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A REVOLTA DO VINTÉM (1880)

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A REVOLTA DO VINTÉM (1880) [Digite uma citação do documento ou o resumo de uma questão interessante. Você pode posicionar a caixa de texto em qualquer lugar do documento. Use a guia Ferramentas de Caixa de Texto para alterar a formatação da caixa de texto da citação.]
Disputas Políticas e Conflito Urbano na Corte Imperial
O artigo que segue teve como referência o trabalho “A Revolta de 1880 e o Discurso do Vintém” apresentado em out. de 1984 para a disciplina Introdução ao Estudo da História III, ICHF,UFF
 * Mauro Cesar Manzione
É verdade que somos muito do mito que para nós se criou. Existe realmente essa “alma carioca” da qual tantos falam! Mas nela cabe mais do que o espírito do malandro arrivista. Várias vezes o povo carioca foi às ruas, não para desfilar, mas para protestar... reivindicar. Em alguns momentos com consciência, em outros, nem tanto, mas... quase sempre com carradas de razão! A Revolta do Vintém é um desses episódios, meio esquecido, onde o povo dessa cidade torna-se protagonista e revela que possui, também, uma veia dramática. 
Lá pelos idos de 1880 a cidade do Rio de Janeiro era o centro do Império: a Corte! Espaço político das instituições fundamentais de nossa Monarquia Constitucional Escravista. Já revelava uma de suas principais características: a sobreposição das questões nacionais e municipais. O sistema monárquico e o escravismo agonizavam. Ventos de outros impérios sopravam mais forte! Os liberais governavam através de um Gabinete liderado pelo Senador Sinimbu, que colecionava opositores, mesmo dentre seus correligionários, dado o fracasso em apresentar um Projeto de Reforma Eleitoral e a Lei Orçamentária para o exercício seguinte. As discussões parlamentares sobre a Lei Orçamentária são nosso ponto de origem
 (...)O imposto é uma medicina, senhores, e a medicina trata de curar o doente e não de agradar-lhe. Os chímicos hábeis podem dar-lhes uma aparência que admire os olhos, mas o que não poderão dar-lhes, em caso algum, é um gosto agradável. (Anaes, 1879, p.86)
Em maio de 1879, com essas falas, o Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda, Sr. Affonso Celso, apresentou à Assembléia Geral sua proposta de Lei Orçamentária para o exercício de 1879/1881. O objetivo era sanear o (crônico) déficit do Thesouro Geral. Até outubro, quando a lei foi aprovada, muita polêmica surgiu. O projeto estava repleto de impostos e novas taxas. Dentre elas, uma nova taxa a ser cobrada sobre os transportes, e particularmente sobre os transportes férreos urbanos. Após várias emendas, idas e vindas entre a Câmara e o Senado, o texto final da lei, no 2º parágrafo do artigo 18, determinava que seria cobrada uma taxa de 20 réis (1 vintém), por passageiro que circulasse nas linhas férreas do Rio de Janeiro e subúrbios, nos tramways ou carris de tração animada ou a vapor, a partir de 1º de janeiro. Estabelecia também, que a regulamentação da taxa se faria através de entendimento entre o Governo e as Companhias de Transportes.
A forma final da lei, e isso não passou despercebido a vários legisladores, apresentava pontos questionáveis e de difícil entendimento: a taxa havia sido aplicada apenas sobre os transportes do Rio de Janeiro, isto é, as Cias. de Bondes; recaia com igual valor independente do percurso ou preço da passagem; repassava para o Governo e as própria Companhias a tarefa de regulamentá-la e dispor seus meios de arrecadação... Abstendo-se o Parlamento de faze-lo!?
