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O QUE É LITERATURA DE CORDEL? Autor: Stélio Torquato Lima Observação: Os termos em negrito são explicados no final do cordel. Professor, o que é cordel? Perguntam-me aonde vou. De tanto responder isso, Uma ideia me assaltou: O próprio cordel usar Pra resposta divulgar. E, por isso, aqui estou. Numa direção contrária, Sigo para responder A pergunta que me fez Este cordel escrever: Para o meu leitor fiel, Mostro o que não é cordel, Para equívocos desfazer: Não é subliteratura; Não fala só do sertão; Não só semianalfabeto Escreve a obra em questão; Nem só rima pobre tem; Nem só xilo usa também; Não é vendida em cordão. Cordel é literatura Com temas ilimitados. Semianalfabeto o cria; Também o fazem letrados. Qualquer rima pode usar. Mil meios tem pra ilustrar. De formas mil são comprados. E há também quem confunda O folheto com cordel. O primeiro é um suporte, Um meio, cujo papel É a obra divulgar. Num folheto, podem estar Prosa e gêneros a granel. 1 Além disso, o cordelista Pode se utilizar De tantos outros veículos Pra sua obra divulgar, Como as redes sociais, O livro, o CD e mais Suportes que desejar. Após mostrar a vocês O que não é um cordel, Cabe agora lhes dizer, Com um relato fiel, O que ele é de fato. E cumpro, de imediato, O meu honroso papel. Cordel é gênero poético Cuja origem é popular. É narrativo, em geral, Histórias vem a contar. Mas pode ser descritivo Ou ser argumentativo. O autor pode optar. O cordel é popular Mesmo não sendo o autor. Pois é a perspectiva Que determina, leitor, A popular condição. À guisa de ilustração, Dou exemplo encantador. No Auto da Compadecida, Quem faz papel de vilão? O Diabo, um fazendeiro, Um mau bispo e um patrão. Gente que, em outros tempos, Opressão e contratempos Traziam à população. O revanchismo poético Se vê no cordel, assim: Os “inimigos do povo”, 2 Gente bem torpe e ruim, São punidos e enganados Em cordéis muito engraçados Ou até sérios, enfim. Agora quero tratar Das origens do cordel, Questão que tem suscitado Polêmicas, sim, a granel. Sem entrar no mérito disso, Cumpro este compromisso De informar e ser fiel. Com os colonizadores, Chegou o gênero altaneiro. E, com o tempo, o cordel Transformou-se por inteiro, Adaptando-se ao povo, A um cenário bem novo, Ao contexto brasileiro. Na Europa, era cordel Por ser em corda exibido. Era melhor visto assim, Ajudando a ser vendido. Era assim, reforço eu, No continente europeu, Que fique bem entendido. À forma de venda, assim, O termo se referia. Pois, na forma e conteúdo, Um padrão não existia: Textos em prosa ou em verso Com intuito bem diverso Naquelas obras se via. Histórias tradicionais, Rezas, hagiografias, Receitas usando ervas, Populares poesias... Tudo isso e muito mais Se vendiam nos varais Naqueles distantes dias. 3 Mas, aos poucos, no Brasil, Ele foi padronizado: Ganhou regras, estrutura, Foi muito modificado. De modo comercial, Virou gênero, afinal, Como já foi destacado. Pra que o cordel europeu Tivesse transformações, Tanto o índio quanto o negro Deram contribuições De indiscutível valia Pro cordel ganhar, um dia, Novas configurações. Ora, as lendas dos silvícolas (Que são de grande beleza), A religiosidade, Seu saber da natureza E outros itens da cultura Deram à literatura Do povo grande beleza. Da mesma forma, a cultura Que tem matriz africana Levaram ao nosso cordel Muita coisa bem bacana, Como a arte de narrar Dos griots, gente sem-par, Linguagem e fé soberana. Uma primeira mudança Que no Brasil se operou Foi na forma de vender O gênero que aqui chegou, Pois, em vez de usar barbante, O poeta itinerante Outros modos inventou. Muitas vezes, viajando Para as cidades de trem, Precisava de uma forma 4 Que facilitasse bem Levar as obras pras feiras. Escolheu duas maneiras, Que eu informarei também. O surrão foi o primeiro, Pondo no saco de pano As obras que venderia, Tal como era seu plano. Na feira, punha no chão, Sobre o citado surrão, Essas obras