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A_PROBLEMATICA_DA_CONCEPCAO_LIBERAL_DA_D

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
FACULDADE DE DIREITO 
KARINA QUINTANILHA FERREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A PROBLEMÁTICA DA CONCEPÇÃO LIBERAL DA 
DEMOCRACIA NO CONTEXTO DA RADIODIFUSÃO NO 
BRASIL PÓS-DITADURA MILITAR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2012 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
FACULDADE DE DIREITO 
KARINA QUINTANILHA FERREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A PROBLEMÁTICA DA CONCEPÇÃO LIBERAL DA 
DEMOCRACIA NO CONTEXTO DA RADIODIFUSÃO NO 
BRASIL PÓS-DITADURA MILITAR 
 
 
 
 
Trabalho de Iniciação Científica do Programa 
Institucional de Bolsas de Iniciação 
Científica da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo produzido sob a 
orientação do Professor Mestre Airton 
Andrade Leite. 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2012 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À comunidade sem voz: 
pela construção de 
uma existência digna, a todos nós. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Agradeço ao Professor Ivan Llamazares Valduvieco por ter me inspirado a dar 
continuidade aos estudos de teoria política. 
Ao Professor Amálio, pela solidariedade em ter concedido algumas tardes 
preciosas para me auxiliar com questões que iam além do universo jurídico e pelas críticas 
construtivas que me servirão de apoio para novas reflexões a serem desenvolvidas 
ulteriormente. 
Ao Professor Antonio Rago Filho, pela maestria com que transmite os 
conhecimentos sobre a história e a arte humanistas e, sobretudo, por trazer um sopro de 
esperança de emancipação social à comunidade da Pontifícia Universidade Católica de São 
Paulo. 
À Anna Claudia Pardini Vazzoler e Sérgio Gomes, por terem me ajudado tão 
prontamente em momentos em que uma decisão havia que ser tomada para o seguimento do 
trabalho. 
Ao Eduardo Quintanilha e Adriana Quintanilha, por terem gentilmente, e de 
forma muito carinhosa, me auxiliado na finalização do texto por meio de comentários 
pertinentes e sagazes. 
Aos meus amigos(as) da PUC, por terem compartilhado momentos de alegrias e 
tristezas, de indignação e de utopia na prainha e na curva do rio durante os cinco anos de 
faculdade. 
À minha família, mesmo que por vezes distante, pela insistência naquela palavra 
chamada: companheirismo. 
 
Agradecimentos especiais aos meus pais, Carolina e Itamar, pelo amor, compreensão, 
apoio sempre presente e amizade, sem os quais nada disso teria significado. 
Ao Professor Airton Andrade Leite, orientador dessa iniciação científica, por ter 
sempre as palavras certas para me encorajar e por ter me deixado livre para criar, sem deixar 
de orientar com a mesma admirável dedicação. 
 
Muito Obrigada 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Acredite apenas 
 
“Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos ouvem! 
 
Também não acredite no que seus olhos vêem e seus ouvidos ouvem! 
 
Saiba também que não crer algo significa algo crer!” 
 
 
(BRECHT, Bertold. Poemas 1913-1956/ Bertold Brecht; seleção e 
tradução de Paulo César de Souza - São Paulo: Ed. 34, 2000, p. 80) 
 
SUMÁRIO
RESUMO _______________________________________________________________________________ 8 
1. INTRODUÇÃO _________________________________________________________________________ 9 
2. A PROBLEMÁTICA DA CONCEPÇÃO LIBERAL DA DEMOCRACIA OCIDENTAL NA FASE 
DESCENDENTE DA BURGUESIA _________________________________________________________ 14 
2.1. A desconfiguração da questão social pela democracia burguesa do século XIX __________________ 14 
2.2. A naturalização das desigualdades socioeconômicas no contexto da democracia burguesa do século XIX
 19 
2.3. Breve histórico do surgimento do monopólio dos meios de comunicação de massa _______________ 23 
2.4. O “consenso fabricado” pelo paradigma liberal através dos meios de comunicação de massa _______ 28 
3. AS BARREIRAS AO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL APÓS A 
DITADURA MILITAR ____________________________________________________________________ 32 
3.1. A história da introdução do direito à comunicação na Constituição Federal Brasileira de 1988 como 
afirmação do Estado Democrático de Direito _________________________________________________ 36 
3.2. O embate entre empresariado e movimentos sociais em torno da regulação da radiodifusão no Brasil a 
partir da transição para o regime democrático ________________________________________________ 43 
3.3. A disputa entre o discurso hegemônico e o discurso contra-hegemônico na esfera pública da 
comunicação social eletrônica no Brasil pós 1985 _____________________________________________ 55 
3.4. A relação entre o serviço público de radiodifusão e o poder político no Estado democrático de direito no 
Brasil________________________________________________________________________________ 63 
3.5. A desconstrução da política como meio popular de transformação social durante a ditadura militar: uma 
crítica à atual política nacional de direitos humanos ___________________________________________ 69 
3.6. A atual resistência à privatização do público no contexto da mercantilização da radiodifusão no Brasil: 
as rádios comunitárias em ação ___________________________________________________________ 76 
3.7. O modelo de negócios tende a configurar as políticas públicas: crítica ao modelo de televisão digital 
adotado pelo Brasil _____________________________________________________________________ 85 
4. A SOCIOLOGIA DO DIREITO COMO METODOLOGIA DE ESTUDO __________________________ 95 
5. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ABORDAGEM HISTÓRICA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL NOS 
CENTROS DE PESQUISA DA AMÉRICA LATINA ___________________________________________ 103 
6. CONSIDERAÇÕS FINAIS ______________________________________________________________ 109 
BIBLIOGRAFIA ________________________________________________________________________ 115 
REFERÊNCIAS ________________________________________________________________________ 122 
 
Artigos de Jornais _____________________________________________________________________ 122 
Publicações periódicas _________________________________________________________________ 122 
Eventos _____________________________________________________________________________ 122 
Documentos eletrônicos ________________________________________________________________ 123 
Documentário ________________________________________________________________________ 125 
ANEXOS ______________________________________________________________________________ 126 
 
 
RESUMO 
O processo de democratização dos meios de comunicação eletrônica no Brasil, em 
especial o rádio e a televisão, apresenta muitas barreiras relativas não apenas à esfera 
legislativa, como também a outras, concernentes à problemática da concepção liberal da 
democracia ocidental, de uma determinada realidade socioeconômica e de uma formação 
legalista-formal em torno das declarações de direitos humanos. O objetivo central deste 
trabalho, fundamentado em pesquisa bibliográfica, é, por meio de uma abordagem 
interdisciplinar, problematizar, genericamente, que barreiras são essas e, especificamente, em 
que medida contribuem para a não efetivação do direito à comunicação na sociedade 
brasileira, tendo como recorte espacial e temporal o contexto da radiodifusão no Brasil pós-
ditadura militar. A relação entre o serviço público de radiodifusão e o poder político, bem 
como a desconstrução da política como meio popular de transformação social durante o 
regime militar, resultaram na monopolização da comunicação social eletrônica. Ademais, a 
noção liberal da propriedade privada contribuiu para que fosse perpetuado um discurso 
dominante baseado na apropriação do espaço público pelo agente privado, em plena 
contradição com os princípios de liberdade e igualdade. A concretização do direito à 
comunicação faz parte da afirmação do Estado Democrático de Direito, motivo peloqual a 
democratização dos meios de comunicação tem sido pauta essencial dos movimentos sociais 
na esfera da contra-hegemonia. 
Palavras-chave: Emancipação; Regulação; Direitos humanos. 
 
