagem – Aquisição instrumental das técnicas e recursos que permitem o desempenho numa comunidade restrita.
Aprendizagem sistemática ou 4º nível de aprendizagem – Dá-se na interação com reativos particulares selecionados, ou seja, as instituições escolares, que a sociedade veicula através de instituições de educação infantil, ensino fundamental, médio e superior.
Segundo esse autor, se a criança estabelece um vínculo negativo em qualquer uma dessas etapas de sua vida, poderá gerar consequências em seu desenvolvimento, de maneira parcial ou total, produzindo déficits ou obstáculos à aprendizagem. De acordo com os estudos de Visca (1987), esse déficit pode ser organizado didaticamente em quatro tipos de obstáculos à aprendizagem:
Epistemológico – Conceito de Bachelard retomado por Pichon Rivière que consiste na resistência em aceitar todo conhecimento que se encontre em contradição com a concepção do mundo e da vida.
Epistemofílico – Conceito de origem psicanalítica, também utilizado por Pichon Rivière, que consiste na dificuldade em aceitar todo conhecimento novo por medo da indiscriminação, do ataque ou da perda, ou seja, são “as causas emocionais” (Visca, 2008, p. 19) que podem gerar dificuldades de aprendizagem.
Epistêmico – Conceito derivado da teoria piagetiana, de acordo com o qual cada sujeito epistêmico possui uma determinada estrutura cognitiva que delimita o nível de conhecimento que pode adquirir em função das operações que dispõe.
Funcional – Os obstáculos funcionais são as formas como se dá o pensamento do sujeito que, segundo Visca (1987), sofrem uma evolução que permite ao examinador das dificuldades de aprendizagem utilizá‑los como hipótese auxiliar sempre que precise se valer de recursos diagnósticos que não possuam na sua organização os princípios construtivistas, estruturalistas e interacionistas, os quais fundamentam essa visão.
Dessa forma, é preciso que seja feita uma investigação cuidadosa em relação às dificuldadesde aprendizagem da criança, passando por todos os níveis de aprendizagem e buscando averiguar as possibilidades e obstáculos prováveis, não só as consequên­cias vislumbradas em sala de aula: leitura, escrita, compreensão e interpretação de textos, problemas em relação à matemática, à atenção e ao comportamento, pois tais dificuldades podem ser agravadas ou mesmo geradas por questões sociais mais complexas advindas da história particular de desenvolvimento de cada um.
Contudo, como sabemos, no seio da escola a maioria das dificuldades de aprendizagem vem acontecendo em relação a conteúdos específicos: leitura, escrita e matemática, em diferentes fases do desenvolvimento escolar da criança, fato esse que nos instiga a pensar seriamente sobre essa problemática, sem esquecermos, é claro, de que esses são os sintomas, não as causas das dificuldades.
Para tanto, veremos a seguir alguns apontamentos sobre as dificuldades de leitura e escrita e da matemática, destacando a necessidade de não negligenciar questões mais abrangentes, como condições socioeconômicas, culturais, familiares etc., as quais não são sinônimos de dificuldades de aprendizagem, mas nunca devem ser descartadas quando se trata de investigar o problema em profundidade. É mister esclarecer, ainda, que a avaliação diagnóstica clínica da criança deve ser realizada por profissionais especializados e preparados, e não pelo professor da criança. O educador pode ajudar muito, mediando o encaminhamento da criança para a avaliação clínica, conversando e orientando os pais e ajudando os profissionais com informações relevantes acerca da criança, as quais somente ele, em seu convívio diário com os estudantes, será capaz de perceber e apontar, porém o professor, ainda que conheça a fundo seu aluno, não está capacitado para avaliar clinicamente a situação.