o fulano. A segundo era uma mala Com o interior dividido Pra distribuir as obras Que ele havia trazido Para o público comprar. Uma estratégia exemplar Usava o homem sabido: Na minha infância, inda vi Um vendedor de cordel Bater com vara na mala E gritar: “Vai, cascavel!” Curiosidade de sobra Levava à “mala da cobra” O público do menestrel. Com muitos em volta dele, A mala, o poeta abria. Dele tirava um cordel E, com vigor, com energia, Um trecho só recitava Do cordel que apresentava Para a plateia que ouvia. Usar o surrão e a mala Tinha uma vantagem a mais: Quando alguém gritava: “O Rapa!”, Por temer que os fiscais Levassem a mercadoria, Guardava na correria As obras, deixando os tais. 5 Chamavam-se folheteiros Os incríveis vendedores Que divulgam os cordéis Aos potenciais leitores. Mestres na recitação, Com gestos e entonação, Davam ao texto mil cores. Nem todos eram poetas; Alguns apenas vendiam As obras que os cordelistas A eles distribuíam. É ofício em extinção. Já no outro mundo estão Muitos dos que assim viviam. Por não usarem barbantes Pra venda do que criavam, Os primeiros cordelistas De “cordel” nunca chamavam O poema popular. Cabe, assim, aqui citar Alguns dos nomes que usavam: “Foiêto”, “livrim de feira”, “Romance”, “abc”, “folhinha”, “Livro de estória matuta”, “Livro de antiga historinha” “Estória do meu padim”, “Arrecife”, “livrozim”... É grande esta lista minha. Só pelos anos sessenta Do século XX, passado, Foi que o nome de “cordel” Passou a ser adotado Pela força de Cantel, Que veio estudar cordel Em nosso país amado. O cordel regras possui, Sendo gênero de poesia, Assim como a ode, a trova, 6 O soneto, a elegia. Vejam, leitores leais: Tendo 10 versos, jamais Soneto a obra seria. Da mesma forma, nem tudo Que se diz cordel, o é. Se não seguir suas regras, Fica sem cabeça e pé. Eu não sou nenhum purista, Porém cabe ao cordelista Não remar contra a maré. Porque, de fato, o cordel Tem regras bem definidas: Eis uma: os versos da obra Possuem iguais medidas: Conte as sílabas do primeiro; Ficam, até o derradeiro, As quantidades mantidas. Sete sílabas têm em geral (A redondilha maior). Alguns utilizam cinco (A redondilha menor). E há linhas decassílabas, Com dez poéticas sílabas (Regras pra saber de cor). Com quatro tipos de estrofes São escritas as “folhinhas”: Com quatro versos, a quadra; A décima, com dez linhas; Com seis versos, a sextilha, Com sete versos, setilha (Como nestas linhas minhas!). Há somente uma exceção: Se o cordel for de peleja, Os gêneros da cantoria São dados numa bandeja Para seu uso a granel. É possível, em tal cordel, Que nova estrofe se veja. 7 Também carece insistir Ao meu leitor neste instante: Não se utiliza em cordel A dita rima toante. Da tônica até o final, Deve a rima ser total; Deve ser, pois, consoante. A rima, a estrofe e o metro, Do cordel, pilares são. Além delas, é preciso Cuidar bem da oração, Que nos diz da coerência Das ideias em sequência, Pondo o bom senso em ação. Ainda está sem resposta Uma instigante questão: Qual o primeiro cordel Publicado na nação? Respostas são provisórias, Mas informações notórias Algumas pesquisas dão. 1808 É a data da chegada Aqui da Real Família. Nesse ano, é instalada A tipografia aqui. Somente a partir daí Publica-se, camarada. Dizem que já existiam Alguns cordéis manuscritos, Os quais circulavam aqui, Mesmo alguns sendo proscritos. Mas qual cordel brasileiro Foi publicado primeiro? Na mesma pergunta insisto. Já no século retrasado, Publica-se, em 36, O cordel Pedra do Reino, 8 Disse Ariano uma vez. Porém, não se sabe nada Dessa obra mencionada, Informo já pra vocês. Do ano 65 Do século retrasado,Testamento dum macaco, Em Recife, é publicado. Até nova descoberta, Com a data clara e certa, É o mais velho lançado. Esse cordel é anônimo, Não sabemos seu autor. Acerca dos cordelistas Conhecidos, meu leitor, Santaninha é pioneiro Do bom cordel brasileiro, Cabendo a ele o louvor. No Rio Grande do Norte, Nasceu esse cordelista. Pro Ceará se mudou, Onde virou grande artista Da rabeca e poesia. Para o Rio, então, partia, E admiração conquista. Co’ A Guerra do Paraguai; O imposto do vintém; A seca do Ceará; Russinho e outras também, Ele batalhava sério Lá na capital do Império Pra que se exibisse bem. Mesmo não sendo o primeiro A poemas publicar, Leandro Gomes de Barros É o poeta popular De maior honra e laurel, Sendo ele o “pai do cordel” Por sua obra exemplar. 