Em 1854 foi inaugurada a primeira estrada de ferro do Brasil que ia de Mauá ao pé da Serra, depois subindo até Petrópolis. Em 1858 foi a vez da Estrada de Ferro D.Pedro II. Vieram em seguida a Rio D’Ouro, Leopoldina e Linha Auxiliar. Em 1859 a Cia Carris de Ferro da Tijuca punha a circular o primeiro bonde a tração animal. Depois vieram a Cia. Botanical Garden Rail Road, a Rio de Janeiro Street Railway Company, a Cia Ferrocarril da Vila Isabel dirigida pelo conhecido Barão de Drumond (Neto,1965, p.350). As linhas de bondes e trens possibilitaram o acesso a várias regiões da cidade. Os bondes para Botafogo, São Cristovão, Vila Isabel e os trens para as regiões mais distantes do subúrbio e Zona Oeste. A irradiação dos transportes gerou investimentos sobre o solo pela criação de vários loteamentos que impulsionaram a ampliação da cidade e definiram o lugar da moradia de ricos e pobres. Os casarões, casas de porão alto e os sobrados nas áreas mais abastadas em Botafogo e São Cristovão. As vilas, estalagens e cortiços nas áreas populares do Centro, Gamboa e Saúde. Nesse momento os serviços públicos eram prestados, em grande parte, por concessionárias estrangeiras como a City Improvements (esgoto), a Cia Ferry (barcas), a Botanical Garden (bondes), a Leopoldina Railway (trens), a Societé Anonyme (gás), caracterizando-se na cidade a época de expansão do capital industrial. 
A reunião entre os Diretores das Cias. e o Ministro da Fazenda ocorreu no Departamento do Thesouro no dia 17 de novembro. Determinou-se que as Cias. deveriam entender-se para organizar a melhor forma de arrecadar a taxa. Quase um mês após, o Decreto 7565 regulamentou a arrecadação da taxa: nascia o “imposto do vintém”! O Decreto estabeleceu que a cobrança da taxa de transportes seria feita através de bilhetes que incluiriam ao valor da passagem a soma de 20 réis. A arrecadação seria realizada pela Administração das Companhias em nome do Governo Imperial, sendo seu produto recolhido mensalmente ao Thesouro. As Cias. estavam autorizadas a emitir bilhetes utilizados para o pagamento da passagem. O passageiro receberia do trocador um cupom e deveria exibi-lo sempre que fosse exigido pelos agentes do Fisco ou das Cias. Caberia as autoridades policiais prestar “o auxílio necessário quando lhe fosse requisitado”. O controle sobre o cumprimento da regulamentação ficaria ao encargo dos engenheiros e fiscais dos tramways, podendo o Governo examinar os livros contábeis das Cias. quando julgasse necessário.
Ora, desde que votada a Lei Orçamentária, a discussão sobre o “imposto do vintém” já estava posta. Após a regulamentação dos meios de arrecadação a imprensa da Corte repercutiu, quase diariamente, análises sobre as conseqüências de sua aplicação. Principalmente a Gazeta de Notícias, Jornal do Commércio e o Diário Official. Tais periódicos travaram ferrenho debate sobre o tema. Interessante perceber-se que o regulamento tornou-se o centro do debate, principalmente por permitir a emissão de bilhetes que poderiam tornar-se moeda corrente e possibilitar o uso da força policial contra cidadãos de bem!
A aplicação prática do regulamento era tão complicada que alguns articulistas sob pseudônimo especulavam se a tal reunião entre Governo e Cias. não fora a oportunidade para uma negociata, que ao não se concretizar, gerara um filho indesejado! Fato é que a relação entre as Empresas de Serviços e o Estado eram marcadas pela dependência política. As Empresas dependiam dos favores, privilégios e concessões do Governo em troca de “contribuições” ou serviços como alargamento de ruas, construção de estações, etc. No caso das Companhias de Bondes, determinar o tempo de exploração de linhas ou regiões, fato importantíssimo para sua saúde financeira, era prerrogativa do Estado. A poderosa Cia. Botanical Garden estava prestes a ver espirarem-se suas concessões! Apresentou a proposta de adiantar o valor do imposto aos cofres públicos por estimativa, e depois incluí-lo na passagem, o que evitaria todos os incômodos da cobrança direta do imposto e garantiria a continuidade de suas concessões. Seria impossível tal solução sem o concurso de todas as Companhias...
Enfim, o imposto foi cobrado a população da cidade! Através de meios de arrecadação vexatórios! Decididos num entendimento entre Cias. e Governo... E pairava no ar a desconfiança de que o próprio Parlamento aprovara uma lei sem regulamentá-la para proporcionar ao Governo a oportunidade de negociar com as Empresas,principalmente a Botanical Garden, novas concessões de prazos e linhas. 
- “o nobre Senador (...) também se referia ao imposto sobre passageiros, não sei porque lado seja considerado vexatório...
