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Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 2007 
 
APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO 003 
CAPÍTULO I - HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA, RELIGIÃO 015 
Noção de physis e casualidade 018 
O Arché e o kosmos 019 
O Logos e o Crítico 023 
Filósofos Eclesiásticos 025 
A ciência Experimental 029 
Método Cartesiano-Newtoniano 032 
Ciência Sistêmica ou Holística 036 
Hipnoterapia e Ciência 040 
Mito, Rito e Religião 050 
Transe e religiosidade 052 
Vegetais hipnóticos 054 
Religiões ayahuasqueiras 057 
Transe e sincretismo 064 
Padres hipnotistas 066 
Hipnose e reencarnacionismo 074 
CAPÍTULO II - HISTORIA DA HIPNOSE E DA HIPNOTERAPIA 080 
Magnetismo e mesmerismo 083 
Mesmerismo e sonambulismo 096 
Magnetismo e kadercismo 100 
Mesmerismo e psiquiatria 106 
Mesmerismo e anestesia 108 
Mesmerismo e sugestão 110 
Brandismo 111 
Hipnodontia 115 
Hipnoterapia 117 
Sugestão pós-hipnótica 118 
Hipno-análise 119 
Hipnose e histeria 125 
Hipnose e psicanálise 132 
Hipnose e fisiologismo 153 
Auto-hipnose 159 
CAPÍTULO III - ETIOLOGIA DA HIPNOSE 164 
Hipnose é projeção 165 
Hipnose é sugestão 166 
Sugestão é prestigio 167 
Hipnose é sono 167 
Entrega amorosa 169 
Mamadeira hipnótica 170 
Gênero dramático 171 
Hipnose como dissociação 173 
Estado normal 174 
Exclusão psíquica relativa 175 
CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE 177 
Técnicas de indução 177 
Métodos de indução 179 
Método de Bernheim 182 
Método de Moss 183 
Método de Kuehner 184 
Método de Erickson e Wolberg 186 
Método de autovisualização 197 
Método da estrela 188 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
2 
Testes de suscetibilidade 190 
Hipnose de palco 198 
Hipnose, hiperestesia e clarividência 202 
Regressão hipnótica 203 
Hipnose acordada 207 
CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO 209 
Sintomatologia do transe 212 
O transe hipnótico 218 
Testes de eficácia 220 
Saída do transe 221 
Suscetibilidade à indução 222 
Formulação da sugestão 224 
O ambiente das sessões 225 
A ética e a legalidade da hipnose 226 
Categorias de hipnotistas 229 
O poder do hipnotista 230 
Janela da Alma 232 
CAPÍTULO VI - APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE 237 
Hipnose e Comunicação 237 
Propaganda subliminar 238 
Merchandising 243 
Sugestão desejada e indesejada 244 
Hipnose contra vontade 245 
Hipnose cotidiana 246 
Hipnose no Direito 251 
Hipnose e psicopedagogia 255 
Psicologismo na Educação 261 
Psicologia da gestalt 264 
Teoria topológica 265 
Fenomenologia existencial 266 
Epistemologia genética 266 
Teoria Histórico-social 268 
Educação humanista 272 
Educação como prática política 273 
CAPÍTULO VII - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS 275 
Gestalt-terapia 275 
Terapia centrada na pessoa e topológica 276 
Teoria de Vygotsky 277 
Teoria de Reich 278 
Teoria organísmica 279 
Filosofia fenomenológica 280 
Filosofias orientais 281 
Outras concepções 283 
CAPÍTULO VIII - AUTO-HIPNOTERAPIA 285 
Prática da auto-hipnose 292 
O relaxamento 295 
Testes e Métodos para a auto-hipnose 298 
Tipos de matrizes 303 
Saúde e estética do corpo 307 
Ativadora da memória 307 
Solução da gagueira 309 
Supressão e alívio da dor 310 
CONSIDERAÇÕES FINAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 315 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
3 
APRESENTAÇÃO 
 
Esta publicação é mais do que um livro, representa um ideal de vida, signi-
fica o desejo de informar, discutir, refletir e produzir conhecimento. Por isso, 
passa longe de qualquer interesse, como reconhecimento pessoal ou retorno 
pecuniário. Trata-se de uma dissertação, seu conteúdo resulta de uma investi-
gação rigorosamente cientifica. A pesquisa foi produzida de forma sistemática e 
metodológica, para conceituar o significado do hipnotismo, conhecer o processo 
de produção do transe hipnótico e identificar, classificar e esclarecer sua sinto-
matologia e efeitos. 
O levantamento bibliográfico e a construção referencial teórico foram favo-
recidos pela intensa dedicação do autor, no decorrer de mais de trinta anos, pe-
lo tema, pela leitura teórica e pela prática da hipnose. Isso em muito contribuiu 
para traçar uma metodologia que conduzisse aos resultados esperados, para a 
definição e clareza dos objetivos, das técnicas e dos métodos de investigação 
que foram utilizados. 
Este trabalho foi escrito para quem pretende conhecer ou praticar hipnose 
e auto-hipnose, principalmente com finalidade terapêutica. Apresenta uma rede 
de temas transversais, esclarece dúvidas, desfaz mitos, elimina ou atenua pre-
conceitos. É fonte imprescindível de permanente consulta sobre as tradicionais 
psicoterapias, tanto ortodoxas como contemporâneas, e suas associações com 
a hipnose. 
O autor comprova durante toda a leitura que a hipnose abrange um 
campo muito vasto e que sempre aparecem ramificações do seu efeito na maior 
parte das atividades humanas. A amplitude e a profundidade de como trata o 
assunto são explicitas na extensa lista de títulos bibliográficos utilizados que, 
somada ao conhecimento prático do autor, transformam esta obra em uma 
grandiosa fonte de pesquisa para esta complexa área do saber. Revela o que é 
a hipnose a partir da evolução histórica de diversas teorias quando faz 
referências a mais de cento e cinqüenta autores, por isso, torna-se de interesse 
particular para o meio acadêmico que não dispõe com facilidade de uma 
bibliografia que trate dessa temática de forma tão abrangente. 
Esta leitura elucida noções equivocadas acerca do tema do hipnotismo e 
apresenta um conjunto de dados que, de alguma forma, envolve a interdepen-
dência do transe hipnótico com várias manifestações humanas que são anali-
sadas através da intricada rede de causas intermediárias entre a emoção e a 
razão (inconsciente e consciente). Esclarece conceitos e confronta opiniões, 
demonstra como as controvérsias e coincidências das diferentes escolas atuais 
têm raízes históricas. Explora idéias e teorias que são necessárias, cooperati-
vas e seqüenciais para facilitar, a cada passo, a reflexão de conceitos e consi-
derações apresentadas ao longo da leitura. 
O autor relata os procedimentos metodológicos utilizados, como aplicou o 
rigor cientifico e efetuou a análise qualiquantitativa dos dados coletados na fase 
da investigação, efetuada na cidade de Salvador, na Bahia, entre 1997 e 2002, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
4 
com um universo de 400 sessões, para uma população de 1.984 participantes. 
Descreve as conclusões a que chegou através de uma série de observações 
diretas e da análise das respostas de 500 questionários, aplicados para quem 
durante o transe apresentou sintomatologia mais completa, além de 100 
entrevistas para esclarecer questões não amplamente respondidas pelos 
questionários. 
Para melhor descrever o transe hipnótico em suas diferentes formas de 
produção, ocorreu ligeira ampliação da área temática e do campo empírico da 
pesquisa. Foram realizadas algumas incursões teóricas e observações in loco 
em associações declaradas religiosas, todas reconhecidas e legalizadas. Isto 
permitiu ao autor, motivado pelo senso de investigação, ser submetido a algu-
mas práticas de rituais. Para fundamentar uma descrição precisa dos aconteci-
mentos, procedimentos e sensações, em alguns casos o autor foi além da ob-
servação e participou ativamente das experiências, inclusive ingerindo o chá 
ayahuasca e o vinho de jurema, ambos considerados como desencadeadores 
de transe. 
Através dos dados empíricose teóricos levantados, a leitura confronta es-
colas e correntes de pensadores, aponta controvérsias e coincidências, separa 
fatos de opiniões, tendo como principal objetivo facilitar o leitor refletir e se defi-
nir pela sua própria descoberta. O autor primou por manter a postura de investi-
gador absolutamente cientifico, tanto na fase da pesquisa como na redação da 
comunicação final dos resultados. Procurando demonstrar sempre neutralidade 
axiológica, em nenhum momento teve a pretensão de ser doutrinário ou dogmá-
tico, contestar ou validar credos, religiões, filosofias, idéias ou teorias. 
Outra preocupação do autor foi não limitar a informação e, ao mesmo 
tempo, facilitar a compreensão do texto. Para isso, optou por uma redação que 
apresenta aspectos pedagógicos essenciais; foi escrito de modo claro, didático 
e bem fundamentado. Descreve de forma precisa e justifica com profundidade 
teórica as técnicas, métodos e procedimentos específicos. Assim, acredita que 
incentiva a leitura até o final e gera o desejo por mais conhecimentos, o que 
pode transformar o leitor não apenas um hipnotista hábil, mas um amplo conhe-
cedor do assunto. 
No decorrer da dissertação, algumas questões são polêmicas por haver 
fatos no hipnotismo sobre os quais ainda não se chegou a uma conclusão clara. 
Por isso, seu estudo envolve uma reflexão antropológica e evolutiva do conhe-
cimento e expõe os paralelos paradigmáticos da ciência. Demonstra o conflito 
entre a percepção mecanicista-reducionista e a sistêmica e propõe uma revisão 
dos pressupostos conceituais conhecidos. Reflete sobre as exigências de uma 
abordagem multidimensional do ser humano para entendê-lo de forma menos 
fragmentária. 
Considerando que a base semiológica não é suficiente para esclarecer to-
dos os pontos sobre a prática da hipnose e das principais psicoterapias, o autor 
busca sustentação em teorias subjacentes quando recorre à leitura da evolução 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
5 
do pensamento filosófico, cientifico e religioso. Neste aspecto, apresenta uma 
revisão literária que tem como objetivo apontar a gênese do misticismo que ain-
da persistem nos tempos modernos. 
Ao concluir, descreve a auto-hipnoterapia como sendo uma ferramenta 
poderosa na solução de muitos conflitos, não deixa dúvidas de que a hipnose é 
uma forma válida para superação de certos problemas que afligem o corpo e a 
mente humana. E, mais uma vez, desmistifica o poder atribuído às coisas ex-
ternas ou sobrenaturais para solucionar conflitos humanos que prejudicam, em 
muito, a qualidade de vida, sem ao menos se buscar antes soluções naturais e 
em si mesmo. 
A estruturação do conteúdo de estudo é dividida em oito capítulos: 
• O primeiro capítulo faz parte do campo teórico da pesquisa e é prope-
dêutico, apresenta breve análise da evolução do pensamento, do mítico 
ao filosófico e científico, como base para o estudo da história da hipnose 
e seu envolvimento com rituais religiosos e místicos. 
• O segundo desenvolve o campo teórico específico, apresenta um desfile 
histórico-cronológico dos autores clássicos do hipnotismo. As principais 
obras citadas neste capítulo são de domínio público, estão disponíveis 
gratuitamente no site (http://gallica.bnf.fr/) da Biblioteca Nacional da 
França. 
• O terceiro capítulo complementa o referencial teórico e trata da etiologia 
da hipnose. Analisa através das diferentes correntes de pensadores e ci-
entistas como se desenvolve o transe hipnótico, apresenta as técnicas e 
os métodos de indução e seus efeitos práticos. 
• O quarto capítulo é dedicado à práxis, é um preâmbulo para a interpreta-
ção da pesquisa de campo realizada pelo autor. Seu principal objetivo é 
conhecer, passo a passo, como de fato se prática a hipnose e como ela 
se apresenta e descreve situações que permitem desencadear sua ocor-
rência. 
• O quinto versa sobre a pesquisa de campo, descreve as observações di-
retas do autor, a metodologia utilizada, como procedeu ao tratamento 
dos dados, a análise e os resultados à que chegou para fundamentar o 
que considera como sintomatologia do transe e os diferentes níveis de 
aprofundamento. Finaliza descrevendo o que entende como explicação 
conceitual da hipnose e denomina como sendo uma “Janela da Alma”, 
um momento em que o ser humano entra em contato com sua essencia-
lidade. 
• O sexto capítulo é um desdobramento de toda a pesquisa realizada. En-
volve o estudo do hipnotismo em situações naturais do cotidiano e sua 
aplicação em áreas específicas, como na Mídia, no Direito e na Educa-
ção. Inclui neste último aspecto a hipnose como possível parte da psico-
pedagogia. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
6 
• O sétimo capítulo reforça a tese de que a hipnose pode ser validada co-
mo um procedimento terapêutico. Compara a hipnoterapia com moder-
nas teorias e práticas das principais psicoterapias conhecidas, demons-
trando semelhanças e diferencias. 
• O oitavo e último capítulo descreve o que considera o autor como mais 
um aporte da pesquisa. É dedicado à auto-hipnoterapia, representa na 
prática a soma dos conhecimentos estudados nos capítulos anteriores. 
Este aspecto é de grande importância para o leitor que busca soluções 
para problemas existenciais, principalmente problemas de caráter psico-
terapêutico. 
No geral, após a leitura e rápidos exercícios, o livro esclarece o que é e 
como funciona a hipnose e a auto-hipnose, como sua execução é bem simples 
e como os bons resultados são surpreendentes. Porém, bem mais importante 
talvez seja o fato de reafirmar e exemplificar, o tempo todo, que cada ser hu-
mano traz dentro de si o dom da autocura e é capaz de viver bem e ser feliz, 
mesmo na adversidade. É um livro que deve ser relido várias vezes, cada nova 
leitura sempre apresenta surpresas e induz novas descobertas. 
Por fim, recomenda o autor que, para obter melhor domínio sobre o tema 
e evitar conclusões precipitadas, é aconselhável uma leitura seqüencial e que 
as reflexões ocorram na medida em que seja vencido cada capítulo. Também 
aconselha que este livro deva ser lido sem preconceito, mas com espírito 
crítico, separando os fatos das opiniões. Lembra ainda que a proposta desta 
obra não é passar informação, mas conhecimento e, isso, depende muito mais 
do leitor do que do autor. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
7 
INTRODUÇÃO 
 
Embora faça parte do cotidiano dos indivíduos de várias formas e em 
diferentes situações, o hipnotismo ainda é desacreditado por alguns, 
equivocado na opinião de outros, temido ou pouco conhecido para a maioria. 
As explicações sobre o transe hipnótico e seus efeitos, por conta de sua 
vinculação com práticas religiosas e crenças no sobrenatural, é cercada de 
mitos, magias e preconceitos. Mesmo entre pessoas com alto nível de 
escolaridade, o desconhecimento sobre este tema é bastante generalizado e, 
no conceito popular, a descrença de que os efeitos hipnóticos existam ou 
possam ser provocados é geralmente substituído por um temor supersticioso. 
Na literatura é fácil perceber que todas as culturas, de todas as épocas, 
conheceram, procuraram e desenvolveram métodos para estabelecer o transe 
hipnótico. Esse antigo estado da mente foi perseguido por muitas formas; 
desde o uso de ervas, drogas e aplicações de equipamentos especiais até 
rituais dos mais diversos. Na maior parte das vezes, o transe foi e é produzido 
por métodos simples que vão da dança selvagem, passando pelo ritual 
religioso, pela prática de uma tranqüila e intensa meditação até uso de técnicas 
hipnóticas clássicas. Qualquer que seja sua origem, o transe sempre implica 
em uma função normal do cérebro humano, embora algumas pessoas sejam 
mais propensas ao seu alcance e aprofundamento. 
Transe hipnótico é o estado mental que resulta em alterações na neurofi-
siologia e decorre de várias situações, pode ser produzido por simples estímu-
los sensoriais normais; auditivos, visuais,táteis e olfativos, além de estados 
mentais de grande expectativa com violenta carga emocional, sono intenso sem 
possibilidade de dormir, jejum nutricional, isolamento social, abstinência sexual 
prolongada, meditação, relaxamento físico e mental ou atitude contemplativa, 
em geral de fundo religioso ou místico. Pode também ser provocado por inges-
tão de substâncias químicas. 
Efeitos da hipnose sempre aconteceram na história da humanidade. Em 
atos religiosos têm presença marcante, quanto mais solene ocorre um ritual 
associado a forças incompreensíveis, místicas ou mágicas, maior é o efeito 
hipnótico. Porém, não é apenas relacionado a situações que se prendem ao 
misticismo; ao longo da história foi produzido ou observado também pela 
perspectiva do materialismo científico ou simultaneamente por ambos. Definida 
com vários termos e diferentes sentidos, a hipnose é patrimônio da filosofia e 
da medicina ocidental e oriental, tanto a antiga quanto a contemporânea. 
No oriente os efeitos hipnóticos, geralmente com objetivos de cura, fazem 
parte de culturas milenares e se mantiveram quase que inalterados através dos 
séculos. No ocidente foram se adequando ao imaginário dominante, se 
ajustando á representação de cada nova realidade cultural, se identificando 
com diferentes correntes do pensamento, valores, fantasias e mistérios que 
surgiam com as migrações e miscigenações étnicas. A maior e mais rápida 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
8 
diversificação de procedimentos hipnóticos ocorreram na Europa, devido à 
fusão étnica cultural do seu povo através de suas ações colonizadoras. Esse 
viés antropológico do hipnotismo constitui a principal abordagem histórico-
lógica e teórica dedutiva deste livro. 
Embora sugestão não seja sinônimo de hipnose, é certo que toda e 
qualquer hipnose começa pela aceitação, consciente ou inconsciente, da 
sugestão que pode até desencadear o transe hipnótico, caracterizado como o 
momento em que a sugestão atinge o ponto mais alto da sua ação. A execução 
desse processo é bem simples e os resultados se aproximam de fatos 
extremamente compensadores, podendo em alguns casos proporcionar efeitos 
terapêuticos inexplicáveis e até mesmo inacreditáveis. 
Nem sempre uma sugestão representa a possibilidade de desencadear o 
transe hipnótico, mas é, no mínimo, o preâmbulo imprescindível para que isso 
ocorra. É comum o uso de um nome como se fosse o outro, às vezes chama-se 
sugestão de hipnose e, hipnose de sugestão. No entanto, deve ser chamada de 
sugestão hipnótica aquela que se perfaz no transe hipnótico ou que permeia a 
aplicação de métodos e técnicas com o objetivo de atingir os efeitos da 
hipnose. 
Através da sugestão o pensamento se concentra numa idéia cujo 
resultado ou tendência é provocar determinado efeito, impele muitas ações 
humanas, tanto construtivas como destrutivas. A maior parte do resultado da 
vida das pessoas é conseqüência da sugestão; desde o desfrutar de 
sentimentos de alegria, paz e prazer, até situações negativas como doenças 
físicas e morais. Mas, situações negativas podem ser reversíveis pelo mesmo 
processo que se instalam, isto é, o que a sugestão faz, a sugestão desfaz. 
Da sugestão podem resultar ações inconscientes, compulsivas ou 
hipnóticas, que podem decidir o curso da vida das pessoas. E, a melhor 
maneira de fazer as sugestões produzir bons efeitos é através da hetero-
hipnose e da auto-hipnose. No primeiro caso um hipnotista funciona como um 
guia que influencia através de sugestões as ações inconscientes de alguém. No 
segundo caso é o próprio hipnotizado quem o faz. Um indivíduo razoavelmente 
instruído poderá conduzir e controlar as ações do seu próprio inconsciente, em 
seu próprio benefício. 
Do início do século XIX até hoje termos como hipnose inconsciente e 
sugestão caminham juntos, um tentando explicar o outro. No início de suas 
pesquisas, Freud se valia do hipnotismo como procedimento de acesso ao 
inconsciente que o conceituou como sendo uma espécie de porão onde fica 
guardado o que não se quer mostrar. Fatos e sentimentos que o indivíduo não 
tem coragem de contar nem para si próprio e, por isso, guardou no inconsciente 
e esqueceu. No entanto, pesquisas modernas revelam um conceito de 
inconsciente bem diferente desse estabelecido há cem anos. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
9 
A explicação mais aceita hoje é a de que o inconsciente, longe de 
significar uma parte física localizada em uma determinada região do cérebro, é 
uma espécie de programa operacional capaz de processar, ao mesmo tempo, 
milhares de informações paralelas. Enquanto o consciente executa suas tarefas 
de forma serial, uma atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob 
forma de intuição, o inconsciente é hoje compreendido como uma ferramenta 
de trabalho mental que executa tarefas fundamentais e pode determinar, em 
certas circunstâncias, atitudes que uma pessoa deve tomar. 
Modernamente o inconsciente é considerado como uma forma de 
inteligência, diferente da inteligência convencional. É hábil também em executar 
tarefas sem que o consciente perceba; relaciona e toma decisões, 
determinando o que uma pessoa deve ou não fazer. As pessoas agem em 
determinadas situações, compelidas pelas sugestões ou informações que foram 
instaladas em seu inconsciente. Conscientemente, não sabem o que estão 
fazendo, mas fazem. Entender esse mecanismo é se aproximar de como 
funciona os efeitos hipnóticos. 
O inconsciente tem um mecanismo de realimentação de sugestões; o que 
é depositado nele é retro-alimentado para o consciente e vice-versa. Toda 
pessoa, a menos que possua uma patologia psiquiátrica séria, é sugestionável 
e, um meio eficaz de fazer a sugestão funcionar é a sua repetição; com isso, 
imprime-se no inconsciente uma idéia que realimentará o consciente. É comum 
na infância se ouvir dos adultos algumas palavras ou frases repetidas, até que 
o inconsciente da criança aceite a idéia do que isso representa e depois a 
execute. Disso pode resultar situações que definirão, de forma positiva ou 
negativa, uma vida inteira. 
Na atualidade os efeitos da sugestão, agindo com força hipnótica 
extraordinária, são observados em diferentes veículos de comunicação, através 
de mensagens explicitas ou subliminares embutidas na informação principal. 
Esse tipo de comunicação pode determinar tendências no comportamento de 
massa e, existem organizações que são responsáveis pela difusão de 
sugestões sistematizadas e repetidas que agem modelando o comportamento 
social. Por isso alguns efeitos hipnóticos devem ser entendidos como fato social 
normal que não se restringe só a momentos especiais. 
Embora os seres humanos vivam como se estivessem sob efeito 
hipnótico é, ironicamente, por não perceber essa possibilidade que podem ser 
manipulados ou modelados por idéias alheias à sua própria vontade. Na 
comunicação de massa, cada vez mais, esse recurso tem sido instituído e 
serve como instrumento a serviço da mídia na propaganda política, comercial e 
ou religiosa. 
Efeitos hipnóticos estão presentes em diversos setores da comunicação, 
mas sem dúvida, é a propaganda que mais aplica este recurso. Utilizando-se da 
sugestão subliminar como estratégia para atingir seus objetivos, a chamada 
hipnose de massa é bastante evidente nos modernos processos publicitários, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
10 
isso tem evoluído muito nos últimos tempos porque hipnotizar é antes de tudo 
convencer e a propaganda tem este mesmo propósito. 
Já existem sistemas de publicidade, sobretudo na chamada publicidade 
indireta, capazes de criar no ânimo dos consumidores o desejo, quase sempre 
irresistível, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa; como adquirir 
determinado produto, preferir marca ou modelo e alimentar o consumo 
desnecessário, deixando-os num estado que se assemelha à hipnose clássica. 
Assim, identificar esses processos é uma forma de defender-se quando for 
preciso.A mídia é capaz, de uma só vez, de modificar conceitos e 
comportamentos de grande parte da sociedade através da repetição da 
informação que, às vezes, são equivocadas ou ideologicamente construídas 
pelos interesses da dominação. Tem a mídia, através da sugestão, o poder de 
influenciar e convencer os coletivos sociais estabelecendo conceitos e 
preconceitos, alterando costumes, modificando hábitos, gerando consumo e 
formando opiniões. 
O recurso da sugestão hipnótica é também fortemente utilizado quando a 
religião determina o comportamento das pessoas com base na idéia de céu e 
de inferno, virtude e pecado, santos e demônios. Uma vez sugestionado o 
indivíduo pode ampliar ao máximo, por si só, o poder da sugestão que recebeu. 
O resultado desse processo depende de como foi, direta ou indiretamente, 
sugestionada a agir e, agindo, reforça a sugestão que recebeu em uma 
realimentação constante, aumentando cada vez mais o seu grau de 
convencimento em torno do objetivo induzido. 
O ritual religioso quando associado ao transe hipnótico, produz efeitos 
que ultrapassam a compreensão pela racionalidade; através de linguagens 
simbólicas promove o aumento da percepção e curas inexplicáveis acontecem. 
Algumas religiões milenares que se desdobram em várias outras, chegam à 
contemporaneidade como no passado, produzindo bem a associação de transe 
e cura. Nem sempre o transe é produzido apenas através de estímulos dos 
sentidos normais, pode ser desencadeado por ingestão de substâncias que 
agem no organismo com este propósito. Em algumas sociedades primitivas 
substâncias hipnotizadoras encontradas na natureza, geralmente em vegetais, 
foram incorporadas às liturgias e são usadas até hoje com surpreendentes 
efeitos. 
Entre os grandes clássicos do hipnotismo europeu, é comum a referencia 
inicial ao Padre Gassner que praticava na Alemanha, por volta de 1770, 
métodos e aplicações de técnicas hipnóticas, associadas à crença católica, com 
objetivo de curar enfermidades. Para ele as doenças e os demônios estavam 
quase sempre juntos e uma pessoa doente poderia ser alguém possuída. 
Aquele que se sentia com o diabo no corpo, e por conseqüência doente, vinha 
ou era trazido ao Padre para que ele o expulsasse e, assim, promovesse a 
cura. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
11 
Franz Anton Mesmer assistiu várias apresentações de Gassner e não se 
conformando com a explicação do Padre, deu uma versão não menos 
fantástica para as curas através do hipnotismo, em lugar de responsabilizar 
demônios pelas enfermidades, responsabiliza os Astros. Para ele a doença 
resulta da freqüência irregular dos fluidos astrais e a cura depende de sua 
adequada regulagem. Acreditava que certas pessoas teriam o poder de 
controlar esses fluidos, podendo comunicá-los a outrem, direta ou 
indiretamente, por intermédio de objetos magnetizados pelo seu contato. 
Os efeitos hipnóticos saíam da explicação religiosa indo para a explicação 
da influência astral, tese segundo a qual os fluidos magnéticos invisíveis 
regulam a vida das pessoas e, por volta de 1780, o mesmerismo se espalhou 
pela Europa; Mesmer dizia que o crucifixo de metal usado por Gassner era 
responsável por concentrar e transmitir para os enfermos um fluido magnético 
curativo. Cria assim a doutrina do Magnetismo Animal, que foi logo bem 
recebida por legiões de adeptos. Foi ele um dos maiores mistificadores do que 
mais tarde seria conhecido como hipnose. 
O magnetismo animal prossegue com o Marquês de Puységur, um dos 
discípulos de Mesmer. O Marquês, casualmente, enquanto magnetizava um 
camponês com objetivo de curá-lo de enfermidade, percebeu que o paciente 
caía em um estado de sonambulismo, como se mantivesse em sono profundo, 
com movimentos respiratórios tranqüilos. Nada havia das clássicas agitações 
provocadas pelo Mesmerismo. Puységur percebeu, com surpresa, que o 
camponês podia falar sem sair do sono hipnótico e com lucidez maior que a 
habitual, indicou sua própria doença como sendo uma infecção pulmonar e para 
sua própria cura indicou remédios precisos. Puységur chamou isso de 
sonambulismo artificial, e descobriu o estágio mais profundo do transe hipnótico 
que até hoje é chamado de sonambúlico. 
O magnetismo tomou outro rumo através do médico e filósofo, Denizard 
Hippolyte Léon Rivail. Em 1850 o mesmerismo atraiu a sua atenção, passando 
a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet, dirigente da Sociedade 
Magnética de Paris. Inicialmente Rival freqüentou sessões de magnetismo em 
busca de solução para os casos de enfermidades de pacientes a ele confiados 
e tornou-se mais tarde o codificador da doutrina espírita. 
Em 1859, com o pseudônimo de Allan Kardec, publica o Livro dos 
Espíritos e cria outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era 
atribuída aos espíritos. A estruturação de sua doutrina tem por base o 
pensamento de Pitágoras sobre a existência da alma e sua evolução defendida 
por Platão, herda diretamente as teorias do magnetismo e os rituais 
mesmeristas, se desenvolve absorvendo, incorporando e reinterpretando seus 
efeitos. O espiritismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo 
substituído pelo hipnotismo. 
Vários foram os homens famosos que desenvolveram e aplicaram as 
idéias de Mesmer. Mas foi James Braid, médico escocês que usou pela 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
12 
primeira vez, por volta de 1841, a palavra hipnotismo. Deve-se sua iniciação 
nos estudos da hipnose ao famoso mesmerista suíço Lafontaine, discípulo de 
Puységur. Em 1843 Braid publica seu livro sobre o assunto; dizia que a fixação 
do olhar era o processo para o efeito mesmerista. Batizando esses efeitos 
como hypnos, nome do deus grego do sono, anexado ao vocábulo ismo, que 
significa estudo, cria a expressão hipnotismo e, disso derivando outros nomes 
como hipnose, hipnótico, hipnólogo, hipnotizador, hipnotista e hipnotizado. 
Hipnotista é quem induz o transe hipnótico de forma metódica, técnica e 
sistemática, é teórico e prático na área da hipnose. Hipnotizador é quem 
casualmente hipnotiza sem possuir conhecimento teórico, às vezes não sabe o 
significado da hipnose ou até mesmo como provoca seus efeitos. Hipnólogo é o 
teórico, estudioso do assunto, conhecedor das técnicas hipnóticas, mas nem 
sempre hábil na prática de hipnotizar. Hipnotizado é quem está sob a ação do 
hipnotismo e é também chamado de paciente quando a hipnose é produzida 
para tratamento médico. 
Liébaut foi quem acrescentou a sugestão verbal à fixação do olhar 
desenvolvido no método de Braid. Sua técnica tranqüila e discreta baseava-se 
nas palavras e no tom de voz. Em 1864, lendo um exemplar da obra de Braid, 
fez-lhe renascer o interesse pelo assunto que não mais deixaria por toda a sua 
vida. Seus clientes eram pessoas humildes e camponesas e a eles Liébaut 
dizia: “Se quiser tratamentos com drogas, terá que pagar a consulta, mas se 
permitir que faça o tratamento pelo hipnotismo, não terá de pagar nada”. 
Por volta de 1880, Bernheim foi o primeiro a perceber que o estado 
hipnótico era normal em todas as pessoas e, principalmente, foi quem definiu 
os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como elemento provocador de ações 
inconscientes compulsivas, e propôs aplicar isso como terapia. Nesta mesma 
época, Charcot achava que a hipnose era uma forma de histeria, descobriu que 
podia induzir sintomas histéricos através de sugestões hipnóticas. Não 
concordando, Bernheim apontou a Charcot os seus erros, mostrando-lhe que 
as características histéricas não eram critérios para o transe hipnótico e que os 
sintomas da histeria podiam ser provocados artificialmente por mera sugestão. 
Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas francesas de 
hipnotismo, uma no hospital La Salpêtrière em Paris e, a outra na Cidade de 
Nancy. 
Salpêtrière e Nancy foram escolas que serviram de base para Freud e, as 
investigações com o uso da hipnose, forneceram muitas pistas que lhe permitiu 
osprimeiros passos para o desenvolvimento da teoria e da técnica da 
psicanálise. Mas, não é apenas a psicanálise que tem forte envolvimento com o 
hipnotismo e, principalmente com a hipnoterapia; também pode ser identificado, 
de algum modo, semelhanças com outras teorias que fundamentam várias 
psicoterapias, filosofias de vida e concepções de mundo, produzidas nas mais 
diferentes culturas, tanto orientais como ocidentais. Mesmo que tentem seus 
idealizadores e seguidores se afastarem do tema, sempre aparecem laços que 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
13 
vinculam suas teorias ou idéias aos processos sugestivos ou efeitos 
terapêuticos próximos aos produzidos pelo hipnotismo. 
Das duas clássicas escolas de hipnotismo, Salpêtrière e Nancy, 
resultaram muitos outros pesquisadores; cada um tentando compreender e 
difundir a hipnose pelo mundo, como Krafft-Ebing na Áustria, Forel na Suíça, 
Wetterstrand na Suécia, Bramwell na Inglaterra, Heidnhain na Alemanha, Felkin 
na Escócia, Pavlov na Rússia, McDougall e Phineas Puimby nos Estados 
Unidos. Com tanta gente estudando e teorizando, a hipnose ganha impulso na 
aplicação terapêutica e cresce através de demonstrações recreativas. 
Donato e Hansen, ambos no fim do século XIX, destacaram-se por arre-
batarem multidões para demonstrações de grandes espetáculos de hipnose re-
creativa. Violentas controvérsias explodiram pela impressa, acerca da natureza 
destes espetáculos, cada qual procurou interpretar a seu modo este fatos es-
tranhos, que tão vivamente incitavam a curiosidade pública. Os homens de ci-
ências, solicitados, foram obrigados ao exame deste tema e muitos médicos, 
professores e cientistas se interessavam pelo assunto. Nas platéias, cada vez 
mais, estavam presentes importantes personalidades e, a partir daí, davam no-
vos impulsos à hipnose. Assim, por meio do palco, o hipnotismo alcançou mais 
intensamente o debate nas academias. 
Os estudos acadêmicos ortodoxos quando se aproximaram da hipnose foi 
com receio e cautela. Das tentativas para explicar o hipnotismo cientificamente, 
muito se deve ao cientista russo Pavlov, quando analisou o fenômeno 
baseando seu estudo nos reflexos condicionados. Suas hipóteses para 
enquadrar as explicações nos princípios do paradigma mecanicista não 
prosperam; as tentativas da ciência neste campo foram vagas e os resultados 
obtidos nas pesquisas foram sempre imprecisos. 
Para as neurociências ainda é um desafio desvendar como o processo 
hipnótico acontece. Mas, com o avanço dos novos recursos tecnológicos 
aplicados como instrumentos de pesquisa, grandes revelações já ocorrem em 
laboratórios do mundo científico. Somando-se a isso o fato da ciência estar 
caminhando por um novo paradigma, a hipnose sairá, em breve, do conceito de 
pseudociência, ganhará a respeitabilidade da comunidade científica, deixando 
de ser privilégio de alguns para ser conhecida pelo grande público. Na 
atualidade estudos sistematizados já despontam em grandes centros de 
pesquisa acadêmica, como na Universidade de Harvard, juntamente com a 
Universidade Stanford. 
Embora vagos os conhecimentos científicos disponíveis para explicar a 
hipnose, muito antes de ser descartada, está sendo cada vez mais utilizada. 
Nos dias atuais o hipnotismo é apontado como uma arma eficiente de que 
dispõe a humanidade em sua incessante luta contra alguns males. O domínio 
da auto-hipnose pode ajudar na eliminação das doenças psicossomáticas ou 
eliminar efeitos psicológicos que agravam doenças orgânicas. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
14 
A hipnose quando processada pelo próprio interessado, pode representar 
um caminho para que seja atingida a melhoria da qualidade de vida, requisito 
indispensável para a solução de muitos problemas e conflitos. Sua prática 
permite a descoberta da autoconfiança, promovendo o desenvolvimento da 
auto-estima e da compreensão de si mesmo, sem que para isso seja preciso, 
necessariamente, crer ou seguir doutrinas ou ser convencido a colaborar de 
forma econômica para pessoas ou organizações. 
O uso da sugestão hipnótica em benefício próprio dá lugar ao conceito 
conhecido como auto-sugestão ou auto-hipnose, muito difundida na Europa e 
que entrou em moda nos Estados Unidos na metade do século XX. Charles 
Baudouin e Pierce, entre outros, escreveram sobre o assunto, mas se deve a 
Emile Coué a sistematização desse processo. Foi ele quem formulou vários 
princípios e leis que fundamentam a aplicação da auto-sugestão e desenvolveu 
o célebre método que chamou de “Domínio de si mesmo pela auto-sugestão 
consciente”. Suas idéias e frases estão, invariavelmente, escritas nos livros de 
auto-ajuda. 
Mesmo que convivam com ela, normalmente as pessoas não acreditam 
na hipnose; a maioria só acredita quando presenciam demonstrações práticas 
que não devem ser simples espetáculos de curiosidade. É através de cursos e 
apresentações que os participantes podem analisar os efeitos hipnóticos a que 
estão sujeitos no cotidiano e, mais ainda, que podem desmistificar 
desvendando como é processada a sugestão ou a auto-sugestão e conhecer 
seus efeitos. 
As discussões acadêmicas representam o melhor caminho para difundir e 
desmistificar a hipnose e a Faculdade é o fórum ideal para esse trabalho; neste 
espaço as apresentações fogem àquele sentido superficial e comum de 
espetáculo. Seu estudo deve ser claro e baseado, ao máximo, na verdade e 
nos princípios éticos, morais e científicos, portanto válido pelo sentido útil que 
se traduz na apropriação do conhecimento teórico e prático revelado nas 
demonstrações. Nessa oportunidade não se tem um mero espetáculo de 
curiosidade; tem-se uma exposição de fatos que são reproduzidos para efeito 
de aprendizagem. A prática é muito importante para quem deseja aprender 
além da capacidade teórica; a habilidade e a competência nesta área não se 
adquirem através de simples leitura. 
Nas páginas seguintes, os aspectos abordados nesta introdução são 
tratados com detalhes e fidelidade com as fontes pesquisadas. O principal 
objetivo, não é tomar partido por essa ou aquela opinião, é sim apresentar 
idéias, conceitos, teorias e métodos que foram desenvolvidos ao longo da 
história, envolvendo de alguma maneira a hipnose, para comparar com as 
modernas teorias e práticas das principais psicoterapias. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
15 
CAPÍTULO I – HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO 
 