9 Mais de 600 folhetos Publicou o cordelista, Obras muito admiráveis Que estão no topo da lista Pela qualidade incrível. Estão neste alto nível Estes cordéis desse artista: Têm O cachorro dos mortos, Juvenal e o dragão, Testamento do cachorro, Testamento de Cancão, O soldado jogador, A filha do pescador, Casamento a prestação. A qualidade que impôs À poesia popular Tornou Leandro um modelo, Um cordelista exemplar: Regras ele consagrou, E referência deixou Pra quem quer lhe acompanhar. Foi vital para afirmar Este gênero literário. Já João Martins de Athayde, Dito “poeta-empresário”, Veio a ser fundamental Para o êxito editorial Do gênero extraordinário. Determinou como as capas Podiam ser ilustradas; Também definiu os tipos De histórias apresentadas; Redes de distribuição Criou. As vendas, então, Foram bastante ampliadas. Outro grande pioneiro Veio a ser Chagas Batista. Criou o primeiro cânone, 10 Publicando o grande artista A primeira antologia Com cada um que ele via Como grande cordelista. A filha desse poeta, A Maria Pimentel, Foi a primeira mulher A publicar um cordel. Deu-se em mil e novecentos E trinta oito. Atentos, Guardem a data fiel. O violino do Diabo É o cordel referido. Foi assinado com o nome Do seu esposo querido, Que era Altino Alagoano. A razão? De pronto, explano, Cumprindo o que é devido. Naquele tempo, leitor, O machismo dominava. Mesmo filha dum poeta E mulher de quem cantava, Temia não ser aceita. Na obra por ela feita, Assim, pseudônimo usava. Hoje em dia, felizmente, Não mais hesita a mulher A assinar suas obras Com o nome que quiser. Mentalidades machistas Combatem as cordelistas, E aplaudi-las é mister. Entre os tipos de cordel, Cito as biografias, Os ABC, de gracejo, De cangaço, fantasias, Fenômenos da natureza, De heroísmo, de esperteza, De pelejas (Cantorias). 11 Também destaco as figuras Que mais nos cordéis estão: O padrinho padre Cícero, Cangaceiro Lampião, E vão nos mesmos caminhos O Diabo e amarelinhos (Como João Grilo e Cancão). Mais recentemente, surge Uma ranzinza figura: Seu Lunga, o qual entrou na Popular literatura Com o Abraão Batista, Xilógrafo e cordelista Processado àquela altura. Julgo agora interessante Falar dos pontos centrais, Principais características Do cordel, que é bom demais. A primeira que eu aponto É que ele é como o conto, E isso detalho mais: Os dois têm poucos conflitos, E têm pequena extensão. Poucas personagens têm, Poucos locais com ação. É curto o tempo nos dois. Por esses motivos, pois, Têm grande aproximação. Pra narrar em poucas páginas, É bem sucinto o poeta: Evitando os “arrodeios”, Sua linguagem é direta. No necessário focando E a trama simplificando, O poeta alcança a meta. Diálogo co’ a oralidade É outra característica: Bem comum é a presença 12 Duma variante linguística Distante da norma culta Em que o regional avulta Como construção artística. Como já falado, tem Perspectiva Popular. Além disso, como a fábula, Tem um viés exemplar: Sempre o bom é premiado E o mau é castigado Pra lições disseminar. O Nordeste como palco; Um mundo entre Bem e Mal; Rejeição aos flashbacks, Co’ o cordel tradicional Tendendo ao conservadorismo, Com críticas ao modismo E a ênfase na moral. Sua religiosidade Tem caráter popular: Bem mais do que a liturgia Que Roma vem a pregar, Segue uma combinação De fé e superstição, Algo que quero ilustrar: Padre Cícero e Conselheiro, Pela Igreja, excluídos, Foram beatificados Por romeiros convencidos Do ideal de seus profetas. Deles, viraram os poetas Porta-vozes destemidos. Toda área do saber O cordelista visita. Das bases da identidade, Trata de forma bonita. As variantes linguísticas E as fórmulas artísticas Traz de maneira irrestrita. 