Síntese
Neste capítulo, falamos sobre o conceito de dificuldade de aprendizagem e suas múltiplas denominações: problema de aprendizagem, ­déficit, distúrbio, transtorno, obstáculos, fracasso, buscando investigar cada um desses termos à luz de vários autores. Apresentamos também a terminologia adotada pelo documento elaborado a pedido do ministro da educação para a Política Nacional de Educação Especial e Inclusiva. Além de estudarmos essas nomenclaturas, chamamos atenção para o fato de que ainda existem diversas maneiras de nomear as dificuldades, mas o mais importante não são os nomes dados ao problema, e sim a necessidade de se investigar clinicamente as causas: é necessário realizar um diagnóstico multidisciplinar com profissionais como psicopedagogos, psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos etc. Devemos lidar com a situação de forma responsável e assertiva, pois as dificuldades podem, muitas vezes, não estar relacionadas com fatores patológicos, neurológicos, psicológicos, neurolinguísticos ou psicopedagógicos, mas sim com outras questões: familiares, culturais e econômicas. Estudamos também, neste capítulo, sobre a complexidade do processo de aprendizagem e seus diferentes níveis: protoaprendizagem, deuteroaprendizagem, aprendizagem assistemática e aprendizagem sistemática. Vimos ainda que os obstáculos à aprendizagem podem ser os seguintes: epistemológico, epistemofílico, epistêmico ou funcional. Outro ponto de destaque é a importância do professor como mediador, encaminhando e ajudando os especialistas na avaliação diagnóstica clínica.
Indicações culturais
Livro
WEISS, M. L. L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 10. ed. Porto Alegre: ­Artes Médicas, 2004.
Lúcia Weiss apresenta em seu livro uma excelente abordagem sobre várias questões importantes em relação às dificuldades de aprendizagem, entre elas, as causas dos problemas, desmistificando o senso comum de colocar sempre a culpa do fracasso escolar no aluno e apresentando uma gama de fatores internos e externos que corroboram o problema, tais como a linha de trabalho da escola, a metodologia do professor e as influências cognitivas, emocionais, orgânicas, pedagógicas e sociais no processo de ensino‑aprendizagem.
Atividades de autoavaliação
1. Assinale (V) para as afirmações verdadeiras e (F) para as falsas, de acordo com as ideias apresentadas neste capítulo:
Uma educação voltada para os aprendizes deve levar em conta o desejo e a curiosidade para o que se deseja “ensinar”.
Os educadores precisam buscar a parceria com os pais, a direção e os coordenadores da escola, com os outros professores e, principalmente, com os estudantes.
É importante que todos os envolvidos no processo de ensino‑aprendizagem compreendam o que são as dificuldades de aprendizagem e como superá‑las.
Não é necessário definir o conceito de dificuldade de aprendizagem, já que possui vários sinônimos.
2. Segundo as diversas ideias, definições e conceitos defendidos pelos estudiosos que abordam o tema, sintetizados neste capítulo, marque a segunda coluna de acordo com a primeira (a numeração da frase correspondente ao seu autor dentro do parênteses):
O conceito de fracasso escolar é algo mutável e está profundamente conectado com os conhecimentos demandados pela sociedade, em um período histórico específico.
Podemos considerar o problema de aprendizagem como um sintoma, no sentido de que não aprender não configura um quadro permanente, mas ingressa numa constelação peculiar de comportamentos.
A definição mais aceita tem sido a de um conjunto heterogêneo de transtornos que se expressa no campo da linguagem, da leitura, da escrita e das habilidades matemáticas, que podem aparecer ao longo do ciclo vital.
Não é somente a exigência da sociedade moderna que causa os distúrbios, mas um sujeito que expressa seu mal‑estar na linguagem de uma época em que o poder do dinheiro e o sucesso profissional são valores predominantes.
Garcia (citado por Nunes e Silveira, 2009)
Nunes e Silveira (2009)
Cordié (citado por Bossa, 2002)
Paz (citado por Assunção José; Coelho, 2008)
3. Marque com (V) as afirmações verdadeiras e com (F) as falsas, de acordo com as ideias estudadas neste capítulo:
Existe uma variedade de termos quando o assunto é a dificuldade de aprendizagem.
Em relação às dificuldades, é necessária uma investigação diagnóstica clínica aprofundada.
Uma equipe multidisciplinar é formada por psicopedagogos, psicólogos, neurologistas, fonoaudiólogos etc..
Não é muito saudável que haja dúvidas, desequilíbrios, dificuldades e adaptações para se assimilar e acomodar novos conhecimentos.
4. Assinale a afirmação correta em relação aos níveis de aprendizagem:
A protoaprendizagem é a interação entre a criança e professor.
A deuteroaprendizagem é a apreensão da visão do grupo de amigos.