CREATIVE COMMONS - Alguns direitos reservados 
Este trabalho de iniciação científica é disponibilizado pela Licença Pública Creative 
Commons “Atribuição - Uso não-Comercial - Vedadas Obras Derivadas 3.0”, 
desta forma qualquer um pode livremente obter, copiar e distribuir este texto sem 
qualquer custo, sob as seguintes condições: 
 Seja indicado e atribuído crédito ao autor; 
 Este trabalho não pode ser utilizado para qualquer fim comercial ou de 
lucro; 
 Não é permitida a modificação de seu conteúdo; 
 Essa licença deve ser mantida em todas as cópias; 
 A licença completa está disponível em 
<http://creativecommons.org/licences/by-nc-nd/3.0/br/legalcode>.
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9 
1. INTRODUÇÃO 
Por mais estranho que possa parecer, sinto que uma das maiores dificuldades ao longo 
deste trabalho esteve relacionada com a elaboração da introdução. Para ser sincera, somente 
após desenvolver o conteúdo da pesquisa, e ter inclusive finalizado as considerações finais, é 
que comecei a escrever a parte introdutória. 
A introdução me pareceu um desafio não apenas por representar o pontapé inicial de 
todo um estudo que foi materializado durante, em realidade, os cinco anos de faculdade, mas 
principalmente por ter a função, de certa forma, de convidar e, quem sabe, seduzir o leitor que 
entre em contato com o trabalho. 
Consciente disso, acredito ser importante expressar, ainda que brevemente, um 
pouquinho dos devaneios que levaram à existência desse estudo que agora apresento. 
Nas aulas de teoria política que foram brilhantemente ministradas pelo Professor Ivan 
Llamazares na Universidad de Salamanca no ano de 2010, tive o privilégio de adentrar num 
espaço de conhecimento vivo em que se discutia desde conceitos como política, liberdade, 
comunidade, (des)igualdade, autoridade e revolução, até outros como nação, feminismo e 
multiculturalismo. Os debates eram sempre precedidos da leitura de obras clássicas como “O 
príncipe” de Nicolau Maquiavel; “Leviatã” de Thomas Hobbes; “Discurso sobre a origem e os 
fundamentos da desigualdade entre os homens” de Jean Jacques Rousseau. Também outras 
obras consagradas como “A ideologia alemã” de Karl Marx; “O conceito do político” de Carl 
Schmitt e “Eichmann em Jerusalém” de Hanna Arendt. 
Aos poucos, fui me libertando das burocráticas sombras do direito positivado, 
incapazes de fornecer uma base sólida para explicar e oferecer soluções para certas 
contradições da nossa sociedade, e uma visão mais ampla e otimista sobre as possibilidades 
históricas de uma emancipação social começaram a surgir no horizonte, ainda que distante. 
Ao retornar à faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo já 
com planos de projetar algumas ideias concebidas durante o período de estudos na Espanha, 
através da indicação de colegas do curso, tive o prazer de conhecer o Professor Airton 
Andrade Leite, orientador desta iniciação científica, cujas pesquisas anteriores se voltaram à 
questão da comunicação social contra-hegemônica. Em trabalho desenvolvido junto ao núcleo 
10 
de projetos sociais do Escritório Modelo Evaristo Arns da PUC-SP, cuidou especialmente do 
tema relativo às rádios comunitárias. 
Foi então que, após diversos encontros tomados por indagações e reflexões, chegamos 
à conclusão de que um estudo que pretenda abordar a comunicação social deve conter uma 
perspectiva multidisciplinar da realidade em que se insere. Por isso, nos permitimos à 
miscigenação entre autores, e autoras, das variadas áreas de conhecimento, com especial 
interesse pela filosofia e sociologia. 
Diante de uma verdadeira biblioteca infinita de livros sobre o tema desse trabalho, o 
percurso que levou ao afunilamento do objeto de estudo passou por uma verdadeira 
revolução. 
Digamos que uma importante linha de raciocínio começou a ser trilhada, no início do 
segundo semestre do ano passado, junto com as aulas lecionadas de forma inesquecível pelo 
Professor Antonio Rago Filho no curso de História e Arte da faculdade de História da PUC-
SP. Percorrendo desde François Rabelais, Mikhail Bakthin, Rousseau, até Walter Benjamin e 
Marshall Berman, a proposta do curso era apresentar aos alunos as curiosas redes que ligam a 
história e a arte humanista, e mais do que isso, resgatar uma proposta crítica de 
desestabilização da hierarquia social com base na cultura popular. 
A partir de então, alguns conhecimentos básicos sobre o pensamento jurídico 
moderno, a teoria política e a história foram sendo cruzados a fim de permitir a reflexão sobre 
um novo paradigma da comunicação social que correspondesse aos anseios emergentes de 
emancipação social. Para tanto, foi imprescindível desconstruir as bases do paradigma 
dominante que se espelham na história da democracia burguesa. 
Os estudos realizados até aquele ponto me fizeram crer que eu deveria abordar a 
problemática da monopolização da radiodifusão no Brasil não apenas como um problema 
decorrente da realidade socioeconômica brasileira, mas como resultado de uma crise 
paradigmática, qual seja a da concepção liberal da democracia nas sociedades ocidentais no 
período pós Revolução Francesa. O salto qualitativo da pesquisa, a partir dessa constatação, 
posso dizer que foi significativo e exigiu um grande esforço no sentido de alinhar a 
bibliografia. 
A elaboração de um eixo de pesquisa que atendesse a essas expectativas me permitiu 
entrar em contato com questões teóricas até então obscuras para mim, mas fundamentais para 
a discussão do tema, como a problemática da abstração e da universalização de direitos, a 
11 
“ilusão jurídica”, a naturalização das desigualdades sociais e o deslocamento da questão social 
para a questão do indivíduo. Após ter problematizado tais fenômenos da democracia ocidental 
contemporânea, pude reconhecer o quanto a ignorância das atuais teorias de conhecimento 
pela realidade socioeconômica decorre de uma ideologia que desconsidera o social em 
detrimento do individual e reflete um modelo de democracia que marginaliza a participação 
das classes subalternas nas instituições políticas. 
Diante desse material teórico, que remete ao período da história em que a burguesia 
tomou o poder, posso dizer que a maior dificuldade foi criar uma linha condutora para 
relacionar a crítica à concepção liberal da democracia na fase descendente da burguesia com a 
problemática da concentração da radiodifusão no Brasil pós-ditadura militar. 
A estratégia utilizada, então, foi a de tentar organizar as ideias em capítulos e 
subcapítulos de forma a criar uma parte teórica e outra prática que permitisse o movimento no 
texto sem perder a sua característica orgânica, sempre que possível contextualizando o 
período histórico. 
Sem mais devaneios, faço agora uma breve introdução dos capítulos, que foram 
divididos entre os itens 2, 3, 4 e 5. 
Logo no item 2, a fim de problematizar a concepção liberal da democracia na fase 
descendente da burguesia entraram em cena autores como Domenico Losurdo, com as suas 
indagações sobre a democracia e a tradição liberal; José Chasin para abordar o fenômeno da 
abstração e da universalização dos direitos; o Mészáros para discutir a ideologia liberal; a 
Chaui e o Lyra Filho para questionar a liberdade e a igualdade no Estado democrático de 
direito da sociedade capitalista; o Meksenas para fazer a ponte entre cidadania, poder e 
comunicação. Situamos, ainda nesse capítulo, o momento do surgimento do monopólio dos 
meios de comunicação de massa com o intuito de demarcar o período histórico em que a 
burguesia abandonou o seu ideal de livre formação da opinião pública. Ressaltamos também o 
fenômeno identificadopor Orwell de “censura voluntária em sociedades livres” e aquele 
denominado por Chomsky como “consenso fabricado” como forma de levantar um 
questionamento sobre a legitimidade da democracia representativa. 
Pontuamos tais questões na tentativa de obtermos embasamento teórico para a 
argumentação do que entendemos por democratização dos meios de comunicação. Com base 
nessa ideia, a concepção liberal da democracia, de caráter superficial, baseada na 
representatividade e na igualdade formal-abstrata, bem como na centralização política, não 
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12 
encontra seu locus de identidade nesse trabalho. Pelo contrário, a democracia participativa, de 
caráter popular, com a descentralização das tomadas de decisão, e com a efetivação dos ideais 
de liberdade e igualdade se mostra como norteador da democracia que defendemos. 
Com base nisso, já no item 3, discutimos as dificuldades do processo de 
democratização da comunicação social eletrônica no Brasil, que deveriam ser vistas 
criticamente tanto como fruto do coronelismo eletrônico, como decorrentes de um paradigma 
dominante fundamentado no direito à propriedade individual do social. 
Argumentamos que a concentração dos meios de comunicação constitui em uma 
afronta à democracia como um todo, e é particularmente oposta aos direitos de liberdade e 
igualdade de todos os cidadãos em concreto. Impede, em última instância, a livre formação da 
opinião pública, bem como inutiliza o direito à comunicação. 
Como referência histórica demarcamos a dominação do serviço público de 
radiodifusão no Brasil por poucas famílias aristocratas e políticos, que deu origem a uma 
verdadeira oligarquia multimidiática, muitas vezes chamada de coronelismo eletrônico, o que 
nos permitiu substituir a nomenclatura de Estado democrático de direito por Estado 
oligárquico de direito. 
Para situarmos o objeto de estudo no espaço e no tempo, nos esforçamos para fazer um 
recorte do contexto da radiodifusão no Brasil no período que se estendeu após a ditadura 
militar, com tudo o que sobrou dela. O rádio e a televisão foram escolhidos por ainda 
constituírem, muitas vezes, a única fonte de contato com a esfera pública por grande parte da 
população brasileira, motivo pelo qual ainda são considerados poderosos agentes de 
convencimento e de formação do senso comum. 
Recorremos ao pensamento lúcido de Paulo Arantes para obtermos um panorama 
realístico da sociedade brasileira contemporânea, especialmente no que diz respeito à atual 
política nacional de direitos humanos. Para fazer o diálogo entre democracia, poder e 
comunicação no Brasil nos baseamos, primordialmente, em Paulo Meksenas, Paulo Freire e 
Marilena Chaui. 
No tocante ao conceito jurídico do serviço público de radiodifusão e o seu tratamento 
constitucional foi utilizada a doutrina de Dalmo de Abreu Dallari, Celso Antônio Bandeira de 
Melo e José Afonso da Silva. Ainda, com relação à abordagem multicultural do direito à 
comunicação sob uma perspectiva contra hegemônica, emprestamos a análise de Boaventura 
de Sousa Santos, leitura que foi obrigatória ao longo de toda a pesquisa. 
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Hoje acredito que tenha se passado par redes de comunicações mais atuais, como computadores e celulares
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13 
Verificamos que, apesar do poder institucional da comunicação exercido pelos 
latifundiários da informação perpetuarem um discurso (des)emancipatório da democracia, 
como se a apropriação do público pelo privado fizesse parte do processo democrático, não se 
trata de um poder hegemônico. 
Através do conflito, seja com as instituições políticas, seja com as burocráticas 
legislações e tribunais que criminalizam e dificultam a participação cidadã no serviço público 
de radiodifusão, o poder popular, em conjunto com os movimentos sociais, vem a questionar a 
naturalidade por detrás dessa dominação e vem ocupando cada vez mais espaços públicos 
como forma de exercitar a cidadania. 
No item 4, a sociologia do direito foi apresentada como metodologia de estudo a fim 
de dar embasamento teórico à forma como o trabalho foi realizado, além do que nos serviu 
para problematizar o direito a partir de uma visão social dialética. 
Por fim, no item 5, desde uma perspectiva interdisciplinar, apresentamos a abordagem 
histórica da comunicação social nos centros de pesquisa da América Latina para que o leitor 
seja contextualizado a respeito da relevância dos estudos originados em terras latino-
americanas após a introdução do rádio e da televisão. Esse item foi importante para 
deflagramos que, desde cedo, os pesquisadores latinos perceberam que os modelos de análise 
e crítica importados do primeiro mundo não se encaixavam nas peculiaridades do nosso solo 
mestiço, e que deveriam ser reformulados a partir de uma ótica do Sul. 
Observamos que a mediação histórica foi utilizada por todo o percurso, não como 
símbolo do progresso, mas para demonstrar como o ocultamento de determinados aspectos da 
história revelam, na verdade, um viés ideológico. 
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14 
2. A PROBLEMÁTICA DA CONCEPÇÃO LIBERAL DA 
DEMOCRACIA OCIDENTAL NA FASE DESCENDENTE DA 
BURGUESIA 
Nesse capítulo, pontuamos as primordiais circunstâncias históricas da Modernidade 
que contribuíram para que o processo de democratização iniciado após a Revolução Francesa 
rumasse para a categoria dos “universais abstratos” e para uma concepção de social como 
sinônimo de “soma de indivíduos”, na medida em que o senso crítico de toda a estrutura 
econômica se banalizava para ocultar a complexidade por detrás da concretização da 
democracia substancial
1
. 
De forma plural e não estática buscamos, na interdisciplinariedade entre diversos 
autores de variadas áreas do conhecimento, verificar como que a perspectiva liberal da 
democracia almeja à emancipação de uma classe social e não à emancipação humana 
integralmente, a princípio imaginada por alguns ideólogos iluministas. 
Por considerar a livre formação da opinião pública como uma conquista fundamental 
para a democracia real, recorremos à problemática da concentração dos meios de 
comunicação desde o surgimento do capitalismo monopolista para analisar como a ideologia
2
 