13 Por isso, é uma fonte Pro estudo da oralidade. E ajuda a trabalhar Com a criatividade. Tanto valores morais Como temas sociais Trata com ludicidade. Não é sem motivo que, Como nunca se viu antes, O cordel é trabalhado Pra motivar estudantes A amarem a leitura, E nossa literatura Chega às salas mais distantes. Trouxe aqui um panorama Sobre a obra popular. Há muitas obras teóricas Pra quem quer se aprofundar. E digo ao leitor fiel: Leia mais e mais cordel, E você vai se encantar. FIM VOCABULÁRIO: ABC: Modalidade de cordel em que cada estrofe se inicia com uma letra diferente, obedecendo-se a sequência alfabética (a primeira estrofe se inicia com a letra A, a segunda com o B, etc.). Abraão Batista: Poeta, xilógrafo, gravador, escultor e ceramista cearense. Nasceu em Juazeiro do Norte em 1935. Como cordelista, o marco inicial de seus trabalhos é o ano de 1968, quando o Papa São Paulo VI cassou 44 santos católicos. Aproveitou-se do fato e tomou como mote para escrever A entrevista de um jornalista de Juazeiro do Norte com os 44 santos cassados. É autor do folheto de grande sucesso O homem que deixou a mulher para viver com uma jumenta na Paraíba. Foi o primeiro a escrever um cordel protagonizado pelo ranzinza seu Lunga, que o processou. O cordel, de 1982, chamou-se As histórias de seu Lunga, o homem mais zangado do mundo. Amarelinhos: Também chamados de “quengos” ou “quengos lixados”, se referem aos sertanejos em geral muito pobres e fracos fisicamente mas que são donos de uma notável astúcia, a qual utiliza para contornar a pobreza enganando 14 os outros (com frequência ricos ou o Diabo). Exemplos de amarelinhos do cordel são Cancão de Fogo, João Grilo, Chicó e Pedro Malasartes. Ariano: Dramaturgo, romancista, ensaísta, poeta e professor paraibano cujo nome completo era Ariano Vilar Suassuna. Nasceu em 1927 e faleceu em 2014. Foi o idealizador do Movimento Armorial. Escreveu várias obras, entre as quais se destacam Auto da Compadecida (1955), O santo e a porca (1957) e Romance da Pedra do Reino (1971). Auto da Compadecida: Peça publicada pelo paraibano Ariano Suassuna em 1955. A obra tem como base cinco cordéis: O testamento do cachorro (de Leandro Gomes de Barros), História do cavalo que defecava dinheiro (também de Leandro), O castigo da soberba (de Anselmo Vieira de Souza), A peleja da alma (de Silvino Pirauá de Lima) e As proezas de João Grilo (de João Ferreira de Lima). Em 1999, a peça recebeu adaptação de grande sucesso para a televisão. Biografias: Cordéis que descrevem fatos relevantes e/ou pitorescos de personalidades históricas ou contemporâneas. Cangaço: Modalidade de cordel cujo foco recai sobre a figura de cangaceiros famosos, como Maria Bonita, Antônio Silvino, Corisco e Dadá, Sinhô Pereira, Jesuíno Brilhante e, principalmente, Lampião. Cantel: Trata-se de Raymond Cantel (1914-1986), importante pesquisador francês sobre a literatura popular brasileira. Dirigiu o Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Sorbonne Nouvelle. Suas viagens para o Brasil tiveram início em 1959, quando, a partir do Ceará, passou a ter contato com poetas populares, cantadores e xilógrafos. Dessa forma, reuniu um acervo vastíssimo, contandocom muitas obras raras. Esse acervo contribuiu depois para a criação da maior cordelteca da Europa, constituindo-se hoje em um importante polo de pesquisa sobre o cordel. Chagas Batista: Nascido na Vila do Teixeira, PB, em 1882, e falecido em João Pessoa, em 1930, Francisco das Chagas Batista ingressou no cordel em 1902 com o folheto Saudades do sertão. Em 1913, fundou a Livraria Popular Editora, editando paródias, modinhas, novelas, contos, poesia, e se firmou como um dos intelectuais da época. Em 1929, publica o livro Cantadores e poetas populares, uma antologia imprescindível para a pesquisa em literatura popular