Entender melhor as explicações sobre algumas terapias, incluído a psico-
terapia e, especificamente, a hipnoterapia, depende da forma como suas práti-
cas foram introduzidas nos múltiplos e diferentes domínios culturais. Assim, tor-
na-se indispensável uma reflexão histórica, filosófica e científica, mesmo que 
resumida, para melhor compreender os autores que, no decorrer dos séculos, 
trataram desse tema. Neste retrospecto, é fácil observar como algumas “verda-
des” desaparecem e são esquecidas para novamente reaparecerem, talvez 
mais aperfeiçoadas ou distorcidas. 
Considerando que a evolução de qualquer ramo do conhecimento jamais 
ocorreu por meio de atos isolados de um único pensador ou cientista, mesmo 
que uma descoberta seja atribuída a uma única pessoa, esta, certamente, está 
embasada em idéias anteriores. É fácil a percepção de como traços culturais de 
civilizações, sistemas filosóficos, crenças, religiões e modo de se fazer ciência 
vão, voltam e se vão novamente, é a eterna ciranda do pensamento. Por isso, 
quando se deseja conhecer a explicação sobre um fato social qualquer, é im-
portante lembrar parte da história do desenvolvimento do conhecimento que o-
rientou teorias sobre a natureza dos homens, das coisas e do Universo. 
Para melhor refletir sobre a hipnose e a hipnoterapia é importante conhe-
cer as diferentes fases da evolução das idéias que, embora muitas vezes con-
traditórias entre si, preservam heranças culturais e desenvolvem, a cada mo-
mento sobreposto, uma crescentebabel conceitual e pré-conceitual chegando à 
contemporaneidade como sofismas atormentadores. Isso talvez explique, em 
parte, o porquê e a gênese de algumas práticas curativas que, de formas anta-
gônicas, se apresentam ora centrada na filosofia ou na perspectiva da ciência 
cartesiana, ora radicalizada no mito, na magia ou na religião. 
Procurar compreender e explicar a realidade faz parte da natureza huma-
na e, na busca de respostas sobre o mundo, a humanidade desenvolveu dife-
rentes formas de pensar, construídas não apenas pelo senso comum, mas tam-
bém através do conhecimento dominante, àquele que tem origem no mundo 
acadêmico. Enquanto o senso comum revelava-se pela cultura acumulada, o 
conhecimento dominante sempre foi agregado a paradigmas, compreendidos 
como um conjunto de valores, crenças e convenções que determinam as ver-
dades ou respostas aos problemas humanos. 
Para o ser humano viver no mundo necessita se sentir seguro, esta segu-
rança é conquistada a partir dos conceitos que ele formula e o conjunto de con-
ceitos forma um paradigma. Enquanto prevalecer um paradigma o estado de 
segurança é permanente, pois um conceito só é derrubado através do surgi-
mento de um novo conceito que o substitua. Cada paradigma representa um 
longo período, nos quais se destacam diferentes orientações para o pensamen-
to e considera suas revelações como o ápice do conhecimento. No entanto, a 
próxima fase considera as idéias anteriores como absurdo, mas, mesmo assim, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
16 
permanecem impregnadas na cultura popular e, mesclando-se ao novo conhe-
cimento, criam contradições, crenças e superstições baseadas em conclusões 
equivocadas a partir da observação dos fatos ou da experiência vivenciada. Is-
so exerce influência direta ou indireta sobre o indivíduo e a sociedade, configu-
rando a forma pela qual o humano pode compreender o mundo em que vive e 
se ajustar nele. 
Entre os povos primitivos o mito é um paradigma, é forma do humano se 
situar no mundo, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. O 
mito não depende de reflexão ou crítica para estabelecer algumas verdades 
que explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural. É 
intuitivo e não necessita de provas para ser aceito. É, portanto, uma intuição 
sobre o mundo, cuja função principal é acomodar o homem na natureza. Mas, o 
mito não é exclusividade de povos primitivos, existe em todos os tempos e cul-
turas como componente indissociável da maneira de compreender a realidade. 
Cada povo, com base em seus mitos, tem uma visão própria da natureza e ma-
neiras diferenciadas de explicar os fenômenos e os processos naturais. O mito 
não é lenda, ficção ou fabulação, é uma organização da realidade a partir da in-
tuição sobre a experiência vivenciada. 
Para o povo antigo o mito era extremamente precioso por seu caráter e-
xemplar, dogmático e sagrado, sempre verdadeiro, confirmado na vida social, 
portanto, inquestionável. A sua aceitação não é racional, tem de ser através da 
fé e da crença, isto é, construído pela afetividade e pela imaginação. Até o sé-
culo V a.C. o mito era a forma de revelação do conhecimento e significava ori-
entações para a conduta, representava modelos explicativos para as funções e 
as atividades humanas praticados em diferentes civilizações como os gregos, 
romanos, assírios, babilônios, chineses, indianos, egípcios, persas e hebreus, 
além de sociedades primitivas. 
O pensamento mítico pertence ao campo do pensamento simbólico e da 
linguagem simbólica, se caracteriza como uma das formas pela qual um povo 
explica aspectos essenciais da realidade em que vive; a origem do mundo, o 
funcionamento da natureza e os processos naturais, além da origem e o destino 
das pessoas e seus valores básicos. O povo grego antigo tinha essa percepção 
e o termo grego mythos significa um tipo bastante especial de discurso que 
pressupõe adesão e aceitação dos indivíduos para a explicação mágica de sua 
experiência do real. 
O mito não se justifica e não se fundamenta, nem se presta ao questio-
namento, à crítica ou à correção, não obedece à lógica nem da verdade empíri-
ca, nem da verdade científica. É verdadeiro para quem vive, é a verdade cons-
truída pela afetividade e pela imaginação, não necessita de provas para ser a-
ceita. É, portanto, uma intuição compreensiva da realidade, uma forma espon-
tânea do ser humano situar-se no mundo. 
A forma de explicar a realidade apelando para o sobrenatural, para o mis-
tério e o sagrado é através do pensamento mítico. Assim, as causas dos fenô-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
17 
menos naturais, ou seja, aquilo que acontece aos seres humanos é entendido 
como que governadas por realidades superiores, misteriosas, divinas. São exte-
riores ao mundo natural, forças universais e invisíveis provindas dos deuses, 
dos espíritos, dos Astros e das Estrelas do céu, aceitas como capazes de influir 
e governar a natureza e o destino dos homens. 
O mito pretende dar uma explicação da realidade, mas recorre ao mistério 
e ao sobrenatural, ou seja, àquilo que não pode ser explicado, que não pode 
ser compreendido por estar fora do plano da compreensão humana. A explica-
ção dada pelo pensamento mítico termina na impossibilidade da explicação do 
que se deseja conhecer. Ao responder, o mito cria outro problema irrespondível, 
por isso, a resposta tem de ser definitiva, misteriosa e dogmática. 
Como proposta para o homem tentar entender o mundo sem recorrer ao 
misterioso e dogmático surge, no século VI a.C. na Grécia, o pensamento filo-
sófico. Os primeiros filósofos da escola jônica iniciam com o objetivo de buscar 
uma explicação do mundo natural, na física (physis), baseada essencialmente 
em causas naturais. A chave da explicação do mundo e da experiência humana 
estaria então, para esses pensadores, no próprio mundo e não fora dele. Mas, 
isso não significa o desaparecimento do mito como forma explicativa, muitos 
dos seus elementos sobrevivem, chega às sociedades contemporâneas e são 
manifestados pelo imaginário coletivo, criando ou modificando crenças, supers-
tições e fantasias. 
O pensamento mítico fez parte de uma sociedade baseada em uma mo-
narquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influência e o poder po-
lítico era hereditário, sustentado por uma aristocracia militar e mantida por uma 
economia agrária. A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas, vindas pro-
vavelmente da Ásia central, em torno de 900 a 750 anos a.C. começam a surgir 
cidades-Estado. Ocorre uma participação política mais ativa dos cidadãos e a 
religião vai tendo seu papel reduzido, paralelamente surge uma nova ordem e-
conômica, baseada em atividades comerciais e mercantis. Este novo cenário al-
tera o conjunto de conceitos e inicia um novo paradigma, o pensamento filosófi-
co. 
Com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, o pensamento mítico vai 
deixando de satisfazer às necessidades da nova organização social, mais preo-
cupada com a realidade concreta, com a atividade política mais intensa e com 
as trocas comerciais. É nesse contexto que a filosofia encontrará condições fa-
voráveis para o seu nascimento. Mas, a influência do pensamento mítico per-
manece por muito tempo ativo também nas escolas de pensamento filosófico, 
como no pitagorismo e na obra de Platão. A perda do poder explicativo baseado 
no mito resulta de um longo período de transição e de transformação da socie-
dade, que torna possível uma nova forma de pensar e alimenta as primeiras es-
colas do pensamento filosófico no século VI a.C. 
O pensamento filosófico surgiu não nas cidades do continente grego co-
mo Atenas, Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas antigas colônias gregas do 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
18 
Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, na península da Anatólia, território que 
hoje faz parte da Turquia. Essas colônias, dentre as quais se destacaram Mileto 
e Éfeso,eram importantes portos e entrepostos comerciais, locais de encontro 
das caravanas provenientes da Mesopotâmia, Pérsia, talvez também da Índia e 
China. Para lá eram levadas mercadorias que eram embarcadas e transporta-
das para outros pontos que os navegadores gregos aportavam com suas em-
barcações. 
Nas cidades gregas do Mediterrâneo oriental conviviam em harmonia dife-
rentes culturas, pois o interesse comercial fazia com que os povos que ali se 
encontravam, sobretudo os gregos fundadores das cidades, fossem bastante 
tolerantes. As colônias do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas imersas 
no pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas, costumes, cultos e 
mitos. Considerando o fato de que cada povo tem sua forma de ver o mundo, 
seus costumes e valores, é possível que o confronto entre as diferentes tradi-
ções tenha contribuído para enfraquecer o poder do mito, de dar explicações 
absolutas e verdadeiras sobre os questionamentos humanos. 
Nas sociedades gregas, dedicadas às práticas comerciais e aos interes-
ses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo progressiva-
mente sua importância e surge o tipo de pensamento inaugurado, na Escola de 
Mileto, por Tales (625-547 a.C.) que pode ser considerado como o primeiro filó-
sofo a buscar respostas além daquelas obtidas pelo pensamento mítico. Algu-
mas das características centrais desse novo tipo de pensamento exercem influ-
ências entre o século VI e V a.C. em quase todos os pensadores pré-socráticos. 
É uma nova forma de analisar e ver a realidade porque propõe o uso da razão, 
mas não significa que a filosofia rompe radicalmente com o mito, apenas susci-
ta o uso da razão no seu esclarecimento, sobretudo aos que se referem à ori-
gem do mundo. 
A principal contribuição da Escola de Mileto ao desenvolvimento do pen-
samento filosófico e pode-se dizer também científico, foi construir um conjunto 
de noções para tentar explicar a realidade, a partir de alguns conceitos básicos 
que rompem com a narrativa do mito. O pensamento das primeiras escolas de 
filosofia toma por base: 
• A noção de physis (natureza) e de causalidade. 
• O conceito de arché ou elemento primordial. 
• A concepção de kosmos como o Universo racional e ordenado. 
• O lógos como explicação racional. 
• O caráter crítico, a discussão e não dogmatismo. 
Noção de physis e causalidade 
O objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o mundo na-
tural, suas teorias buscam dar uma explicação causal aos processos e aos fe-
nômenos da natureza, a partir de causas puramente naturais, isto é, encontrá-
veis no mundo concreto, e não em um mundo sobrenatural ou divino como nas 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
19 
explicações míticas. Segundo esse tipo de visão, a compreensão da realidade 
natural encontra-se nesta própria realidade e não fora dela. Aristóteles (384-324 
a.C.) chama os primeiros filósofos de physiólogos, ou seja, estudiosos ou teóri-
cos da natureza (phvsis) e dedicou as primeiras páginas de Metafísica a um 
breve resumo sobre os pensadores que o precedeu. 1 
A causalidade é a característica central da explicação da natureza pelos 
primeiros filósofos, a natureza das coisas é interpretada em termos puramente 
naturais e o estabelecimento de uma conexão causal entre determinados fenô-
menos naturais constitui a forma básica da explicação filosófica e científica. Ex-
plicar passa a ser relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o deter-
mina; é reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza; é 
tomar um fenômeno como efeito de uma causa. A existência desse nexo torna 
a realidade inteligível e permite considerá-la como tal, mas é importante, entre-
tanto, que o nexo causal se dê apenas entre fenômenos naturais, considerando 
que o pensamento mítico também estabelece explicações causais entre fenô-
menos naturais e sobrenaturais. 
A explicação de causa e efeito entre fenômenos naturais e sobrenaturais 
é bem explícita na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada de Homero, um entre 
os maiores poemas épicos da Grécia antiga, composto no século VIII a.C. e que 
teve profunda influência sobre a literatura ocidental. No texto pode ser lido 
quando os deuses tomam partido dos gregos e dos troianos e influenciam os 
acontecimentos em favor de um ou de outro. Portanto, fenômenos humanos e 
naturais têm, nesse caso, causas sobrenaturais. Trata-se de uma explicação 
causal, porém dada através da referência a causas sobrenaturais. A proposta 
dos primeiros filósofos é romper com essa possibilidade, o nexo tem de ser a-
penas entre fenômenos naturais. 
A explicação causal entre os fenômenos naturais possui um caráter re-
gressivo, explica sempre uma coisa por outra. É a possibilidade de buscar uma 
causa anterior, mais básica, até o infinito. Cada fenômeno poderia ser tomado 
como efeito de uma nova causa, que, por sua vez, seria efeito de uma causa 
anterior, e assim sucessivamente, num processo sem fim. Isso invalida o pró-
prio sentido da explicação, pois, mais uma vez, a exposição levaria ao inexpli-
cável, a um mistério tal como no pensamento mítico. Para evitar a regressão ao 
infinito da explicação causal surge a necessidade de se estabelecer uma causa 
primeira, um princípio, ou um conjunto de princípios, que possa servir de ponto 
de partida para o processo racional. Neste ponto nasce a noção de arché (ele-
mento primordial). 
O Arché e o kosmos 
Os filósofos começam postular a existência de um ponto de partida para 
todo o processo do pensamento. O primeiro a formular essa noção é justamen-
 
1ARISTÓTELES, Metafísica (trad. Leonel Valandro), Porto Alegre, Ed. Globo, Biblioteca dos Sé-
culos, 1969. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
20 
te Tales de Mileto, quando afirma que a Terra flutua como um disco boiando 
sobre a água, no oceano, e que a água está presente em quase tudo que existe 
na natureza, em seus três estados físicos; líquido, sólido e gasoso. Para ele, a 
água (hydro) é o princípio e o fim de tudo. Tales escolheu esse elemento como 
primordial influenciado, provavelmente, por antigos mitos do Egito e da Mesopo-
tâmia; regiões onde a água teve um papel crucial para o desenvolvimento de ci-
vilizações, principalmente em locais fluviomarinhos como a margens de rios, la-
gos e mares. 
Segundo Tales, a água ao se resfriar torna-se densa e dá origem à terra e 
ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando 
novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, 
terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A hipótese de Tales 
pode ser resumida nas proposições de que a terra flutua sobre a água; a água é 
a causa material de todas as coisas e, em suas diferentes formas, é cheia de 
deuses e poderes divinos. Foi também um dos primeiros pensadores a afirmar 
que o ímã possui vida, pois atrai o ferro, tendo assim inaugurado a doutrina 
magnética, básica para o desenvolvimento da “medicina magnética” que se 
desdobra no mesmerismo, no kardecismo e, por fim, no hipnotismo. 
A busca por um elemento real que dá unidade à natureza é a contribuição 
mais importante de Tales, elegendo a água enquanto princípio para a explica-
ção do mundo, inaugura o pensamento filosófico. Para ele a água não era sim-
plesmente a substância encontrada em rios, mares, lagos e simbolizava um e-
lemento real, o mais básico, o mais primordial; presente em todas as coisas em 
maior ou menor grau. No imaginário coletivo a água vai se tornando também re-
ferencia indispensável para a explicação de todas as coisas questionáveis, se 
transforma em um elemento mágico capaz de promover a cura para o corpo e a 
purificação para a alma humana. Passa a ser a fonte de explicação para o que 
não se pode compreender. 
Os discípulos de Tales elegem outros elementos como sendo primordial 
para a explicação do mundo, como exemplo, Anaximandro de Mileto(611-547 
a.C.), discordando do mestre, identifica o arché não mais como um elemento 
natural, mas no apeíron, termo grego que indica o ilimitado, o infinito, uma reali-
dade sem limites e sem fronteiras, um princípio abstrato significando algo de i-
limitado, indefinido, subjacente à própria natureza. Anaximandro dizia que a ori-
gem de tudo está no movimento eterno que resulta na separação dos contrá-
rios; como o quente e o frio, o seco e o úmido. Neste sentido, como forma expli-
cativa da vida, do mundo e do Universo, o pensamento teológico, impõe tam-
bém contrários como o bem e o mal, a virtude e o pecado, o sagrado e o profa-
no, o céu e o inferno, anjos e demônios, Deus e o diabo. 
Anaximandro é contraditado por Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) 
quando afirma ser o ar o princípio e o fim de tudo, dizia que esse elemento se 
diferenciava nas substâncias por refração e condensação; atenuado torna-se 
fogo; condensado, vento; ao crescer a condensação, transforma-se em água e 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
21 
depois em terra, pedras e tudo mais na natureza. Mas, os gregos também pas-
sam a compreender o ar pela expressão pnêuma, ou seja, o vento quente e ra-
refeito, de natureza mais espiritual do que material, presente em cada ser vivo e 
que se exala do corpo como no último suspiro. O ar de Anaxímenes passa a ser 
entendido como o princípio da vida, algo que entra e sai do corpo, entre o nas-
cimento e a morte, por isso passa a significar mais do que uma substancia natu-
ral. Dessa idéia mais tarde deriva a concepção de alma e sua imortalidade. A-
romatizar o ar passa a ser entendido como forma de melhor sentir sua presença 
capaz de promover benefícios mágicos para o ser humano. 
Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) recebeu o cognome de "pai da dialética", 
problematiza a questão do devir (mudança) e dizia ser o fogo o princípio expli-
cativo para tudo que fosse questionável, para ele tudo muda e tudo flui. Dizia 
que todas as coisas podem ser transformadas em fogo e que o fogo pode se 
transformar em todas as coisas. Mas, o pensamento de Heráclito parece ser 
metafórico, compara a ação do fogo com a ação da moeda pela capacidade 
que ambos têm de transformar as coisas. Dizia que do mesmo modo como se 
troca o ouro, no sentido de moeda, por todas as coisas, tudo pode ser trocado 
por ouro. 2 Suas idéias sobre o fogo, como elemento primordial ou metáfora ex-
plicativa, no conceito popular ganha relevância. Além do seu poder de exercer 
fascinação, o fogo já não se limita apenas à iluminação ou outros serviços; pas-
sa a representar mais uma facilidade na relação do humano com o divino. Pa-
radoxalmente a filosofia que surge em substituição ao pensamento mítico, a ca-
da passo o fortalece. 
Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), natural da colônia dórica de A-
grigento, na Sicília, realizou uma síntese filosófica e propôs uma explicação ge-
ral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão do que 
considerou os quatro princípios eternos e indestrutíveis; a terra, o fogo, o ar e a 
água. Acreditava que esses elementos são misturados ou separados pela ação 
do amor ou pelo ódio. Tese retomada por Platão (428-347 a.C.) e difundida em 
toda a Antigüidade, chegando até o período moderno nas especulações da al-
quimia no Renascimento até o surgimento da química moderna no século XVIII, 
quando em 1789, Antoine-Laurent Lavoisier publicou a primeira lista de elemen-
tos químicos. Depois de Empédocles, Demócrito de Abdera acrescenta mais 
um elemento, o átomo, acreditava que tudo era composto por átomos e vazio. 
O atomismo de Demócrito passa a ser a medida explicativa de tudo. 
Pitágoras (570-500 a.C.) identificou o arché no número, afirmando que 
cada figura geométrica e, portanto, cada corpo existente, pode ser pensado 
como quantidade finita de elementos-base unitários. Com a certeza de que tudo 
é número e tudo pode ser quantificado em números, Pitágoras construiu a pri-
meira matemática e elaborou uma metafísica, um ideal de ordem, racionalidade 
e harmonia universal. Para ele o número não era um ente abstrato, mas algo 
 