dominante marginaliza a participação das classes subalternas nas instituições políticas. 
2.1. A desconfiguração da questão social pela democracia 
burguesa do século XIX 
O caráter (des)emancipatório da análise liberal que tomou forma após a Revolução 
Francesa não leva em consideração a relação entre a questão social e as instituições político-
sociais, deslocando a discussão para a problemática do livre-arbítrio do indivíduo, ou seja, 
 
1 As diferenças entre a democracia formal e a democracia substancial podem ser encontradas em Losurdo 
(2004: 257-261). 
2 Segundo Lyra Filho (1987: 123), ideologia é “uma crença falsa, uma 'evidência' não refletida que traduz uma 
deformação inconsciente da realidade (...) Raciocinamos a partir dela, mas não sobre ela, de vez que 
considerá-la como objeto de reflexão e fazer incidir sobre aquilo o senso crítico já seria o primeiro passo da 
direção superadora, isto é, iniciaria o processo da desideologização”. 
15 
legitima a exploração de uma classe mediante o princípio da justiça, conforme o mérito 
pessoal de cada ser individualmente considerado.
3
 
O individualismo liberal, como assinala Losurdo (1998: 204): “tende a dissolver a 
questão social em um problema atinente exclusivamente, ou em primeiro lugar, ao indivíduo, 
a um problema que não põe tanto em causa a objetiva configuração das relações jurídicas e 
sociais, mas a capacidade, as atitudes e também a disposição de espírito do indivíduo afligido 
pela pobreza”. 
Na contramão do liberalismo (des)emancipador que estava por vir, Hegel, antes 
mesmo de Marx, tendo observado que a desigualdade, acima de um grau tolerável, anula a 
liberdadedo indivíduo, teorizou sobre a existência de “direitos materiais” irrenunciáveis, sem 
os quais a liberdade concreta e os direitos não podem subsistir.
4
 
Ainda no contexto de uma Inglaterra aristocrata Hegel denunciou a irracionalidade 
com que se equiparava o direito à vida ao direito de propriedade no momento de atribuir 
penas de morte tanto aos crimes de assassinato quanto de roubo na Inglaterra anterior a 1848. 
Também adquiriu preocupação central na crítica de Hegel o aspecto formal da liberdade em 
que uma minoria da aristocracia inglesa se apropriava da esfera pública para utilizar dos 
direitos políticos atribuídos por uma quantidade bem maior de pessoas. 
Com a burguesia no poder pouco, ou nada, mudou para avançarmos no sentido da 
emancipação humana, até então idealizada pelos teóricos do iluminismo. Foi no período 
posterior à Revolução Francesa (1789), exemplo consolidado da luta de classes em que as 
estruturas sociais foram obrigadas a mudar, que as pretensões liberais de liberdade e igualdade 
do período ascendente da burguesia
5
, que sustentaram a Declaração dos Direitos do Homem e 
do Cidadão em 1789, foram abandonadas em troca de uma ideologia acrítica com relação à 
ordem socioeconômica e política capitalista.
6
 
 
3 MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 491. 
4 LOSURDO, Domenico. Hegel, Marx e a tradição liberal. Liberdade, igualdade, Estado. São Paulo: 
Editora UNESP, 1998, p. 184. 
5 Chaui (2010: 99) relata que “Esse otimismo da classe burguesa ascendente desaparecerá quando, no século 
XIX, os movimentos populares e proletários revelarem a injustiça das leis e a inexistência concreta dos 
direitos declarados nas várias revoluções. Os trabalhadores são vistos como “classe perigosa” e dão medo”. 
6 “Reparem, por exemplo, no caso da burguesia: como classe ascendente, quando estava na vanguarda, 
enriqueceu o patrimônio jurídico da humanidade. Quando chegou ao poder deu a “coisa” por finda, isto é, 
quis deter o processo para gozar os benefícios e se recusou a extrair as consequências de sua revolta contra a 
aristocracia e o feudalismo. Ficou, portanto, uma contradição entre a libertação parcial, que favoreceu os 
burgueses, e o prosseguimento da libertação, que daria vez aos trabalhadores”. (LYRA FILHO, 1987: 176) 
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16 
Desde então, a burguesia, naquilo que pode ser concebido como a sua fase 
descendente, se ancorou na corrente do cientificismo positivista a fim de barrar qualquer 
indício de transformação radical do status quo. 
A concepção original do cientificismo positivista estava vinculada às grandes 
expectativas de um otimismo evolucionista um tanto simplório. 
Compreensivelmente, a repetida erupção de crises capitalistas na segunda metade do 
século XIX pôs um fim em tudo isso. Resultou disso a remodelação da ideologia do 
cientificismo em um molde profundamente cético, se não completamente pessimista. 
Sua abordagem anti-histórica dos problemas encontrados tornou-o extremamente 
adequado à “eternização” e legitimação ideológica do sistema estabelecido, 
especialmente porque também apresentava a ilusão de temporalidade: uma ilusão 
diretamente emanada da própria ciência. (MÉSZÁROS, 2010: 254). 
 
Essa nova tendência de pensamento intelectual foi responsável por garantir a 
propagação da teoria liberal que sustentava a abstração das categorias de liberdade e 
igualdade. Durante esse período, o desenvolvimento pleno do capital acentuou a contradição 
entre os interesses da burguesia e o interesse geral. Os limites expostos pela propriedade 
privada evidenciaram a sectarização entre tais interesses. Com o tempo, as próprias conquistas 
da burguesia, como o sufrágio universal e a liberdade de imprensa, foram paulatinamente 
sendo reprimidas em nome do capital e da dominação. 
Como forma de protestar contra a democracia burguesa de sua época, respeitadas as 
divergências ideológicas com Hegel e Marx, Lassale teve razão em observar que: “Os direitos 
que o liberalismo pretende... nunca os quer para o indivíduo enquanto tal, mas sempre para 
um indivíduo que se encontre numa situação particular, que pague certas taxas, seja provido 
de capitais etc.”.
7
 
Assim, a racionalidade contida na representação liberal da democracia subsume a 
discussão da problemática de classes à ideologia liberal de uma suposta igualdade formal 
entre indivíduos forjada por categorias de termos universais.
8
 
A corrente liberal, quanto mais degenerada, se apropria de universais abstratos, de 
maneira que a análise em concreto é substituída pela generalização em abstrato através da 
utilização da categoria social como “soma dos indivíduos”. 
Segundo Chasin (2000: 82) “... na medida em que o social é a soma de indivíduos, o 
jurídico não pode deixar de ser a aparência que elide a desigualdade concreta”. Tal precedente 
 
7 LASSALE, Ferdinand apud LOSURDO, Domenico. Hegel, Marx e a tradição liberal. Liberdade, 
igualdade, Estado. São Paulo: Editora UNESP, 1998, p. 186. 
8 CHASIN, José. A Determinação Ontonegativa da Politicidade. Ensaios Ad Hominem - edição especial, 
Tomo III - Revista de Filosofia/ Política/ Ciência da História. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 
2000. 
17 
encontra suas raízes nas relações de troca de mercadorias, já que a ideologia liberal coisifica 
as relações humanas em troca de garantir a igualdade formal entre os indivíduos. 
A expressão “soma dos indivíduos” deve ser compreendida no contexto do formalismo 
jurídico abstrato em que se ampararam os teóricos liberais da democracia burguesa. Para 
Santos (2010: 284): 
A teoria política liberal - o máximo de consciência teórica da modernidade 
capitalista - sempre privilegiou, como dispositivo ideológico, o universalismo 
antidiferencialista que accionou politicamente através das ideias da cidadania e dos 
direitos humanos. 
 