em verso por conter as mais antigas e confiáveis informações sobre esta forma poética e sobre alguns dos principais autores da época. Consoante: É o tipo de rima em que há a coincidência integral de todos os sons a partir da vogal tônica da última palavra de dois versos. Também pode ser chamada apenas de soante. Exemplo: Caderno e Inverno. Décima: É assim denominada a estrofe que possui dez versos. Seu esquema rimático é o ABBAACCDDC (Ou seja, não há nenhum verso branco, todos rimam). É bastante comum nas cantorias de viola. Esperteza: É o cordel que tem como personagem principal um “amarelinho” sabido, que contorna a pobreza enganando os ricos (ou o Diabo). É a fraqueza vencendo o poder através da astúcia. Essa modalidade também inclui obras ligadas 15 ao ciclo do demônio logrado, ou seja, que trazem histórias em que o demônio é enganado por um humano, geralmente um sertanejo simples, mas astuto. Estrofe: É cada bloco de versos de um poema. Uma estrofe é separada de outra através de um espaço em branco. É também chamado de estância. Nos cordéis (excluindo os de peleja), as estrofes utilizadas são as quadras, as sextilhas, as setilhas e as décimas. Fantasias: Cordéis que tratam de reinos encantados e/ou de lugares nos quais coisas fantásticas podem ocorrer a qualquer momento, muitas vezes sendo povoados por fadas, gênios e bruxas. Fenômenos da natureza: Também chamados de “cordéis de intempéries”. São aqueles que tratam dos grandes fenômenos da natureza que causam destruição e sofrimento humano, como as secas, as inundações, os terremotos e os furacões. Gêneros da cantoria: Bastante influenciados pela cantoria de viola, os cordelistas herdaram muitas modalidades utilizadas pela cantoria, as quais estão presentes nos cordéis de peleja. Entre os vários gêneros da cantoria, incluem-se o martelo agalopado, o galope à beira-mar, o gabinete, etc. Quando o instrumento é o pandeiro, tem-se ainda o coco de embolada, entre outros. Gracejo: De um modo geral, diz respeito aos cordéis cujo objetivo principal é produzir o riso. Entram nessa categoria os cordéis sobre figuras caricatas, como o seu Lunga. Griot: Figura importante na estrutura social da maioria dos países da África Ocidental, os quais, sendo ágrafos até a chegada dos colonizadores europeus, o tinham como guardião da tradição oral do povo, um especialista em genealogia e na história do seu povo. Formam uma casta especial, e são cantores e dançarinos cuja função primordial é a de informar, educar e entreter. É uma figura semelhante ao repentista no Brasil, assumindo uma posição social de destaque em seu meio, sendo considerado mais do que um simples artista. Distinguia-se dos akpalôs por estes serem mais decoradores e contadores de estórias. No Brasil além dos griots e dos akpalôs, as histórias de origem africana eram também contadas pelas mulheres negras, muitas das quais eram destacadas para a função de babás dos filhos dos proprietários de terras. Hagiografia: Relato da vida dos santos, geralmente repleto de histórias fantasiosas. Heroísmo: Cordel que trata das façanhas de indivíduos que se destacam pela coragem, pela fé ou pela pureza de sentimentos. João Martins de Athayde: Este poeta e empresário nasceu em Ingá do Bacamarte, Paraíba, em 1880, e faleceu em Limoeiro (PE), em 1959. Publicou o seu primeiro folheto em 1908, impresso na Tipografia Moderna: Um preto e um branco apurando qualidades. Em 1909, montou uma pequena tipografia, passando a imprimir folhetos. Em 1921, adquiriu os direitos de publicação de toda a obra de Leandro e iniciou a re-publicação. Inicialmente, se indicava como editor e, posteriormente, passou a retirar a informação da autoria de Leandro. É com Athayde que se realizam profundas mudanças, incluindo a padronização dos 16 folhetos pelo número de páginas em múltiplos de quatro. Foi Athayde também que teve a ideia de ilustrar as capas do cordéis, que até então traziam apenas o título e o nome do autor (capa cega), com cartões