A aprendizagem assistemática é a aquisição instrumental das técnicas e recursos que permitem o desempenho na comunidade;
A aprendizagem sistemática se dá através de instituições educacionais de educação infantil, ensino fundamental, médio e superior.
5. Assinale com (V) as afirmações verdadeiras e com (F) as falsas sobre os seguintes conceitos:
Epistemológico – consiste na resistência em aceitar todo conhecimento que se encontre em contradição com a concepção do mundo e da vida.
Epistemofílico – conceito de origem psicanalítica que consiste na dificuldade em aceitar todo conhecimento novo.
Epistêmico – conceito no qual cada sujeito possui uma determinada estrutura cognitiva que delimita o nível de conhecimento que pode adquirir.
Funcional – conceito no qual as dificuldades de aprendizagem são produzidas por alterações no desenvolvimento das funções do pensamento.
Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Desenvolva um quadro síntese destacando os conceitos estudados neste capítulo: problema de aprendizagem, déficit, distúrbio, transtorno, obstáculos, fracasso. Você conhece outras terminologias? Qual(is) é(são) mais familiar(es) quando se trata do processo de ensino‑aprendizagem? Por quê?
2. A partir do quadro síntese desenvolvido na questão anterior, faça um levantamento de pelo menos cinco fontes de referências,entre livros, artigos, sites, reportagens de jornal e revista, sobre o tema e inicie um pequeno acervo pessoal, o qual deve ser enriquecido ao longo do curso. Isso será muito útil durante seu processo de pós‑graduação, servindo também para consultas e estudos desse tema no futuro.
Atividade aplicada: prática
Nunes e Silveira (2008) propõem uma síntese destacando sete tipos de problemas de aprendizagem mais comuns na atualidade. Faça um esquema com todos os problemas apontados por essas autoras. Em seguida, pesquise em outras fontes (livros, sites, com colegas etc.) outros termos e complete o quadro com pelo menos mais três nomes e definições, às quais não abordamos neste ­capítulo.
3. Transtornos funcionais específicos da aprendizagem: disgrafia, disortografia, dislexia e discalculia
Neste capítulo vamos analisar e discutir alguns dos transtornos funcionais específicos mais comentados nos espaços escolares, relacionados especificamente as dificuldades de aprendizagem, assim como apontar as características de cada um deles para que o psicopedagogo possa compreendê‑los melhor.
Diante da demanda de casos atendidos nos consultórios, assim como durante os atendimentos nas instituições escolares, com afirmativas muito contundentes de que o sujeito que se apresenta ali é disléxico, pelo fato de ainda não saber ler e escrever – não que de fato não o seja –, passamos a nos questionar o quanto a definição de um diagnóstico acaba se tornando mais um rótulo para o aluno que enfrenta um processo de aprendizagem conturbado do que um instrumento de auxílio para solidificar instrumentos para o seu aprendizado. Nesse sentido, este capítulo foi organizado para desmistificar o imaginário das pessoas e, principalmente dos professores sobre os transtornos de aprendizagem.
Nesta parte da obra pretendemos trazer reflexões teóricas e possí­veis esclarecimentos a respeito de cada um desses transtornos, para que tanto professores quanto psicopedagogos – principalmente – não caiam na falácia de nomear o sujeito por suas ­atuais características diante do aprendizado, as quais podem ser de ordem temporária ou não, mas também que poderão ser consequência de outros fatores que não os transtornos específicos de aprendizagem, como afirmamos anteriormente no capítulo dois.
Para tanto, retomemos um dos conceitos de transtornos: segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID‑10), o termo transtorno é utilizado para “indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível, ­ass­o­ciado, na maioria dos casos, a sofrimentos e interferência com funções pessoais” (CID‑10, 1993, p. 5).
No caso dos transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares (F81), o CID‑10 destaca que, para que sejam comprovados tais transtornos, o sujeito deve apresentar os seguintes aspectos:
o início do transtorno deve ocorrer invariavelmente no decorrer da infância; um comprometimento ou atraso no desenvolvimento de funções que são fortemente relacionados à maturação biológica do sistema nervoso central; e, por fim, um curso estável que não envolve remissões (desaparecimentos) e recaídas, que tendem a ser características de muitos transtornos mentais. (CID‑10, 1993, p. 228)
Contudo, diante da última descrição, Colello (1995) nos alerta que não podemos apenas nos prender a ela como algo estanque, pois, se pensarmos exclusivamente dessa forma, podemos cair na falácia de que o ser humano é incapaz de aprender com seus erros, ou seja, a realidade do fracasso do ensino parece irrelevante.