Nessa concepção liberal, protege-se legalmente o universal, formal e abstrato, para 
mistificar a (des)emancipação de cada ser individual concretamente considerado.
9
 A 
abstração, portanto, se mostra como uma contradição da própria estrutura social estabelecida, 
motivo pelo qual supõe seja a categoria dos direitos um campo independente e auto-
regulado.
10
 
No intuito de situar o momento da incorporação da teoria da abstração dos direitos 
pela ideologia apologética, nos valemos do jurista José Afonso da Silva (2008: 117), para 
quem o Estado de Direito: 
(...) é uma criação do liberalismo. Por isso, a doutrina clássica repousa na concepção 
do Direito natural, imutável e universal, daí decorre que a lei, que realiza o princípio 
da legalidade, essência do conceito de Estado de Direito, é concebida como norma 
jurídica geral e abstrata. 
 
Nesse Estado de direito, o direito humano de liberdade é sinônimo de direito humano 
da propriedade privada, motivo pelo qual sucumbe em utopia o direito à autonomia real do 
'ser social' teorizado por Marx.
11
 Na concepção marxiana o Direito faz parte de um 'processo 
social' de 'libertação permanente' do homem, em que “(...) esse 'ser real' - esse homem na 
sociedade - não é apenas um boneco sem vida que as forças sociais movimentam. Ele se 
conscientiza, reage e se liberta dos condicionamentos”.
12
 
 
9 Como assinala Chasin, ao se referir ao pensamento de André Vachet: “O individualismo não é 
indiferenciado, nem abstrato, identifica-se com um conteúdo determinante, a propriedade, que toma um 
caráter absoluto e definitivo. É representado como a raiz das manifestações da pessoa: a liberdade, a 
igualdade e a segurança. Resume positivamente os interesses, os poderes, os direitos e deveres, determina os 
valores e as significações e caracteriza o indivíduo como totalidade. /.../ A propriedade, sobretudo a 
propriedade-capital /.../ obtém assimuma posição imperialista capaz de submeter a outros direitos e valores 
/.../ Em todos os setores a propriedade terá a posição de primeiro princípio”. 
10 MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 506. 
11 MEKSENAS, Paulo. Cidadania, Poder e Comunicação. São Paulo: Cortez, 2002, p. 50. 
12 LYRA FILHO, Roberto. O Que é Direito. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 175. 
anaco
Realce
18 
Chaui (2010: 100) observa que, para Marx, o Estado de Direito nas sociedades 
capitalistas é sempre uma abstração, uma vez que a igualdade e a liberdade reivindicada pela 
sociedade civil e formalizada pelo Estado em forma de lei não existem. 
Nessa perspectiva, os direitos do homem e do cidadão, além de ilusórios, estão a 
serviço da exploração e da dominação, não sendo casual, mas necessário, que o 
Estado se ofereça como máquina repressiva e violenta, provocando medo nos sem-
poder, uma vez que o Estado e o direito nada mais são do que o poderio particular da 
classe dominante sobre as demais classes sociais.
13
 
 
Para os ideólogos liberais, a garantia em abstrato da igualdade e liberdade pelo Estado 
é suficiente para que cada indivíduo tenha iguais condições de negociar o contrato social. 
Oculta-se, através do campo jurídico em abstrato, ou melhor, das constituições liberais 
protetoras dos direitos formais de primeira, segunda e terceira geração, a hegemonia da classe 
dominante. 
A ficção legal criada em torno da igualdade ao nível dos direitos abstratos é 
denominada de “ilusão jurídica” que, para Mészáros (2008: 163): 
é uma ilusão não porque afirma o impacto das ideias legais sobre os processos 
materiais, mas porque o faz ignorando as mediações materiais necessárias que 
tornam esse impacto totalmente possível. As leis não emanam simplesmente da 
'vontade livre dos indivíduos', mas do processo total da vida e das realidades 
institucionais do desenvolvimento social-dinâmico, dos quais as determinações 
volitivas dos indivíduos são parte integrante. 
 
A negação do fetichismo jurídico, por sua vez, nos ajuda a compreender que a 
centralidade do debate está na estruturação contraditória das relações jurídicas e sociais
14
, e 
não apenas na questão da formalidade dos direitos estabelecidos sob a égide da propriedade 
privada. 
Detemo-nos um instante para refletir sobre como o teor ideológico da análise liberal 
resvala na crença daqueles que não conseguem imaginar um mundo civilizado em que seja 
garantido o direito à propriedade privada
15
 dos meios sociais de produção para todos e 
acabam por ser coniventes com o controle e as disparidades sociais, por medo de uma 
qualquer teoria do caos e perda de poder, como o próprio Rousseau imaginou: 
 
13 CHAUI, Marilena. Simulacro e Poder: Uma Análise da Mídia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2a 
ed., 2010, pp. 100-101. 
14 Com base em Marx, Lyra Filho (1987: 175) afirma que: “As relações sociais - inclusive as relações de 
produção - constituem relações entre homens, e não entre peças duma máquina. Aliás, se não fosse assim, se 
tudo fosse aparelho, precisaríamos de um 'deus dos aparelhos' para movimentar a História e fazer com que a 
'máquina' funcionasse”. 
15 Segundo Chaui (2010: 103): “É preciso que os não-proprietários dos meios sociais de produção também 
sejam considerados proprietários - do seu corpo, de sua pessoa, dos bens necessários à vida e, evidentemente, 
de sua força de trabalho -, sem o que os indivíduos não se acham validados para as relações firmadas em 
contratos (...)”. 
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19 
É certo que o direito de propriedade é o mais sagrado de todos os direitos da 
cidadania, e até mais importante, em alguns aspectos, que a própria liberdade: a 
propriedade é a base verdadeira da sociedade civil, e a garantia real dos 
empreendimentos dos cidadãos, pois, se a propriedade não fosse adequada às ações 
pessoais, seria muito fácil burlar os deveres e rir das leis. (ROUSSEAU apud 
MÉSZÁROS, 2008: 202). 
 
Os teóricos liberais partem do pressuposto de que essa realidade social é formada por 
indivíduos naturalmente egoístas ou de que a alienação decorre das “instituições sociais 
perversas” insuperáveis, motivo pelo qual os cidadãos devem legitimar o Estado como 
instância separada e superior que possui direito de coagir mediante leis estabelecidas pelos 
próprios homens, no melhor estilo do “uso legal da violência” pelo Estado a que se refere 
Weber.
16
 
Sob essa perspectiva, as categorias de liberdade e igualdade serão sempre ideais 
abstratos.
17
 A ideologia liberal rejeita, portanto, a tese de que essa abstração é fruto das 
contradições do próprio sistema. Não vislumbra que a alienação e a impossibilidade de 
aplicação real dos direitos fundamentais decorrem da questão social, qual seja a relação 
desigual de trabalho imposta por uma estrutura dominante de opressão. 
Para superar o universalismo abstrato, Santos (2010: 21) propõe: “um universalismo 
concreto, construído de baixo para cima, através de diálogos interculturais sob diferentes 
concepções da dignidade humana”. 
2.2. A naturalização das desigualdades socioeconômicas 
no contexto da democracia burguesa do século XIX 
Para compreender como a estrutura econômica
18 
imposta pelo capital dificulta a 
problematização da democracia além do seu aspecto meramente formal e alimenta o 
pensamento jurídico contemporâneo conservado na distinção entre Estado político e 
sociedade civil, situamos brevemente o período histórico em que se desenvolveu a democracia 
burguesa no século XIX. 
 
16 CHAUI, Marilena. Simulacro e Poder: Uma Análise da Mídia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2a 
ed., 2010, p. 94. 
17 MÉSZÁROS, István. Filosofia, Ideologia e Ciência Social. São Paulo: Boitempo, 2008, pp. 159-161. 
18 Mészáros (2008: 164) explica que, para Marx, a estrutura econômica da sociedade “não é uma entidade 
material bruta, mas um conjunto de relações humanas determinadas, que, precisamente como tais, estão 
sujeitas a mudanças, e até mesmo à mudança mais radical proveniente de uma deliberação humana 
socialmente consciente (socialista)”. 
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20 
No século XIX, o processo de industrialização alavancado pela nova classe social fez 
emergir uma fase histórica da modernidade em que a mercadoria se torna o centro das 
relações pessoais. Nessa conjuntura, verificamos um processo de mercantilização que atinge 
grande parte das criações humanas, como a arte e a literatura. 
Como referência de pensamento crítico sobre a modernidade, evocamos os 
desdobramentos teóricos benjaminianos. Walter Benjamin, integrante que foi da Escola de 
Frankfurt, analisou a história cultural desse período através do estabelecimento de relações 
entre o desenvolvimento da cidade, meios de reprodução e produção literária. Disso resultou o 
seu estudo das modificações do modo capitalista, suas implicações na vida e na história. 
Escreveu sobre como a Europa no século XIX, pela primeira vez até então, se deslocou 
motivada pelo desejo de possuir mercadorias.
19
 
As exposições universais transfiguram o valor de troca das mercadorias. Criam uma 
moldura em que o valor de uso da mercadoria passa para segundo plano. Inauguram 
uma fantasmagoria a que o homem se entrega para se distrair. A indústria de 
diversões facilita isso, elevando-o ao nível da mercadoria. O sujeito se entrega às 
suas manipulações, desfrutando a sua própria alienação e a dos outros. 
(BENJAMIN, 1985: 35). 
 