2 NICOLAS, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna (trad. Maria 
Marghrita De Luca), São Paulo, Ed. Globo, 2005. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
22 
concreto e real com uma dimensão espacial; os números são figuras como e-
xemplo o quadrado, o triângulo e o circulo que se apresentam como um ente in-
termediário entre a aritmética e a geometria e é capaz de explicar o mundo. Daí 
se desenvolve a numerologia. 
No que se refere à magia, Pitágoras também se revela como crédulo das 
culturas curativas arcaicas baseadas no pensamento mítico. Isso é demonstra-
do pela lista de estranhas regras de purificação da alma que impôs aos seus 
discípulos. Algumas ações eram absolutamente proibidas por motivos religio-
sos, como exemplo, não comer favas; não recolher o que caiu; não tocar em um 
galo branco; não partir o pão para comer; não saltar sobre traves; não atiçar o 
fogo com ferro; não morder um pão inteiro; não partir as guirlandas; não se sen-
tar sobre um jarro; não comer coração; não se olhar em um espelho perto do 
fogo; alisar a marca do corpo ao levantar-se na cama. Outra idéia de Pitágoras 
é a de que os Astros produzem no seu movimento uma música perfeita e divina, 
literalmente celestial, a música das estrelas não é percebida pelos homens por 
não serem estes perfeitos ou refinados do ponto de vista da suprema purifica-
ção da alma. 
Pitágoras foi o primeiro filosofo acidental a sustentar a existência da alma 
e sua transmigração de um copo para outro no momento da morte. Para ele, 
devido à culpa anterior, a alma é obrigada a reencarnar sucessivamente, nem 
sempre em corpos humanos, mas também em animais, em um ciclo que só é 
interronpido após a purificação. Esta teoria conhecida como metempsicose, pro-
fessada no oriente pelas religiões hinduísta e budista, chegou à Grécia com a 
seita misteriosa dos Órficos, cresceu com os ensinamentos de Pitágoras e de-
pois foi assumida por Platão como explicação da anamnese ou reminiscências. 
Anamnese, em grego, significa recordação, reminiscências. O termo indi-
ca a teoria de origem mítico-filosofica com que Platão tenta explicar o problema 
do conceito e do conhecimento em geral. Segundo sua hipótese a alma, no 
sentido da mente humana, não adquire conhecimento a partir do exterior, mas 
recorda no seu interior, aquilo que outrora adquiriu e depois esqueceu. Reto-
mando a teoria da metempsicose de Pitágoras, Platão também acha que as al-
mas transmigram de um corpo para outro, mas antes de ocupar um novo corpo 
têm a possibilidade de contemplar as idéias, o modelo perfeito das coisas. Este 
conhecimento, perdido no esforço do nascimento, é posteriormente despertado 
pela observação das coisas. Assim, a percepção do mundo externo não fornece 
nenhum conhecimento, somente o estimulo à recordação. O conhecimento dá-
se por meio de uma visão intelectual, quando o ser humano consegue reconhe-
cer na complexidade do mundo real as formas essenciais e prototípicas, ou se-
ja, as idéias. 
Para os filósofos compreender o mundo era necessário outro princípio, o 
Kosmos. O significado do termo para os gregos liga-se diretamente às idéias de 
ordem, harmonia, circularidade e serenidade representada pelos Astros e pelo 
espaço celeste. O belo resulta da harmonia das formas vistas no Cosmo; daí a 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
23 
origem do termo “cosmético” como símbolo de beleza. A visão do Cosmo dis-
tinguia a natureza celeste da natureza terrestre, o mundo supralunar e o mundo 
sublunar que se opunham, um como perfeito e o outro imperfeito. O imperfeito 
corruptível e perecível se opõe ao perfeito que é eterno e imutável. 
As coisas terrestres eram imperfeitas, mas ao contrário da Terra, os As-
tros celestes eram vistos comoperfeitos pela sua forma circular, de movimentos 
uniformes, sem começo nem fim, sempre girando em torno de um ponto central 
do qual não se afasta nem se aproxima, habitação dos seres perfeitos e eter-
nos. O Cosmo, entendido como ordem, se opõe ao caos que seria precisamen-
te a falta de ordem. Passa a ser contemplado pelos pensadores como o mundo 
real, natural e ordenado de acordo com certos princípios racionais, em que cer-
tos elementos são mais básicos e se constitui de forma determinada, tendo a 
causalidade como lei principal. 
A astrologia é envolvida pelo pensamento mítico com a idéia de um Cos-
mo finito, esférico, fechado sobre si mesmo, inteiramente contido na esfera dos 
céus, a Terra imóvel em seu centro e fora do qual, como diz Aristóteles, nada 
existe, nem lugar, nem tempo. Os Astros celestes, principalmente os noturnos 
como a Lua e as Estrelas, passam a representar o modelo para a vida humana, 
espelham a virtude, representam a idéia de perfeição que deveria influenciar o 
humano, suas atitudes e sua existência. Dessa filosofia deriva a convicção da 
influência dos Astros na vida e no destino das pessoas, é como se a vida de 
cada um estivesse escrita nas estrelas. 
Há na concepção grega o pressuposto de correspondência entre a razão 
humana e a racionalidade do real para a compreensão do Cosmo. É a raciona-
lidade do mundo que o torna compreensível ao entendimento humano, a ordem 
do Cosmo é vista como uma ordem racional, uma realidade possível de ser 
compreendida. É porque este real pode ser compreendido que se pode fazer 
ciência, isto é, tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmolo-
gia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral 
sobre a natureza e o funcionamento do Universo. 
O Lógos e o Crítico 
Para o grego compreender o mundo faltava mais um princípio, a argu-
mentação da realidade, o discurso, o lógos. O termo significa literalmente dis-
curso e é com tal acepção que é explicitado, por exemplo, em Heráclito de Efé-
so. O lógos enquanto discurso difere fundamentalmente do mythos, narrativa de 
caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. É 
uma explicação em que razões são dadas no discurso dos primeiros filósofos, 
explicando o real por meio de causas naturais. 
Lógos são razões argumentativas, frutos não de uma inspiração ou de 
uma revelação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao enten-
dimento da natureza. É, portanto, o discurso racional em que as explicações 
são justificadas e estão sujeitas a critica e à discussão (disso deriva o termo 
“lógica”). Heráclito caracteriza a realidade como tendo um lógos, ou seja, uma 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
24 
racionalidade que seria captada pela razão humana. Um dos pressupostos bá-
sicos da visão dos primeiros filósofos é a correspondência entre a razão huma-
na e a racionalidade do real, o que tornaria possível um discurso racional sobre 
o real. 
Para construir o lógos era necessário o crítico, um dos aspectos mais fun-
damentais do saber que fundamenta as primeiras escolas de pensamento, so-
bretudo na escola jônica. O caráter crítico impedia que as teorias formuladas 
fossem dogmáticas, apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas 
como teorias passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e dis-
cordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata 
de construções do pensamento humano, de idéias de um filósofo, e não de ver-
dades reveladas de caráter divino ou sobrenatural, estão sempre abertas à dis-
cussão, à reformulação, a correções. Isso aconteceu na escola de Mileto com 
os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, quando 
não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o elemento primordial e 
postulam outros elementos como tendo esta função. 
Nas escolas filosóficas o debate, a divergência e a formulação de novas 
hipóteses eram estimulados, a única exigência era que as propostas divergen-
tes pudessem ser justificadas, explicadas e fundamentadas por seus autores e 
submetidas à crítica. O que é acrescentado de novo na filosofia grega, não é a 
substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas sim uma nova atitude em 
relação aos mitos, a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da 
doutrina, na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica, 
encontra-se uma tradição crítica da doutrina. 
Outros pensadores começam a fazer perguntas a respeito do mito, duvi-
dam de sua veracidade, a dúvida e a crítica tornam-se agora parte da tradição 
da filosofia. Uma tradição superior que substitui a preservação tradicional do 
dogma e, em lugar da teoria tradicional, do mito, encontra-se a tradição das teo-
rias que criticam a si mesmas e, no decorrer dessa discussão crítica, a obser-
vação é adotada como testemunha dos fatos. Não foi por mero acaso que Ana-
ximandro, discípulo de Tales desenvolveu uma teoria que divergia explícita e 
conscientemente de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, 
tenha também divergido. A explicação parece ser que o próprio fundador da es-
cola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teoria, e que eles tenham 
transformado, com esta atitude de fazer crítica, a tradição da escola, trocando o 
dogma pela reflexão do pensamento. 
O Cosmo passa a ser entendido pela astrologia, existe agora uma forma 
de conhecimento racional sobre os Astros, e surgem os pensadores astrôno-
mos. Mas, até o século XVI e o início do XVII o pensamento ainda estava im-
pregnado do ocultismo e da magia. A Igreja incorpora e defende o pensamento 
filosófico; passa a impor a idéia de que o mundo acima da Lua era reservado à 
habitação das substâncias mais puras, mais perfeitas e divinas, superiores so-
bre o mundo imperfeito das coisas terrestres. A filosofia e a Igreja caminham 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
25 
juntas e, sob os ditames divinos, reforça que o mundo cósmico é capaz de e-
xercer influência sobre as formas de vida existente na Terra. Tinham como 
pressuposto básico a existência de um mundo perfeito supralunar, habitado por 
seres perfeitos do qual os humanos, por serem mortais, são apenas cópias im-
perfeitas. 
No século V, a invasão dos bárbaros irrompendo de todos os lados, des-
truindo no Ocidente a civilização romana, inicia a Idade Média, provocando no-
vas condições políticas e sociais, adversas à conservação e ao desenvolvimen-
to da cultura intelectual. É um período de estagnação intelectual em que não 
houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os res-
tos da cultura que estava sendo arruinada com as invasões de povos nômades 
como os visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente os vândalos. 
O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, não 
foi criar, mas compilar. E se deve principalmente aos monges, que recolheram 
em seus conventos muitos manuscritos antigos, que revelavam as sabedorias 
dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, acomo-
daram-se à nova situação política e passaram a aceitar os usos e costumes 
dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao Cristianismo. Com isso houve 
um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações intelectuais 
apareceram como doutrinas teológico-filosóficas, que passam a dominar na I-
dade Média. Entre o século IX e o XVII o pensamento filosófico se caracteriza 
pelo problema da relação entre a fé e a razão, associando a filosofia greco-
romana à teologia cristã. 
Apoiada na crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer impor-
tante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, por exemplo, a fun-
ção de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os 
problemas da fragmentação política e das rivalidades internas da nobreza feu-
dal. Conquistou, também, vasta riqueza material tornando-se proprietária de 
aproximadamenteum terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, numa 
época em que a terra era a principal base de riqueza. Assim, pôde estender 
seu poder hegemônico sobre diferentes regiões européias e impor-se como de-
tentora da revelação divina, se anunciado como a única fonte de verdade. 
Filósofos eclesiásticos 
Desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensi-
namentos às autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja católica sabia 
que seus preceitos não podiam simplesmente serem impostos, tinham de ser 
apresentados de maneira convincente. Foi assim que os primeiros Padres se 
empenharam na elaboração de textos sobre a fé e a revelação divina. O con-
junto desses textos, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de 
argumentos racionais e ficou conhecido como patrística, por terem sido escritos 
principalmente pelos grandes Padres da Igreja. No plano cultural, a Igreja pas-
sa a exercer amplo domínio, trançando um quadro intelectual em que a fé cristã 
era o pressuposto fundamental de toda sabedoria humana. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
26 
A Igreja Católica concedia, através de decreto do Papa, o título de Douctor 
Ecclesice (Doutor da Igreja) para àqueles Padres que mais escreviam sobre a 
doutrina católica, ou que, com maior profundidade, zelo e eloqüência a defen-
diam. Muitos foram os escritores eclesiásticos que receberam esse titulo por 
defender a fé associada com a razão. Entre outros, destacam-se Orígenes, 
Clemente de Alexandria, Gregório de Nazianzo, Cirilo de Alexandria, Santo 
Ambrósio e Santo Agostinho. 
À medida que a Igreja se tornava a instituição mais poderosa do Ocidente, 
a filosofia de Santo Agostinho definia a cultura da época. Educação e cateque-
se praticamente se equivaliam; as escolas eram orientadas para a formação de 
membros do clero, ficando em segundo plano a transmissão dos conteúdos tra-
dicionais. O conhecimento tinha lugar central na filosofia de Santo Agostinho, 
mas ele se confundia com a fé "Compreender para crer, crer para compreen-
der", era uma filosofia condicionada à fé religiosa e, especificamente, à ética 
cristã. 
A educação conhecida como patrística, termo que se refere aos padres 
Magister Ecclesice (Mestres da Igreja), ensinava, instruía e doutrinava estimu-
lando acima de tudo a obediência incontestável ao clero e sua rígida hierarquia. 
A disciplina rigorosa era a forma de praticar a resignação e a humildade diante 
do desconhecido. A subordinação era a forma de treinar o controle das paixões 
para merecer a salvação numa suposta vida após a morte. 
Para a Igreja o conhecimento tinha por base a crença irrestrita ou na ade-
são incondicional às verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades ex-
pressas na Bíblia e devidamente interpretadas segundo a autoridade da Igreja. 
De acordo com a doutrina católica, a fé representava a fonte mais elevada das 
verdades reveladas, especialmente aquelas essenciais ao homem e que dizem 
respeito à sua salvação. Neste sentido, afirmava Santo Ambrósio (340-397) 
“Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo”. Assim, toda 
investigação filosófica ou científica não poderia, de modo algum, contrariar as 
verdades estabelecidas pela fé católica. Segundo essa orientação, os filósofos 
não precisavam se dedicar à busca da verdade, pois ela já havia sido revelada 
por Deus aos homens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as 
verdades da fé. 
Embora tenha vivido nos últimos anos da Idade Antiga, que se encerrou 
com a queda do Império Romano, no ano de 476, Santo Agostinho (354-430) 
foi o mais influente pensador ocidental dos primeiros séculos da Idade Média. A 
ele se deve a criação de uma filosofia que, pela primeira vez, deu suporte ra-
cional ao cristianismo; numa época em que a cultura helenística (baseada no 
pensamento grego) havia entrado em decadência e a nova religião conquistava 
cada vez mais seguidores, embora se fundamentasse quase que exclusiva-
mente na fé e na difusão espontânea. 
Outros pensadores já haviam se dedicado à revisão da cultura clássica 
(greco-romana) para adaptá-la aos novos tempos. Era uma forma de mostrar 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
27 
aos indecisos que a conversão ao cristianismo não seria incompatível com ma-
neiras de viver e de pensar a que estavam acostumados. Entre os pensadores 
gregos, o que mais se prestava à construção de uma filosofia cristã era Platão 
e a escola de pensamento, nos primeiros séculos da Idade Média, ficou conhe-
cida como neoplatonismo. 
No século VIII Carlos Magno, convertido ao catolicismo, resolveu organi-
zar o ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas às instituições ca-
tólicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser 
divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas reflexões da épo-
ca. Na educação romana, começaram a ser ensinadas as matérias: gramática, 
retórica e dialética (o trivium) geometria, aritmética, astronomia e música (o 
quadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas à teologia. A funda-
ção dessas escolas e das primeiras universidades do século XI fez surgir uma 
produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola). 
A queda do império romano aconteceu com a deposição do último monar-
ca pelos germânicos. Os quase mil anos seguintes seriam englobados pelos 
historiadores no período da Idade Média, que tem entre suas características 
principais o domínio da Igreja Católica sobre quase todas as atividades huma-
nas. A filosofia de Santo Agostinho domina a primeira fase da Idade Média 
(mais ou menos até o século XI), marcada por guerras constantes, decadência 
das cidades, pulverização do poder político e internacionalização da cultura por 
meio da Igreja. É uma época em que a educação é eminentemente religiosa e 
a ciência avança pouco e se difunde menos ainda. 
A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pen-
samento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta 
de muitas obras de Aristóteles, não descobertas até então, e à tradução para o 
latim de algumas delas, diretamente do grego. A busca da harmonização entre 
a fé cristã e a razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especu-
lação filosófica. Nesse sentido, o período escolástico pode ser dividido em três 
fases: 
• Fase um (do século IX ao fim do século XII): caracterizada pela 
confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. 
• Fase dois (do século XIII ao princípio do século XIV): caracterizada 
pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo desta-
ques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que 
a harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida. 
• Fase três (do século XIV até o século XVI): decadência da escolás-
tica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais en-
tre fé e razão. 
A escolástica chega ao seu ápice com Santo Tomás de Aquino (1225-
1274), é quem que proporciona ao pensamento cristão uma filosofia que con-
verge não apenas o pensamento patrístico e escolástico, mas também o pen-
samento helênico, enriquecido com a filosofia aristotélica. Considera também a 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
28 
filosofia como absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o con-
teúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional. Inaugura 
a fase do Tomismo, adotada oficialmente pela Igreja Católica, que considera 
como a solução definitiva do problema das relações entre a razão e a fé. O 
Tomismo se caracteriza pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristia-
nismo, rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os 
princípios da filosofia aristotélica. 
Tomás de Aquino trata de duas formas o conhecimento: a filosofia e a 
teologia; a primeira funda-se no exercício da razão humana; a segunda, na re-
velação divina. São independentes, mas apresentam às vezes o objeto materialcomum, como exemplo, a existência de Deus, a essência da alma, a revelação 
intuitiva. A distinção entre essas formas de conhecimento deriva mais do objeto 
formal, pois a teologia estuda o dogma pelo método da autoridade ou revela-
ção, ao passo que a filosofia o considera por demonstração científica ou pela 
razão. 
A doutrina tomista admite que a alma, princípio espiritual, se junta ao cor-
po, princípio material, constituindo um composto substancial. Assim, as plantas 
têm uma alma, é a "alma vegetativa", com as funções de alimentação e repro-
dução; nos animais, é a "alma sensitiva", com as funções anteriores, mais a 
sensação e mobilidade; finalmente, o homem com todas as funções anteriores, 
mais a racional. No concernente às propriedades da alma humana, admite o li-
vre-arbítrio, que é estudado sob todos os seus aspectos e todos os problemas 
dele derivados são resolvidos com firmeza e profundidade. Tomás de Aquino 
considera ainda a inteligência como a faculdade mais perfeita de nossa alma. 
Sustentado pela filosofia, o pensamento teológico do século XVI e XVII 
ainda defendia que os Astros, perfeitamente lisos e esféricos, eram o oposto ao 
mundo imperfeito do dia a dia dos homens. A concepção da Terra não perfeita, 
não lisa como os Astros do céu, induzia a crença de que as montanhas existem 
em virtude do pecado de quem habitava esse mundo fechado, no topo do qual 
estava seu “teto”; o céu habitado por Deus, lugar para onde se dirigiam os ho-
mens bons depois da morte. Essa forma de pensar confirma as idéias de Pitá-
goras e depois Platão quando justificam a condição de mortal do ser humano, 
separando o corpo da alma, dando-lhe eternidade, após a morte, para viver no 
mundo perfeito como recompensa por ter tido uma vida terrena de virtudes. 
A Igreja católica parece incorporar definitivamente em seus rituais, repre-
sentações, valores e idéias dos primeiros filósofos. A noção de physis e casua-
lidade, o arché, o kosmos, o crítico e o logos, relacionados por Aristóteles, es-
tão presentes na filosofia teológica, independentemente das diferentes interpre-
tações dadas pelos filósofos eclesiásticos. A prática religiosa conserva os ele-
mentares como a água e o sal no batismo, o ar no incenso, o fogo nas lampari-
nas e velas, o ouro, a prata e outros minerais na construção e decoração dos 
templos e nos instrumentos litúrgicos. Os Astros compondo o mundo celestial 
como idéia de perfeição, pureza e beleza divina. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
29 
A ciência experimental 
Ainda na Grécia antiga aparecem pensadores que, fazendo especulações 
sobre os Astros celestes, iniciam a quebra do mito filosófico incorporado ao 
dogmatismo da igreja. Aristóteles de Estagira explicou que as fases da Lua de-
pendem de quanto da parte de sua face é iluminada pelo sol e está voltada para 
a Terra e, ainda, explicou como ocorre um eclipse. Heraclides de Pontus propôs 
que a Terra gira diariamente sobre seu próprio eixo e que Vênus e Mercúrio gi-
ram em órbita do Sol. Aristarco de Samos foi o primeiro a propor que a Terra se 
movia em volta do sol, antecipando as idéias de Copérnico em quase dois mil 
anos. Eratóstenes de Cirênia (240-194 a.C.), foi diretor da biblioteca Alexandri-
na e o primeiro a medir o diâmetro da Terra. Hiparco de Nicéia, considerado o 
maior astrônomo da era pré-cristã, construiu um observatório na ilha de Rodes, 
onde fez observações durante o período de 160 a 127 anos a.C. O último as-
trônomo importante da antiguidade foi Ptolomeu que, afirmando ser a Terra o 
centro do Universo, cria o modelo geocêntrico. 
Quanto mais se especulava sobre o mundo Cósmico, mais o homem de-
sejava voar ou, de algum modo, conquistar esse privilégio. Esse desejo funda-
menta-se em uma ambição muito antiga; a mitologia, a arte e a literatura de to-
das as épocas e culturas estão repletas de imagens de homens-pássaros e do 
anseio humano de alcançar os céus. Uma das figuras mais célebres da mitolo-
gia grega é Ícaro, filho do arquiteto Dédalo de Creta. Para que Ícaro fugisse da 
ilha onde estava aprisionado, seu pai construiu-lhe asas de cera. Ícaro conse-
guiu escapar, mas sua ambição o levou a um vôo tão alto que o Sol acabou por 
derreter a cera. Ícaro caiu no mar e morreu. 
Entre a Baixa Idade Média (século XI ao XV) até a Idade Moderna (século 
XV ao XVIII), para a Igreja as estrelas e os planetas estavam todos fixos na a-
bóbada celeste e a Terra era o centro do Universo. Mas, nessa mesma época, 
tem inicio outra forma de pensamento, a ciência experimental, que vai transfor-
mar gradativamente a reflexão filosófica em algo mais objetivo, direto, concreto, 
portanto, experimentável. Com essa nova visão de mundo, a observação dos 
Astros celestes continua encantando muitos pensadores, entre eles Nicolau 
Copérnico que estabeleceu o Modelo Heliocêntrico (O Sol como centro do Uni-
verso) e criou conceitos importantes. Observou que a Terra é um dos seis pla-
netas, então conhecidos, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, gi-
rando em torno do Sol. Deduziu que quanto mais perto do Sol está o planeta 
maior é sua velocidade orbital. Baseado em Copérnico, Kepler cria a Lei das 
Órbitas Elípticas, afirma que a distância do Sol ao planeta varia ao longo de sua 
órbita. Cria também a Lei das Áreas, afirmando que a reta unindo o planeta ao 
Sol varre áreas iguais em tempos iguais e finaliza com a Lei Harmônica, estabe-
lecendo que planetas com órbitas maiores se movem mais lentamente em torno 
do Sol. 
Até o século XVI e no início do XVII, mesmo com o avanço do conheci-
mento sobre o Universo, a Igreja ainda conservava o pensamento dos antigos 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
30 
filósofos, impregnado do ocultismo, travando o desenvolvimento da ciência. 
Mas, pouco a pouco foi perdendo a autoridade para impor sua “revelação” e o 
fosso entre a religião e a Ciência tornou-se intransponível. Francis Bacon con-
testa afirmando que o papel da Igreja deveria ser o de apenas responder ques-
tões sobre Deus e não explicar a natureza. Dizia ser competência humana in-
vestigar, através da observação e da experimentação dos fenômenos, para que 
a natureza revelasse seus segredos. Bacon inaugura uma nova forma de pen-
samento, tendo como principal edificador Galileu Galilei (1564-1642). 
Embora a tradição filosófica do saber aristotélico, incorporada à teologia 
católica sustentada pela Igreja e ensinada nas escolas, viesse sendo cautelo-
samente criticada, Galileu foi quem mais frontalmente se opôs, embora outros 
os tenham antecedido como Giordano Bruno, Copérnico, Bacon; além dos seus 
contemporâneos, Descartes, Campanella e Johann Kepler. Mas foi Galileu o 
primeiro a formular o método experimental para se chegar à resposta. Foi o pri-
meiro a formular o problema crítico do conhecimento. 
Entre todos os astrônomos, da Idade Média até a Moderna, Galileu Gali-
lei, italiano nascido em 1564, nas proximidades de Pizza, foi o mais brilhante. 
Inventa a luneta e, com esse instrumento, transcende o limite da visão e dos 
conhecimentos da época. Galileu viu o mundo celeste como ninguém antes de-
le tinha visto; as montanhas da Lua, os satélites de Júpiter e o anel de Saturno, 
a constituição da Via Láctea e de várias nebulosas. Essa nova visão do Cosmo 
consolidou o modelo heliocêntrico, embora a Igreja ainda impusesse o modelo 
geocêntrico, Galileu sustentou a nova verdade contrária ao dogma da igreja. 
Do ponto de vista da historia do conhecimento, Galileu foi o primeiro a es-
tabelecer uma linguagem adequada para interrogar a natureza, através do mé-
todo teórico experimental estabeleceu passos como a observação dos fenôme-
nos, a análise dos elementos constitutivos desse fenômeno, a indução e con-
firmação das hipóteses e a generalização dos resultados. Cria a teoria das ex-
periências coincidentes e estabelece o principio de Causa e Efeito para explicar 
os fenômenos. Com isso inaugura o processo de pensamento no qual a respos-
ta serevela por dedução a partir dos fatos observados. 
Galileu rompe definitivamente com a filosofia tradicional e cria seu método 
científico baseado nas observações, nas vinculações do que via com as de-
monstrações quantitativas (matemáticas) dos fatos. Cria assim dois princípios 
inseparáveis para a construção da pesquisa; a observação e a dedução. Da ex-
periência sensível dos fatos, da dedução necessária, seria inferida a solução do 
problema investigado. Seu método pode ser resumido em quatro momentos: 
• A observação imediata do fenômeno na sua complexidade. 
• Resolução da complexidade nos elementos simples traduzíveis em re-
lações quantitativas, ou em linguagem matemática. 
• Formulação de uma hipótese explicativa (momento teórico). 
• A experimentação; verificação da hipótese com cálculo e experimento. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
31 
Galileu passa dos fatos à idéia da sua conexão racional, e desta, volta 
aos fatos, mas com a dedução de questionamentos. Suas observações se 
transformam em provas e documentação contrária a tradição aristotélica medie-
val e a Igreja. Descobre que Copérnico tinha razão, o Sol estava no centro do 
Universo e a Terra gira em torno dele. Com essas descobertas o homem perde 
a certeza de sua saúde baseada na serenidade dos Astros e a certeza do Céu 
como local de destino depois da morte. Tudo conta contra os dogmas da Igreja 
e Galileu é, por isso, condenado pela Inquisição em 1633 e, para escapar da 
fogueira, é obrigado a renegar suas afirmações. Morreu em 1642, aos 78 anos 
de idade, completamente cego, sendo que sua cegueira foi atribuída pelo clero 
como castigo divino. 
Na investigação científica do Universo merece destaque também o astrô-
nomo alemão Johann Kepler (1571-1630), nascido em Weil der Stadt, na Swa-
bia, na Alemanha Sul-Ocidental. Adoentado desde o nascimento prematuro, 
Kepler ainda criança sofreu de varíola e várias outras enfermidades. Em 1584 
entrou no seminário protestante em Adelberg, e em 1589 na universidade pro-
testante de Tubingen, onde estudou principalmente teologia e filosofia, mas 
também matemática e astronomia. Seu professor de matemática, embora proi-
bido pela Santa Inquisição de ensinar a teoria heliocêntrica de Copérnico, acre-
ditava nela e a transmitia discretamente aos alunos, apesar de oficialmente en-
sinar o sistema geocêntrico de Ptolomeu. Com menos de 25 anos de idade Ke-
pler tornou-se professor de Ciências na Universidade de Graz, na Áustria. Foi 
ele quem primeiro suspeitou que os planetas apresentassem órbitas elípticas e 
não circulares, como acreditava Copérnico. 
Logo depois de ordenar-se pastor protestante, Kepler recebeu a oferta pa-
ra ser professor de astronomia em Graz, na província austríaca de Styria, desis-
tindo da carreira de sacerdote seguiu para Graz em 1594. Um de seus deveres 
como professor era fazer predições astrológicas, previu corretamente um inver-
no rigoroso e, após isso, sua reputação aumentou. Absorvido na busca de um 
modelo geométrico para o sistema de Copérnico chegou a uma teoria sem fun-
damento, a idéia de que um mundo perfeito seguiria as leis da geometria e as 
órbitas dos 6 planetas então conhecidos deveriam circunscrever os cinco sóli-
dos regulares possíveis; a órbita da terra, a medida para as demais órbitas, cir-
cunscreveria um dodecaedro. Os resultados coincidiram com a maior parte das 
precárias observações baseadas nas idéias de Pitágoras, e Kepler, satisfeito, 
publicou sua teoria em Mysterium Cosmographicum (O mistério do Universo). 
As idéias de Kepler impressionaram a Tycho Brahe, o famoso astrônomo 
e matemático da corte do imperador em Praga que o convidou para integrar sua 
equipe de astrônomos e incumbiu-o de calcular a órbita de Marte. A astronomia 
aristotélica em vigor partia da pressuposição de que os corpos celestes descre-
viam órbitas circulares uniformes, eram homogêneos e perfeitos. O movimento 
dos Astros era "natural", não tinha agente externo, pertencia ao corpo. Ignora-
va-se a gravidade. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
32 
Com o falecimento de Tycho Brahe, Kepler assumiu o posto de matemáti-
co da corte e chefe do observatório. Dispondo agora de todas as informações 
de que necessitava, compreendeu que as órbitas dos planetas eram em função 
da atração solar e apenas das elipses. Concluiu que os planetas se movem se-
gundo a elipse e a velocidade dos planetas ao redor do sol variava na propor-
ção que se distanciavam para o extremo oposto da elipse ou se aproximam do 
foco solar (perihélio). Quando o imperador Rodolfo inesperadamente abdicou 
em 1611, Kepler decidiu abandonar Praga conseguindo um emprego de profes-
sor em uma pequena escola em Linz, na Áustria, em 1612. Onde publicou, em 
1618, Epitome Astronomiae Copernicanae. 
Durante certo tempo, Kepler manteve correspondência com Galileu, que 
chegou a enviar-lhe um dos telescópios que construiu. Com esse instrumento, 
confirmou a existência das "luas" de Júpiter, de cuja existência duvidava até en-
tão. Para designar esse tipo de corpo celeste, foi o primeiro a usar o termo "sa-
télite" que em latim significa: servente ou acompanhante. Ele também projetou 
um telescópio e um microscópio, aperfeiçoando os que existiam até então, e fez 
experimentos com a reflexão e a refração da luz. Escreveu também a obra 
Somnium, em que narra a viagem que um homem realiza, em sonhos, até a 
Lua e que contém descrições das superfícies desse satélite. 
Do ponto de vista mítico, a descoberta de Kepler fez o povo acreditar 
mais ainda na influencia dos Astros sobre a vida e a sorte, afinal estava com-
provada à idéia da existência de uma força universal e invisível que determina-
va o movimento dos Astros. O futuro também vai tornar realidade a sua narrati-
va do sonho de um homem a uma viagem a Lua. 
Quanto mais se conhecia os segredos do Universo mais o homem tentava 
construir máquinas de voar. Leonardo da Vinci, no início do século XVI, dese-
nhou esquemas de aparelhos muito parecidos com os atuais helicópteros. Para 
isso, estudou a anatomia dos pássaros e seus movimentos de vôo, mas, apesar 
de avançadas, suas concepções não saíram do papel porque faltava o conhe-
cimento das leis fundamentais da aerodinâmica que seriam formuladas posteri-
ormente por Isaac Newton. 
À medida que a ciência se desenvolvia tornava-se mais viável o sonho de 
voar e crescia o interesse da literatura pelo assunto. Nos séculos XVIII e XIX, 
grandes escritores tentaram captar a força dos sentimentos quase mágicos pro-
vocados pela chamada "conquista do espaço". Em 1865, o romancista francês 
Jules Verne, um dos pioneiros da ficção científica, lançou o livro com o título Da 
Terra à Lua, contando a história de um homem enviado ao espaço dentro de 
uma cápsula, impulsionada por uma espécie de canhão gigante. 
Método Cartesiano-Newtoniano 
O desenvolvimento das navegações, do comércio, da manufatura, as no-
vas terras que são incorporadas ao circuito comercial europeu, a afirmação da 
burguesia mercantil por trás de quase todos os grandes empreendimentos, es-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
33 
pecialmente nas cidades portuárias, origem do sistema capitalista, modifica a 
maneira de viver e afeta o plano das idéias. Os intelectuais ligados diretamente 
à Igreja começam a ser substituídos por outros não comprometidos com dog-
mas religiosos. 
No plano do conhecimento, quanto à racionalidade do sentido da vida, 
também ocorrem mudanças e, entre os séculos XIV e XV, reaparece o huma-
nismo, doutrina que tem como princípio a idéia de que o homem é a medida de 
todas as coisas, elaborada por Pitágoras. O século XVI retoma esse pensamen-
to, ou seja, o conhecimento do homem pelo homem, é a idéia de que o homem 
se faz por si mesmo. Trata-se agora não do ser humano contemplar a natureza, 
mas intervir nela, atuar sobre ela. 
O humanismo ressurge como movimento nas artes, na literatura e na filo-
sofia durante o pré-renascimentoitaliano, que considera a volta à cultura e aos 
ideais da antiguidade greco-romana como única maneira de restaurar e valori-
zar a dignidade do espírito humano. É uma reação contra a escolástica, o con-
junto das doutrinas oficiais da Igreja católica que tenta conciliar razão e fé e, 
nesse sentido, opõe-se potencialmente às religiões reveladas, como o cristia-
nismo. 
Na primeira metade do século XVII, René Descartes (1596-1650), seu 
nome em latim era Cartesius, daí a expresão cartesiano, foi um filósofo e ma-
temático francês que ainda jovem tinha como ambição desenvolver um método 
universal e cientifico de raciocínio que, aplicado a qualquer tipo de dado, produ-
zisse conclusões prontamente verificáveis. Repensou a filosofia da sua época, 
desenvolvendo um corpo doutrinário segundo a imagem da “árvore do conhe-
cimento”, cujas raízes são a metafísica, o tronco a física, e os ramos as ciências 
derivadas, de modo especial a medicina, a mecânica e a moral. 
Descartes afasta-se dos processos indutivos de Galileu e propõe o méto-
do racionalista-dedutivo, afirmando ser o único meio científico para se chegar à 
certeza. Seu método (cartesiano) é executado quando se pesa, mede e quanti-
fica, é totalmente fundamentado nas leis da física e instrumentalizado, sobretu-
do com o uso da Matemática e postula quatro regras básicas para se chegar á 
verdade científica: 
• Regra da evidência – Não acolher jamais como verdadeira uma coisa 
que não reconheça como tal. 
• Regra da Análise – Divide cada dificuldade em tantas partes quanto 
necessárias para resolvê-la (reducionismo). 
• Regra da Síntese – Conduzir ordenadamente os pensamentos, ou seja, 
ordenando através de complexidade crescente. 
• Regra da Enumeração – Realizar enumeração cuidadosa para ter cer-
teza de não haver omissões. 
 Descartes utilizava a dúvida metódica como instrumento básico de ra-
ciocínio contra o dogmatismo vigente na época. O seu método é analítico e im-
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
34 
plica na decomposição do objeto em seus componentes básicos “penso, logo 
existo”. Na sua visão toda a natureza divide-se em domínios distintos e inde-
pendentes; o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa); “coisa pen-
sante” e “coisa extensa”, alma e corpo, sendo ambas determinadas por uma 
terceira, eterna e infinita substância, Deus. Sob sua orientação intelectual, sur-
giu a concepção mecanicista; o homem-máquina habita o grandioso Universo-
máquina, regido por leis matemáticas perfeitas. 
Descartes tornou-se o pai do conhecimento moderno (o conhecimento 
cartesiano) e profeta do racionalismo moderno. Cria o método da investigação 
científica, da organização sistemática, e faz surgir a metodologia da pesquisa 
dando uniformidade ao pensamento. A certeza agora vem através da razão e a 
verdade se revela a partir da: a) Observação do fenômeno b) Análise dos ele-
mentos constitutivos desse fenômeno c) Indução de hipóteses d) Verificação 
das hipóteses e) Generalização dos resultados f) Confirmação das hipóteses. 
O método de Descartes é fundamentado em quatro princípios básicos: 1) 
Jamais aceitar alguma coisa como verdadeira sem ter certeza de que esta o é, 
ou seja, evitando a precipitação e a prevenção (dúvida sistemática); 2) Dividir 
os conceitos complexos em conceitos cada vez mais simples, facilitando o seu 
entendimento e análise (reducionismo); 3) Ordenar os pensamentos de forma a 
começar pelos mais simples avançando até os mais complexos, de maneira a 
assegurar uma melhor compreensão dos mesmos; 4) Fazer o máximo de pos-
sibilidades para poder escolher a mais genérica e fazer o máximo de revisões 
possíveis, para ter certeza de não esquecer de nada. 
Utilizando os princípios dedutivo e indutivo e as regras de Descartes, no 
início do século XVIII, Isaac Newton (1642-1727) matemático, físico, astrônomo 
e teólogo inglês, publica como obra exponencial Os Princípios Matemáticos da 
Filosofia Natural, que constitui a mais ampla e acabada sistematização da física 
clássica, expondo os princípios e a metodologia da moderna pesquisa científica 
da natureza. Graças a ele, estabeleceu-se a visão do mundo como uma espe-
tacular e perfeita máquina, movida por leis causais. Inicia o novo paradigma que 
estuda as partes para se chegar ao todo e, nesta perspectiva, tudo é visto como 
uma máquina e deve se entender cada peça para entender o que é o todo (a 
máquina), reduzindo-se a sua menor parte, melhor será o entendimento pela 
simplificação do problema. A verdade científica tem explicação mecânica (indu-
tiva) e não inferitiva. Esse novo método em busca de respostas passa a ser co-
nhecido como paradigma Cartesiano-Newtoniano. Uma referência a Descartes 
e a Newton. 
Isaac Newton é o fundador da Mecânica Clássica, foi quem estabeleceu, 
a lei gravitacional defendida no seu livro Principia (1713), obtida a partir da ob-
servação dos fatos particulares, chega-se por indução ao estabelecimento da lei 
geral e, a partir desta, por dedução, outros fatos particulares são também inferi-
dos. Superando o método empírico-indutivo de Bacon e Galileu e o racional-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
35 
dedutivo de Descartes, o seu sistema de pensamento científico unificou a me-
todologia da experiência e da matematização. 
Foi Newton quem deu a explicação completa ao movimento e à forma 
como as forças atuam criando a Lei da Inércia, Lei da Força, Lei da Ação e Re-
ação e estabeleceu os grupos de conceitos que conformam o substrato concei-
tual da ciência moderna; os conceitos de espaço e tempo absolutos e o de par-
tículas materiais, que se movimentam e interagem mecanicamente no espaço 
tridimensional. Estabeleceu os conceitos de forças fundamentais distintas da 
matéria e a descrição dos fenômenos em termos de relações quantitativas, e o 
conceito de rigoroso determinismo e da possibilidade de uma descrição objetiva 
dos fenômenos naturais. 
O paradigma cartesiano-newtoniano consolidou-se no século XVIII, influ-
enciando o chamado Iluminismo, sendo um dos principais mentores desse mo-
vimento John Locke (1632-1704), filósofo inglês que, influenciado por Hobbes 
(1588-1679), advogava o empirismo filosófico reduzindo o conhecimento ao seu 
aspecto psicológico. Criticava a teoria do inatismo defendida por Platão (idéias 
inatas existentes no espírito humano) e considerava não existir nenhuma ver-
dade autônoma, a mente era como um tipo de papel em branco, onde todo o 
conhecimento seria gravado a partir da experiência sensível e da reflexão. 
Foi a ciência cartesiano-newtoniana que concretizou o sonho do homem 
voar e dominar os céus e, neste sentido, foi dado um grande salto em 1901, 
ano em que o brasileiro Alberto Santos-Dumont fez um pequeno vôo em torno 
da Torre Eiffel, em Paris, a bordo de um balão de hidrogênio equipado com um 
pequeno motor a gasolina. Mas seu grande êxito seria em outubro de 1906, 
com o histórico vôo do 14-Bis. Pela primeira vez um aparelho mais pesado que 
o ar foi capaz de levantar vôo por meios mecânicos próprios. Começava ali uma 
nova fase na história da humanidade. 
Em outubro de 1957, os russos puseram em órbita o primeiro satélite da 
Terra fabricado pelo homem, o Sputnik. Em abril de 1961, o russo Yuri Gagarin 
tornou-se o primeiro homem a viajar em órbita em torno do planeta. Oito anos 
depois o astronauta americano Neil Armstrong, entrava para a história como o 
primeiro homem a pisar na Lua e avistar a Terra de lá. 
Finalmente "Um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para 
a humanidade", com essa frase Neil Armstrong registrou o momento em que pi-
sava o solo da Lua, em companhia do piloto Edwin Aldrin. O terceiro astronauta, 
Michael Collins, permaneceu a bordo da nave Apollo XI. Em 20 de julho de 
1969, a Terra inteira acompanhou pela TV uma das mais fascinantes experiên-
cias vividas pelo homem. Até hoje sondas continuam pesquisando planetas, es-
trelas e fenômenos em distâncias remotas, numa tentativa de satisfazera curio-
sidade humana, provavelmente infinita como o Universo. 
Em termos de compreensão do mundo, a percepção humana deu um e-
norme salto. Mas, no curso do desenvolvimento científico e tecnológico apare-
ceu uma série de problemas globais que prejudicam a vida humana de manei-
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
36 
ras tão alarmantes que logo podem se tornar irreversíveis. Ao lado das grandes 
conquistas espaciais, os cientistas criaram tecnologias e sistemas armamentis-
tas que ameaçam varrer a vida do Planeta. Serviu ao poder e a acumulação de 
riquezas para poucos em detrimento do empobrecimento de muitos seres hu-
manos. O progresso da ciência também contaminou o meio ambiente e degra-
dou biosfera. 
Com todo avanço do conhecimento muito pouco se viu no sentido de pre-
servar a vida coletiva e harmônica entre os seres e a natureza. Embora muito 
se tenha conquistado no sentido de descobrir a imensidão do Universo, pouco 
avanço ocorreu para desvendar a mente humana e o sentido da vida. Enfim, é 
hora de iniciar uma nova forma de pensar que desenvolva o espírito crítico para 
a autopreservação da vida de forma integrada e sistêmica. É hora de avançar 
na conquista do espaço interior, na exploração do potencial da mente humana. 
Ciência Sistêmica ou Holística 
No final do século XIX, a física clássica encontrava-se em pleno apogeu, 
com seus grandes pilares: a Mecânica, a Termodinâmica e a Eletricidade, mas 
o paradigma mecanicista começou a ser abalado seriamente, nas primeiras dé-
cadas do século XX, pelas pesquisas dos fenômenos elétrico-magnéticos e a 
natureza subatômica da matéria. Começava a surgir uma nova Física, facilitan-
do o surgimento de um novo paradigma, a noção cartesiano-newtoniana do 
mundo como uma máquina torna-se, por fim, obsoleta e insustentável, encontra 
oposição com um conjunto de conceitos que inicia uma nova forma de pensar. 
É o início do novo paradigma; o nascimento da chamada visão sistêmica ou ci-
ência holística. 
Albert Einstein (1879-1955) investigado a natureza subatômica da maté-
ria, questiona o mecanicismo perguntando como se explica, de forma mecânica, 
a transmissão da luz e das ondas eletromagnéticas através de espaços com 
ausência de matéria. Cria a teoria da relatividade, afirmando que todo conheci-
mento é relativo, a compreensão dos espaços vazios entre os elementos do á-
tomo de uma matéria sólida passa a negar as concepções da física ortodoxa. A 
partir dele, pode-se dizer, inicia o paradigma Holístico ou Sistêmico como uma 
nova tendência do pensamento. 
O holismo substitui o mecanicismo, que vê o Universo como uma máqui-
na determinística, sem negar as características mecânicas que se apresentam 
na natureza, percebe o Universo como uma rede de inter-relações dinâmicas e 
orgânicas. Essa nova visão muito se deve a Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-
1972), austríaco nascido em Viena, que desenvolveu a maior parte do seu tra-
balho nos Estados Unidos da América. Foi o fundador da Teoria Geral dos Sis-
temas, fez seus estudos em biologia e interessou-se desde cedo pelos orga-
nismos e pelos problemas do crescimento. 3 
 