- na cobrança...
- a cobrança, uma vez que o governo se entenda com as companhias, suponho que não será muito difícil. O governo poderia até dar uma percentagem às companhias para esse trabalho...” (Anaes,1879, p.70) 
Com a aproximação do final de dezembro o ambiente da Corte foi ficando mais tenso. As discussões presentes nas folhas dos jornais ganharam as ruas, praças e teatros. Começava a propagar-se a idéia da “Revolução do Vintém”. Todos os que se opunham ao Gabinete Sinimbu, liberais, republicanos e abolicionistas, apontavam a possibilidade de realizar-se uma “revolução” pacífica e ordeira, caracterizada simplesmente pela negação à compra de bilhetes ou a recusa do pagamento do imposto. Desta festa cívica participaria a chamada “classe média”, composta de profissionais liberais, intelectuais, funcionários públicos, empregados do comércio, pequenos lojistas e artesãos, gente que comprava e lia jornais e, muito importante, usava os bondes. Não se contava com o “zé-povinho”, isto é, as camadas mais empobrecidas e marginalizadas da sociedade. O bonde ainda não era seu meio de transporte usual. Levavam até as áreas mais nobres da cidade, as passagens eram caras, e ainda mais, a elite política e intelectualizada da Corte olhava com enorme desdém esses segmentos, considerando que os pobres sofriam de patológica passividade.[Digite uma citação do documento ou o resumo de uma questão interessante. Você pode posicionar a caixa de texto em qualquer lugar do documento. Use a guia Ferramentas de Caixa de Texto para alterar a formatação da caixa de texto da citação.]
Políticos históricos como Lopes Trovão, Ferreira de Meneses, Paula Ney, Ferro Cardoso, José do Patrocínio, compondo um eclético grupo, uniram-se à sociedade nos meetings, teatros e manifestos pela “Revolução do Vintém”! Dia 28 de dezembro uma multidão reuniu-se no Paço de São Cristovão para entregar ao Imperador uma petição. A protelação do Monarca e a visão das “bengalas de Petrópolís” (cassetetes das tropas) dissuadiram os manifestantes. Os políticos que apoiavam o Gabinete, os Diretores das Cias. e ainda os políticos conservadores, ansiosos de retomarem sua posição próximos ao Imperador, proclamavam o perigo da revolta que estaria por desencadear-se. Uma “jornada republicana” insuflada por “agitadores profissionais”, no intuito de desestabilizar a Monarquia, ameaçando a ordem monárquica! 
“Para tal commetimento
Sem grita sem assodamento
Basta firme abstenção(...)
Sim basta que ninguém entre
Nos bondes ninguém se assente (...)” (Gazeta de Notícias, dez./1879)
Em sua edição de 2 de janeiro de 1880 o Jornal do Commércio afirma que “as primeiras horas do dia 1º correram tranquilamente”, as Cias. aconselharam que não fossem molestados os passageiros que se recusassem a pagar o imposto. Ao meio dia, junto ao chafariz do Largo do Paço, reuniu-se “crescido número de pessoas”. O Sr. Lopes Trovão tomou a palavra e conclamou o povo a resistência pacífica, pela simples recusa do imposto. “Apesar de ouvirem-se alguns gritos sediciosos” não houve intervenção policial e o ajuntamento seguiu pelo lado do Paço, rua Direita e Ouvidor. No trajeto novos oradores fizeram-se ouvir. Formaram-se grupos que percorreram as ruas Uruguaiana, da Carioca, Visconde do Rio Branco, Largo de São Francisco até a Estação da Cia. Villa Isabel, no fim da rua do Aterrado. Neste ponto “os amotinadores” inutilizaram vários bondes, arrancaram trilhos, agrediram cocheiros, condutores, um urbano e o “Commendador Drumond”. Dispararam armas, esfaquearam animais, feriram a estocadas um policial, e usaram fundos de garrafas contra soldados. “Esgotados os meios suasórios” o Chefe de Polícia mandou a força percorrer diversas ruas tentando dispersar os “amotinados”. Nada conseguindo, tornou-se necessário o emprego das armas. Foram requisitados o 10º, 7º e 1º Batalhões de Infantaria, sob as ordens do Sr. Tenente-Coronel Eneas Galvão. “Feitas as intimidações de lei”, o militar ordenou a manobra e fez carga sobre “os amotinadores”, que estavam na rua Uruguaiana. O povo dispersou-se ... houve vaias, pedradas e tiros de revolver. No Largo de São Francisco cenas semelhantes ocorreram, e na rua da Carioca a cavalaria e a polícia dispersaram “amotinadores”. Ouviram-se tiros no Largo de São Francisco. “Grande número de pessoas atacou os carros das linhas de Villa Isabel, Carris Urbanos e São Christovão”, levantando trilhos e virando bondes. Sete bondes da Cia Villa Isabel foram quebrados e virados na rua Uruguaiana de onde foram retirados paralelepípedos do calçamento e construídas barricadas. Houve vários feridos entre o povo e soldados e lá ficaram três corpos. Nas casas da embocadura da rua do Ouvidor até o Alcazar viam-se sinais de bala. “No hotel no nº 76 uma bala atravessou a porta e foi pregar-se no teto...”