A troca generalizada de mercadorias colocou em evidência, de forma inaugural, a 
relação social trabalho. A centralidade da categoria trabalho, no entanto, passou a ser 
problemática quando inserida num contexto de exploração pelo poder através da divisão de 
classes sob o critério da propriedade privada. 
Marshall Berman, escritor já do século XX, em suaobra “Tudo que é sólido 
desmancha no ar”, também refletiu sobre o impacto do processo de modernização burguesa 
sobre a sociedade. Berman se baseou em Marx para afirmar que existe uma relação dialética 
entre burguesia, processo de modernização
20
, que implica todo o conjunto de transformação 
de uma sociedade agrária em uma sociedade urbano-industrial em que o capital é o centro das 
relações, e o processo de modernidade, caracterizado pelo fluxo de transformações 
permanentes em que as relações humanas são fluídas, dinâmicas e instáveis, dada a 
necessidade da expansão permanente do sistema econômico para a reprodução do capital. A 
reflexão do autor deflagra, assim, um processo de modernização em que o capital só é capaz 
de se reproduzir mediante a sua própria expansão desenfreada. 
 
19 Das diversas acepções que a palavra mercadoria pode receber, Benjamin se refere à matéria envolta de valor 
superfaturado pelo fetichismo e exposta como objeto de luxo em galerias. 
20 Processo de modernização no sentido dado por Berman (2007: 158), como “um complexo de estruturas e 
processos materiais - políticos, econômicos, sociais - que, em princípio, uma vez encetados, se desenvolvem 
por conta própria, com pouca ou nenhuma interferência dos espíritos e da alma humana”. 
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21 
A partir da Revolução Industrial, a alienação gerada pelo modo de produção capitalista 
produziu a fragmentação da capacidade humana através da dominação material e espiritual 
dos meios de produção sociais. 
(...) a alienação predomina em todas as ocupações e sobre todas as facetas da vida, 
desde o funcionamento das estruturas econômicas fundamentais até as relações 
pessoais mais íntimas dos indivíduos que constituem a sociedade. (MÉSZÁROS, 
2008: 158) 
 
O capital se apoderou o quanto pôde, tanto do poder concreto das forças produtivas, 
pelo qual o proletariado está sujeito à divisão de trabalho, quanto do domínio abstrato, ou 
seja, busca limitar, pela via da determinação econômica, mas não apenas, a liberdade sobre as 
criações do espírito humano. Dessa forma, há quem defenda, como Mészáros e Chaui, que os 
homens, despidos de real liberdade e igualdade, se tornaram menos livres após a Revolução 
Francesa, por terem sido subjugados ao poder das coisas (contratos privados), 
independentemente de sua vontade de ingressar nesse contrato social.
21
 
A liberdade e a igualdade do iluminismo foram transformadas em categorias de classe 
em detrimento da perpetuação da dominação por meio da propriedade privada.
22
 Nessa 
conjuntura, a crise da teoria liberal clássica é fruto das contradições da implantação do capital, 
com a consequente perda da legitimidade do Estado burguês. 
A exploração do trabalho humano e a miséria, que se instaurava na mesma medida em 
que aumentava o desagrado do povo frente a essa (des)emancipação das pretensões burguesas 
do período iluminista, culminaram nas revoluções populares de 1848. 
A organização da Comuna de Paris, como ilustração histórica da auto-organização do 
povo, se destacou pela agilidade através da qual o movimento popular articulou a 
transformação do descontentamento com a burguesia na imposição da vontade das classes 
subalternas. 
O triunfo do poder revolucionário, de 18 de março à 28 de maio de 1871, inspirado no 
Manifesto Comunista, foi responsável pela abolição das estruturas permanentes, como o 
Estado e o exército, e instauração de formas de poder democrático através da destruição da 
burocracia estatal. Não foi muito duradoura devido à violência com que foi suprimida e o seu 
 
21 De acordo com Chaui (2010: 96): “Os autores clássicos afirmam que, por natureza, os homens não 
conseguem garantir seus direitos naturais; para garanti-los, recorrem ao contrato social, a partir do qual 
decidem alienar seus direitos naturais a uma instância soberana que os transforme em direitos civis e 
positivos, por meio das leis. Essa instância é o Estado”. 
22 Para Lyra Filho (1987: 178): “A grande inversão que se produz no pensamento jurídico tradicional é tomar 
as normas como Direito e, depois, definir o Direito pelas normas, limitando estas às normas do Estado e da 
classe e grupos que o dominam”. 
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22 
caráter localizado, seguida de um massacre de parisienses de proporções jamais vistas naquele 
século (HOBSBAWN, 2006: 126). 
No final do século XIX, a constante necessidade de expansão do capital resultou no 
capitalismo exercido em sua vertente monopolista, exigindo que a dominação implicasse em 
naturalizar as contradições da burguesia através de uma defesa apologética desse sistema. 
Essa naturalização consiste em omitir e deturpar a conscientização em torno da exploração de 
uma classe pela outra, bem como combater com violência o poder revolucionário.
23
 A filosofa 
Chaui (2010: 100) reparte esse ocultamento em duas linhas de frente, quais sejam: 
O primeiro ocultamento da divisão de classes se dá no interior da sociedade civil 
(isto é, dos interesses dos proprietários privados dos meios sociais de produção) pela 
afirmação de que há indivíduos e não classes sociais, de que esses indivíduos são 
livre e iguais, relacionando-se por meio de contratos (...) O segundo ocultamento da 
divisão de classes se faz pelo Estado, que, por meio da lei e do direito positivo, está 
encarregado de garantir as relações jurídicas que regem a sociedade civil, 
oferecendo-se como pólo de universalidade, generalidade e comunidade imaginárias. 
 
Nesse período, a burguesia dá início ao projeto de supressão das ideias socialistas a 
fim de garantir a supremacia da propriedade e do lucro. Para tanto, reduziu a amplitude 
democrática de suas próprias instituições, dentre elas o direito ao sufrágio universal, os 
direitos civis e a liberdade de imprensa, com o intuito de possibilitar o fortalecimento do 
Poder Executivo e retomar o controle sobre os negócios privados. 
Com efeito, são os anos nos quais a burguesia é forçada a recorrer, como vimos, a 
instrumentos políticos suplementares (imposição legal de taxas onerosas e garantias 
para a publicação em órgãos de imprensa), com o objetivo de reduzir ao máximo ou 
cancelar inteiramente a influência ideológica das classes subalternas. (LOSURDO, 
2004: 153). 
 
Os teóricos liberais, após terem abandonado a crítica da estrutura econômica e das 
formas superestruturais correspondentes de dominação do homem pelo homem, se limitaram, 
numa espécie de reificação, ao questionamento da esfera política. Nesse aspecto, a 
democracia advinda do modelo liberal é conduzida como imagem e semelhança de uma 
superestrutura jurídica fundada na generalização abstrata. 
(...) o argumento é que a “abstração” que testemunhamos não é apenas um traço da 
teoria jurídica, que em princípio poderia ser remediado através de uma solução 
teórica adequada, mas uma contradição insolúvel da própria estrutura social. 
(MÉSZÁROS, 2008: 159). 
 
 
23 Ao se referir ao pensamento de Marx, Chaui (2010: 100) discorre que “a sociedade capitalista, constituída 
pela divisão interna de classes e pela luta entre elas, requer para seu funcionamento, a fim de recompor-se 
como sociedade, aparecer como indivisa, embora seja inteiramente dividida”. 
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utiliza-se do direito como forma de ocultar a divisão de classes
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23 
A crítica marxiana
24
 tem contribuição central nesse debate, por compreender que a 
sociedade civil é a condição material de existência das relações jurídicas e das formas de 
Estado. No Estado burguês, a sociedade civil forma uma indivisível categoria histórico-social 
em que a força produtiva revela ser o mais importante elemento para o desenvolvimento 
humano. Nesse sentido, orompimento com a ideologia liberal clássica se dá pela percepção 
de que a existência social do ser humano é que determina a sua consciência, e não o 
contrário.
25
 
Lembramos, com Marx, que consciência é conscientização; e também que liberdade 
é libertação; isto é, consciência não é uma coisa que nós temos, porém que vamos 
construindo, vamos livrando do que nossos dominadores botam lá (ideologia); e 
liberdade também não é uma coisa que nós possuímos; pelo contrário: ela vive 
amarrada e nós temos de cortar os nós. (LYRA FILHO, 1987: 175). 
 