3 BERTALANFFY, Ludwig von. Teoría general de los sistemas, (trad. Juan Almela), Madrid, 2ª. 
Fondo de Cultura Econômica, 1981. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
37 
Bertalanffy, não concordando com a visão cartesiana do universo, colocou 
uma abordagem orgânica da biologia e tentou fazer aceitar a idéia de que o 
organismo é um todo maior que a soma das suas partes. Criticou a visão de 
que o mundo é dividido em diferentes áreas, como física, química, biologia, 
psicologia, etc. Ao contrário, sugere o estudo dos sistemas globais, de forma a 
envolver todas as suas interdependências, pois cada uma das partes, ao serem 
reunidas para constituir uma unidade funcional maior, desenvolve qualidades 
que não se encontram em seus componentes isolados. 
A linguagem de bloco, base para a análise dos sistemas, foi elaborada 
por Bertallanfly e, a partir daí, facilitou investigar o objeto da pesquisa como um 
subsistema que faz parte de sistemas maiores. A linguagem mostra o grande 
bloco, no qual se enquadra o objeto de estudo e o todo composto de subsiste-
mas auto-organizados e interdependentes que isolados possui características, 
elementos e padrões que se alteram no conjunto. Isso quer dizer que a parte se 
transforma e, para se entender a parte, é preciso conhecer o todo. 
A teoria da biologia sistêmica elaborada por Bertallanfly, associada às 
contribuições de outros pesquisadores modernos, evolui para a Teoria Sistêmi-
ca da Vida; nada vive isoladamente. A nova visão da ciência nega o reducio-
nismo quando afirma que do todo se pode entender a parte e não da parte se 
pode entender o todo. Considera que cada parte, quando analisada isolada-
mente, apresenta características que no todo se modificam. 
Na ciência moderna o conceito do mundo é de um todo unificado e inse-
parável, é uma complexa teia de relações onde todos os fenômenos são deter-
minados por suas conexões com a totalidade. Essas conexões podem ser lo-
cais e não-locais, instantâneas e imprevisíveis, conduzindo a uma nova noção 
de causalidade estatística, que supera e transcende a concepção clássica e li-
near de causa e efeito. Nesta perspectiva a realidade apresenta-se essencial-
mente dinâmica, não há inércia, passividade ou imutabilidade; tudo vibra e se 
renova perpetuamente e o único que permanece é a mudança. Essa filosofia 
abandona a idéia de constituintes fundamentais da matéria, não aceitando ne-
nhuma constante, lei ou equação fundamental. O Universo é descrito como uma 
teia dinâmica de eventos inter-relacionados, cuja estrutura é determinada pela 
coerência total de todas as suas inter-relações. 
A idéia cientifica moderna cria uma visão inacessível à mentalidade carte-
siano-newtoniana. Surge uma realidade onde só há espaço, sem nenhuma divi-
são, onde toda fronteira é criação da mente humana. Não há lugar para teorias 
definitivas diante do conceito de não-separatividade, de correlação, de teia de 
interconexão, onde cada elemento de um campo é um evento refletindo e con-
tendo todas as dimensões desse campo. É uma visão do todo e cada uma de 
suas partes, estreitamente ligadas, em interações constantes e paradoxais. 
Nesta visão o todo é maior que a soma de suas partes, sendo que cada parte 
contém o todo, mas o todo não contém a parte. Se uma parte for dissecada e 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
38 
conhecida, no conjunto passa a ser desconhecida porque vai apresentar outras 
propriedades que isoladamente não se revelam. 
O paradigma holístico desenvolveu-se a partir de uma concepção sistêmi-
ca, nele subjacente, essa abordagem consiste na consideração de que todos os 
fenômenos ou eventos se interligam e se inter-relacionam de uma forma global; 
tudo é interdependente. A Natureza transcende a toda e qualquer noção de en-
tidade ou elemento, o Universo é uma teia dinâmica de eventos interconecta-
dos, onde cada partícula, de certo modo, consiste em todas as demais partícu-
las. Então, a abordagem holística pode ser assim sintetizada: a) Integra e ultra-
passa a dualidade e a dialética. b) Estimula a integração transdisciplinar. c) 
Transcende e amplia as metas preestabelecidas. d) Estimula e encoraja a pes-
quisa de novos caminhos. 
A maneira pela qual o pensamento se estruturou para produzir o conhe-
cimento mudou muito no decorrer dos séculos, mas, a cada mudança, reflete 
fragmentos dos modos de produção e reprodução anteriores. É por isso que, de 
certa forma, o conhecimento atual volta aos pré-socráticos, que não distinguiam 
filosofia e mística, ciência de poesia e arte. Aristóteles denominou de física à fi-
losofia e esta abrangia a lógica, a ética, a estética e fenômenos da natureza e, 
a partir daí, os filósofos tinham uma compreensão total da realidade. 
Na nova visão de ciência é preciso um tipo depesquisador; diferente da-
quele que rejeita tudo que não se enquadra na síntese dos dados científicos. 
Este pesquisador deve ser, ao mesmo tempo, racional e intuitivo para buscar 
além do raciocínio crítico, respostas para as questões do homem e da natureza. 
Como alguém que encara os acontecimentos não como ocorrências separadas, 
mas como elos num sistema. Na fase atual da pesquisa acadêmica todos os 
ramos do conhecimento devem ser abrangidos pela transdisciplinaridade. Sem 
negar a especialidade, a transversalidade dos temas entre si é que induz o 
questionamento do real, numa abordagem aberta e evolutiva. 
A verdade é que o pensamento científico, metódico, sistemático, respon-
sável pelo grande salto da humanidade, tem pouco mais de três séculos e o pa-
radigma científico do século XXI, apenas começando, já aponta respostas antes 
imaginável. Na dedicação da conquista do Cosmo pouco avanço ocorreu para o 
conhecimento de algo bem mais próximo, que ultrapassa os limites da lógica e 
da razão, que mesmo perto está muito além dos limites dos olhares, além do 
Céu e das Estrelas; a consciência do Universo Interior e sua auto-sustenção. 
Assim, a ciência moderna reforça uma tese antiga e recomenda também que 
nunca é demais relembrar a inscrição no Templo de Delfos, “homem, conhece-
te a ti mesmo e conhecerás o Universo”. 
No estágio atual a humanidade crê tudo dominar e controlar, acredita que 
nada possa escapar ou ultrapassar seus conhecimentos científicos, mas, por 
não ter a ciência todas às respostas, o ser humano ainda recorre aos precon-
ceitos e mitos para explicar o que não pode compreender. No debate filosófico 
da eterna busca do conhecimento, está amadurecendo teorias afirmando que a 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
39 
sociedade humana caminhará para a evolução da consciência sobre as coisas 
e não no domínio e controle das coisas. É uma nova forma de responder e 
compreender questões sobre si mesmo e sobre a natureza do mundo. 
O desenvolvimento da consciência envolve um conjunto de práticas que 
requerem novos pensamentos, novos valores e novas atitudes com relação ao 
mundo. Nesta nova era do pensamento, o homem não atribui à natureza um va-
lor apenas instrumental ou de uso excessivo, justificado pela competição e a-
cumulação de riqueza a qualquer custo. Embora aponte para o desejo de mu-
dar a forma de pensar e de agir, parece que o ser humano ainda não percebeu 
completamente sua relação com a natureza. Mas, a nova visão de ciência já vê 
o mundo como uma teia de fenômenos essencialmente inter-relacionados e in-
terdependentes. 
O ser humano é um ser em evolução biológica e mental, na fase atual não 
está no princípio, mas também está longe do fim do seu potencial evolutivo. Ex-
perimenta ainda um raquitismo psíquico que se traduz pelo prazer em ferir, não 
apenas fisicamente, matando seres vivos para sua própria satisfação pessoal, 
mas também no plano ético e moral, nesse processo subdesenvolvido encontra 
prazer na ofensa, denegrindo e humilhando seu semelhante. Vive num ambien-
te de egoísmo, ambição, cobiça e orgulho que nutre o sentimento de vingança e 
competição. 
No futuro o ser humano saberá que sua própria ciência o tornou presun-
çoso; o fez pensar que a natureza está a seu serviço e não se viu como parte 
interdependente dela. Ainda se imagina como sendo algo essencialmente sepa-
rado dos outros seres os quais considera como inferiores. Mas, o holismo reco-
nhece que todos os seres, inclusive o humano, estão inseridos nos processos 
cíclicos da natureza e são dependentes deles. Quando essa percepção tornar-
se parte da consciência cotidiana, o apego a bens materiais cederá espaço pa-
ra um bem muito maior, a descoberta do potencial humano e seu desenvolvi-
mento mental, com base no extremo sentimento de benevolência, generosida-
de, caridade, justiça e fraternidade. 
Embora a ciência tenha produzido grandes conquistas, pouco se sabe 
sobre a essência humana; ainda não foi possível responder com precisão como 
ocorrem os efeitos hipnóticos ou explicar os chamados transes e êxtases que 
sempre ocorreram, desde o início da história das sociedades humanas até os 
dias atuais, sem recorrer ao olhar mítico ou religioso. Mas um dia, no futuro, pa-
ra aliviar seus sofrimentos as pessoas vão saber buscar as soluções de seus 
conflitos na sua força inata, sem recorrer ao misterioso, aos dogmas e mitos. 
Isso depende apenas de uma nova consciência sobre si mesmo. 
Pela nova visão da ciência, talvez o futuro próximo possa explicar o po-
tencial e o mecanismo inato que cada ser tem de promover sua própria cura e 
bem-estar, além da compreensão de como “cada um carrega em si o dom de 
ser feliz”, mesmo na adversidade. Se o novo paradigma do pensamento for re-
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
40 
almente a solução para a descoberta da verdadeira sabedoria, envolvendo uma 
nova consciência sobre a condição humana, só o tempo dirá. 
A lógica econômica que sustenta as sociedades humanas no inicio do sé-
culo XXI parece falida, existe uma indicação clara de caos social que requer ur-
gentemente alterações de valores morais e éticos em todos os seguimentos. 
Ocorre excessivo controle de proteção aos interesses corporativistas de peque-
nos grupos que prejudicam a qualidade de vida coletiva. 
No mundo inteiro é assustador a degradação ambiental; pesquisas cientí-
ficas apontam que, nos últimos vinte e cinco anos, todas as formas de vida no 
planeta estão em declínio, soma-se a isso a falta de horizonte para o futuro; da 
expectativa de vida melhor para a população jovem, descrença e desolação pa-
ra a população idosa, falta também confiança nas instituições públicas, trabalho 
digno e produção sustentável. No plano individual, nunca antes houve tanta 
queixa de pânico, ansiedade, instabilidade do humor e outras formas de crises 
emocionais e, como forma de superação, alívio ou fuga, nunca se recorreu tan-
to às psicoterapias ou ao consolo religioso. 
Para vencer o caos social é necessário o despertar de uma nova consci-
ência, para isso, talvez seja imprescindível que o ser humano ajuste o pensa-
mento e o sentimento, mesclando a ação racional com a emoção, se afastar da 
turbulência das competições egoísticas, do jogo de interesse, da aparência e da 
arrogância. É preciso transcender o imediatismo da acumulação individual de 
bens materiais para viver bem coletivamente, cultivando vínculos de confiança, 
de fraternidade e de justiça plena. 
Talvez um bom começo para a reconstrução de uma sociedade mais jus-
ta, seja aprender como respeitar as diferenças e valorizar o potencial que cada 
um tem em si para desenvolver o dom de praticar o bem e estar pronto para 
desencadear o bem coletivo. É necessário que todos reconheçam o seu direito 
de ser feliz e ajudar o próximo a ser feliz, respeitar o direito à vida de todos os 
seres e saber que o humano pertence à natureza e não é a natureza que lhe 
pertence. Alguém que evolui nesse sentido, pensa e age como quem busca no 
ideal de servir, a razão e o sentido da vida. 
Hipnoterapia e Ciência 
Processos e efeitos hipnóticos envolvendo rituais religiosos e procedimen-
tos de cura são características humanas, manifestadas em diferentes fases do 
desenvolvimento da percepção e do pensamento, no decorrer da evolução das 
civilizações. Por isso, explicações sobre o hipnotismo passam por caminhos de 
muitos vieses, incorporam conceitos e pré-conceitos centrados no pensamento 
mítico, mesmo quando se aproximam da ciência contemporânea, o hipnotismo, 
equivocadamente, é quase sempre visto com algo mágico, distante da raciona-
lidade. 
Trazer a hipnose para o conhecimento científico nasce quando, de acordo 
com os padrões de ciência do século XIX, a noção de verdade depende, neces-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
41 
sariamente, de contar com o aval da ciência. E o conhecimento científico passa, 
então, a ser aquele produzido em laboratórios,com o uso de instrumentos de 
observação e medição. Com o surgimento do Positivismo, sistema filosófico i-
dealizado por Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês do século XIX, que 
postulava a necessidade de um maior rigor científico na construção dos conhe-
cimentos nas ciências humanas e recomendava a explicação teórica para as 
observações práticas, a própria filosofia adapta-se aos novos tempos. Neste 
sentido, justifica o austríaco Fritjof Capra, físico, cientista e ambientalista, atu-
almente vivendo em Berkeley, na Califórnia: 
O aspecto mecanicista-reducionista que se apresenta na ciência atual foi 
consolidado definitivamente com os extraordinários sucessos da física 
clássica do século XVIII e, ficou ainda mais forte com o desenvolvimento 
da teoria atômica da matéria. Com o exemplo dado pela física, e o 
reconhecimento que esta ciência obteve nos meios intelectuais, a biologia 
e a medicina enveredaram pelo mesmo caminho. Obtendo grandiosos 
sucessos em revelar as bases moleculares da vida, tendo como um dos 
pontos altos a descoberta dos componentes e das estruturas dos 
organismos vivos, por exemplo, o DNA (Fritjof Capra). 4 
Desta forma, para se conhecer o psiquismo humano, passa a ser 
necessário compreender o mecanismo e o funcionamento da máquina de 
pensar do homem - seu cérebro. Assim, partindo das premissas científicas, a 
explicação para a hipnose começa a trilhar os caminhos da Fisiologia, 
Neuroanatomia e Neurofisiologia. Se, antes, a hipnose estava subordinada à 
filosofia, à teologia e até a própria arte e a magia, a partir de Pavlov é vista pela 
perspectiva de ligar-se à ciência; suas hipóteses tentaram se enquadrar no 
paradigma científico baseado no mecanicismo reducionista Newton-cartesiano, 
mas, por não lhe ter dado todas as respostas, a hipnose não se liberta o 
suficiente para abandonar os padrões anteriores. 
Dentro da visão puramente científica mecanicista reducionista, o corpo 
humano ainda é visto como uma máquina e, nestas condições, fica complicado 
e, até contraditório, se considerar o ser humano como um ser bio-psico-social, 
que de fato é. Visto assim, a ciência atual não é o único caminho para 
respostas sobre o ser humano e, por isso, até hoje os métodos terapêuticos 
convencionais não eliminaram os métodos de curas alternativas que, embora 
deles se duvidem, funcionam. Dentro desta concepção afirma Capra: 
... quando os cientistas reduzem um todo a seus constituintes 
fundamentais, sejam eles células, genes ou partículas elementares, e 
tentam explicar todos os fenômenos em função desses elementos, eles 
perdem a capacidade de entender as atividades coordenadoras do 
sistema como um todo... (CAPRA). 
A ciência mecanicista reducionista não responde as questões de vários 
temas humanos; como consciência, desejo, virtude e a emoção manifestada na 
 
4 CAPRA, Fritjof. A Teia da vida: uma nova compreensão científica dos seres vivos, S. Paulo, 
Ed. CULTRIX, 2000. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
42 
paixão, no amor ou no ódio, na alegria ou na tristeza ou qualquer outro estado 
emocional, além do próprio pensamento que, embora existam, não podem ser 
medidos nem pesados, por isso, não são possíveis comprovações científicas. 
Fritjof Capra, referindo-se aos possíveis equívocos dos cientistas na 
formulação de determinados conceitos, afirma que o erro fundamental reside no 
fato de a ciência não levar realmente em conta que um conjunto pode muito 
bem apresentar propriedades que não se encontram nos seus componentes 
individuais. Aponta como erro básico do paradigma científico mecanicista 
reducionista e subjacente ao modelo biomédico, o fato de que se confunde a 
vida com os seus elementos constituintes. 
A distinção fundamental entre uma perspectiva reducionista e uma outra 
de conjunto, ou sistêmica, é representada por duas abordagens paradigmáticas 
distintas. Dentro destas duas concepções a investigação científica caminha em 
sentido oposto. Mas, o reducionismo ainda é a ênfase na pesquisa científica 
atual e, assim pretende-se ter uma visão compreensiva e aprofundada do que 
seja a vida. 
Para os pensadores holísticos, quanto mais se aprofunda no 
conhecimento das estruturas microscópicas, mais se perde a visão de relação 
macro-sistêmica ou a visão do conjunto da vida em suas manifestações 
dinâmicas. Quanto mais se analisa um fato em seus mínimos detalhes, mais 
facilmente se perde a visão de conjunto sobre tal fato. 
Quando se refere à terapia, o conflito entre o paradigma mecanicista e o 
holístico remete para as exigências de uma abordagem multidimensional do ser 
humano e uma revisão dos pressupostos antropológicos dos atuais métodos de 
cura. A visão mecanicista, ainda convencional, é fragmentária e sectária, o 
médico dependente sempre de instrumentos para medir e controlar a saúde a 
partir do fisiológico e, se o quadro se agrava, a tecnologia requerida é cada vez 
maior. Falando sobre a demasiada importância devotada a sofisticada 
tecnologia médico-instrumental moderna, Medeiros 5 sugere uma perspectiva 
holística tanto para o diagnóstico como para o tratamento, afirmando que 
conhecer o homem significa mais do que compreender seu mecanismo 
fisiológico, é preciso penetrar nos seus sentimentos: 
Conhecer este ser vivo chamado homem é não apenas conhecer o 
mecanismo fisiológico e bioquímico dos diversos aparelhos e sistemas, 
mas também penetrar nos sentimentos, na alma de pessoas, que muitas 
vezes não estão doentes, apenas “se sentem doentes” e até mesmo 
“querem ficar doentes” (MEDEIROS). 
Uma característica da medicina moderna é, na busca da cura, procurar 
tratar as doenças de forma multidisciplinar, o que ajuda diminuir as 
conseqüências adversas, às vezes provocadas pelo estresse decorrente do 
 
5‘MEDEIROS, Damião Nobre de. A vitória da máquina. In: Medicina, Conselho Federal. Brasília 
DF, rev. nº 98, outubro, p. 28, 1998. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
43 
próprio quadro. Cada paciente deve ser abordado de forma individual, isso 
implica na melhor relação médico-paciente. Um passo importante nesta relação 
é explicar, na medida do possível e com linguagem clara, o conceito da 
presumível doença, sua ação e expectativas, suas limitações de êxito ou 
fracasso. Se a solução não aparecer após as primeiras intervenções, a 
conversa pode diminuir a frustração e a desconfiança do paciente e, isso, 
servirá de base sólida para o sucesso da ação terapêutica. 
Além da interpretação etiológica, o médico deve ouvir o doente para 
avaliar se suas queixas não estão associadas a distúrbios psicossomáticos 
como estresse e depressão. A cura também depende de sua influencia pessoal, 
de seu prestígio, dos conselhos consoladores que sabe dar. Sua presença deve 
restaurar a tranqüilidade e influenciar a vontade e a imaginação do paciente, 
condição favorável para a cura. Se o médico é um hipnotista poderá 
sugestionar nesse sentido em grau máximo. 
A ação da sugestão verbal aliada a influencia do prestígio pessoal foi refe-
rida por Platão com forma de tratamento para as mais diferentes moléstias do 
homem. Essas idéias são expostas em seus escritos como em Cármides, 6 e 
em Fédro, 7 quando expõe acerca da terapia pela palavra; pelo poder da su-
gestão verbal transformado em elemento de cura. Afirma que as palavras são 
phármakon, no duplo sentido grego do termo; tanto pode ser um veneno como 
um remédio, depende da dose ou da forma como se aplica; as palavras quando 
usadas pelo filósofo é um remédio; podem se constituir em um profícuo bálsa-
mo, mas quando usadas por um sofista é um tóxico mortal. 
Considerando que hipnose e seus efeitos não são questões ainda bem 
resolvidas do ponto de vista científico, a prática do hipnotismo na área de saúde 
representa alguns casos isolados. Falta um estudo sistematizado sobre esse 
tema nas faculdades que, geralmente,praticam o ensino no domínio do 
conhecimento sobre o organismo e seu fisiologismo concreto, em bases bem 
cartesianas, afastando-se da área conceitual abstrata. 
Na concepção epistemológica são difíceis respostas para questões que 
não são facilmente mensuráveis. Por isso, mesmo se tratando da saúde 
humana, não é prioridade o estudo de conceitos que a ciência cartesiana não 
pode explicar; como pensamentos, sonhos, entropia e informação que não 
envolvem objetos ou corpos definidos. É isso que afirma o físico Paul Davies 
autor de Deus e a nova física, 8 quando diz que ninguém pode negar que um 
organismo é uma coleção de átomos, moléculas e tecidos, mas alerta para o 
erro de se supor que ele é nada mais que isso. Lembra Davies, o fato de um 
conceito ser abstrato em vez de concreto ou substancial não o torna, por isso, 
irreal ou ilusório, como exemplo, o pensamento de uma pessoa não pode ser 
 