Ou, como descrevem Moojen e Costa (2006), devemos observar que tais aspectos da aprendizagem são classificados em duas categorias: as dificuldades naturais ou secundárias e os transtornos. Como dificuldades naturais, consideramos as dificuldades experimentadas por todos os indivíduos em alguma matéria ou em algum momento da sua vida escolar, “são em geral dificuldades naturais, evolutivas e, portanto, transitórias, que tendem a desaparecer a partir de um esforço maior do aluno ou da ajuda de professor particular” (Moojen; Costa, 2006, p. 105).
Já as dificuldades secundárias são os transtornos que atuam antes no desenvolvimento humano normal e depois na aprendizagem específica. De acordo com as autoras, nesse subgrupo estão incluídas as pessoas com deficiência mental, sensorial e aquelas com quadros neurológicos mais graves ou com transtornos emocionais significativos.
É importante destacarmos que “as dificuldades de aprendizagem secundárias citadas, tanto na área neurológica quanto psicológica, podem ser comórbidas com transtornos de aprendizagem, e isso torna ainda mais complexo o diagnóstico psicopedagógico” (Moojen; Costa, 2006, p. 105). Um exemplo seria a criança que tem um transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) – que será visto detalhadamente no próximo capítulo –, o qual secundariamente afeta sua aprendizagem.
Já os transtornos da aprendizagem, como descritos nos principais manuais internacionais de diagnóstico – CID‑10 e DSM‑IV‑TR (Manual Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais) –, são de três tipos apenas: “da leitura, da expressão escrita (ou soletração) e das habilidades matemáticas (o menos estudado), que se manifestam em três níveis de gravidade: leve, moderado e grave. Este nível grave constitui a chamada dislexia [...]” (Moojen; Costa, 2006, p. 105, grifo nosso).
Diante de tais questões, o uso de instrumentos na avaliação psicopedagógica, segundo Moojen e Costa (2006), gera algumas controvérsias, pois certos profissionais acreditam que os instrumentos devem ser utilizados apenas para rotular o sujeito, encaixando‑o em um “perfil esperado”. Em contrapartida, existe outro grupo de profissionais que acredita que os instrumentos de avaliação são um recurso para entender o funcionamento cognitivo e nortear a intervenção – como qual as autoras desta obra coadunam com as ideias.
Nessa perspectiva, a avaliação psicopedagógica abrange aspectos tanto quantitativos quanto qualitativos. Os primeiros referem‑se às informações sobre habilidades específicas ou aquisições de indivíduos em comparação a seus pares de mesma idade. [...] A grande vantagem dessa abordagem é permitir a retestagem com confiabilidade e validação [...]. (Moojen; Costa, 2006, p. 107)
Quantos aos aspectos qualitativos, estes estão relacionados às habilidades e estratégias necessárias para completar uma tarefa. De acordo com Moojen e Costa (2006), é pela análise dos erros cometidos durante o desempenho de uma tarefa que se possibilita a compreensão das dificuldades apresentadas. Ou seja, a interpretação de tais erros “refletem o tipo de processamento de informações que determinado paciente usa e, dessa forma, o tipo de intervenção a ser desenvolvido” (Moojen; Costa, 2006, p. 107).
Posto isso, a partir deste momento descreveremos cada um dos tipos de transtornos funcionais específicos, preocupando‑nos em deixar claro suas definições, características e como se dá a atuação do psicopedagogo ante a tais transtornos.
3.1 
Da linguagem normal aos transtornos de liguangem oral e escrita e matemática
Notamos que hoje há um crescente interesse no campo da neurociência, assim como das áreas de fonoaudiologia, pedagogia, psicologia, entre outras, nos estudos ligados ao aprendizado e desenvolvimento da linguagem. Tal preocupação se deve ao aumento do número de transtornos da linguagem na infância.