A teoria crítica de Marx trata de visualizar, em cada caso concreto, a relação entre a 
estrutura social e política e a produção, já que o material, ou seja, a condição de vida dos 
indivíduos, é o determinante para o materialismo histórico. 
Quando a análise política fica alienada de sua forma econômica ou social o resultado é 
a perpetuação de uma análise totalizante que desagua na crise da generalidade abstrata.
26
 Por 
isso, a distinção entre Estado político e sociedade civil é parte fundamental para a superação 
desse processo político alienante. 
2.3. Breve histórico do surgimento do monopólio dos 
meios de comunicação de massa 
Como já foi dito aqui, num contexto de monopólio do controle dos meios de produção 
material, a classe dominante se esforça para controlar também os meios de produção 
 
24 Santos (1988: 70) enaltece a importância da teoria marxista para o pensamento de transformação social e 
aponta que devemos “fertilizá-la com os resultados científicos de outras tradições teóricas, numa atitude 
científica pluralista, ainda que não eclética, e sem abrir mão da lógica (que não apenas das categorias) da 
teoria marxista (para o que terá de atender-se a condições tão diferentes como o nível cultural dos 
participantes em debates democráticos cada vez mais amplos e a materialidade das condições políticas de 
cada país)”. 
25 Para reforçar essa imagem, Freire (2006: 12) afirma que: “O mundo da consciência não é criação, mas sim, 
elaboração humana”. 
26 CHASIN, José. A Determinação Ontonegativa da Politicidade. Ensaios Ad Hominem - edição especial, 
Tomo III - Revista de Filosofia/ Política/ Ciência da História. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 
2000. 
anaco
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24 
espiritual. Por seus amplos poderes de persuasão e desinformação, os mass media
27
, como são 
atualmente chamados, nas mãos dos maiores interessados na manutenção dessa ordem social e 
na reprodução do capital, possuem central relevância no processo de (des)emancipação da 
democracia burguesa. 
A fim de viabilizar a livre formação da opinião pública, Marx, ainda antes do 
surgimento do capitalismo monopolista, ressaltava a importância da existência de uma 
imprensa livre para a prática social, e consequentemente para o processo democrático. 
A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo 
nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a 
cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza as 
suas formas brutas. (MARX, 2010: 60) 
 
A definição de imprensa livre idealizada por Marx é semelhante à visão que Hegel 
tinha da imprensa de sua época. Para este, a imprensa era como um meio de exercício da 
cidadania, por aproximar o individual ao coletivo na formação de consciência.
28
 
Foi o caso da função primordial exercida pelo jornal durante a Revolução Francesa 
que serviu de instrumento do Terceiro Estado na promoção de debates e na articulação da 
sociedade civil. Também há relatos de que o estilo rabelaisiano de crítica política ressurgiu 
nesse período com o uso da pornografia contra a realeza, a nobreza e o clero, constituindo em 
uma arma importante de ridicularização dessas figuras.
29
 Ainda nesse momento, o baixo custo 
de produção e publicação permite o acesso das camadas populares aos meios de informação. 
O papel revolucionário da imprensa escrita, fundamental nos levantes revolucionários 
do século XVIII e XIX, fez com que, depois desses eventos, a burguesia acentuasse o rigor 
das multas e penas, contra os jornais populares, previstas nas leis de imprensa além de onerar 
as garantias em espécie que deveriam ser depositadas para o registro de um órgão de 
imprensa. Tem-se notícia de que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário, a partir de 
 
27
 Chaui (2010: 80) revela que: “Em latim, meio se diz medium e, no plural, media, os meios. É essa palavra 
latina que aparece na expressão inglesa mass media (cuja pronúncia, em inglês, é mídia), que, literalmente, 
significa dar a perceber as coisas por intermédio de imagens visuais e sonoras, isto é, por meio de signos ou 
sinais”. 
28 ARBEX, José. A escola Goebbels. São Paulo, 2006. Artigo disponível em 
<http://www.apropucsp.org.br/revista/revista_25.htm>. Acesso em 15 de dezembro de 2011. 
29 O estilo rabelaisiano de crítica política ressurgiu na Revolução Francesa pelo uso da pornografia contra a 
realeza, a nobreza e o clero como uma arma importante de ridicularização dessas figuras. Nesse período “(A 
mídia radical) moldou a opinião pública de duas maneiras: fixando o descontentamento em impressos 
(preservando e propagando a palavra) e o inserindo em narrativas (transformando a conversa em discurso 
coerente)”. (DARNTON apud DOWNING, 2002: 203) 
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Pessoas que não faziam parte da nobreza nem do clero
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25 
então, também passaram a tratar com mais rigorismo as penas impostas, em especial contra a 
imprensa operária
30
. 
Com a conquista do direito ao sufrágio universal pelas lutas populares, a possibilidade 
de participação política e a ascensão da camada subalterna se transformaram em uma 
preocupação constante da classe dominante. Por esse motivo, os efeitos da crise do 
liberalismo na democracia se estenderam para além da problemática da propriedade privada, o 
que corroborou para aniquilar o próprio núcleo das pretensões emancipatórias do período 
iluminista, como aconteceu com o ideal da livre formação da opinião pública a ser tratado em 
tópico posterior. 
Às vésperas da derrocada generalizada das restrições censitárias que se seguiria à 
Primeira Guerra Mundial e à Revolução de Outubro, Lenin analisa de que modo, 
apesar da grande extensão do sufrágio conquistada através de uma longa luta, as 
instituições políticas continuam a excluir ou marginalizar as classes subalternas: por 
um lado, há 'a organização puramente capitalista da imprensa cotidiana'; por outro, 
alguns aspectos menores na legislação eleitoral desestimulam os pobres 'a participar 
ativamente da democracia' (Lenin, 1965b, p. 918ss.). (LOSURDO, 2004: 330) 
 
O início da formação do monopólio privado da comunicação data da segunda metade 
do século XIX e propiciou, juntamente ao processo de modernização, o surgimento de uma 
comunicação de massa.
31
 Segundo Hobsbawn (2006: 82), nos anos de 1890, um jornal na 
Inglaterra alcançou a marca de um milhão de exemplares vendidos. 
A transição para o capitalismo monopolista não apenas dificultou a utilização dos 
meios de comunicação como aparatos contra-hegemônicos, como também possibilitou a 
utilização desses veículos como fonte de controle e censura estatais e privados. 
Como vimos, após ter abandonado o projeto liberal clássico em nome da 
modernização em favor de uma classe, a burguesia deu início ao projeto de naturalização das 
contradições socioeconômicas, fortalecida pela disseminação daquela ideologia apologética 
através dos meios de comunicação. 
O desenvolvimento de tecnologia cada vez mais sofisticada e de alto custo, atrelada à 
constante necessidade de expansão do capital, permitiu aos donos dos meios de produção a 
dominação dos veículos de comunicação de massa.30
 LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de 
Janeiro: Editora UFRJ/ Editora UNESP, 2004, pp. 148-151. 
31 Temos comunicação de massa quando a Fonte é única, centralizada, estruturada segundo os modos da 
organização industrial; o canal é um achado tecnológico que influi sobre a própria forma do sinal; e os 
destinatários são a totalidade (ou um número muito grande) de seres humanos em diferentes partes do globo. 
(Eco, 1984: 171) 
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26 
Os sindicatos, partidos populares e operários, desarticulados pela institucionalização 
de suas categorias e enfraquecidos pela publicidade conservadora, que lhes taxava de 
manipuladores de uma massa “criança” e repressores do “indivíduo”, também foram vítimas 
do projeto de extirpação da política como forma de libertação das classes subalternas.
32
 Isso 
sem falar das legislações contemporâneas que dificultam, por meio da burocratização, a 
mobilização popular pelo uso dos meios de comunicação, especialmente no que se refere às 
rádios comunitárias. 
A categoria de “massas”, no entanto, não pode ser restringida à problemática do 
mundo moderno e da modernidade, sob pena de recair na análise liberal que sustenta o 
absenteísmo político da “multidão criança”, como acabou fazendo a teoria crítica de Adorno 
ao longo do tempo, que deixou de lado a relação entre o popular e a estrutura do capital, 
negligenciando a dimensão do popular. Mais útil é a análise de Benjamin que descobriu na 
mediação histórica entre os meios de produção e a cultura popular a chave para pensar a 
experiência social. 
A partir disso é lícito dizer que, não apenas o processo econômico é que se mostra 
determinante para a desarticulação do processo de emancipação política em torno de uma 
imprensa revolucionária, como comenta Losurdo (2004: 157): 
O domínio da burguesia não estará suficientemente sólido e garantido enquanto o 
monopólio da força armada não estiver completado pelo monopólio da produção 
espiritual, isto é, pela supressão seja dos meios de informação, seja dos partidos que, 
por causa da sua organização e da sua relação com classes sociais antagônicas em 
relação às dominantes, se configuram, ou não suscetíveis de se configurar, em 
situações de crise, como uma alternativa de poder. 
 
A classe dominante, exercendo o domínio, a princípio, da imprensa escrita, depois do 
cinema, do rádio e da televisão, por meio do patrocínio das empresas de publicidade, e muitas 
vezes do Estado, descobriu um potente mercado consumidor que poderia servir tanto como 
fonte de lucro quanto de publicidade para os ideais liberais e reprodutor da cultura 
hegemônica
33
. 
Para além da censura estatal pré-existente em diversos países ao longo da história, em 
maior ou menor grau, sob o pretexto de proteger o interesse público, a consolidação do 
capitalismo imperialista foi o divisor de águas para o aparecimento, em escala global, do 
 
32 Losurdo, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de 
Janeiro: Editora UFRJ/ Editora UNESP, 2004, pp. 159-165. 
33
 Para Santos (2010: 295), com o deslocamento da sociabilidade real para uma sociabilidade virtual: “em 
sociedades de consumo dominadas pela cultura de massas e pela televisão, a escola deixou de ter o papel 
privilegiado que dantes tivera na socialização das gerações mais jovens”. 
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27 
fenômeno denominado “censura voluntária em sociedades livres”, expressão que foi 
concebida na introdução da obra A revolução dos bichos escrita por George Orwell.
34
 