6 Platão. Cármides. Coimbra, I.N.I.C.; 1988. 
7 Platão. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950. 
8 DAVIES, Paul. Deus e a Nova Física. Lisboa, Coleção Universo da Ciência. Edições 70. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
44 
pesado ou medido, nem ocupa nenhum lugar no espaço, contudo, é parte 
integrante do que ela é. 
Cientificamente conceitos como alma, sensibilidade e sentimentos, entre 
outros, os quais por sua natureza não podem ser medidos ou observados, são 
totalmente inadmissíveis. O mesmo acontece com os processos hipnóticos e 
seus efeitos; em sua complexidade não pode ser totalmente compreendido pela 
ciência reducionista. Mas, mesmo distante do método mecanicista, estudos 
científicos sobre o hipnotismo têm sido realizados. Mas, quando a ciência 
estuda aquilo que não está integralmente na área científica, isto é, aquilo que 
não pode ser compreendido pelo reducionismo, passa a determinar valores 
científicos e a formular sobre o objeto da pesquisa características de 
pseudociência. Isto é fetichização científica, é o abandono do pensamento da 
contradição, da dialética, para explicar-se àquilo que é contraditório e dialético; 
na ciência a contradição não existe, até porque não faz parte de sua dimensão 
de estudos, por isso mesmo é que ela é cartesiana. 
Segundo o princípio estabelecido na obra Crítica a razão pura (1781) do 
alemão Immanuel Kant (1724–1804), se é ampliada a dimensão do objeto de 
estudo a contradição surge e, por ser contradição, deixa de ser científico. A 
extrema cientificação da humanidade só se tornou possível com as previsões 
dos comportamentos humanos numa visão behaviorista, tudo aquilo fora destes 
padrões fica difícil para a linguagem da ciência. 
No livro Critica da razão prática (1788), Kant afirma que a razão prática 
aplicada no campo da ação humana permite que o homem tome suas decisões 
baseado em princípios. Seria a possibilidade de estabelecer a adequação entre 
a coerência lógica explicativa e a realidade empírica ou observada, mas as 
verdades da ciência subordinadas à racionalidade do método cartesiano não 
admite o principio do contraditório. Para a ciência, tudo o que é contraditório é 
impensável, é confuso e sinônimo de irracional, portanto não científico. Com 
base nestes fatores, a ciência, dentro do paradigma atual, não pode apresentar 
explicações concludentes sobre os contraditórios fenômenos hipnóticos. 
Na maioria das explicações sobre hipnose, entre as diversas concepções 
teóricas, é muito observado o princípio do contraditório, logo, foge aos padrões 
da verdade única da ciência como ainda é praticada. Usando o paradigma 
cartesiano, a ciência resolve apenas os problemas para os quais seus métodos 
e conceitos são adequados. Sendo o objeto do estudo científico fora deste 
padrão o resultado é fetichização científica. 
Uma maneira de minimizar as diferenças entre o paradigma reducionista 
cartesiano, atualmente dominante, e o paradigma holístico, hoje emergente, 
talvez possa ser por meio da associação da ciência e da filosofia para o 
entendimento do problema. Isso pode permitir diferentes modos de percepção e 
de compreensão dialética da realidade do ser humano (abordagem 
fenomenológica). Partindo deste princípio haverá de surgir novas explicações 
para o hipnotismo diferentes das obtidas e não convincentes até aqui, porque 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
45 
foram isoladamente produzidas pelo reducionismo mecanicista ou pelo 
devaneio fantasioso da imaginação tentando explicar a realidade concreta sob 
a ótica puramente especulativa. 
A hipnose enquanto filosofia está relacionada à alma humana, descende 
da escola de Nancy e, por mais paradoxal que possa parecer, encontra amparo 
teórico quando se aproxima das teses que sustentam as idéias psicanalíticas. 
Na visão puramente científica, a hipnose está baseada no critério da observa-
ção de dados que possam ser medidos e comprovados, de forma incipiente isto 
aconteceu no hospital La Salpêtrière e ganhou impulso com as idéias pavlovia-
na, que tenta enquadrá-la na estrutura físico-orgânico-cerebral. Mas, a pesqui-
sa cientifica sobre o nexo causal entre a ocorrência da hipnose e seus efeitos, 
têm sido produzidas para soluções de problemas quase que exclusivamente 
especulativos, portanto, não científicos. 
Na fase atual, as pesquisas científicas sobre o tema do hipnotismo, 
baseadas no reducionismo mecanicista, ainda encontram sérios problemas 
metodológicos. Contudo, com a ciência caminhando para a visão holística, a 
hipnose poderá sair do conceito de pseudociência e obter explicações mais 
sustentáveis. O importante nesta questão é que a ciência se aproximou da 
hipnose e, se ainda não explica, pelo menos a reconhece como verdadeira, 
portanto, já conta com o aval do reconhecimento científico. Pesquisadores 
passam então a trabalhar o tema com investigações em laboratórios, utilizando 
instrumentos de observação, medição e controle das variáveis. Ainda assim, 
não se descobriu com precisão o porquê, nem como ocorre a hipnose, mas, 
com certeza, já se sabe, é verdadeira. 
A hipnose funciona no campo das emoções humanas, é o plano dos 
desejos e das paixões inconscientes e compulsivas do ser humano. Enquanto o 
consciente é racional, o inconsciente é emocional e a emoção é responsável por 
vários efeitos psicossomáticos que tanto podem ocasionar doenças como 
podem promover sua cura. 
Embora reconheça a relação de causa e efeito entre o psiquismo e o 
orgânico fisiológico, os neurocientistas ainda não são capazes de explicar como 
o processo de autocura acontece. Uma explicação bem aceita é de que o 
inconsciente é capaz de processar informações paralelamente, ao mesmo 
tempo, enquanto o consciente executa suas tarefas de uma forma serial, uma 
atrás da outra. Enquanto os cientistas buscam as causas de tamanha 
eficiência, o inconsciente continua incansável em sua missão de revelar 
soluções para problemas diários e isso ocorre principalmente quando alguém 
está agindo pela intuição, vivenciando efeitos hipnóticos deflagrado pelo 
relaxamento da atividade mental consciente ou vivenciando as emoções do 
estado de transe. 
A pesquisa científica já admite o impacto das emoções sobre a saúde 
orgânica, a essa conclusão chegou o fisiologista americano Walter Cannon 
(1871-1945), professor da Universidade Harvard, o primeiro a demonstrar, em 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
46 
animais, como o stress pode agir sobre o organismo. Ele classificou uma série 
de eventos psicossomáticos como um conjunto de reações disparadas pelo 
organismo em situação de perigo ou pressão psicológica. Ao estudar estímulos 
físicos e psicológicos Walter Cannon elaborou, em 1914, o conceito de "reação 
de emergência". Essa reação é imediata à percepção de ameaça, teria a função 
de preparar o organismo para luta ou a fuga e, a isso, denominou como sendo a 
“síndrome da fuga e luta”. 9 
O fisiologista austríaco Hans Seyle (1907-1982) estabeleceu pela primeira 
vez osefeitos psicossomáticos agindo no ser humano. Em seu trabalho The S-
tress of Life, de 1956, 10 Seyle foi o primeiro pesquisador que, por meio de expe-
rimentos com animais de laboratório, desenvolveu o conceito de SAG - Síndro-
me de Adaptação Geral e deu origem à idéia de que situações que geram es-
tresse podem provocar doenças diversas, inclusive mentais. 
Na atualidade, cientistas americanos, na tentativa de explicações 
neurológicas para a hipnose, utilizaram equipamentos modernos, e 
conseguiram imagens do cérebro funcionando durante o transe. Uma 
experiência realizada na Universidade de Harvard, juntamente com professores 
da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, relata que dezesseis voluntários 
observavam imagens em cores pintadas em uma tela e depois de hipnotizados, 
eles foram sugestionados a acreditar que a mesma figura colorida, vista outra 
vez, era toda cinza. Neste instante os cientistas observaram através de 
instrumentos computadorizados, como o PET - Positron-Emisson Tomography 
(Tomografia por Emissão de Pósitrons), que o cérebro hipnotizado ativou uma 
região que inibe a visão das cores e passou a ver em preto e branco. Mais 
tarde os mesmos voluntários foram induzidos a ver cores em imagens onde 
elas não existiam e os resultados negam as possibilidades de farsa, 
confirmando que o cérebro estava mesmo vendo colorido. 11 
Desde 1996, o PET mostra com precisão quais regiões cerebrais estão 
sendo ativadas a cada momento, passou a ser usado também para a 
investigação sobre a hipnose. Este instrumento substitui o EEG (Eletro 
Encefalograma) usado em experiências anteriores que podem até mostrar a 
região da visão sendo ativada, mas não informaria se o indivíduo hipnotizado 
estaria mesmo enxergando aquilo que foi apenas sugerido. 
O PET é uma ferramenta importante para explorar o funcionamento do 
cérebro. Quando os neurônios disparam, o fluxo de sangue para a região au-
menta, e, embora o aumento seja pequeno, ele é mensurável por imagens ele-
 
9 CANNON, Walter B. The Wisdom of the Body, N. York, 2ª ed, W. Norton, 1939. 
10 SELYE, H. O stress da vida, N. York, McGraw-Monte, 1976. 
11 SUPER Interessante. Visão hipnótica, S. Paulo, revista mensal, Ed. Abril, maio/98, p. 40-45. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
47 
trônicas. Esse tipo de imagens a partir de dados eletrônicos é chamado tomo-
grafia. 12 
Profissionais da saúde, atualizados com informações de pesquisas 
credenciadas por publicações científicas recentes, já admitem o poder da cura 
pela hipnose como fato e acreditam que é possível constatar seu uso como 
ferramenta para vencer os efeitos do stress no organismo e no psiquismo 
humano. Pelo menos, alguns já afirmam que ninguém sabe como, mas que a 
hipnose cura, não se discute, cura. Na década de 1990 cresce o interesse do 
mundo acadêmico pelo assunto. 
Wolberg 13 não aceitando nenhuma das explicações teóricas dadas até 
então sobre o transe hipnótico e seus efeitos, reconheceu que o hipnotismo não 
se justifica apenas pela hipótese da verdade científica positivista. Referindo-se 
a isso, ele disse: 
Meu trabalho pessoal com a hipnose convenceu-me de que o estado de 
transe não pode ser explicado quer em bases psicológicas, quer em base 
fisiológica exclusiva. Ela é, antes, uma reação psicossomática complexa 
que abrange os elementos psicológicos e fisiológicos (WOLBERG). 
As conclusões de Wolberg sobre a teoria do hipnotismo podem ser 
acrescentados os motivos que justificam as possibilidades das explicações 
fluírem pela lógica filosófica. Para a realização do processo de indução 
hipnótica são necessários critérios como confiança, crença, fé e uma série de 
valores que transcendem o psicológico convencional e o orgânico fisiológico 
conhecido. O simples fato de existirem tantas explicações para o hipnotismo é 
uma prova de que não há nenhuma na qual se possa qualificar de certa ou 
verdadeira. 
Na busca da interpretação do que pode ser a hipnose e, principalmente, 
seu envolvimento com práticas terapêuticas, a hermenêutica ganha relevância. 
É aconselhável analisar suas múltiplas faces e, é uma perspectiva obrigatória 
ter como ponto de partida a reflexão dialética, com base na diversidade e trans-
versalidade dos saberes até então acumulados. Nessa busca deve ser valori-
zado o diálogo e a integração de diferentes áreas para descobrir, dentro da 
compreensão multidisciplinar, as bases axiológicas do hipnotismo que só po-
dem ser reveladas a partir da diversidade explicativa. 
A explicação para a hipnoterapia, assim como para as principais 
psicoterapias, surgiu a partir de dois ambientes: o clínico e o de laboratório. No 
primeiro caso, seu desenvolvimento tem por base a busca da cura para algum 
problema que perturba alguém, através de entrevistas e do convívio diário com 
pacientes. No segundo caso a pesquisa é feita no ambiente laboratorial, com 
análises e experimentações formais, utiliza ferramenta da estatística para 
 
12 PET - Positron-Emisson Tomography. In: The Sciences: Na Integratwd Approach. N. York, 
John Wilei & Sons, p. 307, 1995. 
13WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis, N. York, Grune & Stratton, 1945. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
48 
chegar a uma conclusão, seguindo o que se chama na ciência de método 
cartesiano de investigação. 
No reconhecimento científico de algumas curas por ações psicológicas, 
tem de ser considerado o fato de que partes do psíquico, como o inconsciente e 
o consciente, não são áreas fisicamente delimitadas e mapeadas do cérebro 
humano, mas se constituem de estados psíquicos. Não são interpretados como 
órgão ou lugar definido do cérebro e, modernamente, são compreendidos como 
métodos de trabalho mental, ou tipos de programas operacionais do 
pensamento. 
Assim como a psicanálise, a hipnoterapia também é um processo que se 
vincula ao conceito de inconsciente e seu estudo não está limitado ao ambiente 
laboratorial, isto é, não compreendidos por imposição da lógica, espaço e 
tempo, por isso, não pode ser visto como parte de uma máquina. O próprio 
Freud já afirmava que “o consciente, é um estado eminentemente transitório”. 
Mas, para ele isso não deixa de ser objeto de investigação científica: 
A diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a premissa 
fundamental da psicanálise. Permite-lhe, com efeito, chegar à 
compreensão dos processos patológicos da vida anímica, tão freqüentes 
como importantes, e subordiná-los à investigação científica. Ou, dito de 
outro modo: a psicanálise não vê na consciência a essência do psíquico, 
mas somente uma qualidade do psíquico que pode ser somada a outras 
ou faltar em absoluto (FREUD). 
Existem dezenas de explicações, outras dezenas ainda vão surgir, de 
quando, por que e como ocorre a hipnose e seus feitos terapêuticos, mas não 
existe uma abrangente e definitiva que evite a evidente discórdia entre as 
diferentes teorias explicativas. Mas, não pode ser negada a importância prática 
das diversas hipóteses conhecidas, embora nenhuma delas isoladamente 
satisfaça; cada uma contém parcela maior ou menor da verdade e, 
aproveitadas em conjunto, contribuem decididamente para aprimorar o 
conhecimento sobre a natureza humana, além de permitir a convicção 
imprescindível para a interpretação do significado dos processos de transes e 
êxtases. 
Sarbin 14 vê na hipnose uma das manifestações mais generalizáveis do 
comportamento social, e declara que as variantes interpessoais inerentes ao 
fenômeno hipnótico são tão complexas, que nem sequer podemos determinar-
lhes as medidas, transcendem em sua complexidade os limites das próprias 
explicações que conhecemos. É um fenômeno permeado pela emoção e pela 
intuição, duas variáveis que vão além do paradigma da razão e da verdade 
científica atual. 
 
14 SARBIN, T. R. Contributionto roll-taking theory. In: hypnotic behaviour, Psychol. rev. 57-255, 
1950. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
49 
Pelas diferentes interpretações considera-se a indefinição teórica científi-
ca da hipnose como um fato. O que se pode concluir é que ela se divide em du-
as grandes correntes explicativas; uma com base na essência e outra na exis-
tência do ser humano. A primeira, ora centrada na psicanálise, ora no desco-
nhecido ou em conceitos religiosos, alinha os autores que usam em suas expli-
cações terminologias próximas, como sugestão, consciência ou inconsciência, 
transferência, alma, destino, energia vital, astral ou divina, etc. A segunda cen-
trada no fisiologismo, representada originalmente pela escola russa e funda-
mentada na teoria dos reflexos condicionados e várias teorias neurais, atribui à 
hipnose razões puramente fisiológicas. Em alguns pontos, quando estas duas 
correntes se encontram, aparecem hipóteses explicativas diferentes, represen-
tam a derivação da somatória das correntes originais que misturam, em grau 
maior ou menor, o mito, a filosofia, a ciência e a religião. 
É certo que depois de Freud e Pavlov, os pesquisadores que lidam com o 
tratamento dos distúrbios da mente, estavam divididos em dois grupos. Um gru-
po investindo na criação de psicoterapias mais sofisticadas, pelo menos do 
ponto de vista explicativo, a maior parte delas derivadas da psicanálise ou do 
refino no uso da hipnose, associada ao conceito de auto-ajuda ou de filosofias 
que resultassem em soluções dos problemas existenciais humanos. O outro 
grupo praticando a pesquisa cientifica com maior rigor metodológico, com base 
na neurofisiologia, investindo na psicofarmacologia, trabalhando no aperfeiço-
amento de remédios como a única forma de solução para os problemas men-
tais. Os dois grupos se olhavam reciprocamente com desconfiança e extrema 
rivalidade. 
A herança deixada por Freud e Pavlov, ao longo do século XX, permitiu 
que o tratamento das doenças psicossomáticas caminhasse por duas perspec-
tivas. Uma representada pela medicina convencional, concentrando a pesquisa 
para explicar o cérebro. Outra representada pelas psicoterapias, concentrando 
estudos para explicar a alma humana. Mas, o equilíbrio do conceito de alma e 
de cérebro parece próximo no início do século XXI, parece que os estudiosos 
concordam que as melhores terapêuticas são aquelas que combinam remédios 
e psicoterapias. O predomínio de um ou outro recurso de cura varia de caso pa-
ra caso. 
Na década de 1990, período conhecido nos meios médicos como “a dé-
cada do cérebro”, cientistas de várias especialidades estudaram a mente hu-
mana numa intensidade inédita. Neurologistas esquadrejaram o cérebro usando 
as mais modernas técnicas de ressonância magnética, geneticistas mapearam 
a transmissão dos transtornos mentais por meio do DNA e biólogos detalharam 
a química dos neurônios. O resultado é que hoje se conta com um alto nível de 
conhecimento para tratar os problemas da mente. A ciência encontrou muitas 
respostas, mas surgiu também um grande número de novas questões. Por mais 
que a farmacologia tenha se beneficiado de novas descobertas, a criação de 
medicamentos que curem definitivamente todos os sofrimentos da mente, inclu-
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
50 
indo principalmente a questão da somatização, é no mínimo um horizonte muito 
distante. 
Utilizado a técnica de obtenção de imagens do cérebro através da tomo-
grafia por emissão de pósitrons (PET), o sueco Tomas Frmark trabalhou uma 
pesquisa, tipo grupo controle, e analisou o encéfalo de pacientes com fobia. Um 
grupo havia se tratado unicamente com terapias psicológicas, e outro grupo ha-
via recorrido a remédios convencionais. O resultado de seus estudos mostrou 
que a terapia altera o funcionamento cerebral tanto quanto a química dos medi-
camentos. 15 Comentando esse estudo, o alemão Klaus Grawe, pesquisador da 
Universidade de Berna, destacou o fato de que experiências de vida alteram o 
cérebro tanto quanto remédios. Dito assim, é possível imaginar as possibilida-
des de alterações quando o paciente passa por terapias envolvendo a hipnose. 
Mito, Rito e Religião 
O pensamento crítico e reflexivo que teve início com os primeiros filóso-
fos, na Grécia, e o desenvolvimento do pensamento científico a partir de Gali-
leu, rejeitou o modo mítico de compreensão do mundo. Para Augusto Comte 
essa evolução do pensamento explica a própria evolução da espécie humana 
que inicia no mítico (teológico), passando para o filosófico (metafísico) e finaliza 
com o científico moderno e pós-moderno. Para os positivistas este último está-
gio é o coroamento do desenvolvimento humano, que não só é superior aos ou-
tros, como é o único considerado válido para se chegar à verdade. 
O positivismo de Comte não considera o mito uma das forças fundamen-
tais da existência humana como, de fato, o é. O mito durante a história da hu-
manidade é a forma de dar significado ao mundo com base no desejo de segu-
rança ou de uma vida melhor, representa a imaginação humana criando histó-
rias para tranqüilizar e guiar bem a vida no dia a dia e pela existência inteira. 
Essa função de criar soluções mágicas é de natureza inconsciente e primitiva, é 
a sustentação central das religiões e subsiste na arte popular de qualquer épo-
ca, permeia possíveis soluções para problemas da vida diária de qualquer pes-
soa, independe de desenvolvimento intelectual ou do meio social ao qual per-
tença. 
Como o ser humano não é só razão, é também afetividade e emoção, nas 
sociedades onde predomina a ciência, o interesse pelo sobrenatural, a crença 
em soluções mágicas e a credibilidade do conhecimento teológico não desapa-
recem. Ao contrário, a prática da religião em suas mais variadas formas é um 
fenômeno crescente e global, representa uma forte característica da sociedade 
pós-moderna. Por essa ótica se explica à dimensão religiosa presente em toda 
cultura, por exemplo, na arte, na literatura e na arquitetura moderna, que se de-
senvolveram, para a forma como se apresentam, com profunda influência das 
tradições religiosas. 
 
15 Revista VEJA. O equilíbrio do cérebro e da Alma. S. Paulo, Editora Abril, ano 37, n. 48, p. 116 
– 122, dez/2004. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
51 
A palavra religião, do latim "religione", possivelmente se prende ao verbo 
"religare", ação de ligar. Assim, pode ser definida como o conjunto das atitudes 
e atos que liga o homem ao divino ou manifesta sua dependência em relação a 
seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Tomando-se o vocábulo num sentido 
mais estrito, pode-se dizer que a religião é a reatualização e a ritualização do 
mito. 
Referindo-se a diferenças e semelhanças entre o mito e a religião, Cassi-
rer 16 afirma que, enquanto o mito “explica” suas crenças de uma forma emo-
cional, a religião utiliza o logos e explica sua crença com base em argumentos 
racionais. No que se refere à religião, mesmo aquilo que é inexplicável passa a 
ser argumentado e, nesse argumento, se justifica até por que é inexplicável. 
Em todo o curso da história a religião permanece ligada a elementos míti-
cos e impregnada deles, pode-se dizer que desde o início o mito é religião em 
potencial, o que leva a transformação de um no outro é o lógos, o mito não se 
justifica, a religião sim. Embora haja elementos comuns entre o mito e a religi-
ão, é a forma como a religião argumenta, explicando esses elementos, que ca-
racteriza seu distanciamento gradativo e, por fim, radical em relação ao pensa-
mento mítico. 
Segundo Cassirer, 17 o culto aos ancestrais pode ser considerado como a 
primeira fonte, a origem da religião. Essa é uma prática comum em diferentes 
culturas, seja na Roma antiga ou na China ou mesmo nas tribos indígenas. É 
uma característica universal, irredutível e essencial da religiosidade primitiva. 
O pensamentomítico está muito ligado à magia, ao desejo de querer que 
as coisas aconteçam de um determinado modo. É a partir disso que se desen-
volvem rituais como meios de propiciar os acontecimentos desejados. Por defi-
nição rito é uma sucessão de emoções, palavras, gestos e atos que 
repetidamente compõe uma cerimônia, geralmente religiosa, com o objetivo de 
proporcionar um poder misterioso que facilite o estabelecimento de laços entre 
os humanos e forças misteriosas. 
Quando praticado, o rito relembra, fortalece e atualiza, alimenta e mantém 
viva a religião. Assim, o ritual pode ser entendido como o mito transformado em 
ação, é a repetição dos atos que, acredita-se, foram executados no passado e 
que devem ser imitados e repetidos para que as forças do bem e do mal se 
mantenham sob controle. Desse modo, o ritual torna o mito atual e reafirma a 
convicção em um acontecimento sagrado. Através do rito o ser humano se in-
corpora ao mito e pratica sua fé; o rito é a práxis do mito, é o mito em ação. 
Rituais, cultos e sacrifícios religiosos, cercados de transes, praticados nas 
sociedades humanas de qualquer etnia, em qualquer época, são formas de se 
 
16 CASSIRER, Ernst. Filosofia de las Formas Simbólicas II: el pensamiento mitico. (Trad. Ar-
mando Morones). México: Fondo de Cultura Económica, 1998. 
17 CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. 
(Trad. Tomas Rosa Bueno), S. Paulo, Ed. Martins Fontes, 1994. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
52 
tentar a cura para as enfermidades ou alcançar favores divinos, são formas de 
se agradecer esses favores ou de se aplacar a ira dos deuses. Assim também 
acontecia na Grécia antiga, como exemplo, na religião do orfismo e nos misté-
rios de Elêusis, cujas influências se estendem à escola filosófica de Pitágoras e 
ao pitagorismo, chegando à atualidade com a mesma força do passado, inde-
pendentemente das transformações na forma de pensar ao longo dos séculos. 
Desde a antiguidade se acreditou que apenas sacerdotes e magos eram 
capazes de interpretar os mitos e os mistérios do mundo. Eles tinham o poder 
da explicação porque serviam como pontes ou intermediários entre o mundo 
humano e o mundo divino, através dos rituais praticados nos oráculos e nas so-
ciedades secretas. Mas, isso não invalida a dimensão individual entre cada su-
jeito e seu mistério, entre cada humano e sua fé. Assim o rito não é apenas um 
ato que se processa no coletivo da sociedade, se fortalece também através do 
simbolismo inconsciente de cada pessoa, é o meio pelo qual ela pode visualizar 
soluções mágicas para seus anseios, frustrações, desejos e necessidades. 
Transe e religiosidade 
Fatos e procedimentos identificados como hipnóticos sempre ocorreram 
associados com práticas religiosas e ou curativas. Constituíam parte do conhe-
cimento mítico posto em prática através de rituais, foram largamente praticados 
na Índia, Caldeia, Egito e Grécia antiga por uma casta privilegiada que, ao 
mesmo tempo, exercia as funções de sacerdotes, magistrados e médicos. Não 
importa a forma como se justifica ou o grupo social no qual se apresenta, a hip-
nose manteve, no decorrer dos séculos, identidade dos princípios que desen-
cadeiam seu processo, causas, efeitos e finalidades. Sua manifestação geral-
mente expressa a aliança entre o ideário do sagrado e do humano, construído 
com base na cultura e na história de cada sociedade. 
Na maioria das vezes, o hipnotismo é envolvido em uma atmosfera de 
mistérios, de transes inexplicáveis cercado de superstições e crenças; seus 
praticantes se dizem, freqüentemente, simples instrumentos da vontade 
misteriosa de forças sobrenaturais. Sua prática foi se metamorfoseando à 
época, local e circunstâncias particulares de cada povo, criando diferentes 
crenças para justificar seus efeitos, principalmente quando relacionados à cura. 
O hipnotismo presente nos rituais de cura sempre envolveu junto ou 
separadamente crenças, rezas, cantos, gestos, músicas, danças, cores, 
esculturas, adornos, pinturas e máscaras, elementos culturais de alto valor 
simbólico que emanam força hipnótica incontestável e induz ao transe, 
incluindo o êxtase que se manifesta no estado profundo do transe hipnótico. O 
êxtase que dizer “posição fora”, isto é, um estado de consciência além da 
consciência habitual. 
O mais antigo relato do que podem ter sido sessões de hipnotismo foi 
registrado nos Papiros de Ebers, por volta do século XVI a.C. e apontava fatos 
a respeito da teoria e da prática da medicina egípcia. Descreve procedimentos 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
53 
de médicos que, colocando suas mãos sobre as cabeças de pacientes, 
afirmavam possuírem poderes sobre-humanos, enquanto recitavam estranhos 
mantras que sugeriam curas. 
O termo mantra vem do sânscrito, antigo idioma da Índia, é a composição 
das sílabas “man”, que significa mente ou pensamento, e “tra”, que pode ser en-
tendida como entrega ou proteção. De modo geral, a palavra é traduzida como 
“proteção da mente”. No sentido cultural significa silaba, palavra ou frase pro-
nunciada segundo prescrições ritualísticas e musicais, tendo a finalidade de a-
tingir um estado mental contemplativo. Os primeiros mantras foram retirados 
dos Vedas, livros sagrados dos hindus, três mil anos a.C., e são hipnóticos pela 
repetição e monotonia, sonoridade e ritualidade. 
Algumas vertentes da yoga, filosofia indiana milenar que combina exercí-
cios físicos, técnicas de respiração e meditação, utilizam mantras em seu dia a 
dia e acreditam que para ser mais efetivo deve ser dado, por um guru, para a 
pessoa que irá vocalizá-lo. Neste caso o mantra não pode ser revelado para 
mais ninguém. Na tradição hindu, os mantras são considerados sons sagrados 
que ajuda o ser humano a entrar em estado de meditação, interrompendo o flu-
xo de pensamentos intermitentes. Essas técnicas, que geram atmosferas mági-
cas relacionadas com o divino, são próprias do hipnotismo. 
Antigas civilizações sempre tiveram um deus ligado a um mantra; os gre-
gos Apolo; os egípcios Osíris; os hindus Brahma, o mesmo acontece com rela-
ção à Krisna, Buda, Mahavita e Rama entre outros. Seus seguidores acreditam 
em tais sons funcionam como uma espécie de oração que, vocalizados e repe-
tidos várias vezes, ajuda a manter a mente quieta e pacifica, trazendo paz e a-
brindo o canal de comunicação com o divino. Durante a vocalização, pode-se 
usar ou não um objeto que facilite a contagem, como um rosário. Nesse pro-
cesso, conhecido como japa, para que produzam os melhores efeitos hipnóti-
cos, os sons podem ser repetidos até centenas de vezes em ambiente silencio-
so, mantendo o corpo totalmente imóvel, usando a técnica da respiração lenta e 
profunda. 
Segundo Delcourt, 18 os gregos realizavam peregrinações ao templo de 
Esculápio ou Asciénio, deus da medicina e filho do deus-profeta Apolo. Seu 
templo mais famoso foi o de Epidauro em Argólia na Grécia, descoberto nas 
escavações ocorridas em 1850. A descoberta revelou inscrições datadas do 
século IV a.C. explicando como peregrinos eram submetidos à hipnose pelos 
sacerdotes, quando invocavam a presença de uma divindade para indicar os 
possíveis expedientes de cura. 
Os sacerdotes de Caem recorriam à hipnose para abrandar 
descontentamentos coletivos e as sacerdotisas de Ísis, postas em transe, 
manifestavam o dom da clarividência; hipnotizadas, revelavam ao Faraó fatos 
distantes ou ainda por ocorrer. Acontecimento semelhante ocorria nos oráculos; 
 
18 DELCOURT, Marrie. Les grands sanctuaires de la Grèce, Paris, 1947. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
54 
quando as sibilas prediziam o futuro; articulavam suas profecias depois que 
entravam em convulsões sob o efeito do transe auto-hipnótico. 
Pela auto-hipnose se explica a anestesia dos mártires, que se submetiamàs maiores torturas sem dar o menor sinal de sofrimento físico. Na Índia, o 
faquir produz o transe auto-hipnótico para suportar, sem aparentar sentir dor, 
práticas de torturas. Dentre os hindus, mongóis, persas, chineses e tibetanos, a 
hipnose vem sendo exercida há milênios em meio a rituais religiosos e, é fácil 
observar que assim ainda prosseguem na atualidade. A hipnose e a religião 
estão sempre próximas, quando não juntas nos ritos religiosos e, atualmente, 
está sendo largamente utilizada e institucionalizada com este fim. 
A hipnose provavelmente também teve um papel importante nas práticas 
religiosas e nas artes curativas dos Druidas, sacerdotes de religião pré-cristã da 
Gália e da Bretanha que depois se espalharam por toda a Europa Ocidental. 
Eles prediziam o futuro, realizavam curas com o uso de ervas, cânticos e 
magia, alguns eram considerados intermediários entre os deuses e os homens; 
seus rituais, cercados de mistérios, aconteciam nas florestas. Na Gália foram 
considerados bruxos, combatidos e dizimados pelos romanos e mais tarde 
pelos cristãos, na Irlanda, sob sigilo, alguns sobreviveram em sua prática 
religiosa. 
Nas ilhas britânicas o chefe religioso dos Druidas punha seus fiéis 
recostados e, induzindo-os a um sono artificial, aliviava suas dores e curava 
doenças. Inúmeras gravuras daquela época mostram sacerdotes-médicos 
colocando presumíveis pacientes em transe hipnótico. Semelhantes fatos já 
ocorriam na velha civilização babilônica, na Grécia, na Roma antiga e no Egito, 
onde existiam os Templos dos Sonhos que eram locais apropriados para se 
aplicar nos pacientes sugestões terapêuticas enquanto dormiam. Também há 
indícios de que nas civilizações Asteca e Maia era utilizada a prática da hipnose 
para tratar dos doentes. 
Vegetais hipnóticos 
A busca do transe hipnótico por ingestão de meios químicos é o método 
mais direto, embora menos comum, para o ser humano entrar temporariamente 
em mundos fascinantes do seu inconsciente. Diversos vegetais com proprieda-
des hipnóticas têm sido utilizados com esta finalidade, desde as antigas civiliza-
ções, apresentando um papel importante em ritos religiosos. Segundo Schultes 
& Hofmann, 19 o uso destas plantas permitia ao curandeiro realizar cura, fazer 
adivinhações e orientar a tribo nas estratégias de guerra. A explicação é que, 
entre seus efeitos, podem transportar a mente humana para o autoconhecimen-
to, para o contato com divindades e outras forças do mundo espiritual. 
 