De acordo com Pedroso e Rotta (2006, p. 131), atualmente:
Os transtornos da linguagem são problemas comuns na infância, com uma prevalência estimada entre 1 e 12%, com média de 5% das crianças pré‑escolares e recém‑entradas na escola, incidindo em 2 a 4 meninos para cada menina.Das crianças com problemas de linguagem com menos de cinco anos, 60% terão algum grau de retardo mental ou distúrbio do aprendizado aos nove anos de idade sendo a dislexia o principal deles, pois 85% dos disléxicos têm ou tiveram comprometimento na linguagem oral.
Para a compreensão,portanto, da natureza e das causas desses transtornos, o psicopedagogo deve possuir, primeiramente, um sólido conhecimento sobre a estrutura básica e o desenvolvimento da linguagem normal, para, em seguida, compreender a evolução dos distúrbios da comunicação humana.
De acordo com Critcheley, citado por Pedroso e Rotta (2006, p. 131), a linguagem é a “expressão e a recepção de ideias e sentimentos”. Ou, em uma definição mais ampliada dos autores, a linguagem é “a forma peculiar que o homem tem de se comunicar com seus semelhantes por meio de símbolos gestuais, orais ou escritos” (Pedroso; Rotta, 2006, p. 132).
Os autores (2006) destacam que, durante o século XIX, pautados nos estudos realizados por Broca, ao dizer que falamos pelo hemisfério esquerdo por este ser considerado a sede da linguagem, teve início o conceito de assimetria hemisférica, ou seja, valorizava-se o fato de haver um hemisfério predominante para cada tipo de função.
Nas palavras dos autores, esse pensamento apontava que:
A função simétrica dos hemisférios cerebrais tem relação com o desenvolvimento, sendo que no recém‑nascido a assimetria hemisférica já está presente e pode ser observada até na vida fetal. No entanto, com o desenvolvimento das funções cerebrais, que vão progressivamente se diferenciando, se tornam cada vez mais claras a assimetria e a especialização hemisférica. (Pedroso; Rotta, 2006, p. 132)
Hoje, no entanto, sabemos que, apesar de o hemisfério esquerdo ser o responsável pelo controle da sequência temporal do ato de falar, na maioria das vezes, as áreas anatômicas da linguagem são mais complexas. Sendo assim, “na criança, portanto, não há centros pré‑formados, senão pré‑formas de organização, que tomam forma à medida que se faz a comunicação” (Pedroso; Rotta, 2006, p. 134‑135). O desenvolvimento da linguagem possui uma sequência quase sempre constante porque depende da programação genética, mas também de ouvir a fala de outras pessoas, o estímulo do ambiente.
Sendo assim, é possível afirmarmos que o processo de desenvolvimento da linguagem tem início com os aspectos semântico e textual. Na sequência vêm os aspectos fonético e fonológico, passando, por último, para o lobo frontal, área que desenvolve as questões gramaticais e pragmáticas. Apesar de a linguagem possuir em seu desenvolvimento etapas bem definidas, Pedroso e Rotta (2006) nos alertam que podem ocorrer variações dentro do normal.
O primeiro passo, portanto, para identificar e/ou avaliar se há alguma questão que comprometa o desenvolvimento da linguagem é realizar uma anamnese detalhada, que busque informações sobre os períodos pré e perinatais, assim como investigar a respeito de doenças e/ou traumatismos de crânio que ocorreram até o momento do atendimento (Pedroso; Rotta, 2006). Durante esse período de investigação faz‑se necessário que, além dos
transtornos específicos da linguagem oral ou disfasias, também sejam introduzidas as possibilidades de alteração da fonação, ou ­disfonias ; da articulação da palavra, como as disartrias e dislalias; os distúrbios do ritmo; a gagueira ; e o retardo no desenvolvimento da fala. (Pedroso; Rotta, 2006, p. 141, grifo nosso)
Agora, mediante ao breve relato de como se dá o desenvolvimento normal da linguagem, partiremos para as definições específicas de cada um dos transtornos específicos da linguagem, assim como suas implicações no processo de aprendizagem do sujeito que o apresenta, e no trabalho psicopedagógico a ser ­desenvolvido.
Disgrafia e disortografia
A escrita é um processo que envolve a conversão de pensamento em símbolos gráficos e sequencias. Assim, conforme descreve Ciasca (2009, p. 185), “a escrita representa não somente a última e mais complexa habilidade adquirida durante o processo de desenvolvimento, mas também é a mais vulnerável a danos, perdas e influências genéticas adversas”.