A expressão “censura voluntária”, a que nos referimos acima, serve para identificar um 
fato social das sociedades contemporâneas em que se cria um ambiente favorável para que 
algumas ideias sejam silenciadas. Nas palavras de Orwell, ao se referir à Inglaterra livre de 
seu tempo, afirmou que a censura é: “amplamente voluntária. Idéias impopulares podem ser 
silenciadas e fatos inconvenientes podem ser mantidos na ignorância, sem necessidade 
nenhuma de proibição oficial.”
35
. 
O termo “censura” é assim empregado para designar uma circunstância em que a 
classe no poder, com o domínio da mídia, não necessita de uma proibição oficial para que 
algum fato contrário a seus interesses seja abafado, basta que ele não ganhe os holofotes da 
imprensa. E o termo “voluntária” quer dizer que, a sociedade civil, mesmo no exercício da 
liberdade de agir sob um regime aparentemente democrático, aceita a subordinação aos 
detentores dos meios de comunicação de massa, o que gera um ciclo vicioso de controle da 
opinião pública, pelo poder privado, segundo os ditames do discurso da competência e do 
consenso fabricado, como observa Chomsky.
36
 
Nesse ambiente de hegemonia capitalista, segundo Downing (2002: 45), merece 
destaque a reflexão sobre o poder, o capitalismo e a cultura elaborada por Gramsci, que 
sempre buscou ressaltar que: 
a) a hegemonia nunca é um cadáver congelado, sendo constantemente negociada 
pelas classes sociais superiores e subordinadas, b) a hegemonia cultural capitalista é 
instável e sujeita a graves crises intermitentes, ainda que, ao mesmo tempo, c) possa 
desfrutar longos períodos de uma normalidade raramente questionada.
37
 
 
A autocensura dirigida pelos profissionais da mídia tradicional também foi tema da 
análise do pensamento gramsciniano, que propõe um ativismo dos comunicadores em 
conjunto com as classes trabalhadoras
38
, e nos fornece suporte para discutir o papel da mídia 
radical alternativa
39
 como fonte de contrainformação. Ramos (2007: 39) dá destaque a essa 
 
34 CHOMSKY, Noam. Sobre Natureza e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 203. 
35 ORWELL, George apud CHOMSKY, Noam. Sobre Natureza e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 
2006, p. 202. 
36 CHOMSKY, Noam. Sobre Natureza e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 205. 
37 DOWNING, John D. H. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. São Paulo: 
SENAC São Paulo, 2002, p. 50. 
38 Ibid, p. 48. 
39 Para Downing (2002: 41), que afirma a mídia radical como uma alternativa ao paradigma hegemônico; “A 
cultura popular é a matriz genérica da mídia radical alternativa. Ela também se entrelaça com a cultura de 
massa comercializada e com as culturas de oposição. Nas audiências ativas, multiculturais, podemos ver os 
co-arquitetos - juntamente com os produtores de texto - dos significados da mídia, surrupiando, às vezes, o 
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28 
ideia de aparelhos privados de hegemonia, contida em Gramsci, e esclarece que: “(...) a Mídia 
é, no sentido teórico gramsciano que aqui se aplica à análise de suas funções socioculturais e 
político-econômicas, parte integrante, e fundamental, da sociedade civil”. A partir disso 
podemos indagar como podemos democratizar uma instituição que emerge da própria 
sociedade civil. 
2.4. O “consenso fabricado” pelo paradigma liberal 
através dos meios de comunicação de massa 
Como nenhum aspecto da vida social poderia ficar de fora do controle do capital, os 
processos educacionais passaram também a refletir os processos sociais de reprodução 
segundo uma lógica global de um determinado sistema de produção. Afirma Emir Sader 
(apud MÉSZÁROS, 2010: 16) que: “O enfraquecimento da educação pública, paralelo ao 
crescimento do sistema privado, deu-se ao mesmo tempo em que a socialização se deslocou 
da escola para a mídia, a publicidade e o consumo”. 
O estímulo à passividade e ao entretenimento supérfluo propagados pelos veículos de 
comunicação hegemônicos se torna a combinação perfeita para a segurança da perpetuação da 
reprodução social burguesa. 
Se, por um lado, a passividade ensinada nas escolas, na imprensa e nos núcleos 
familiaresignoram a prática social e garantem a camuflagem da irracionalidade por detrás da 
desigualdade gerada pela propriedade privada; por outro, a indústria do entretenimento e a 
mídia se responsabilizam pela criação de desejos artificiais e pela conformação acrítica do 
ócio, desenvolvendo uma relação entre persuador e persuadido. Esclarece Meszáros (2008: 
30) que “a exploração capitalista do ‘tempo dedicado ao lazer’ levada hoje à perfeição sob o 
domínio do ‘espírito comercial’ mais atualizado, parecia ser a solução, sem que se alterasse 
minimamente o núcleo alienante do sistema”. 
O caráter manipulador da imprensa na criação de desejos artificiais e na dissuasão da 
opinião pública, dominada por uma elite com motivos para ser desonesta com o povo, foi 
identificado por Noam Chomsky (2006: 222) como um produto histórico desde a Primeira 
Guerra Mundial sob a alcunha de “consenso fabricado”. A expressão serve para indicar que a 
 
que desejam dos produtos da mídia e subvertendo os valores originalmente pretendidos. Por sua vez, alguns 
desses co-arquitetos, recorrendo aos movimentos populares e às culturas de oposição, podem tornar-se, eles 
próprios, produtores da mídia radical e, então, expor-se ao risco dos larápios de texto.”. 
29 
censura estatal e o uso da violência contra o povo são dispensados quando a comunidade 
empresarial, que exerce o domínio sobre a imprensa escrita e sobre o serviço público de 
radiodifusão na maioria dos países democráticos, é unânime quanto ao fato de que alguns 
pensamentos devem ser eliminados da esfera social. 
Segundo Chomsky, a disseminação do controle da sociedade pela propaganda no 
século XX se deu primeiramente pelas agências de propaganda do Estado, que experimentou 
o auge da perversão através das experiências realizadas por Joseph Goebbels, o ministro da 
propaganda da Alemanha nazista, e depois pelas grandes indústrias de relações públicas, 
publicidade e cultura de massa. Como observa Losurdo (2004: 299), Goebbels: 
estava plenamente convencido da eficácia de uma propaganda baseada no modelo de 
publicidade comercial, da repetição sistemática e destituída de argumentos racionais. 
No entanto, desenvolvendo-se entre dois conflitos mundiais e na preparação de uma 
guerra total, a propaganda nazista (e fascista) não pode deixar de ser imediata e 
explicitamente ideológica. E, ao contrário, é no âmbito do bonapartismo soft e dos 
períodos de normalidade que a propaganda política tende não só a se modelar de 
acordo com a publicidade comercial, mas a se identificar com ela
40
. 
 
O impacto da propaganda sobre a opinião pública durante a Segunda Guerra Mundial 
recebeu os holofotes dos doutrinadores da moderna democracia política. Pouco depois do fim 
da guerra, Edward Bernays publicou um manual da indústria de Relações Públicas, em que 
sustentava ser o consentimento manipulado pela “minoria inteligente” a base do processo 
democrático.
41
 
Dessa forma, a existência de uma subordinação voluntária ao poder, inclusive à mídia, 
nas sociedades contemporâneas, foi analisada por Chomsky. Esse fenômeno remete a uma 
crítica à democracia representativa, referindo-se à problematização de uma “submissão 
implícita” dos governados a um pequeno grupo de governantes, já traçada há mais de dois 
séculos por David Hume. 
Chomsky polemiza a submissão do povo ao “clero secular”, termo batizado pelo 
filósofo Isaiah Berlim para designar o grupo formado por intelectuais da elite que apostam 
num sistema de democracia no qual as decisões devem ser tomadas pelos detentores da 
“sabedoria”. Conclui o autor que, quanto mais livre um governo, maior será a tarefa do “clero 
 
40
 Losurdo utiliza o termo “bonapartismo soft” para se referir à incorporação da democracia burguesa com 
elementos do bonapartismo que veio a caracterizar o cenário político do século XX. A base teórica desse 
regime, fixado no fortalecimento do Executivo, encontra-se na tradição liberal de discriminação de amplas 
classes sociais da participação política. 
41 Chomsky, Noam. Sobre Natureza e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 226. 
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30 
secular” de limitar ao máximo a liberdade de agir do povo, que apresenta considerável poder 
sobre uma superpotência.
42
 
Em um ensaio publicado no Brasil, Chomsky (1996) questiona a premissa maior do 
pensamento progressista moderno de que o povo deve se submeter, ou seja, nas sociedades 
democráticas os governados possuem apenas o direito ao consentimento. O pensamento de 
Chomsky rebate a teoria dos ideólogos liberais da esfera política que considera o público 
como meros espectadores e não como participantes e continuam a disseminar a teoria da 
massa “criança”, que necessita ser governada para o seu “bem”, bem como a problemática da 
distinção entre Estado e sociedade civil idealizada pela doutrina liberal.
43
 A democracia 
representativa da concepção liberal de política e economia é um problema pois, de acordo 
com Chomsky (2006: 230): 
o regime neoliberal solapa a soberania popular, transferindo o poder decisório dos 
governos nacionais para um 'parlamento virtual' de investidores e credores, 
organizados principalmente em instituições corporativas. Esse parlamento virtual 
pode brandir o 'poder de veto' contra o planejamento governamental, por meio da 
fuga de capital e de ataques à moeda, graças à liberalização dos fluxos financeiros, 
que fez parte do sistema de Bretton Woods, instituído em 1944. 
 