“O Partido Conservador (...) não pode manter-se por mais tempo indiferente, deve vir em socorro das instituições ameaçadas...
O Imperador está só no seu Palácio!
Grave, muito grave é a situação” (Jornal do Commércio, jan/1880)
Nos relatórios oficiais, nas cartas do Imperador, em artigos do Jornal do Commércio e Diário Official, assim como em várias cartas que surgiram nas folhas periódicas identificava-se os fatos como uma revolta “anti-monárquica insuflada por agitadores republicanos”. Exigia-se o rigor máximo da Força Pública na repressão aos “amotinadores” que seriam “anarquistas” frente as “camadas inferiores e marginalizadas”. Estava em jogo a ordem monárquica. Pintava-se um quadro onde o Imperador e os setores pacíficos e responsáveis da sociedade estariam ameaçados pelo “levante das barricadas”. Seria necessário o retorno do Partido Conservador ao comando do Governo.
Os setores oposicionistas foram mais objetivos. Suas manifestações fizeram-se como discursos públicos, reunião com o Ministro da Guerra e encontros políticos. Bradavam indignação com as manobras militares contra o povo, alvo indefeso das cargas de artilharia! Reclamavam os mortos e inúmeros feridos! Suspeitavam da infiltração de “secretas” ou provocadores dentre a multidão de manifestantes. Estranhavam o pouco prejuízo da Botanical Garden! Suas reivindicações eram claras e palpáveis: a queda do Gabinete Sinimbu e a revogação do imposto.
“Vai abaixo o Ministério
O Gabinete do urubu
Lá se vai todo critério
La se vai o Sinimbu” (Gazeta de Notícias, jan.1880)
De qualquer forma, governo ou oposição, monarquistas ou republicanos, escravistas ou abolicionistas todos concordavam em uníssono: era necessário e urgente que o povo retornasse as suas casas! A “Revolta do Vintém” transbordara, fora muito além das previsões e projetos. Era vital o restabelecimento da ordem! Fosse através do uso da Força Pública ou do clamor de seus “líderes”. Havia décadas o Governo Imperial não confrontava o povo nas ruas da cidade! Porém, respondeu duramente aos acontecimentos: Estado de Sítio; tropas nas ruas; confronto e fuzilaria; prisões; mortos e feridos; periódicos suspensos. Foi assim que os distúrbios mais violentos que decorreram nos primeiros dias do ano foram contidos. Ao longo dos meses a resistência pacífica e cotidiana ao imposto manteve-se. Em 20 de março de 1880 o Gabinete Sinimbu caiu, sendo substituído pelo Governo do Conselheiro Saraiva, que viria a organizar as bases da reclamada Reforma Eleitoral em 1881. O imposto foi suspenso em setembro. Um conflito municipal provocou forte interferência do Governo Imperial repercutindo nos arranjos da política nacional! 