Assim, se voltarmos um pouco na história da escrita ao longo do processo histórico‑cultural do homem, observaremos que ele criou códigos para expressar os significados que ações, objetos, entre outras coisas, representavam para si em cada uma das épocas pela qual passou na história humana. E, nesse sentido, a escrita pode ser codificada, relacionada ao desenvolvimento e sujeita a certas normas (Ciasca, 2009).
A aquisição da escrita segue, portanto, “uma ordem determinada, começando com a imitação, seguindo para as marcas do papel, cópia de círculos, desenho de objetos, desenho de contornos, interesse por letras, escrita e escrita elaborada propriamente dita” (Gesell, 1981, citado por Ciasca, 2009, p. 186).
De acordo com Ciasca (2009), o processo evolutivo da escrita passa por três fases distintas: a fase pré‑caligráfica, na qual o traçado é tremido, torto ou arqueado e as margens são desordenadas; a segunda fase é a caligráfica, na qual há o aumento de rapidez e regularização da escrita – é feito o esboço de uma definição de estilo; por último vem a fase pós‑caligráfica, em que ocorre a automação da escrita. Constatamos, assim, que as dificuldades de escrita sempre existiram, contudo, somente após os estudos científicos sobre os transtornos de aprendizagem é que estas ganharam destaque.
No caso específico da disgrafia, ela é considerada como a principal dificuldade de escrita manual ou, nas palavras de Ciasca (2009, p. 187):
É considerada como uma falha no processo do desenvolvimento ou da aquisição da escrita. Está relacionada a uma disfunção na inteiração entre dois sistemas cerebrais, que permitem que a pessoa transforme uma atividade mental em linguagem escrita.
Portanto, consideramos uma pessoa com disgrafia aquela que, culturalmente, não consegue produzir uma escrita aceitável, “apesar de possuir nível intelectual adequado, receber instrução também adequada, sem déficits sensoriais e lesões neurológicas específicas, submetido ao mesmo processo de prática da escrita no decorrer de sua formação acadêmica” (Ciasca, 2009, p. 187). Aproximadamente de 3% a 5% das crianças com distúrbios de aprendizagem apresentam disgrafia.
As principais causas da disgrafia são a sequencialização, que implica na falha perceptual, acarretando dificuldades no processamento sequencial da informação recebida e na sua forma de organização, e o processamento. Nesta última causa, as dificuldades de processamento podem ser de origem auditiva, estando relacionadas à aprendizagem e à compreensão da linguagem – aprendizagem verbal –, e de origem visual, estando relacionada às dificuldades no processo visual da informação – aprendizagem não verbal.
Cabe ressaltar que, nos casos de disgrafia, podem‑se perceber, também, distúrbios de motricidade ampla e especialmente fina, bem como distúrbios de coordenação visiomotora, a deficiência da organização temporoespacial, os problemas de lateralidade e direcionalidade.
Segundo Crenitte e Gonçalves (2009) e Rodrigues (2009), a disgrafia é diagnosticada antes do fim da primeira série escolar e, para o diagnóstico desse distúrbio, o psicopedagogo pode recorrer a escalas de avaliação disponíveis na literatura e, após a identificação, proceder a intervenção precocemente de modo a solucionar ou minimizar o problema de caligrafia.
Para Peres, citado por Rodrigues (2009, p. 219), “a reeducação da disgrafia deve ser ampla e abranger os seguintes aspectos: método de relaxamento global e segmentaria, reeducação grafo‑motora, reeducação da letra, sistematização da escrita e exercícios de aperfeiçoamento”.
Diferentemente da disgrafia, a disortografia é a incapacidade para transcrever corretamente a linguagem oral.
Caracteriza‑se pelas trocas ortográficas e confusões com as letras. Esta dificuldade não implica a diminuição da qualidade do traçado das letras. Essas trocas são normais nas primeiras séries [do ensino fundamental], porque a relação entre a palavra impressa e os sons ainda não está totalmente dominada. Porém, após estas séries, se as trocas ortográficas persistirem repentinamente, é importante que o professor esteja atento já que pode se tratar de uma disortografia. (Crenitte; Gonçalves,

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