19 SCHULTES, R.E. & Hofmann, A. Plantas de los Dioses. Orígenes del uso de los alucinóge-
nos, Fondo de Cultura Económica. México, 1982. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
55 
Segundo Labate 20 na natureza existem cerca de 100 vegetais que podem 
desencadear o processo hipnótico, alguns são classificados como alucinóge-
nos, como a Iboga utilizada por aproximadamente um milhão de pessoas na Á-
frica; o Peiote, um cacto amplamente consumido no México e nos EUA cuja 
substância ativa é a mescalina; os Cogumelos, que já apareciam em registros 
hindus da antiguidade. 
Aldous Huxley, romancista e filosofo britânico, testou pessoalmente os e-
feitos da mescalina, derivada de um cacto, e registrou suas observações em um 
ensaio publicado em 1954, As Portas da Percepção: Céu e Inferno. 21 Huxley 
fala de um transe com sensações prazerosas, tais como “uma dança lenta de 
luzes douradas”, descreve os lampejos de “diversidade transcendental” que diz 
ter experimentado enquanto dirigia um automóvel por um subúrbio de Los An-
geles sob o efeito da droga. 
O incrível fluxo de informação sensorial liberado pela mescalina levou Hu-
xley à hipótese explicativa do que sentiu, afirmando que a principal função do 
cérebro e do sistema nervoso é servir como uma válvula redutora para restringir 
o influxo de realidade a um nível administrável. Supôs que há tantos dados cap-
tados através dos sentidos que, se fossem processados, a mente submergia, fi-
cando incapaz de lidar com os problemas da vida cotidiana. 
Acreditava Huxley que a mescalina desligava a função de filtrar informa-
ções no cérebro, permitindo que a mente fosse inundada por eventos mentais 
que costumam ser excluídos por não terem qualquer valor de sobrevivência. Diz 
que tais informações são “biologicamente inúteis, mas estéticas e às vezes es-
piritualmente valiosas” Também sugere que este estado da mente pode ser es-
timulado por outros catalisadores além das drogas, tais como doenças, fadigas, 
jejum ou um completo retiro sensorial, através da meditação em algum lugar 
escuro e silencioso. E, por que não, pelos métodos hipnóticos convencionais. 
Na Brasil alguns vegetais são utilizados por tribos indígenas, no decorrer 
de ritos religiosos, como meio de produzir transes, como a Jurema e o Yopo. A 
Jurema é consumida na forma de chá, enquanto as sementes do Yopo são ma-
ceradas e seu pó é consumido pela via intranasal (cheirado). Em diversas regi-
ões da América do Sul, entre as bebidas com propriedades hipnóticas produzi-
das por vegetais, o chá ayahuasca é a mais conhecida. 
Elementos e efeitos hipnóticos estão também presentes nas religiões das 
tribos indígenas da África, das Américas e da Oceania, assim como dos 
primitivos habitantes da Europa e da Ásia. O xamantismo é uma antiga religião 
da Ásia que existe até hoje. É caracterizada por um conjunto de práticas 
realizadas pelo xamã, uma categoria especial de médico-pajé que entra em 
transe e, segundo a crença indígena, sua alma vai para longe do corpo, 
 
20 LABATE, Beatriz Caiuby e Wladimyr Sena Araújo (org.). O Uso Ritual da Ayahuasca, Campi-
nas, 2ª ed, Mercado de Letras/Fapesp, 2004. 
21 HUXLEY, Aldous. As Portas da Percepção: Céu e Inferno, RJ, Editora Globo, 2002. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
56 
percorre lugares distantes, enquanto um espírito estranho encarna para realizar 
trabalhos de cura e adivinhação. 
Entre algumas nações indígenas o xamã é um homem ou mulher que, no 
final da infância, passou por uma experiência de sentir sua sexualidade 
transfigurada, a partir daí leva a vida voltada inteiramente para dentro de si. É 
iniciado através de rituais, permanece por vários dias em estado de êxtase, 
depois disso consegue facilmente entrar em transe para servir de intermediário 
entre os homens e os espíritos xaporis, entidades que indica procedimentos de 
cura. Descrições dessas experiências podem ser encontradas ao longo de todo 
o caminho que vai da Sibéria às Américas. Em contato com diferentes povos, 
os rituais dos xamãs se popularizaram e se transferiram para fora das aldeias, 
incorporaram parte de outras culturas e crenças. Essa mescla, às vezes muito 
distanciada das explicações originais, é que se observa nos centros urbanos. 
A prática do ritual de cura dos indígenas e outras medicinas alternativas 
lidam principalmente com a fé. Mas isso não quer dizer que várias das ervas 
nativas, indicadas pelos pajés e xamãs, não tenham princípios químicos ativos 
que, inclusive, vêm sendo objeto de pesquisa científica e que já compõem 
vários remédios produzidos pelos laboratórios farmacêuticos. Independente do 
uso de vegetais, no ritual de cura dos indígenas ocorre sons produzidos pela 
voz humana e ou instrumental, extremamente monótono e repetitivo, podendo 
também acontecer danças com movimentos corporais lentos, síncronos e 
repetidos. Tudo isso revela condições hipnotizadoras que, mesmo sem a 
ingestão de qualquer substância, podem levar pessoas ao transe hipnótico. 
Há relatos do uso do chá ayahuasca em toda a Amazônia, chegando à 
costa do Pacífico no Peru, Colômbia e Equador, bem como na costa do Pana-
má. Foi reconhecida nesta região em pelo menos setenta e duas tribos indíge-
nas, com quarenta nomes diferentes. Entre as diversas tribos da bacia Amazô-
nica é percebida como uma poção mágica, de origem divina, geralmente usadaem ritual religioso com propósitos de cura ou para fornecer visões que são im-
portantes no planejamento de caçadas, prevenção contra espíritos malévolos, 
bem como contra ataques de feras da floresta. Essas visões, guiadas e manipu-
ladas pelos xamãs e fundamentada no ideário de crença do grupo, podem se 
repetir de forma coletiva. 
É evidente o poder hipnótico do chá ayahuasca, bebida de cor marrom 
claro e de gosto amargo, fabricada em diversas regiões da América do 
Sul a partir do cozimento concomitante de talos socados do cipó jagube 
ou mariri (Banisteriopsis caapi) e da folhas do arbusto chacrona (Psycho-
tria viridis). Na mistura para a sua produção pode ou não ser acrescentado 
mais de trinta outras espécies de vegetais, como a folha de outro cipó conheci-
do na Colômbia como chagro panga (Diplopterys cabrerana). 
O método de preparo do chá ayahuasca varia conforme o grupo que o 
usa. Geralmente o cipó é cortado em pedaços de 20 centímetros e amassado, 
juntado dois terços de cipó para um de folha e posto na água fervente, deixando 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
57 
que ferva no fogo baixo por mais de 4 horas, repondo certa quantidade de água 
na medida de sua evaporação. O mais comum é a junção de, aproximadamente 
1,5 quilogramas de cipó jagube e 0,5 da folha chacrona para cada litro de água. 
O cipó é colhido, limpo e socado pelos homens e cabem as mulheres colher e 
limpar lavando as folhas. Depois de esfriado, o chá é coado e armazenado em 
recipientes. Uma produção pode durar anos e ser usado em vários rituais. 
Também podem ser amassados, juntos cipó e folha, na água fria e deixando em 
descanso por, aproximadamente, vinte e quatro horas. Por qualquer método 
seu preparo é um longo processo, leva quase um dia. 
Originariamente o chá ayahuasca era apenas usado nos rituais indígenas 
que, segundo suas crenças, entre os efeitos produzidos "facilita o desprendi-
mento da alma de seu confinamento corpóreo, voltando ao mesmo conforme a 
vontade, carregada de conhecimentos sagrados" (Schultes & Hofmann). Os ín-
dios Jivaro, do Equador, acreditam que a experiência com ayahuasca é a vida 
real, ao passo que a realidade cotidiana é apenas uma ilusão. 
A palavra ayahuwaska pertence à língua quíchua, falada no antigo 
Imperio Inca pelos quíchuas. Hoje ainda é uma importante língua indígena da 
América do Sul, considerada no Peru e na Bolivia como oficial junto com a 
língua Aimará. Na etnologia lingüística aya quer dizer corda ou cipó dos espíri-
tos ancestrais e huwaska significa chá ou vinho. A transliteração para a língua 
portuguesa resultou na simplificação do nome para ayahuasca ou mais simples 
como Hoasca. No Brasil o chá é conhecido como Auasca, Uasca, Santo Daime 
ou Vegetal e, em diferentes culturas, ainda é reconhecido por outros nomes 
como Yajé, Mariri, Caapi, Natema, Pindé, Kahi, Mihi, Dápa, Bejuco de Oro, Vi-
nho de Deus ou Vinho dos Espíritos entre outros. Onde se cultua esse chá é 
recorrente a expressão “o cipó dá a força e a folha, luz” 
No Brasil o consumo do chá ayahuasca por não indígenas surge do con-
tato entre seringueiros e xamãs da região amazônica, no auge da exploração 
da borracha, no fim do século XIX. Os desdobramentos sócio-histórico-culturais 
ocorridos nesta região, nas primeiras décadas do século XX, propiciaram a sua 
expansão para outros contextos distintos de suas origens e dá início às religi-
ões ayahuasqueiras que se espalham rapidamente para os centros urbanos. 
Religiões ayahuasqueiras 
As religiões criadas no século XX que fazem uso do chá ayahuasca são 
consideradas, do ponto de vista antropológico, como formas de neoxamanismo; 
recriam rituais xamãnicos agregando novos elementos culturais e religiosos. 
Tem início com os mestiços da região amazônica, migram para zonas urbanas 
e grandes centros como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Daí avançando 
para todos os Estados da federação brasileira e também para a América do 
Norte e Europa, colocando a etnia branca e urbana em contato com, pelo me-
nos, fragmentos de tradições religiosas indígenas milenares. 
As novas religiões que fazem uso do chá ayahuasca associam ações eso-
téricas do mundo indígena com tradições de outras crenças religiosas. Bastan-
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
58 
tes sincréticas combinam, em doses diferentes, desde o xamanismo indígena 
até o kardecismo, passando pelo catolicismo popular, pelo candomblé e pela re-
ligião umbandista. Em todas elas os efeitos decorrentes da ingestão do chá são 
atribuídos ao processo de purificação da alma e tem como objetivo transmitir 
aos homens "uma prática ordenada pela força superior no sentido de ensiná-los 
a se conduzir sobre a terra" (Callaway). 22 
Várias comunidades na Amazônia passam a cultuar o chá ayahuasca e, 
em seu ritual, envolvem santos da Igreja católica e orixás do candomblé, reve-
renciam a mata, a floresta, a paz e a alegria. Ao lado de cânticos que geralmen-
te têm inspiração ecológica, a cerimônia envolve uma dança coletiva de passos 
repetidos, síncronos e monótonos, dois para um lado, dois para outro. Ás vezes 
essa dança dura uma noite inteira. Algumas dessas comunidades se transfor-
mam em religiões bem conhecidas e, por dissidência ou conflito de liderança, 
se multiplicam a cada dia. 
Por volta de 1930, Raimundo Irineu Serra fundou a vertente religiosa 
ayahuasqueira na cidade de Rio Branco, no Estado do Acre, conhecida como 
“Santo Daime” ou “Alto Santo” e, posteriormente como CICLU - Centro de 
Iluminação Cristã Luz Universal. Mestre Irineu, que morreu em 1971, era um 
negro seringueiro de dois metros de altura que, em 1930, após uma intensa 
iniciação com a ayahuasca, através de um xamã na floresta amazônica, 
resolveu chamar o chá de “Santo Daime” e, com esse nome, iniciou uma 
religião. Foi tomando essa bebida que o mestre Irineu teve a visão (miração) de 
Nossa Senhora da Conceição e, segundo afirma, foi quando recebeu os 
fundamentos inspiradores da crença que acabaria por inaugurar. O nome 
“Daime” vem do próprio verbo "dar", no sentido Daí-me Luz! Daí-me Amor! Daí-
me Força! 
Na década de 1970 apareceu outra ramificação do Santo Daime, o Ceflu-
ris – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, funda-
mentada em crenças xamânica, esotérica e cristã, liderada por Sebastião Mota 
de Melo (Padrinho Sebastião) que morreu em 1990. Sebastião foi um trabalha-
dor seringueiro e construtor de canoas, natural de Eurinepé, Amazonas, discí-
pulo do mestre Irineu que resolveu fundar sua própria religião, embora sem a-
presentar, no início, divergências significativas na prática ou na crença do Mes-
tre. Esta vertente evolui mais rapidamente para outros contextos sociais. 
O Cefluris nos anos 90 realiza ajustes e correções na sua estrutura de 
credo e de administração, expande-se pelos centros urbanos brasileiros e para 
o exterior. Trinta anos depois de sua fundação conta com núcleos na Holanda, 
na França, na Itália, no Japão e nos Estados Unidos, entre outros paises. Uma 
boa característica dessa organização é o fato de ser a mais aberta à comunida-
de externa, divulgando de forma explicita seus objetivos e prática religiosa. Sua 
 
22 CALLAWAY, J.C. et al. Quantitation of N, N-dimethyltrytamine and harmala alkaloids in hu-
man plasma after oral dosing with Ayahuwasca, J Anal Toxico, l 20(6): 492-7, 1996. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
59 
estrutura, horizontal e democrática, permite que os diversos segmentos utilizem 
bem os meios de comunicação como revistas especializadas e Internet. Sua di-
vulgação rápida aponta para o crescimento acelerado no Brasil e no mundo. 
É curioso como surgiu outra religião ayahuasqueira denominada “Barqui-
nha”, nome que corresponde a uma festa do folclore popular, trazida para o 
Brasil pelos portugueses e guardada na memória do povo através de gerações. 
Representa a cultura de gente simples,suas brincadeiras e seu lirismo lúdico 
que não se perderam no tempo. Cultuam feitos históricos dos navegantes, en-
volve a representação de marinheiros e sua religiosidade. Porém, aos poucos 
foi se afastando das origens, se modificando, se adaptando e readaptando a 
novos contextos culturais. 
A festa folclórica da Barquinha é comemorada em pequenas cidades e vi-
larejos em todo o país, principalmente no Norte e Nordeste do Brasil. Acontece 
nos meses de junho a dezembro, dependendo da região, mas na sua maioria 
ocorre quando se comemora Santo Antonio, São João e São Pedro. Caracteri-
za-se como um bailado popular, é um entretenimento dançado por homens e 
mulheres coletivamente, representando a chegada da barca que trazia mari-
nheiros e oficiais das naus para porto. Seguido do desfile até a Igreja para co-
memorar feitos náuticos e a conversão do pagão à religião católica-romana, daí 
prosseguindo com os festejos aos santos padroeiros locais. O grupo é compos-
to por pessoas simples que, trajadas de marujos, são capitaneadas geralmente 
pelo mais antigo, entoam hinos e glosas populares, ao som de instrumentos 
musicais rústicos. Além do exibicionismo dos personagens, envolve a platéia 
em seus folguedos, brincadeiras e bailados. Embora aponte vínculos de religio-
sidade é uma festa popular profana. 
Em 1945, Daniel Pereira de Mattos, maranhense que bem conhecia e par-
ticipava de festas da Barquinha em sua terra natal, onde também freqüentou a 
escola de aprendiz de marinheiro, se mudou para o Acre e conheceu a ayahu-
asca pelas mãos de Raimundo Irineu Serra, quando se tratava de uma enfermi-
dade (Araújo) 23. Acrescentando ao folclore junino o consumo do chá, transfor-
mou a festa em religião. Mais tarde, fundando uma sede, o grupo da Barquinha 
passou a ser denominado de Centro Espírita e Culto Oração Casa de Jesus 
Fonte de Luz, mas não perdeu o nome original. Entre as religiões que conso-
mem o chá, a Barquinha é a menos espalhada pelo Brasil, concentrada na regi-
ão amazônica e fundamenta-se na crença cristã, mas admite a incorporação do 
"Preto Velho", típico dos rituais de influência africana. 
Na região amazônica, os adeptos da Barquinha com roupas de marinheiro 
tomam o chá ayahuasca que, segundo a crença, conecta o homem com o divi-
no. Todos cantam os salmos; músicas que teriam sido inspiradas por guias es-
pirituais invisíveis. No templo a imagem de São Francisco das Chagas, é o co-
mandante que pilota a Barquinha, com outros seres divinos. A bebida provoca o 
 
23 ARAÚJO, W. S. (org). O uso ritual da ayahuasca. S. Paulo: Mercado das Letras, 2002. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
60 
transe, e assim começa a viagem, cuja missão seria resgatar almas dos mortos 
que sofrem no mundo espiritual e levá-las, pelo mar sagrado do Santo Daime, 
até os pés de Jesus Cristo, onde está a salvação. 
A festa da Barquinha é transformada por Daniel Pereira de Mattos em 
uma mescla do folclore popular com a crença cristã e o ritual indígena, além de 
associar também crenças do candomblé e da umbanda. Nessa religião, santos 
da Igreja católica se misturam com entidades espirituais conhecidas como Ca-
boclos, Preto Velho e Boiadeiro entre outros, que supostamente se manifestam 
para afastar forças negativas, promover curas ou ajudar alguém de algum mo-
do. Após a ingestão do chá, o ritual tem duração média de quatro horas. 
Entre outros grupos religiosos que se desprenderam da Barquinha e se 
espalharam pela Amazônia, existe um situado às margens do Rio Acre, é o 
Centro Espírita Luz, Amor e Caridade, conduzido pelo mestre Juarez que, com 
mais de oitenta anos de idade, ainda comandava o Centro. No dia 29 de junho, 
começa a celebração da Noite de São Pedro e, dentro da igreja, orações e sal-
mos são entoados. Após beber o chá, todos saem para o terreiro de umbanda, 
onde são feitas as chamadas "obras de caridade". Mestre Juarez assovia, cha-
mando a força do Daime, ele estaria incorporando um encantado, uma entidade 
poderosa no mundo da Barquinha, o Príncipe Dragão do Mar. Acredita-se que 
várias entidades do além descem ao terreiro para expulsar espíritos malignos. 
Na década de 1960 formou-se em Porto Velho, no Estado de Rondônia, a 
UDV - Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, através de José Gabriel 
da Costa, um baiano que foi para a região amazônica trabalhar nos seringais. 
Atualmente figura como uma das maiores entre as religiões que fazem uso do 
chá ayahuasca. Seu ritual é discreto e sem os bailados, é mais fechada à 
comunidade externa e sua estrutura vertical é bem hierarquizada. 
Por orientação do mestre Gabriel, a UDV adota a fundamentação 
cristã e reencarnacionista e o transe é conhecido como borracheira que, se-
gundo seu fundador, significa uma “força estranha, a presença da força e da luz 
do Vegetal na consciência daquele que bebeu o chá”. Segundo seus dirigentes, 
a bebida é um veículo de concentração mental, seu efeito amplia a percepção e 
permite melhor compreensão dos fundamentos da espiritualidade. 
A UDV indica para os associados seguirem regras disciplinares rígidas, 
como o não consumo de álcool e de fumo, preservação da instituição 
familiar, além de postura socialmente ética sobre todos os aspetos. O 
chá ayahuasca é conhecido nesta associação por três sinônimos: Hoasca, Mari-
ri ou Vegetal. É contra o uso do chá fora do contexto religioso, além de conside-
rar inadequado o uso indiscriminado por pessoas não-iniciadas e sem a orien-
tação de um dirigente (mestre). O novato para ser iniciado é indicado por um 
associado e aprovado pelo líder da organização. 
Na UDV ocorrem sessões regulares (de escala) duas vezes ao mês e 
sessões extras convocadas pelo mestre, além de sessões de iniciação. Durante 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
61 
o ritual, os participantes permanecem sentados e em absoluto silêncio, o mestre 
preside a sessão e dosa a quantidade do chá ayahuasca para o consumo de 
cada um em particular. Todos, sem exceção, simultaneamente bebem e ficam 
esperando a "borracheira" como é conhecido o transe. Para sair do recinto, 
principalmente em função das reações do chá que iniciam após trinta a quaren-
ta minutos e vai até três ou quatro horas, é preciso permissão do mestre. O no-
vato ao sair é seguido por um ou dois associados que o vigia em tempo integral. 
Isso vale para prevenir vertigens e outras situações imprevistas durante o tran-
se. No ritual, a circulação das pessoas no salão se faz no sentido anti-horário 
que, segundo mestre Gabriel, “é o sentido da força”. A prática da circulação an-
ti-horária também acontecia nas sessões mesmeristas até o fim do século XIX, 
e em sessões kardecistas até a primeira metade do século XX. 
Na UDV, cerca de uma hora e meia após a ingestão do chá, como forma 
de certificar os efeitos, o mestre vai de um em um e pergunta “Como vamos? 
Tem luz? Tem borracheira?” No início do transe coletivo são entoados cânticos 
(chamadas), que tem como proposta transmitir ensinamentos. Decorrido cerca 
de três horas, quando todos estão em plena "borracheira", ouvem gravações de 
MPB. A autoridade é amplamente ostensiva, tudo é controlado rigorosamente 
seguindo a hierarquia, Mestre, Conselheiro, Associado e diferencia-se um dos 
outros por fardamento, função e tarefa. A Borracheira é alusão do mestre Ga-
briel ao termo conhecido nos seringais como o período decorrido entre o fim e o 
início da extração do látex, quando ocorre embriedade ou bebedeira dos traba-
lhadores. 
Segundo a crença da UDV, foi um importante personagem bíblico, o Rei 
Salomão, quem descobriu como produzir o chá e passou esse conhecimento a 
um homem chamado Caiano. Séculos depois, Caiano teria nascido de novo na 
Bahia, com o nome de José Gabriel da Costa. Torna-se mestre Gabriel após 
conhecer a ayahuasca nos seringais de Rondônia e fundar a União do Vegetal. 
Andrade 24 conta à trajetória de vida de José Gabriel com detalhes,relata 
seu envolvimento com o catolicismo popular, ainda no interior da Bahia onde 
nasceu, como freqüentou sessões espíritas kardecistas e terreiros de candom-
blé em Salvador e seu trabalho na extração da borracha no Estado de Rondô-
nia. Conta como, em Porto Velho, Gabriel passa a atender pessoas, em sua ca-
sa, jogando búzios e relata com detalhes como, quando e por que se torna Ogã 
e Pai do Terreiro de Mãe Chica Macaxeira. Por fim, define como ocorreu seu re-
torno ao seringal onde abre seu próprio terreiro, no qual “recebia” o caboclo Sul-
tão das Matas com o objetivo de curar pessoas, dar conselhos e orientar as ca-
çadas. 
Ao abrir seu próprio terreiro, José Gabriel passa a dirigir um rito sincrético, 
uma forma de xamanismo assemelhado à pajelança amazônica que associa, na 
 
24ANDRADE, Afrânio P. de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla. Um estudo centrado 
na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado, Instituto Metodista de Ensino Superior. S. 
Bernardo do Campo, 1995. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
62 
prática, elementos religiosos afro-indígena, kardecista e do catolicismo popular. 
Em abril de 1959, no seringal Guarapari, na região da fronteira boliviana, Gabri-
el recebeu pela primeira vez o chá ayahuasca de um seringueiro chamado Chi-
co Lourenço, que representava uma tradição indígena-mestiça de uso xamânico 
do chá. 
Segundo Andrade, em 1961, José Gabriel reuniu as pessoas e disse: “Eu 
quero falar pra vocês que tudo que o Sultão das Matas faz eu sei; Sultão das 
Matas sou eu”. Este momento foi considerado como de grande iluminação. Ao 
postular para si mesmo o poder antes atribuído à entidade Sultão das Matas, 
mestre Gabriel nega a incorporação dos cultos de caboclo. A partir daí, o transe 
deixa de ser entendido como mediúnico, não há incorporações nas sessões. 
Mestre Gabriel reconhece um novo tipo de transe e o denomina de borracheira, 
em vez de incorporação agora ocorre iluminação. Este momento é justificado 
como sendo a percepção do mestre, reconhecendo uma força desconhecida 
que age dentro de cada um. Como se diz na UDV, “no decorrer da borracheira 
há uma potencialização dos sentimentos, das percepções e da consciência”. 
Essa descrição é perfeita para caracterizar o que pode ocorrer em um transe 
hipnótico quando bem conduzido. 
É certo que sugestões de melhorias, curas e superações de vicissitudes, 
instaladas na mente humana durante um transe, funciona de forma poderosa. 
No transe produzido pelo chá ayahuasca, as sugestões são elaboradas, ampli-
adas, ajustadas e adaptadas, de forma consciente ou não, por cada pessoa, pe-
lo mestre e o ambiente onde ocorre a sessão, pelo ritual e dogmas praticados e 
ensinados que induzem princípios universais da ética e da moral. A ordem reli-
giosa estabelecida lembra e introduz na mente de cada um a idéia do mereci-
mento a uma vida digna, ao direito da pessoa ser feliz e de fazer o próximo fe-
liz. Condições indispensáveis para elevação da auto-estima, superações de ad-
versidades e curas. 
98% das pessoas que experimentam o chá ayahuasca entram em transe. 
80%, incluindo aí o mestre, apresentam sintomatologia do transe leve, o que 
permite entrar ou sair do estado hipnótico, dependendo da necessidade e de 
sua vontade. 30% ficam em nível intermediário e cinco a dez 5% apresentam 
sintomatologia idêntica aos níveis sonambúlicos e plenos do transe hipnótico, 
exceto pelo efeito aversivo provocado pela ingestão do chá. 
Os efeitos provocados pela ingestão do chá ayahuasca iniciam após, a-
proximadamente, trinta minutos e prolonga-se por até quatro horas, variando na 
intensidade a depender da quantidade consumida e da propensão de cada pes-
soa ao transe. O efeito aversivo é caracterizado por uma série de reações como 
náuseas, vômitos intensos, diarréias, palpitação, taquicardia, tremores, midría-
se, suor excessivo, perda da discriminação espaço-temporal, ilusões sinestési-
cas, perda ou diminuição de controle psicomotor e vertigens. Não obstante a 
essas situações adversas, no período de duas a quatro horas pode ocorrer o 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
63 
aumento de bem-estar do indivíduo, criando fortes sensações de felicidade e 
contentamento. 
Após o transe aqueles que experimentam efeitos mais profundos de bem-
estar, relatam sensações de vôo pelos ares, idas a lugares distantes, visões 
envolvendo locais e pessoas (miração), relatam ainda a sensação de comuni-
cação com divindades. As narrativas são variadas e, de certo modo, se ajustam 
à cultura, à crença e ao ideário de cada um. Devido a esses efeitos a mistura 
dos dois vegetais para a composição do chá ayahuasca, foi e continua sendo 
utilizada com finalidade mística em ritual religioso, geralmente com objetivo de 
cura. 
Nos anos 90 a União do Vegetal começa a se expandir pelos centros ur-
banos brasileiros e para o exterior, entrando na América do Norte e na Espa-
nha. Em 2006 a Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos deu autoriza-
ção, por votação unânime, para prática do culto em território americano. O tri-
bunal recusou os argumentos do governo americano de que uma das substân-
cias contidas na bebida ayahuasca está na lista de entorpecentes proibidos pe-
la legislação em vigor. Na decisão o tribunal levou em conta a permissão dos 
membros da Igreja Nativa Americana, na grande maioria indígena, usarem em 
seus rituais um chá composto por peiote. Os índios norte-americanos possuem 
o Ato de Liberdade de Religião Indígena, aprovado em 1994, que especifica au-
torização para o uso do cacto Peiote para fins religiosos e, por analogia, o con-
sumo do chá foi autorizado. 
O DMT, substância presente na folha do arbusto que compõe o chá aya-
huasca, é proibido pela Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas da ONU - 
Organização das Nações Unidas, firmada em Viena em 1971, da qual o Brasil é 
signatário. Por conta desta restrição, o DMT foi incluído na lista das substâncias 
psicoativas proscritas da Divisão de Medicamentos do Ministério da Saúde bra-
sileira durante os anos de 1985 a 1987. Enquanto neste mesmo período, uma 
comissão multidisciplinar estudou as formas de consumo do psicoativo proibido 
e, como resultado deste estudo, o (extinto) Conselho Federal de Entorpecentes 
elaborou parecer retirando a substância da ilegalidade. 
Em 1992, houve nova tentativa de proibição do consumo do DMT no Bra-
sil, tendo sido organizada uma segunda comitiva, que reafirmou a decisão da 
anterior, de liberalização do uso para fins religiosos. Hoje predomina o entendi-
mento fundamentado no Direito Constitucional de liberdade de culto e religião 
(CFR de 1988, artigo 5º, inciso VI). Também foi considerado o fato que de nada 
consta na legislação penal brasileira sobre os componentes ativos contido nos 
vegetais que compõem o chá ayahuasca, portanto, seu uso é facultado (Lei de 
entorpecentes, 6.368/76). Do ponto de vista internacional, existe uma ação pro-
cessual em curso na ONU para regularizar a situação, no âmbito de sua con-
venção, no sentido de reconsiderar o uso do chá ayahuasca como facultado em 
ritos religiosos no Brasil. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
64 
É relativamente grande a discussão acadêmica quanto aos efeitos do chá 
ayahuasca, mas a literatura científica sobre o tema é controversa, ora considera 
como alucinógeno e de uso não recomendado, ora considera como inofensivo à 
saúde e indicado como terapia. A ciência ainda caminha no sentido de esclare-
cer completamente como os elementos contidos na bebida agem no organismo 
humano. 
Já se sabe que a folha do arbusto chacrona (Psychotria viridis) con-
tém um princípio ativo, a DMT (N, N, Dimetiltriptamina), que tem semelhança 
estrutural com a serotonina, um importante neurotransmissor do sistema nervo-
so central. Quando administrada por via oral, a DMT é decomposta pela mono-
aminoxidase (MAO), tornando-se inativa. O cipó jagube ou mariri (Banisteri-
opsiscaapi) contém alcalóides beta-carbolinas: a Harmina, a Tetrahidroharmi-
na e a Harmalina. Esses alcalóides inibem a atuação da enzima MAO, o que e-
vita que esta torne inativa a ação da DMT contida na folha. Assim, a interação 
entre esses alcalóides e a DMT permite que a bebida produza alterações no 
corpo e no psiquismo. 
Dentro da perspectiva sistêmica fica complicado saber como as proprie-
dades do chá ayahuasca, isoladamente identificadas a partir de pesquisas re-
ducionistas, agem no organismo humano, o quê de fato acontece quando é in-
gerido, como são ou não mantidas suas propriedades originais quando interage 
com tantos outros elementos do metabolismo e do psiquismo. Para a ciência 
atual essas respostas são difíceis, como também é difícil explicar como aconte-
ce a produção do transe hipnótico, com sintomatologia e efeitos iguais, que são 
induzidos sem a ingestão de quaisquer substâncias, através de meras suges-
tões verbais ou visuais e que podem até ser praticados por auto-sugestão. Co-
nhecer a sintomatologia do transe hipnótico, suas diferentes formas de produ-
ção e efeitos, talvez possa contribui para interpretar o efeito do chá ayahuasca. 
Na Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela e Equador o consumo e a admi-
nistração do chá ayahuasca sem envolvimento religioso é tradição. Sua aplica-
ção é feita por uma espécie de médico naturalista ”ou curandeiros pelas plan-
tas” que se referem a si mesmos como vegetalistas ou herboristas e ajudam as 
pessoas das áreas rurais e as populações pobres de áreas suburbanas que, 
doentes, não têm condições de ser assistidas pela medicina convencional. 
No Peru o chá ayahuasca é conhecido também como la purga, devido às 
suas características de provocar diarréias que são entendidas como processo 
de desintoxicação e, em certas regiões da Colômbia, com essa mesma finalida-
de o chá é denominado de el remedio. Sem envolver religião, estudiosos levan-
tam hipóteses de que o chá ayahuasca contenha propriedades antimicrobianas, 
o que o tornaria efetivo no combate a vermes ascarídeos e protozoários. É só 
Brasil que tem início o uso do chá, associado ao sincretismo religioso, por popu-
lações não indígenas. 
Transe e sincretismo 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
65 
A história do sincretismo religioso no Brasil inicia com os jesuítas 
incumbidos de doutrinar os índios e depois os negros, proibindo seus cultos 
sagrados. Os negros escravos, por não terem alternativa, construíam altares 
com imagens e gravuras dos santos do catolicismo e associava essas imagens 
aos orixás, como a única forma de continuarem com suas crenças de origem. 
Formou-se assim a associação entre o orixá do candomblé e o santo da Igreja 
católica, em rituais com elementos simbólicos riquíssimos, utilizando muitas 
cores, sons e ritmos, realizados nos terreiros das senzalas. Com o passar do 
tempo, alguns terreiros começaram a misturar os rituais do Candomblé com os 
da Pajelança, dando origem a outros cultos. 
O Candomblé tem vários ritos e diferentes ênfases culturais, mas sempre 
neles ocorrem transes. As culturas africanas, fontes para as atuais vertentes do 
candomblé praticado no Brasil, vieram da área cultural banto; onde hoje estão 
os territórios da Angola, Congo, Gabão, Zaire e Moçambique e da região 
sudanesa do Golfo da Guiné, circunscrita à Nigéria e Benin, que contribuíram 
para a formação cultural dos iorubás e os ewê-fons. Estas origens se 
interpenetram tanto no Brasil como na África. Os rituais africanos associados 
aos rituais indígenas, principalmente da Região litorânea do Nordeste brasileiro, 
deram origem ao Candomblé de Caboclo e, neste caso, a força curativa é 
atribuída aos espíritos de índios e negros. Essa mistura de cultos cria 
ramificações como os Conjuros, Canjerê, Catimbó, Macumba, Quimbanda e 
Jurema ou Juremeiros. 
Os Juremeiros consomem uma bebida, originaria dos rituais indígenas, de 
nome jurema. É produzida com a casca do caule e da raiz da planta jurema 
(Mimosa Hostilis Benth), natural da região nordeste do Brasil, acrescida de mel 
e outra bebida fermentada de teor alcoólico. Os índios também fumavam, por 
meio de cachimbo, um preparado com a raiz desta planta e, tanto o hábito de 
fumar como de ingerir a bebida foi incorporado aos rituais de origem e 
influência africana. 
No culto afro-brasileiro a composição da bebida jurema, antes apenas in-
dígena, passou a ser conhecida como vinho da jurema e, outros ingredientes fo-
ram acrescentados além da cachaça e o mel; o vinho tinto, o pó de guaraná, a 
rapadura, canela, cravo-da-índia, gengibre e dandá, também conhecido como ti-
ririca ou junca, apontando no meio acadêmico como sendo a espécie Fuirena 
umbellata Rotbb. Em alguns terreiros de nação Angola, antes de se beber jure-
ma, põe-se uma pitada de dandá na boca. O vinho e o dandá são também ser-
vidos à assistência e, acredita-se, a pessoa que bebe, sendo susceptível ao 
transe e envolvido com a crença no culto, manifesta imediatamente a incorpo-
ração do espírito de um caboclo. Enquanto a bebida é servida, cantam-se hinos 
em homenagens às divindades cultuadas e, juntos, o dandá e a jurema acele-
ram o processo do transe. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
66 
Zanini & Oga 25 afirma que o vinho da Jurema produz efeitos semelhantes 
aos do LSD 25 e de outras drogas desse grupo, porém reconhece que seu uso 
não causa dependência física ou psíquica e seu abandono não causa síndrome 
de abstinência. Logo não é tão semelhante assim. Há uma tendência acadêmi-
ca de se classificar qualquer tipo de transe, produzido por ou com a ajuda de 
elementos químicos, mesmo que naturais, como sendo mera ação de uma 
substância alucinógena. 
No transe hipnótico produzido em diferentes rituais, com uso de substân-
cia química ou não, inclusive aqueles provocados apenas por estímulo dos sen-
tidos normais como a visão, a audição e o tato, entre seus efeitos podem ser 
observados a ocorrência de alterações do humor, com euforia e depressão, an-
siedade, distorção de percepção de tempo e espaço, forma e cores e alucina-
ções visuais. A esses sintomas, algumas vezes, são acrescidas idéias deliran-
tes de grandeza ou perseguição, despersonalização, midríase, hipertermia no 
tórax e cabeça associado à hipo-termia nas extremidades das mãos e pés. 
Em rituais religiosos, quando provocam transes, pode ser observado além 
das alterações de senso-percepção, delírios e visões que correspondem à 
crença praticada. A descrição desses efeitos, narrados pelos participantes, são 
induzidos e desenvolvidos pelas sugestões prévias embutidas na cultura religi-
osa. Por isso, freqüentemente, esses efeitos são entendidos como experiências 
místicas, visões e êxtases. 
O Candomblé de Caboclo associado ao Kadercismo cria também a 
Umbanda, que admite a manifestação de espíritos de pessoas mortas. Os 
cânticos para os orixás, atabaques e jogos de búzios, naturais do rito africano, 
são substituídos por práticas desenvolvidas na Europa como sessões de passe 
com a imposição das mãos e consulta aos espíritos através de médiuns. A 
Umbanda mistura tradições religiosas africanas, indígenas e católicas, além dos 
orixás, cultuam o caboclo, o preto-velho e espíritos dos antepassados que 
servem de guias ou conselheiros aos fiéis. 
As rezas e as bênçãos, praticadas pelas rezadeiras e benzedores, 
também podem exercer efeitos hipnóticos, ou pelo menos são de grande poder 
sugestivo. O benzimento é uma forma antiga no tratamento de várias doenças, 
utilizado desde a idade média na Europa. No Brasil, além da reza tradicional, 
alguns benzedores indicam para reforçar o efeito de cura o uso de plantas 
como amuletos protetores, ou preparam e receitam chás, garrafadas, banhos e 
ungüentos, dando assim origem ao termo raizeiro ou curandeiro, conhecido 
também como feiticeiro ou milagreiro. Estes são proscritos pela medicina oficial 
e amaldiçoados pela religião dominante, além de mantidos à margem da lei. 
Parece que quanto maisuma civilização evolui e a ciência oficial se 
desenvolve, mais a figura do curandeiro se faz presente e mais numerosos e 
populares são os adivinhos, os videntes, as cartomantes e todas as 
 