A Revolta do Vintém foi um movimento social pouco explorado pelo discurso histórico ou pedagógico. Quase não encontramos referência ao fato nos livros didáticos. Para além das importantes disputas políticas que tentaram, antes e depois, capitalizar o fato, existem evidências de que a revolta não se resumiu ao primeiro de janeiro, aocentro do Rio, ao ataque somente as Cias. de Bondes. Há indícios de que os tumultos não pararam por aí. Nos dias que seguiram, ao longo da semana, vários outros acontecimentos foram registrados nos relatos das ocorrências policiais: concentrações populares; ataque a Loja de Armamentos Laport & Comp.; confronto com urbanos; desordens nos sobrados e cortiços, de onde partiam ataques a Força Pública; vários registros de “badernas” nos botecos, esquinas, praças que acabavam em choque generalizado com a Armada. Tudo isso em regiões dispersas como a rua dos Ourives, dos Andradas, São Francisco Xavier, Barão de Mesquita, Mariz e Barros, Visc. Sapucaí, praia de Santa Luzia.
Outro ponto delicado é a identificação dos personagens que participaram desses distúrbios. Se durante os acontecimentos iniciais do dia primeiro surgiram os nomes de Lopes Trovão, Ferro Cardoso, José do Patrocínio e outros líderes políticos, nos dias que seguiram-se os “amotinadores” ou “revoltosos” eram cidadãos anônimos. Atores sem rosto classificados pelos documentos oficiais como estrangeiros, vagabundos, embriagados, empregados de cocheira, moradores de cortiço, capineiros, mulheres vadias, pretos livres e escravos! Isto é, o “zé-povinho”! Se o esforço dos documentos oficiais e relatos jornalísticos era desqualificar os revoltosos, apresentando a todos como “escória social”, acabaram revelando uma outra faceta da “Revolta do Vintém”. O que eram líderes políticos e classe média, isto é, “pessoas de rendimentos regulares”, transformou-se na ação de uma camada de cidadãos que pertenciam a grande maioria empobrecida, moradora dos cortiços, que super-povoavam uma cidade formigueiro, nas piores condições de sobrevivência (Pereira,2006, p.85).
Desde a transferência da Corte em 1808 a cidade do Rio de Janeiro sofreu uma série de transformações de caráter político, econômico e demográfico. A cidade tornou-se centro político do Brasil independente e paralelamente foi ganhando relevância econômica com o deslocamento da principal produção do país para o sul. Era o principal porto de escoamento do café e de onde distribuía-se a variedade de mercadorias desembarcadas em diversos pontos de sua baia. Após a proibição do tráfico negreiro tornou-se grande entreposto da circulação interna dos negros, do norte para o sul.
Ocorreram também, a partir de meados do século XIX acentuadas transformações na composição social da cidade, chegando à última década do século com aproximadamente 500 mil habitantes, com o influxo de migrantes europeus na ordem de 80 mil pessoas. A população mais empobrecida procurava alocar-se próxima as oportunidades de trabalho. Moravam em cortiços que cresciam na parte baixa da cidade, na região do centro, num crescente foco de endemias, desordem urbana e social. Eram cidadãos livres, escravos de ganho e alforriados, aos quais vieram juntar-se migrantes portugueses, italianos e espanhóis. Gente que enfrentaria ainda décadas de absoluta exclusão social.
No populoso centro coexistiam escritórios e bancos, lojas, depósitos, oficinas, trapiches, prédios públicos, moradias em sobrados e casas térreas, cortiços e estalagens, velhos casarões aristocráticos subdivididos em cômodos exíguos e sujos para famílias inteiras de trabalhadores. Uma multidão heterogênea, flutuante de recém-chegados morava e labutava na área central do Rio de Janeiro...
Aí, todos os anos, irrompiam epidemias mais ou menos mortíferas... (Benchimol, 2010, p.172)
 
É em meio a tal panorama que acontecem os distúrbios de janeiro de 1880. Em verdade há dois momentos bem distintos. Os meetings pacíficos que ocorrem desde o dia 28 até o começo da tarde do dia 1º e o embate violento que ocorre daí para frente e nos dias seguintes. Diferentemente da “classe média”, o povo identificado nos distúrbio mal podia pagar a passagem, não lia os jornais, não freqüentava os meetings, teatros ou reuniões políticas. Não era republicano, monarquista, liberal ou conservador. Nem se lhe dava o Gabinete Sinimbu. Suas razões circulavam pelas ruas da cidade imperial, diariamente. Estavam inscritas em suas próprias vidas, determinada por sua condição social. A impressão deixada pelos relatos policiais faz-nos acreditar que naquele momento de transgressão da ordem, tudo constituía motivo para quebrarias, ajuntamentos, manifestações e confronto direto com as forças policiais. Seria como se “a população pobre, em pé de guerra, transgredisse, na destruição da realidade física e concreta dos artefatos, e no choque com os urbanos, a realidade política, econômica e social na qual vivia” (Fernandes,1984, p.91).