postais ou fotos de artistas do cinema. Juvenal e o dragão: Por imposição do metro, o título foi resumido. A obra chama-se História de Juvenal e o dragão. Leandro Gomes de Barros: Nascido em 1865, no sítio Melancias, na Paraíba Leandro foi o primeiro poeta a viver exclusivamente do cordel, tendo escrito cerca de mil poemas, distribuídos em cerca de seiscentos folhetos. A qualidade de sua obra fez com que se tornasse referência para a definição das características do cordel, razão pela qual veio a ser merecidamente considerado o “pai do cordel brasileiro”. Faleceu em 1918, aos 53 anos de idade. Lendas dos silvícolas: Muitas histórias de origem indígena já foram transpostas para o cordel, como a lenda da mandioca, a criação da noite e a lenda do guaraná. Mais do que isso, a relação do índio com a natureza serviu muitas vezes de espelho para os cordelistas escreverem obras. Linguagem (afrodescendente): Muitas palavras de origem africana aparecem no cordel. Mais do que isso, muito do “falar nordestino” presente no cordel deriva da maneira de como os escravos “suavizaram” a língua portuguesa, “corrompendo” o léxico para criarem termos como “passarim”, “meninu”, “leiti”, “nêgo”, “cumê”, “tá”, “tô”, “lôco”, “cantaro” [em vem de “cantaram”], etc. Lunga: Comerciante que viveu por muitos anos em Juazeiro do Norte e que se celebrizou pelo “pavio-curto”, dando respostas atravessadas a quem lhe faziam perguntas que julgava absurdas ou demasiado óbvias. Tornou-se figura recorrente no cordel, principalmente os escritos no Ceará. Maria Pimentel: Nasceu em João Pessoa, Paraíba, em 1913. Seu nome completo era Maria das Neves Batista Pimentel. Além de O violino do Diabo, também publicou O corcunda de Notre Dame, inspirado no romance homônimo de Victor Hugo, e O amor nunca morre, inspirado no romance Manon Lescaut, do Abade Prévost. Faleceu em 1994. Menestrel: Na Idade Média, designava o artista da corte ou ambulante que, a serviço de senhores, recitava e cantava poemas em versos, frequentemente com acompanhamento instrumental. Por extensão, passou a designar qualquer poeta ou músico que divulga, cantando ou declamando, poemas ou músicas próprios ou alheios. Metro: É a quantidade de sílabas poéticas de cada verso. No cordel, o metro predominante é a redondilha maior, assim denominado o verso com sete sílabas poéticas. Oração: No cordel, diz respeito à clareza e precisão das frases, levando em conta fatores como: coesão (boa ligação entre as frases); coerência (a precisão e a lógica das ideias); fidelidade ao tema; apuro histórico das afirmações, etc. Ou seja, como diz o ditado popular, oração é “dizer coisa com coisa”. Contraexemplo é o poeta e cantador Zé Limeira, cujas obras eram sempre marcadas pelo non sense. 17 Pedra do Reino: Por imposição do metro, o título do cordel informado por Ariano Suassuna foi resumido. A obra, segundo o dramaturgo, chamava-se Romance da Pedra do Reino. Peleja: Modalidade de cordel que narra disputas poéticas entre dois cantadores renomados com o fim de demonstrar quem é mais hábil na arte do repente. Quadra: Estrofe de quatro versos. Foi bastante utilizada nos inícios do cordel, tendo seu uso decaído com o tempo. Nas quadras, há a obrigatoriedade da rima em pelomenos dois versos (o segundo com o quarto). Difere da trova, que, embora também escrita com quatro versos, é uma estrofe única, trazendo obrigatoriamente rima em todos os versos (esquema ABAB ou ABBA). Rapa: Designação popular para os fiscais e/ou policiais designados pelos prefeitos para apreenderem (“raparem”) mercadorias de vendedores ambulantes não licenciados. Revanchismo poético: Termo cunhado pela professora e pesquisadora francesa Martine Kunz para designar o uso da poesia popular como forma de “vingança” contra os inimigos do povo (políticos corruptos, patrões exploradores, fazendeiros truculentos e arrogantes, etc.). Rima: É a repetição de um mesmo som ou conjunto de sons (fonemas). No caso do cordel, só são aceitas as