25 ZANINI, A C. & Oga, S. Farmacologia aplicada, pesquisa USP, S. Paulo, Atheneu Ed. 1979. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
67 
metamorfoses e alterações semânticas, envolvendo antigos e novos mitos e 
suas associações com o transe hipnótico. 
Padres hipnotistas 
Na Europa, por volta de 1770, um Padre católico de nome Johann Joseph 
Gassner (1727-1779) que viveu em Klosters, no sul da Alemanha, atribuía às 
doenças a possessão demoníaca. Se hoje as doenças são, para grande parte 
da humanidade, atribuídas às forças malignas, isso era pensamento padrão no 
século XVIII. Nessa época os doentes eram simplesmente entendidos como 
possuídos pelos demônios e Gassner divulga a crença de que podia curar os 
enfermos. Em milhares de pessoas, por sugestão hipnótica induzia curas 
espetaculares e, para assegurar-se da aprovação da igreja, aplicava seu 
método de tratamento como se fosse processo de exorcismo, obtendo o 
consentimento para suas ações através da afirmação de que Deus estava 
agindo através dele. 26 
Gassner aparecia de forma teatral à sua clientela vestido todo de preto, 
de braços estendidos, segurando um grande crucifixo de ouro cravejado de 
diamantes; usava ambiente solene, decorações lúgubres e falava em latim com 
voz cava e não fazia segredos de seus métodos. Freqüentemente permitia que 
médicos observassem sua prática, os quais se apresentavam para observá-lo 
em ação e eram conduzidos na Igreja a uma sala parecida com um pequeno 
teatro onde se acomodavam. Então o doente era posicionado numa espécie de 
palco para esperar o Padre. Com o objetivo de melhorar ainda mais o 
espetáculo, no timing de sua entrada, Gassner caminhava até a plataforma 
através de um longo promontório negro, segurando o crucifixo com a mão 
estendida ao alto. Ao ser tocado pelo crucifixo o doente entrava em estado 
cataléptico. Isto era o primeiro passo para expelir todas as formas de mal 
existentes em quem se sentia possuído. 
A catalepsia é um estado que envolve a súbita suspensão da sensação e 
da volição, bem como a paralização parcial das funções vitais. Ocorre, ao 
mesmo tempo, queda acentuada da pressão arterial e dos batimentos 
cardíacos, resfriamento das mãos e dos pés, além de profunda palidez, o corpo 
se torna rígido, ficando com a aparência que pode ser confundida com uma 
pessoa morta. O estado cataléptico é provocado por emoções fortes decorrente 
de grande expectativa prolongada por horas seguidas, um susto ou um medo 
violento. Dependendo da técnica de indução e do nível de suscetibilidade ao 
transe, algumas pessoas hipnotizadas alcançam rapidamente este estado. 
Todos eram instruídos a “morrer” quando tocados pelo Padre e, enquanto 
“jaziam” prostrados ao chão, Gassner expulsaria os demônios de seus corpos 
devolvendo-lhes a vida normal. Depois que algum médico examinava o 
paciente, não sentindo pulso, não ouvindo batidas do coração declarava-o 
 
26 Manifestações de possessões demoníacas e procedimentos exorcistas, a Igreja Católica ad-
mitiu em determinadas épocas, em outras não. Paulo VI eliminou a figura do exorcista, que foi 
recuperada, no entanto, por João Paulo II (N. do A.). 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
68 
como morto, então o Padre ordenava que o demônio partisse e, logo após, o 
paciente “ressuscitava” e levantava-se completamente curado. 
Quando o doente era trazido, antes de empregar o exorcismo, Gassner 
fazia um teste para certificar-se de que a doença era atribuída ao demônio; a 
prova, na verdade um teste de suscetibilidade hipnótica, consistia 
essencialmente numa fórmula de conjuração que ele fazia acompanhar do sinal 
da cruz. Se o demônio não respondesse através de crises convulsivas a três 
invocações seguidas, concluía ele que a doença era de origem natural e 
deixava para os médicos curar, caso afirmativo iniciava a sua própria sessão de 
cura. Karl Weissmann 27 descreve uma dessas sessões, realizada por volta de 
1774, na qual foi hipnotizada uma jovem de nome Emilie, e relata o método 
utilizado: 
Entrando de maneira dramática no aposento, o Padre Gassner tocou a 
jovem com o crucifixo, e essa, como que fulminada, caiu ao chão em 
estado de desmaio. Falando-lhe em latim, a paciente reagiu 
instantaneamente. À ordem - Agitatur bracium sinistrum - o braço 
esquerdo da jovem começou a mover-se numa crescente velocidade. E ao 
comando - Cesset - o braço se imobilizara, voltando à posição anterior. Ato 
contínuo, o Padre lhe sugere que está louca e a jovem com o rosto 
horrivelmente desfigurado, corre furiosamente pela sala, manifestando 
todos os sintomas característicos da loucura. Bastou a ordem enérgica - 
Pacet - para que ela se aquietasse como se nada houvesse ocorrido de 
anormal. O Padre Gassner nesta altura lhe ordena falar em latim, e a 
jovem pronuncia o idioma, que normalmente lhe é desconhecido. 
Finalmente, ordena à moça uma redução nas batidas do coração. E o 
médico presente constata uma diminuição na pulsação. Ao comando 
contrário, o pulso se acelera, chegando a 120 pulsações por minuto. Em 
seguida, a jovem, estendida no chão, recebe a sugestão de que suas 
pulsações se iriam reduzir cada vez mais, até cessarem completamente. 
Seus músculos seriam relaxados totalmente e morreria, ainda que apenas 
temporariamente. E o médico, espantado, não percebendo sequer 
vestígios de pulso ou de respiração, declara a jovem morta. O Padre 
Gassner sorri confiantemente. Bastou a ordem sua para que a jovem 
retornasse gradativamente à vida. E com o demônio devidamente expulso 
de seu corpo, a moça, sentindo-se como nascida de novo, desperta e 
agradece sorridente ao Padre o milagre de sua cura (WEISSMANN). 
 
27 WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958. 
Karl Weissmann (1911 a 1981), austríaco naturalizado brasileiro, escreveu apenas um livro e 
se tornou muito conhecido e citado no Brasil quando o tema é Hipnotismo. Desde a primeira 
edição, em 1958, o livro é reimpresso com títulos ligeiramente diferentes, porém sem 
alterações no seu conteúdo. Em sua autobiografia Weissmann diz que foi hipnotista de palco 
e de gabinete e que trabalhou, na década de 50, como psicólogo na Penitenciária de Neves, 
no Estado de Minas Gerais (N. do A.). 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
69 
Lorenzer 28 descreve também, passo a passo, a sessão com Emilie. 
Gassner começava advertindo que ela podia depor sua confiança em Deus e 
em Cristo, cujo poder supera a força do demônio e a isso seria atribuída a sua 
cura. Emilie senta-se numa cadeira em frente ao Padre e ele pronuncia as 
seguintes palavras em latim (para este autor, Emilie entendia latim): 
Praecipio tibi in nomine Jesu, ut minister Christi et ecclesiae, veniat agitatio 
brachiorum quam antecedenter habuist - Nisso as mãos de Emilie 
começaram a tremer. Gitentur brachia tali paroxysmo qualem antecedenter 
habuisti - Ela afundou na cadeira para trás e estendeu com inteira 
impotência os dois braços. Cessat paroxysmu - Levantou-se de repente de 
seu lugar e parecia saudável e serenamente alegre. Paroxysmus veniat 
interum vehementius, ut ante fuit et quidem per totum corpus - A crise 
começou de novo. As pernas se levantaram até a altura da mesa, dedos e 
braços ficaram rígidos e dois homens fortes não puderam dobrar seus 
braços, além dos.olhos que ficaram abertos, mas estavam revirados. 
Tremat ista creatura in toto corpore - Tremor no corpo todo. Hebeat 
augustia circa cor - Emilie levantou os ombros, abriu os braços, virou os 
olhos de maneira assustadora, desfigurou a fisionomia e seu pescoço 
entumesceu. Sis quasemortua - Sua fisionomia ficou com palidez mortal, 
sua boca abriu-se amplamente, os olhos perderam aquela expressão, o 
pulso ficou tão fraco que o cirurgião presente dificilmente pode senti-lo. Sai 
irata omnibus praesentibus - Ela ficou encolerizada contra todos os 
presentes (cerca de vinte pessoas). Surgat de sella et aufugiat - Depois de 
um momento levantou-se de sua cadeira e foi para a porta. Sit 
melancholica, tristissima, fleat - Ela começou a soluçar e lágrimas 
desceram pela face. Apertis oculis nihil videat - Daí em diante passou a 
responder perguntas. De olhos abertos, dizendo nada ver, e assim por 
diante (LORENZER). 
Finalmente Gassner procedeu ao exorcismo e, depois disso, deu algumas 
instruções a Emilie de como ela própria poderia proteger-se da enfermidade, 
afirmando que possuía o dom de transmitir esta aptidão às pessoas que 
tratava. Ao deixá-la explicou aos presentes que tudo o que havia ocorrido só 
acontecera através da graça de Deus e só devia servir ao reforço e glorificação 
do evangelho. 
Não só através da utilização de métodos e aplicações de técnicas 
hipnóticas as pessoas eram induzidas a admitir estarem possuídas pelos 
demônios, para isso também contribuía a própria crença que associava as 
doenças aos “maus espíritos”. Aqueles que se sentiam com o “diabo no corpo” 
vinham ou eram trazidos ao Padre para que ele o expulsasse. E com o demônio 
devidamente expulso a pessoa agradecia, na igreja, o milagre de sua cura. Não 
resta dúvida de que Gassner era um perito hipnotista e que hoje, já passados 
quase três séculos, o seu método, ligeiramente modificado, ainda surte efeitos 
em muita gente. 
 
28 LORENZER, Alfred. Arqueologia da psicanálise: Intimidade e infortúnio social (Trad. Wilson 
de Lyra Chebabi), RJ, Zahar, 1987. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
70 
Gassner deu início à sistematização de induções ao estado de transe 
hipnótico associando a idéia do exorcismo. Primeiro era expressamente 
induzido por sugestões o estado possesso para depois ser, também por 
sugestão, exorcismado. O método de indução era reforçado pela solenidade do 
ambiente, na fé, na crença ao sobrenatural, e na expectativa em torno do 
acontecimento; tudo isso junto criava uma atmosfera propícia para o transe 
imediato. As técnicas utilizadas eram bem próximas das atuais; o retorno do 
transe, disfarçado como exorcismo, era previamente anunciado de forma lenta 
e enfática. Acreditando ter se livrado do demônio, os pacientes ou fiéis também 
acreditavam na sugestão subjetiva pós-hipnótica e comportavam-se como 
quem se livrou, por assim dizer, da doença. Sem dúvida, nestes casos a cura, 
para grande maioria dos males, realmente acontecia. 
Algumas sessões de hipnose realizadas por Gassner eram coletivas, tinha 
como objetivo o exorcismo de pequenos demônios, os quais, embora 
freqüentemente instalados nas pessoas, não resistiam à expulsão em bloco. A 
técnica consistia em formar uma fila e, após a explicação do que deveria 
ocorrer, sobre a cabeça da primeira até a última pessoa, rapidamente passava 
um pequeno e espesso manto preto e, como que fulminados todos caíam para 
trás. Ato contínuo o Padre retirava do transe aqueles que permaneciam mais 
profundo sob alegação que seriam libertados do mal. 
M. Lecron 29 lembra que a hipnose de massa geralmente ocorre de forma 
indireta ou dissimulada e que sua utilização é possível, entre outras 
oportunidades, em alguns cultos e ritos de caráter religioso conforme sinaliza: 
“Em muitas cerimônias religiosas, especialmente se houver música e ritual, 
muitos dos presentes ficarão em estado de hipnose espontânea”. Em alguns 
casos, podem os líderes ou dirigentes apresentar-se com perfil de 
comportamento assemelhado ao do Padre Gassner e a aplicação do método 
hipnótico varia apenas no grau de intensidade e no vocabulário que é adaptado 
à época e ao ato religioso. 
A pesquisa identificou através de observações in loco algumas situações 
equivocadas ou dissimuladas e, por isso, consideradas como manifestações de 
espíritos ou demônios. Todos os casos analisados foram interpretados como 
apenas induzidas por sugestão e, para se chegar a essa conclusão, foi 
constatada a presença da hipnose nas “manifestações”. Os transes foram 
produzidos através de métodos hipnóticos e técnicas de induções, mesmo que 
ligeiramente adaptado. 
Foi identificado como sendo uma das técnicas mais utilizadas o 
procedimento do hipnotizador (condutor do ritual). Como exemplo, o fato de 
colocar uma das mãos na testa e a outra na nuca ou no alto posterior da 
cabeça do hipnotizado (adepto à religião), efetuando pequenos e enérgicos 
movimentos circulares, enquanto induziam verbalmente a sugestão direta do 
 
29 LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., RJ, 1979. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
71 
comportamento que espera. O veículo para a aplicação do método hipnótico 
reside na fé dos participantes que, no decorrer do processo, representam 
sintomas e comportamentos induzidos através de sugestões durante o transe, 
ou posterior, através de sugestões pós-hipnóticas. 
Entre as sugestões pós-hipnóticas observadas estão aquelas que 
induzem o hipnotizado à dependência de continuar participando e colaborando 
com o processo desenvolvido nas reuniões ou sessões; afirmam efusivamente 
que para ele ficar livre definitivamente do problema que o atormenta deve 
voltar, com regularidade de freqüência, a prática que acabara de experimentar 
e ou alertam para o dever de colaborar com a continuidade da organização ou 
da obra religiosa onde a tal prática foi realizada. Essas sugestões pós-
hipnóticas geralmente se transformam em ações compulsivas e, portanto, 
inconscientemente cumpridas. 
Para melhor análise da produção do transe hipnótico em meio de um ritual 
de cura religiosa, pode ser interpretado como transcorre uma reunião ou sessão 
com estas características. Geralmente inicia com um dirigente que fala com 
emocionada oratória, voz cava, vocabulário repetitivo e monótono (técnica de 
Liébaut), dirigindo-se às pessoas que ficam de pé e com os braços levantados. 
Após a introdução inicial, os mais suscetíveis começam a balançar o corpo de 
forma oscilatória, o que indica alto grau de suscetibilidade hipnótica. Nesta fase, 
alguns auxiliares identificam quem mais oscila e, imediatamente, entram em 
cena dando início à indução hipnótica direta e individual, falando mais ou 
menos assim: “Sai demônio... Manifeste... Apareça... Não resista...”. O demônio 
é primeiro induzido para depois ser exorcizado e, tudo não passa de sugestão 
hipnótica. 
Os mais suscetíveis entram em rigidez cataléptica, ficando com os dedos 
contorcidos e sem movimentos, não propensos a falar, apenas respondem 
resumidamente o que lhes for perguntado, às vezes se contorcendo ou 
tremendo o corpo e, se o nível de transe hipnótico for profundo, os olhos ficam 
brancos; tudo isso são características clássicas do transe. Nesta fase é 
possível observar a sintomatologia dos diferentes graus de aprofundamento da 
hipnose. E, desta forma, o dirigente da sessão daria continuidade ao processo, 
aplicando as sugestões hipnóticas e pós-hipnóticas que garantam os objetivos 
esperados. 
Um Padre católico famoso por produzir transes hipnóticos foi Francis 
MacNutt. 30 Empenhado no processo da renovação carismática da Igreja 
católica, ele e uma equipe de dez Padres, além de vários auxiliares, 
empreenderam, por volta de 1970, curas através de orações e imposição das 
mãos, sobre os doentes, nos quatro cantos do mundo. Principalmente nos 
Estados Unidos, na Inglaterra, na Colômbia, no México e várias nações 
africanas. 
 