Há sempre explicações racionais para tais momentos conturbados de revolta das camadas populares. Como Pereira (2006, p.88) que relaciona a Revolta à crise do regime monárquico. No geral, as motivações são várias, quase sempre ligadas as condições concretas de vida e sobrevivência desses setores. No que teve de mais espontâneo e contundente, a Revolta do Vintém foi uma manifestação urbana, de caráter popular, contra a ordem social e esgotou-se em si mesma. Não se pode idealizar ou romantizar tais explosões populares. Ao fim e ao cabo, são as elites política e intelectual quem direcionam e depois explicam esses episódios, focando, obviamente, seus interesses. Foram republicanos e abolicionista que melhor capitalizaram a revolta na década seguinte, sem que possamos relacionar, contudo, o conflito das ruas à queda da Monarquia ou ao fim do escravismo. A importância da rebelião está no fato de indicar que, no Rio de Janeiro, já havia setores, ainda que excluídos, capazes de atuarem na cena histórica e confrontarem o poder, adquirindo peso no jogo político formal. No dizer de Graham (1991, p.220) “arrastando a política das salas do parlamento para as praças da cidade”. 
Os segmentos que utilizavam o serviço dos bondes obtiveram a queda do imposto, a oposição viu “rolar a cabeça” do Gabinete Sinimbu, abolicionistas e republicanos rechearam seus discursos... o “zé-povinho” ficou com mortos, feridos e, importante, a memória da luta social... porque muito ainda estaria por vir. 
 
BILIOGRAFIA
1. ANAES DO PARLAMENTO BRASILEIRO – Câmara dos Srs. Deputados. 2º e 3º annos da décima sétima legislatura. Sessões de 1879 e 1880. Tomo I. Rio de Janeiro, Typografia Nacional, 1879/80
2. AZEVEDO, Moreira de. “O Imposto do Vintém”. Revista do Instituto Histórico Brasileiro,Rio de JaneiroTomo 58. Parte I. vol. 91. 1895
3. BENCHIMOL, Jaime Larry. “Rio de Janeiro: da Urbe Colonial à Cidade Dividida”. Rio de Janeiro:cinco séculos de história e transformações urbanas. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010.
4. CARVALHO, José Carlos de. O Livro da Minha Vida – na guerra na paz e revolução (1847-1910), 1º vol. RJ: Typographia Jornal do Commércio, 1912
5. CHALHOUB, S. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. São Paulo: Brasiliense, 1986
6. COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: Momentos Decisivos. São Paulo: Brasiliense, 1985.
7. FERNANDES, Marina; MANZIONE, Mauro; TOLENO, Josele; VIANEY, Mario. A Revolta de 1880 e o Discurso do Vintém. TCC, História, UFF, 1984. Biblioteca Nacional, RJ, reg. 32.924, fl.447, lv.26, 1984.
8. GAZETA DE NOTÍCIAS. 24.dez.1879, A derrubada; 07.jan.1880, Motte. Publicações a Pedido
9. GRAHAM, Sandra L. “O Motim do Vintém e a Cultura Política do Rio de Janeiro 1880”. Revista Brasileira de História”. São Paulo, vol.10, n.20, pp.211-232, mar./ago. 1991.
10. JORNAL DO COMMÉRCIO. 03.jan.1880, Publicações a Pedido
11. NETO, Nestor de Oliveira. “A Evolução dos Transportes”. Rio de Janeiro e seus Quatrocentos Anos: Formação e desenvolvimento da cidade. RJ: Distribuidora Record, 1965.
12. PEREIRA DE JESUS, Ronaldo. A Revolta do Vintém e a Crise da Monarquia. História Social, Campinas, nº12, 73-89, 2006. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/viewFile/197/189. Acesso em 30 set. 2014.
*Bacharel e Licenciado em História (UFF), Mestre em Educação (UFF), Especialista em História da Áfricae do Negro no Brasil (UCAM), Graduando em Psicologia(UNISUAM), Professor Regente História/Filosofia/Sociologia

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