Assim, constatamos que, uma vez que o moderno capitalismo monopolista acentua as 
contradições das categorias de liberdade e igualdade, o controle e a manipulação das massas 
se fazem cada vez mais presentes, tanto quanto necessários, para a omissão da crise de 
legitimidade dessa democracia representativa. Por uma via, requer um Estado capaz de 
reprimir e desarticular a sociedade civil; pela outra, depende do poder sobre os meios de 
comunicação para a propagação da ideologia dominante. 
Desse modo, os grupos concentrados, amparados por legislações, ora sem eficácia 
jurídica, ora protetoras dos interesses hegemônicos, são fortalecidos pela carência de pressão 
popular para coibir a formação de monopólios e garantir o direito à comunicação, reduzindo o 
potencial democrático das tecnologias de comunicação e omitindo a guerra travada pelo 
controle global dos conteúdos informativos e de entretenimento. 
Podemos dizer, portanto, que assistimos à descaracterização da liberdade de expressão 
cidadã em favor de uma liberdade de expressão comercial, em outros termos, a 
 
42 A visão daqueles que creem nesse modelo de democracia representativa remete às ideias defendidas por 
Locke e Benjamin Constant que compartilhavam o pensamento de que os indivíduos das classes 
trabalhadoras são como crianças, sem tempo e habilidade para se aculturalizar (Losurdo, 1998: 212). 
43 Chomsky, Noam. Sobre Natureza e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 225-230. 
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31 
mercantilização da esfera pública.
44
 Após a consolidação do capitalismo imperialista rumamos 
à consolidação da dependência econômica, social e cultural do capital, representado pelo 
mercado global. 
À medida em que a emancipação social está relacionada com uma organização política 
através de uma comunicação democrática, certamente o caminho para a conquista de uma 
democracia real passa pela desvinculação entre a mídia e o sistema político, o sistema 
produtivo e a publicidade comercial.
45
 
Por fim, diante do reconhecimento histórico de que os direitos civis e sociais não 
foram meras concessões do regime liberal
46
, mas conquistas das lutas populares, a contragosto 
dos ideólogos da moderna democracia burguesa,especialmente no que diz respeito ao direito 
à representação das classes subalternas, compreendemos também que os meios de 
comunicação contra-hegemônicos representam um veículo essencial de manifestação popular 
para a construção de novas formas de participação e democracia. E ainda mais do que isso, a 
partir do momento em que o sistema democrático liberal não é capaz de demonstrar a sua 
legitimidade, as suas instituições devem ser submetidas ao controle do povo. 
Por outro lado, para que as garantias formais da consulta ao povo sejam 
legitimadoras, é preciso não só que se façam sem as restrições capciosas de leis 
cheias de manhas, como também permitam o trabalho de conscientização popular 
pelos líderes progressistas, sem restrições de pessoas e correntes, no acesso livre aos 
meio de comunicação e organização de massas. Isso é uma questão jurídica também. 
(LYRA FILHO, 1987: 170). 
 
Nesse sentido, a comunicação deve ser compreendida como meio constitutivo da 
condição humana. A soberania da comunicação midiática hegemônica, portanto, não pode 
prevalecer no enfoque do debate, sob o risco de assumirmos, bem como a análise liberal, a 
condição de inferioridade da comunicação humana, em que a alienação, produto da 
racionalidade mercantil, deturpa a consciência social. Em resumo, não se trata apenas de 
denunciarmos a dominação institucional e o poder do mercado da comunicação social. A fim 
de avançarmos na análise desse poder que tem a pretensão de ser hegemônico, necessário 
considerar o poder da comunicação contra-hegemônica para a emancipação social. 
 
44 SEL, Susana. Politicas de comunicacion en el capitalismo contemporaneo: America Latina y sus 
encrucijadas/ coord. Susana Sel ; Daniel Hernandez ... et al. Buenos Aires: CLACSO, 2010, p. 9. 
45 ZOLO, Danilo. apud LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do 
sufrágio universal. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/ Editora UNESP, 2004, p. 329. 
46 Adverte Chaui (2010: 111) que: “É evidente que a classe dominante moderna, liberal ou conservadora, 
jamais foi nem pode ser democrática, e, se as democracias fizeram um caminho histórico, isto se deve 
justamente às lutas populares pelos direitos que, uma vez declarados, precisam ser reconhecidos e 
respeitados. A luta popular pelos direitos e pela criação de novos direitos tem sido a história da democracia 
moderna”. 
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32 
3. AS BARREIRAS AO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA 
RADIODIFUSÃO NO BRASIL APÓS A DITADURA MILITAR 
Desde que a democracia burguesa
47
 abandonou seus ideais do liberalismo clássico e se 
desintegrou para um processo (des)emancipatório de uma democracia baseada na 
representação de uma classe dominante, na apropriação do espaço público pelo privado e na 
dicotomia entre sociedade civil e Estado, fundamentados no direito à propriedade privada, 
assistimos ao esvaziamento da politização e da referência ao poder popular que, como vimos, 
não ocorreu apenas por determinismos econômicos. 
Assim, por concepção liberal da democracia nos referimos a um modelo de 
representação política baseado em uma superestrutura jurídica arquitetada sob a igualdade e a 
liberdade formal abstrata de uma universalidade de indivíduos em que a estrutura de poder 
reflete a sua estrutura econômica. 
Como foi exposto no capítulo precedente, a abstração se tornou uma característica das 
ordenações jurídico-formais contemporâneas. Especialmente nos anos que seguiram à 
Segunda Guerra Mundial, a decadente democracia burguesa encontrou, na “ilusão jurídica” da 
legislação dos direitos humanos e nas Constituições liberais, uma maneira de atender, em 
nível abstrato, aos anseios da luta popular por direitos sociais e econômicos, sem a 
necessidade de tocar na questão da concentração da propriedade e na questão social como 
forma de opressão decorrente de uma estrutura econômica desigual.
48
 
 A questão social foi negligenciada pela ideologia liberal, a qual defende a ideia de que 
os direitos institucionalizados são mais essenciais para a diminuição das desigualdades do que 
a participação ativa dos sujeitos na vida política.
49 
No campo jurídico, essa ideologia 
dominante se expressa pelo pragmatismo positivista ou iusnaturalismo metafísico baseados no 
estímulo à institucionalização de direitos formais, ainda que continue sem solução a questão 
 
47 De acordo com Ramos (2007: 32): “A idéia ocidental de democracia é semente que começou a germinar nos 
países capitalistas centrais há pouco mais de 200 anos, na esteira do pensamento iluminista e das revoluções 
burguesas na Inglaterra e França, e da guerra de independência dos Estados Unidos. Nesses três cenários 
formou-se o conceito moderno de democracia representativa, republicana ou monárquica, parlamentar ou 
presidencialista, politicamente liberal e economicamente capitalista.”. 
48 Lyra Filho (1987: 169) recorda que: “De qualquer maneira, em sistema capitalista ou socialista, a questão 
classista não esgota a problemática do Direito: permanecem aspectos de opressão dos grupos, cujos Direitos 
Humanos são postergados, por normas, inclusive legais. Já citamos a questão das raças, religiões, sexos - que 
hoje preocupam os juristas do marxismo não dogmático”. 
49 MEKSENAS, Paulo. Cidadania, Poder e Comunicação. São Paulo: Cortez, 2002, p. 72. 
33 
em torno da efetivação desses direitos, em detrimento da criação de alternativas a esse estado 
das coisas com base na crítica ao modelo socioeconômico e na participação do cidadão na 
esfera pública
50
. 
A conversão da política numa prática social específica atingiu a culminância na 
teoria política liberal, pois tanto impunha o controle da incorporação/exclusão da 
classe operária no exercício do poder político capitalista. A ideia de cidadania ficava 
à porta da fábrica para que a política das relações de produção não se reconhecesse 
nas relações de produção política. (SANTOS, 1988: 74). 
 
Para Mészáros (2008: 159), uma vez que esse sistema não é capaz de garantir 
liberdade e igualdade real para todos os indivíduos, “(...) essa insistência sobre 'os direitos do 
homem' não é mais que um postulado legalista-formal e, em última instância, vazio”. 
Embora a relação entre os direitos fundamentais e a liberdade real tenha sido teorizada 
inclusive por autores liberais, como Bobbio e Arendt, não pode ser compreendida sem a 
tradição cultural e política que propõe a superação da divisão de classes. No plano jurídico 
internacional acontece que, por meio de marcos legais protetores de todas as formas de 
dignidade humana, cria-se a ilusão de estarmos evoluindo para uma democracia substancial 
global, enquanto no mundo real verificamos algo mais parecido com uma democracia formal 
constantemente ameaçada pelo estado de exceção, para citarmos um estado de organização 
jurídico-social extensamente trabalhado por Giorgio Agambem
51
. 
Assim, em nossas sociedades, a lei e o Estado, que devem proteger a propriedade 
privada, porque esta é um direito do homem e do cidadão, só poderão defendê-la 
contra os sem-propriedade, de sorte que a defesa do direito de alguns significa a 
coerção, a opressão, a repressão e a violência sobre outros, no caso sobre a maioria. 
(CHAUI, 2010: 101) 
 
Se ainda há aqueles que resistem em reconhecer que essa relação de opressão, narrada 
por Chaui, decorre, principalmente, da exploração de uma classe sobre a outra por meio do 
trabalho, uma coisa é certa, não é uma estrutura que pode a longo prazo se manter. 
 
50 Alguma relação entre os direitos formais e a sociedade da aparência, esta ensaiada pela nobreza há séculos 
atrás como pode ser constatado pela leitura da obra Lazarillo de Tormes, demonstra como muitas vezes

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