coincidências sonoras absolutas entre todos os fonemas que se localizam a partir das sílabas tônicas das últimas palavras dos versos. É um fenômeno sonoro, e não gráfico. Rima pobre: É aquela cuja sonoridade está presente em um grande número de palavras. Designa também pelo uso de palavras que rimam pertencentes à mesma categoria gramatical. Exemplos: papel/mel; mão/pão; cantar/amar; feira/cadeira. Saber da natureza: O conhecimento de ervas medicinais, a capacidade de se deslocar na floresta, etc. são saberes que os índios detêm e que foram bastante explorados na literatura de cordel. Santaninha: Nascido em 1827, no Rio Grande do Norte, e falecido em data e lugar desconhecidos, o poeta e rabequista João Sant’Anna de Maria já publicava cordéis na década de 70 do século XIX, antecedendo Leandro Gomes de Barros em pelo menos quase duas décadas, visto que o “pai do cordel” só começou a publicar seus cordéis a partir de 1889. Entre os cordéis de Santaninha, contam-se: Guerra do Paraguai; Imposto do vintém; O célebre chapéu de sol de Sua Majestade o Imperador e A seca do Ceará. Semianalfabeto: O trecho faz alusão ao fato de que muitos dos cordelistas pioneiros tinham pouca (ou nenhuma) escolaridade. Alguns, aliás, se alfabetizaram deletreando cordéis, como ocorreu com João Martins de Athayde e com Manuel Caboclo. Hoje, com a massificação do acesso às escolas, semianalfabetos escrevendo e publicando cordéis é um fenômeno cada vez mais raro. Setilha: É assim denominada a estrofe de sete versos. Nesse tipo de estrofe, aparecem dois grupos de rimas: um entre os versos 2, 4 e 7; e outro entre os versos 5 e 6. Os versos 1 e 3, consequentemente, ficam brancos, ou seja, sem rima. É 18 basteante usado em cordéis de humor devido ao ritmo sincopado produzido pela rima emparelahada dos versos 5 e 6. Sextilha: É a estrofe formada por seis versos. A sextilha clássica apresenta rima apenas nos versos pares (segundo, quarto e sexto versos). Joseph M. Luyten, em O que é literatura de cordel, informa que, até 2005, 80% dos cordéis tinham sido escritos em sextilhas. Testamento de Cancão: Por imposição do metro, o título foi resumido. O título da obra, originalmente publicada em dois volumes, é Vida de Cancão de Fogo e o seu testamento. Testamento dum macaco: Por imposição do metro, o título foi resumido. A obra, tida como o primeiro cordel com data de publicação conhecida (1865), chama-se Testamento que faz um macaco especificando suas gentilezas, gaitices, sagacidade, etc. Toante: É a rima em que só há coincidência de sons entre as vogais (ou conjunto de vogais) das sílabas tônicas que se encontram em posição inicial (proparoxítona) ou medial (paroxítona). Exemplo: “Palmeira” com “gorjeiam”, rima toante presente na primeira estrofe “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Violino do Diabo: Trata-se esse cordel de Maria das Neves Batista Pimentel, cujo subtítulo é Ou o valor da honestidade, de uma adaptação do romance homônimo de Victor Pérez Escrich. Apesar de a maioria dos pesquisadores apontarem-no como sendo o primeiro cordel publicado pela autora, há outros que afirmam ter sido O corcunda de Notre-Dame, adaptação do romance homônimo publicado pelo francês Victor Hugo e que ela teria publicado em 1935, três anos antes, portanto, de O violino do Diabo. Xilo: É a abreviatura de “xilogravura”, assim denominada a arte e a técnica de fazer gravuras em relevo sobre madeira. Como ocorre com os carimbos, a referida gravura escavada na madeira é depois coberta por tinta para ser transposta para o papel (ou outra superfície). O primeiro uso da xilogravura para ilustrar capas de cordéis que se tem notícia se deu em 1907, quando uma figura do cangaceiro Antônio Silvino estampou a capa do cordel “A História de Antônio Silvino”, de Chagas Batista. No entanto, só a partir da década de 30 do século passado o uso da xilo passou a ser frequente nas capas dos cordéis nordestinos.
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