30 MACNUTT, Francis O. P. O Poder de Curar, (titulo original: “The power to heal”, (Trad. C. F. 
de Andrade) S. Paulo, Edições Loyola, 1980. 
AntonioAlmeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
72 
Pelas descrições de MacNutt fica evidente que ele desencadeava transes 
hipnóticos coletivos. Antes do início das sessões, se dirigia ao público 
explicando como aconteceria o milagre da cura. Falava que o poder curador de 
Jesus penetraria em cada célula do corpo de cada um e que a força do Espírito 
Santo vinha promover a cura assim que ocorresse, durante a prece, a 
imposição das mãos. Diz que o contato dele com a pessoa doente era uma 
espécie de reforço para a prece, que tinha poder em si mesmo; e que os toques 
com as mãos falavam mais forte do que as palavras. Fato é que em média de 
40% das pessoas, minutos após a pregação, eram tacadas e caíam no chão 
permanecendo como mortas. Quando retornavam ao estado normal, diziam-se 
curados de suas doenças. Descrevendo o que acontecia nas sessões, MacNutt 
diz que “o poder do Espírito Santo, enchia de tal forma a pessoa com uma 
consciência íntima elevada e, por isso, a energia do corpo desfalecia a ponto da 
pessoa não poder ficar em pé”. 
Na história da Igreja católica são comuns relatos sobre o transe hipnótico 
usando a expressão “arrebatado em êxtase”. A palavra êxtase vem do grego 
(ekstasis) e se refere ao espírito que é “levado para fora do corpo”, expressão 
sinônima de “morrer no espírito”. Os Padres católicos, Charles e Frances 
Hunter, companheiros da equipe de MacNutt, empregavam para definir o transe 
a expressão “cair sob poder”. Mas, MacNutt trata de se afastar destas 
expressões, passando aceitar “ser dominado pelo espírito” como correto para 
definir o processo hipnótico que deflagrava. 
Já que a maioria das pessoas que sente esse fenômeno narra que estão 
mais vivos do que nunca interiormente, prefiro não falar dele como “morrer 
no Espírito” que só se refere à parte externa do corpo que cai no chão. É 
exatamente o contrário de ser “morto”; assemelha-se mais a um excesso 
de vida tal que o corpo não agüenta. Por isso estou evitando a palavra 
“morto”, que conota violência. Com estas questões na cabeça, Padre 
Michel Scanlan e eu discutimos o nome melhor para dar a esse fenômeno. 
Chegamos à conclusão de que iríamos nos referir a ele como “ser 
dominado pelo Espírito”. Este termo designa de modo mais adequado o 
que realmente acontece (MACNUTT). 
MacNutt não se conforma totalmente com a expressão “ser dominado pelo 
Espírito” e, no verão de 1975 quando esse fenômeno começou a se produzir 
numa assembléia católica na Inglaterra, Monsenhor Jon O’Connor sugeriu que 
os ingleses iriam entender e aceitar o fenômeno, se o chamassem de “um 
toque de dominação”. E, essa expressão ficou. 
Tentando justificar os acontecimentos e o significado do transe, MacNutt 
cita como uma santa da Igreja católica o descreveu, diz que “existe 
maravilhosa descrição do repouso no espírito, empregando exatamente estas 
palavras, de Santa Brígida da Noruega”. Faz referencia a Santa, atribuindo 
como sendo suas as palavras: 
Oh! Suavíssimo Deus, qual estranho o que me fizeste! Porque Tu puseste 
a dormir meu corpo e acordastes minha alma para ver, ouvir e sentir as 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
73 
coisas do espírito. Quanto Te apraz, Tu ordenas a meu corpo que durma, 
não com um sono corporal, mas com o repouso do espírito, e minha alma 
Tu a acordas como de um transe para ver, ouvir e sentir com as forças do 
espírito (Santa BRÍGIDA da Noruega apud MACNUTT). 
MacNutt escreve uma espécie de receituário para produzir curas, através 
de preces e imposição das mãos, durante a liturgia católica ou fora dela. Insiste 
sobre a importância da repetição da prece por várias vezes até a saturação, 
afirmando que a imposição das mãos e os toques são fundamentais para que o 
fenômeno ocorra e produza cura. Descreve, com detalhes, centenas de casos 
nos quais eram produzidos transes hipnóticos e seus resultados curativos, 
obviamente para ele “obra e graça do Espírito Santo”. Sem dúvidas, ele muito 
contribuiu para as práticas hipnóticas nas novas igrejas que se organizam e se 
espalham pelo mundo a partir de 1980. 
Nas sessões de hipnotismo com se fossem apenas rituais religiosos, curas 
podem ser induzidas e apresentam resultados satisfatórios, disso não se 
duvida, mas é contestável a explicação sobre o procedimento e sobre a forma 
como foi produzido o transe. Essas explicações são propositadamente 
distorcidas ou, no mínimo, equivocadas como foram nas sessões realizadas por 
Gassner, MacNutt e seus seguidores. Mas, seja qual for a justificativa, curas 
podem ocorrer pelo fato de as pessoas suscetíveis serem mais propensas às 
doenças psicossomáticas; assim como as adquirem por sugestão, com a 
própria sugestão se curam. 
A técnica curativa através da imposição das mãos é muito antiga e 
provavelmente sempre foram de natureza hipnótica. Era conhecida e 
empregada como meio de cura pelos magos da Caldéia e se propagou das 
Margens do Eufrates ao Egito e à Índia. Depois dos sacerdotes de Isis, os 
padres do Deus dos Judeus foram seus depositários e os cristãos o herdaram 
deles. Da Grécia passou a Roma, e de Roma para Gálias de onde migraram 
para o mundo (A. Tesle 1845, apud Alphonse Bué, Magnetismo Curador, 1919). 
No século XVIII Mesmer, não só pratica esta técnica como também teoriza, 
inova e espalha por toda a Europa com uma nova justificativa. Posteriormente 
sua fórmula foi amplamente apropriada e adaptada por outras crenças que 
também praticam a cura pela fé. 
A prática da imposição das mãos também é muito praticada no oriente de 
onde migra para o ocidente com o nome de reiki. Foi redescoberta no final do 
século XIX por Mikao Usui num livro budista tibetano de 2.500 anos, em Kioto, 
no Japão. Reiki significa Energia Vital Universal, seus adeptos a definem como 
uma energia dourada, sagrada e curativa que passa através das mãos do 
doador para o receptor. 
Quem pratica Reiki acredita que o receptor suga a quantidade de energia 
que lhe falta, mas quem dá não está passando a própria energia e sim servindo 
de canal da energia universal. Segundo a crença, a prática do Reiki amplia a 
consciência, relaxa, ameniza o estresse, fortalece corpo e mente, promove o 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
74 
crescimento espiritual, aumenta o poder de observação, a auto-estima, a 
autoconfiança, o espírito de caridade, diminui e anula dores e aumenta a 
criatividade. Nas igrejas messiânicas também se pratica a imposição das mãos 
como meio de cura e, é conhecida como Jorei. 
O transe hipnótico aparece camuflado, mesclado ou associado com 
diferentes ou tradicionais liturgias. O transe foi e é produzido associado com 
idéias de demônios, anjos, arcanjos, espíritos desencarnados, santos ou 
deuses. Essas idéias não desapareceram, pelo contrário, está presente em 
algumas práticas que ganham popularidade a cada dia. 
Os primeiros registros de hipnose associado à idéia de anjos ocorreram 
por volta de 1840, na Alemanha. Sob a orientação de seu hipnotizador 
Alphonse Cahaganet, a sonâmbula Adèle Marginot em transe descrevia estar 
vendo e ouvindo anjos, narrava o que acreditava como sendo conselhos do 
além para o bem da humanidade. Cahaganet, com base em Adèle, editou, em 
1847, o livro Os Arcanjos da vida futura revelada. Notáveis também foram os 
transes do sonâmbulo de Prevost, cidade alemã onde viveu Frédérique Hauffer. 
Seu hipnotizador Justinus Kerner publica, em 1829, como transcorriam as 
sessões e como Hauffer em transe descrevia situações envolvendo anjos, 
arcanjos, conselhos e adivinhações de vida futura. 
Em 1847 nos Estados Unidos da América, a família Fox, representa a 
transição entre a fase de anjos e demônios para a fase dos espíritos 
desencarnados, seja nas sessões de sonambulismo ou no meio de rituais 
religiosos. O fato, que passou a ser entendido como uma comunicação com 
espíritos de pessoas mortas, serviu de base para, em 1850, desenvolver 
experiências com “mesas girantes” e, por conseqüência, o Kadercismo que 
surge afirmando uma nova concepçãode cura. 
Hipnose e reencarnacionismo 
A observação participativa revelou também outra forma de terapia que uti-
liza a hipnose associada ao conceito reencarnacionista, é a que utiliza a estra-
tégia da regressão a vidas passadas. A possibilidade de vida e morte serem 
mais do que processos biológicos, a existência da alma e a idéia de viver várias 
vezes são temas que agitam discussões filosóficas e religiosas desde tempos 
remotos. O problema é que não existem provas contundentes negando ou afir-
mando tais conceitos, isso leva os pesquisadores para o campo das divaga-
ções, ao andar sem rumo por um percurso com voltas e sinuosidades que con-
duzem ao raciocínio caótico ou a conclusões dogmáticas. 
Algumas pessoas hipnotizadas, em sessões envolvendo regressão de i-
dade, descrevem situações como se estivessem vivendo em outra época ou em 
outra vida e, de fato, após o transe ocorrem melhorias e até curas, a isso se 
convencionou chamar de TVP - Terapia por vidas passadas. Este processo po-
de ser analisado pela hipótese da fantasia do inconsciente ou da reencarnação. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
75 
Embora essa última possa ser descartada quando o caso apresenta exagero ou 
incoerência ou é de propósito mistificado. 
Para hipnotizar é necessário convencer, mas convencer não significa mis-
tificar enganosamente, é bom sempre lembrar que se argumentos sérios não 
estão ao alcance, algumas pessoas podem convencer outras através do dog-
ma, do mistério, do mito e da magia. A sociedade, na sua maioria, mesmo 
quando se observa bom nível de escolaridade, está mais apta a ser convencida 
com argumentação excêntrica e rodeada de ocultismo do que com explicações 
sérias e lógicas. Assim, mistificar é o caminho mais fácil, embora não ético, pa-
ra personagens que vendem milagres ou, de alguma forma, exploram a fé pú-
blica. Aí entram algumas técnicas hipnóticas, que podem até ter função tera-
pêutica, mas mistificadas como se fossem curas realizadas por forças ocultas; 
vidas passadas, espíritos, santos, anjos, etc. 
As práticas de TVP geralmente ocorrem em ambiente solene, os 
participantes são convidados para uma sessão de “ocultismo”, onde se 
processará “regressões para outras vidas”, portanto, chegam pré-
sugestionadas. Algumas dessas apresentações podem ser descritas através 
dos procedimentos padrões como em um ambiente de pouca luz e 
invariavelmente música suave, onde nota-se a presença de um palestrante, que 
é um hipnotista, sempre acompanhado de mais um ou dois parceiros. Inicia a 
sessão apresentando seus “currículos”, recheados de cursos e experiências 
espirituais, fala de força, luz e energia, quando não dizem logo que são 
envolvidos com situações extraterrestres. Após se elogiarem mutuamente 
estabelece na platéia a expectativa e a fé, dois passos decisivos para a indução 
hipnótica, e anunciam suas “convicções”. Afirmam que na memória de cada um 
dos presentes estão arquivadas todas as lembranças de outras vidas, que 
podem ser localizadas e revividas, e se propõem a por em pratica sua teoria. 
De forma proposital o transe hipnótico pode ser mascarado como se fosse 
regressão a uma vida passada e não se dá oportunidade do inconsciente do 
hipnotizado criar suas próprias fantasias, essas são induzidas de forma incisiva 
pelas sugestões proferidas pelo hipnotista. 
Para realizar a sessão de TVP, após alguns testes de suscetibilidade, 
pede-se que todos fechem os olhos, respirem fundo e se preparem para as 
“lembranças” (técnicas hipnóticas). Pede-se ainda que um dos seus parceiros 
fale em uma língua estranha e supostamente antiga que aprendera em uma de 
suas “experiências”. Aí se ouve uma série de sons, pronunciados como se 
fosse um idioma desconhecido. O tom da voz é cava, suave e repetitivo (o 
método). 
O hipnotista pergunta o que aconteceu enquanto decorreu a experiência; 
quem experimentou alguma emoção mais forte como arrepios, calor, alegria ou 
tristeza. Para aqueles que respondem positivo a esse último teste, será 
concentrado o processo de indução, pois esses são decididamente suscetíveis. 
Pede-se que novamente fechem os olhos e é repetida a fala como se com ele 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
76 
estivesse conversando o suscetível e, após alguns segundos, estes iniciam a 
falar também sons parecidos com os produzidos pelo seu indutor. 
A fala se transforma em cântico e, o hipnotista, inicia movimentos de 
dança (sugestão indireta) e é imediatamente seguido por imitação. Os idiomas 
são atribuídos às civilizações extintas e desconhecidos, quando não é de outro 
planeta, porque se induz também nessas sessões a presença de seres de outro 
mundo! O pseudo-idioma facilita porque não seria o indutor, nem o induzido, 
obrigado a conhecer outra língua. O orador anuncia a consumação da 
regressão a uma época remota cujo dialeto não se conhece. 
Nas sessões de TVP a saída do transe é feita da forma convencional, 
efetuando-se a técnica da contagem de um a três ou cinco, com sugestões pós-
hipnóticas de bem-estar, cura, paz, felicidade etc. Não se pode deixar de 
reconhecer que, mesmo nestes casos, os efeitos da sugestão pós-hipnótica são 
eficientes, isto é, o ”regredido” retornará feliz do transe, quando não curado de 
um mal psicossomático, através das sugestões pós-hipnóticas que lhe são 
aplicadas. 
Os que passam pela experiência de assumir outras personalidades ficam 
fascinados quando sabem que revelaram ter vivido como alguém bem diferente, 
longe de seus hábitos e da sua própria história de vida. Com esse processo, a 
maioria resolve problemas psicológicos ou de saúde que a medicina ou a 
terapia convencional não deram conta de sanar. 
Mesmo que idéias reencarnacionistas não façam parte da crença religiosa 
ou filosófica de quem pratica TVP, a eficácia da terapia estará garantida. 
Mesmo que as imagens, sensações e sentimentos despertados durante o 
processo não sejam lembranças reais, e sim formas simbólicas representativas 
do inconsciente, elas cumprem a função de trazer à tona problemas mal 
resolvidos e traumas reprimidos. Para efeito terapêutico não faz diferença se as 
memórias reveladas são verídicas ou não passam de elaboração mental. 
A mente cria dramas que ajudam a enfrentar diferentes situações. Nesta 
linguagem inconsciente os problemas são tratados metaforicamente, e não de 
forma direta. Para criar essas metáforas, a mente recorre a todos os seus re-
cursos disponíveis, lembranças praticamente perdidas, imagens de filmes, tre-
chos de conversas conscientemente esquecidas e até situações traumáticas 
apagadas da consciência. 
A maioria das doenças tratadas com sucesso pela “regressão”, faz parte 
das que se manifestam a partir de “gatilhos emocionais”. São psicossomáticas 
e, de uma maneira ou de outra, reagem, a determinadas situações emocionais 
e, é a “regressão” um potente veículo que o inconsciente encontra para mani-
festar emoções e produzir cura. 
Vários livros que tratam de TVP relatam casos que são, em síntese, um 
preâmbulo de indução e finalizam descrevendo um método indiscutivelmente 
hipnótico. Geralmente quem lê esse tipo de livro, que bem podem ser 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
77 
nomeados de Hipnoterapia por Regressão, sendo suscetível a hipnose revela-
se um sucesso nas sessões de regressões, pois já chegam pré-hipnotizados, 
podendo por isso até espontaneamente entrar em transe, o que para acontecer 
só depende da atmosfera gerada na sessão e pelo ritual criado para que isso 
se estabeleça. 
Por mais que pareça não existirem elementos suficientes para negar, 
algumas situações aceitas como reencarnações espíritas não passam de 
simples transe hipnótico. É preciso que não se descarte as possibilidades 
explicativas normais, evitando a tendência imediata de acreditar na 
transcendência do ser humano que, parece, na sua essência ir além do corpo 
físico. A análise dessas ocorrências deve ser com neutralidade de valores, mas 
asrespostas, em sua maioria, ficam comprometidas aos dogmas religiosos e a 
convicção pessoal de quem analisa. Para muitos não cabe explicação e sim 
aceitação, porque tem por base revelação doutrinária ou intuitiva e, isso 
pertence a cada indivíduo em particular. 
Algumas situações despertam mais questionamentos, mas geralmente 
quando a regressão antecede o nascimento, a análise e observação indicam 
que, de certa maneira, os fatos descritos foram acontecidos na própria vida do 
hipnotizado e podem ser percebidos, de forma subjetiva ou sutil, pelo hipnotista. 
Parece que na representação da TVP, o hipnotizado inconscientemente revela 
o seu próprio desejo, problemas ou conflitos, através de um ideário simbólico e 
fantasmagórico elaborado pelo seu inconsciente e ou induzido pelo hipnotista. 
O inconsciente é um perfeito gravador, ao qual nada escapa, em qualquer 
fase da vida, registra tudo e nada esquece. Essa afirmação é antiga, 
Swedenborg (1688-1772) já apontava o que hoje é incontestável. Tudo aquilo 
que o homem ouve, vê e sente de qualquer modo, fica alojado como idéias ou 
sensações e afins em sua memória, ás vezes sem que se tenha conhecimento 
disso; e tudo aí se conserva sem nada se perder, ainda que as lembranças 
fiquem obliteradas em sua memória. Nela também se acham inscritos todos os 
fatos particulares e íntimos que em qualquer tempo pensou, falou ou fez. 
Alguns desses fatos aparecem na lembrança como uma sombra e, não importa 
se ocorreram na sua primeira infância ou na sua extrema velhice. 
Em transe as lembranças, mesmo àquelas obliteradas, afloram com 
detalhes, às vezes claras, às vezes envoltas em fantasias. Por esta ótica pode 
ser entendido o que acontece quando alguém afirma sentir a sensação de já 
conhecer algo que se vê pela primeira vez. Esse fato conhecido como déja-vu 
(Já visto) ocorre inclusive em sonhos repetidos, mas em ambos os casos as 
imagens podem ser informações contidas no inconsciente sem a lembrança 
consciente. É freqüente o caso de pessoas que, chegando a determinado lugar, 
declaram que já o conhece sem nunca terem estado lá. Na linguagem da 
parapsicologia isto é conhecido como Pantomnésia. 
Em princípio, os casos de regressões obtidos com hipnose não revelam 
verdadeiramente vidas passadas, trata-se da imaginação fantasiosa do 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
78 
inconsciente do hipnotizado, é como um déja-vu. “Nada é eliminado no 
inconsciente, nada é superado ou esquecido” (Freud, A interpretação dos 
sonhos), as lembranças despertadas e permitidas pela hipnose podem 
aparecer às vezes atreladas a fantasias que funcionam como mecanismo de 
atenuação da intensidade dos traumas psíquicos. São revelações simbólicas 
dos conteúdos reprimidos. Este mecanismo inconsciente é também conhecido 
como deliriogênia, situação capaz de transformar fantasias latentes em bem 
elaborados delírios de auto-referência. 
Na regressão a vidas passadas obtida por indução hipnótica deve ser 
questionado o mérito, isto é, se realmente é uma manifestação de vida 
passada, ou é uma fantasia do inconsciente em torno de um fato real da vida do 
hipnotizado. Para isso é importante saber qual a relação entre as situações 
manifestadas durante o transe e as sugestões induzidas pelo hipnotista e, 
quando é evidente o uso da hipnose como condição para a indução, a 
explicação do fato não deve ser apenas vista sob a ótica religiosa ou mística. 
Algumas pessoas evitam se posicionar quanto à questão da presença da 
hipnose em curas religiosas, com afirmações de que o importante não é a 
explicação e sim a cura. Estes procedimentos parecem significar o desejo de 
manter alguém em equívoco, assim como não é justificável o argumento 
daqueles que não se pronunciam sobre o assunto sob alegação de que têm de 
respeitar a crença alheia. Devem sim, respeitar a crença alheia e também a sua 
própria crença, a omissão pode revelar um comportamento enganoso quando 
não oportunista. Neste tipo de sessão o próprio hipnotista não se revela como 
tal, prefere fugir do termo e tudo mais que possa identificar o processo como 
hipnótico. 
São vários os casos de regressão hipnótica que poderiam ser confundidos 
como regressão para vidas passadas. Se a regressão corresponde ao período 
de vida do hipnotizado e, no transe, este apresentar sinais de tristeza ou 
depressão, choroso, como se algo extremamente reprimido estivesse a 
incomodá-lo, porém sem declarar o que incomoda, a terapia pode ser sua 
regressão. É sugerido ao hipnotizado que ele vive em uma época antes do seu 
próprio nascimento, de modo que seu inconsciente aceite a idéia. Quando 
regredido, certamente vai dizer possuir outro nome e falar como se tivesse em 
outra vida, mas finalmente confessa o conteúdo de sua repressão, mesmo que 
através de linguagem simbólica, revela o fato que incomoda ou perturba sua 
existência. 31 
 
31 Repressão, segundo a psicanálise, é o mecanismo de defesa através do qual um impulso ou 
outro conteúdo psíquico desagradável ou inaceitável é suprimido da parte consciente da men-
te. É a retirada de idéias, afeto ou desejos perturbadores da consciência, pressionando para o 
inconsciente. Encontra-se na origem das neuroses e psicoses, mas, em certa medida é inevi-
tável como na repressão dos impulsos sexuais e de agressão, quando reprimidos permitem a 
existência civilizada da sociedade humana (N. do A.). 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
79 
É plausível concluir que as estórias contadas pelo hipnotizado, falando 
como se estivesse em outras vidas, foram apenas mecanismos fantasiosos 
encontrados pela sua inconsciência para liberar suas repressões. É como se 
outra pessoa, e não ela própria estivesse falando sobre os problemas, sem 
culpa ou vergonha imposta a ele pela moralidade, ao revelar-se, livra-se dos 
sintomas que atormentam seu dia-a-dia. E, em muitas situações, os sintomas 
podem desaparecer apenas com lembranças da própria infância, sem que para 
isso seja preciso uma regressão à “vidas passadas”. Nestes casos a 
intensidade do trauma psicológico é pequena, a pessoa hipnotizada pode 
relembrar com facilidade e superar o problema que a incomoda. 
A nova tendência da terapia por regressão hipnótica é a de que não é 
necessário, após a indução ao estado de transe médio ou profundo, nada se 
dizer, perguntar ou sugerir ao hipnotizado. Este ficará imóvel, algumas vezes 
apresentando rigidez e contratura muscular nas mãos, braços, pernas ou até 
generalizada, outras vezes com ligeiros tremores, ou ainda, em crises de choro 
ou risos. Neste estado ocorre o processo automático de curas porque assim o 
hipnotizado estará se libertando de suas repressões, refazendo seus valores e 
revendo sua vida. 
Como pressuposto básico da cura está a pré-sugestão de que, ao 
submeter-se ao processo, o hipnotizável deseja curar-se de alguns sintomas. O 
principal efeito da terapia decorre do fato de que, em transe, ele por si só entra 
contato com o seu inconsciente e enfrenta os traumas conseqüentes de 
situações que de alguma forma vivenciou. Nada de induzir regressões, nada de 
sugestões, apenas o transe hipnótico, curiosamente era isso que acontecia nas 
sessões de Mesmer, a famosa convulsão terapêutica parece que agora retorna 
como se fosse novidade para a cura através da hipnose. 
A leitura até aqui realizada talvez se ajuste e se esclareça, na proporção 
que outros conceitos e reflexões forem surgindo, se somando ou divergindo. O 
próximo capítulo apresenta os principais personagens e suas idéias, conceitos, 
teorias e práticas curativas que envolvem aplicação da hipnose e como 
aconteceu sua adaptação e readaptação diante das mudanças, na forma de 
pensar e praticar o hipnotismo, no decorrer dos séculos. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
80 
CAPÍTULO II – HISTORIA DA HIPNOSE E DA PSICOTERAPIA 
 
Do ponto de vista das terapias, influenciados pelas idéias filosóficas sobreos elementos primordiais da natureza, o grego antigo (século III a.C.) infere as 
mais fantasiosas idéias que, certamente, fortaleciam as possibilidades de curas 
por sugestão. O elemento primordial terra é decomposto e os minerais, princi-
palmente os metais magnéticos, as pedras e os cristais de rocha, lisos, simétri-
cos e brilhantes como os Astros celestes, passam a representarem poderes 
mágicos e utilizados para finalidades terapêuticas, prática hoje conhecida como 
litoterapia ou gemoterapia. 
A aplicação de pedras e cristais na terapia ocorre nas mais variadas for-
mas, como elixir, infusões ou amuletos. Seu uso no decorrer da história é adap-
tado a diferentes culturas, crenças e filosofias. Da terra principalmente se extrai 
a argila e sua aplicação passa a ser considerada como incontestável contra vá-
rias doenças. Entre os minérios o ímã era o que mais encantava. Tales de Mile-
to acreditava que o ímã possuía vida e ao exercer atração ao ferro dava-lhe vi-
da também. 
O filósofo grego Aristóteles também registra o que acreditou serem pro-
priedades terapêuticas dos ímãs naturais. O médico e escritor grego Claudius 
Galeno (129-216), no século II, acreditava que ao aplicar ímãs naturais em par-
tes do corpo, a dor ocasionada por numerosas enfermidades poderia ser alivia-
da e prescrevia o uso de metais magnéticos como remédio contra várias doen-
ças. Na Idade Média os farmacólicos transformaram minerais magnéticos em 
pó e utilizaram como elixir nas aplicações tópicas. Há relatos que a magnetita e 
hematita foram aplicadas contra enfermidades da Rainha Isabel I da Inglaterra 
por seu médico, William Gilbert de Colchester. 
Galeno foi o precursor de uma doutrina médica que prevaleceu por apro-
ximadamente mil e quinhentos anos. Defendia a teoria de que as paixões, como 
a tristeza, a raiva, a luxúria e o medo, constituem doenças e deveriam ser trata-
da como tais. O método de cura era baseado na aplicação dos metais magnéti-
cos e no uso de procedimentos contrários. Classificava as doenças e os agen-
tes medicinais em fria, quente, úmida e seca, o objetivo era facilitar a prescri-
ção; para uma doença dita quente era utilizado um tratamento dito frio. Esse an-
tagonismo de forças (quente/frio; úmido/seco), encontrado na filosofia grega 
pré-socrática, se fundamentava no pensamento de Heráclito. Essa visão tera-
pêutica vai até o século XVI e foi ensinada na grande maioria das faculdades de 
medicina. Nesse período epidemias assolavam a Europa e a população tinha 
uma pequena expectativa de vida. A utilização de técnicas terapêuticas como 
sanguessugas, sangrias, administração de vomitivos, purgativos e suadores, 
dentre outros, era largamente aceita e empregada com base em critérios muito 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
81 
frágeis. Além disso, alguns médicos não diferenciavam o método de tratamento, 
acreditando que a maioria das doenças poderia ser tratada do mesmo modo 32. 
Dentre os grandes homens sábios, filósofos e líderes religiosos que se 
dedicaram ao hipnotismo, é destaque o médico e filosofo árabe Ibn Sina (980-
1037), que no ocidente ficaria conhecido como Avicena, nascido nas 
proximidades de Bukhara morreu perto de Hamadã (atual Irã). Influenciado 
pelas idéias das primeiras escolas filosóficas sobre a importância do Cosmo na 
doença e na saúde, elaborou uma série de técnicas de indução de melhorias da 
saúde do ser humano através de sugestões. 
Avicena é considerado um dos maiores sábios do Islã, sendo reconhecido 
principalmente por seu trabalho filosófico (síntese crítica das obras de Platão, 
Aristóteles e Plotino). Já aos 16 anos, era bastante conceituado por seu talento 
como médico, tendo sido um dos grandes difusores da obra de Galeno, 
reforçando os efeitos dos metais magnéticos como elemento de cura. 
No campo da hipnose Avicena já afirmava, no século X, ser possível atuar 
fisiologicamente através da imaginação, da palavra, da vontade e da 
persuasão. Dizia também que a imaginação humana tinha poderes e força, 
através dela se poderia agir sobre o corpo humano curando os padecimentos. 
Neste sentido, afirmava que a cura é proporcional à crença e a fé. Mas, 
também exerceu notável influência na medicina moderna; foi quem primeiro 
descreveu a anatomia do olho humano e o funcionamento das válvulas do 
coração, analisou uma série de doenças como a varíola, o sarampo e o 
diabetes, formulou hipóteses de que certas moléstias eram causadas por 
pequenos organismos presentes na água e na atmosfera e elaborou vários 
procedimentos de diagnósticos. Sua obra Cânom foi leitura obrigatória no 
ensino de medicina na Europa por muitos séculos. 
Mais forte do que a crença no poder curativo do ímã era a crença no ele-
mento primordial hydro e a água passa a fazer milagres, benzida, fluidificada ou 
magnetizada é entendida como um elo entre o humano e o divino. A crença 
prestigia também o ar como mais um elemento poderoso na promoção da saú-
de e aromatizar o ambiente passa a ser a forma mais prática de sentir sua força 
e presença; o uso de incensos se faz necessário para evidenciar o ar como 
meio de invocação do sobrenatural e garantir a virtude e a saúde humana. 
O respaldo da Igreja ao pensamento filosófico implica na certeza da in-
fluencia dos Astros na vida, saúde e sorte das pessoas, isso fez surgir a medi-
cina astrológica, objeto de grande interesse científico na Europa. Tycho Brahe, 
estudioso da medicina da época, chega mesmo a elaborar uma lista de equiva-
lência entre os Astros e a saúde; ao Sol equivalia o coração, o estômago, o cé-
rebro, os nervos e o olho direito; à Lua, o braço, a cabeça, o ventre e o estôma-
go da mulher; a Vênus, o fígado, o umbigo, e assim por diante. 
 
32 DANCIGER E: Homeopatia: da alquimia a medicina. 1a ed. RJ, Ed. Xenon, 1992. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
82 
Na primeira metade do século XVI o médico, filósofo e alquimista suíço 
Aureolus Theophrastus ou Philippus Theophrastus Bombast von Hohenheim 
(1493-1541), adota o pseudônimo de Paracelso que recebeu de seu próprio pai, 
ainda jovem, o qual fazia alusão que seu filho era "superior a Celso" (Aulo Cor-
nélio Celso, famoso médico enciclopedista romano do século I), com o seu 
temperamento místico, confiava mais na intuição do que nos resultados de es-
tudos clínicos até então conhecidos e associava o poder do magnetismo com 
idéia do mundo perfeito supralunar para estabelecer novos conceitos sobre an-
tigas crenças curativas. 
Paracelso admitia a existência de um sistema que relacionava os seres 
humanos aos Astros e que forças magnéticas, em particular aquelas que pro-
vêm das estrelas, eram capazes de agirem sobre as pessoas através de ondas 
invisíveis. Elabora todo um estudo das doenças causadas por influências cós-
mico-climatológicas, apontando o poder dos Astros na saúde e na doença dos 
seres humanos, afirmando que cada parte do corpo humano estava sujeita a 
um Astro. A partir do conceito de macro visão sobre a vida e a natureza, herda-
da de antigos filósofos, considerava o ser humano como um todo integrado e 
harmônico, constituído de mente e corpo. A doença e a saúde dependem da 
harmonia do microcosmo do corpo humano com a Natureza do macrocosmo. 
Por volta do ano de 1519, Paracelso foi discípulo de Tritheme, considera-
do um bruxo, pois se acreditava que ele tinha o poder de penetrar nos mistérios 
da Natureza e do mundo espiritual. Sob a orientação do mestre e com o propó-
sito de fazer o bem à humanidade, Paracelso se lançou nas investigações e ex-
periências da magia, buscando a produção de essências para empregá-las na 
cura de doenças. Empregou também metais magnéticos como elementos cura-
tivos e foi o precursor do magnetismo de Mesmer. 
Paracelso também defendia a teoria da transmutação dos metais em 
substâncias diversas, suas principais investigações ocuparam-se das proprie-
dades curativas dos metais que passa a ser conhecida,principalmente no sécu-
lo XIX, como Metaloterapia e, com isso, foi o precursor de Charcot. Suas inves-
tigações culminaram na teoria das três substâncias, afirmando que todos os 
corpos são formados por três princípios básicos, que ele identificou como Enxo-
fre, Mercúrio e Sal ou tria prima. O enxofre como carga energética, significa o 
fogo; o mercúrio é o princípio úmido (líquido) e representa a água; o e sal como 
a parte mais sólida, representa a terra ou ainda a volatilidade, fluidez ou solidez. 
A força vital consiste na união dos três princípios em tríplice ação; a ação da 
purificação por meio do sal, dissolução e consumação pelo enxofre e a elimina-
ção pelo mercúrio, o qual absorve o que o sal e o enxofre repelem. 
Paracelso considerava como premissa que a matéria constitutiva de todos 
os corpos é dividida em Alma, Corpo e Espírito. Em sua obra Arquidoxo Mágico, 
trata de amuletos e talismãs, e expõe seus conhecimentos sobre o que conside-
rou como sendo a imensa força do magnetismo, combinando metais sob deter-
minadas influências planetárias com o objetivo de curar doenças. Entre os me-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
83 
tais utilizados destacava o ouro, prata, cobre, ferro, estanho, chumbo e mercú-
rio associados aos signos celestes e caracteres cabalísticos. 
No livro de Paracelso, As Profecias, publicado pela primeira vez na língua 
alemã por volta do ano de 1530, estavam 32 gravuras simbólicas que tinham 
sido encontradas no monastério de Darthauser em Nurenberg; cada gravura es-
tava acompanhada de uma legenda escrita em um estilo obscuro e enigmático, 
com textos de difícil interpretação; neles estariam guardados os acontecimentos 
do futuro em uma espécie de filme, cujo desenrolar seria independente da se-
qüência cronológica. Em seu livro Tratado das Doenças Invisíveis, diz que se 
alguém quiser buscar a Deus, deve buscá-lo dentro de si mesmo, pois fora ja-
mais o encontrará. O Reino de Deus, dizia ele, contém uma relação intima com 
nossa vida de Fé e de Amor. 
Paracelso defendia também que a fé e a imaginação pudessem curar do-
enças do mesmo modo como poderiam causá-las e, com objetivo de curar pes-
soas, comandava sessões de hipnose individuais e coletivas através de danças, 
cantos, orações, rituais e palavras. Desenvolveu ainda uma teoria segundo a 
qual o corpo humano teria as características de um verdadeiro ímã, sendo o pó-
lo norte constituído pelos pés e o pólo sul pela genitália. Para fortalecer o corpo 
e promover curas, empregava ímãs metálicos sobre os pacientes e, esse pro-
cedimento, transforma-se na base de uma nova escola médica. 
Segundo Alphonse Bué (Magnetismo Curador, 1919), no início do século 
XVII Van-Helmont dedica quarenta anos de sua vida trabalhando e meditando 
sobre a cura magnética de Paracelso. Por volta de 1670, esse tipo cura tam-
bém foi praticado pelo médico escocês William Maxwell que, em 1676, publica 
um tratado sobre o tema com o titulo de “Medicina Magnética”. Essas idéias fo-
ram aproveitadas cem anos depois por Mesmer que, por volta do ano de 1770, 
desenvolve nova teoria criando a tese do magnetismo animal. Até o fim do sé-
culo XIX, mesmo sendo uma época de grande progresso da ciência, as idéias 
de Mesmer incentivam muitas outras hipóteses de curas, inclusive as defendi-
das por Charcot e outros médicos ilustres de Paris. A “medicina magnética” é 
largamente praticada no hospital La Salpêtrière até o inicio do século XX. Mes-
mo hoje ainda tem quem acredite nela. 
Outro destaque da medicina antiga foi Jan Bastista von Helmont, nascido 
em 1577 em uma família nobre, estudou e praticou medicina fascinado pelas 
possibilidades ilimitadas da aplicação da química ao tratamento das doenças. 
Durante a maior parte de sua vida, se retirou para seu castelo perto de Bruxelas 
e dedicou-se à pesquisa e a experimentação, apenas saia de sua casa-
fortaleza para atender seus pacientes sem jamais aceitar pagamento em troca. 
Quando morreu, em 1644, era famoso em toda a Europa por suas boas obras e 
por seus escritos sobre cura de várias enfermidades. 
As descobertas de Helmont contribuíram para a ciência médica moderna, 
foi ele o primeiro anatomista a reconhecer as funções fisiológicas do estômago 
e a entender o processo digestivo, descobriu também o bióxido de carbono. Es-
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
84 
sas descobertas pertencem hoje ao domínio da ciência, mas foram feitas em 
nome da alquimia. Helmont reverenciava os três maiores objetivos dos alqui-
mistas, jamais procurou fazer segredo de sua crença no fenômeno da transmu-
tação, no elixir da vida e na pedra filosofal. 
A busca de Helmont pelo constituinte primário da vida, outra antiguíssima 
preocupação dos alquimistas, combinava uma rigorosa pesquisa prática com 
saltos místicos de fé. Ele reijeitava o tria prima paracelsiano, mercúrio, enxofre 
e sal, e não estava muito convencido com a explicação terra-ar-fogo-água des-
crito por Aristóteles. No lugar desses princípios, adotou um ensinamento mais 
antigo ainda, segundo o qual todas as coisas derivam da água. 
Como filósofo Helmont estava comprometido com a noção das causas u-
niversais, e isso levou precipitar-se em inferências quanto à natureza e o signi-
ficado da água. Justificava a presença de substâncias químicas nas águas das 
estações termais e como os minérios chegam até os veios que marcam a cros-
ta da terra. Atribuiu os depósitos minerais ao que chamou de “suco petrífico”de 
correntes líquidas com grande poder curativo. Assim, a água retoma sua impor-
tância na arte de curar e Mesmer aproveita muito essa idéia. 
Magnetismo e Mesmerismo 
Franz Anton Mesmer (1734–1815) nasceu em Iznang, Swabia, uma aldeia 
na margem do lago Badensee perto de Konstranz na Alemanha. Teve suas 
primeiras instruções em uma escola religiosa e, aos 15 anos, ingressou num 
colégio de jesuítas onde obteve elevado conhecimento em filosofia, portanto 
percebia o Cosmo como os filósofos gregos antigos receitavam, ponto de 
partida para compreender a natureza das coisas e dos homens. 
A percepção do Cosmo ligado às idéias de ordem, harmonia, serenidade, 
circularidade e beleza, associado à importância dos elementos primordiais da 
natureza (terra, água, fogo e ar), concepções sustentadoras do núcleo central 
do início do pensamento filosófico, embora decadente no século XVIII, muito in-
fluenciou as idéias de Mesmer. Interessando-se também pela física, matemáti-
ca e biologia, desistiu da carreira religiosa para seguir o estudo da medicina. E, 
com base na idéia da existência de um fluido astral que influencia a vida na ter-
ra, associado ao poder dos metais magnéticos, elabora a teoria do “magnetis-
mo animal”, marco teórico inicial nas principais publicações que trata dos efei-
tos e da prática da hipnoterapia. 
Aos 32 anos Mesmer obteve o título de médico e, para isso, apresentou 
na escola de medicina de Ingolstadt, na cidade de Ulena, em Viena, a 
Dissertação físico-médica sobre a influência dos planetas (De Planetarium 
Inflexu), publicada em 1766. A base teórica para o desenvolvimento da sua 
pesquisa foi fundamentada no conhecimento filosófico, ainda influente nos 
séculos XVI e XVII, somadas às idéias de Paracelso, Helmont, William Maxwell, 
todos praticantes da alquimia como forma mágica e oculta da arte de curar. Sua 
teoria ganha o mundo através de seus discípulos e seguidores. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
85 
O Padre Maximilian Hell, um jesuíta que foi diretor do observatório e 
professor de astronomia da Universidade de Viena, com base na hipótese do 
magnetismo metálico de Paracelso, em 1770 resolveu também intentar curas 
reorganizando os “pólos magnéticos humanos” através de aplicações de ímãs 
naturais. Mesmer influenciado pelos êxitos de Hell também aplica ímãs naturais 
em seus pacientes. Disso resultou a notícia de curas espetaculares em doentes 
desenganados. 
Em 1773 Mesmer montou em Viena sua clínica de magnetismoe aplica 
ímãs naturais pela primeira vez em uma jovem de 28 anos, Franziska Osterlin, 
pessoa envolvida na alta sociedade vienense que sofria com convulsões, febre, 
vômitos, delírios, crises de rigidez, cegueira, sufocação e paralisia. É do próprio 
Mesmer a descrição de como foi, em 28 de abril de 1774, realizado uma das 
sessões do tratamento de Osterlin: 
Há dois anos ela apresentava crises convulsivas acompanhadas de febre, 
vômitos, delírio melancólico e maníaco, crises de rigidez, cegueira, 
sufocação e paralisia. Percebendo a periodicidade das crises, às quais 
atribuí um caráter astronômico, procurei modificar seu curso. Eu planejei 
estabelecer em seu corpo uma espécie de maré artificial com a ajuda do 
ímã e de forma a reproduzir artificialmente as revoluções periódicas do 
fluxo e do refluxo da corrente magnética (MESMER). 33 
Mesmer conta que, após ter medicado Osterlin com infusões à base de 
ferro, por ser esse metal bom condutor do magnetismo, prendeu um ímã em 
cada pé da paciente e um outro, em forma de coração, sobre o peito. 
Imediatamente Osterlin experimentou uma dor abrasadora e dilacerante que 
percorreu todo o seu corpo, seguindo os eixos das peças imantadas. Os que 
assistiam a esse tratamento horrorizavam-se com os gritos. Apesar da reação 
da assistência, Mesmer não hesitou em acrescentar mais dois outros ímãs aos 
pés da paciente e, conta que após isso Osterlin sentiu descer com 
impetuosidade as dores que tinham atormentado as partes superiores de seu 
corpo e, pouco a pouco, os sintomas desapareciam. 
Quanto aos efeitos positivos sobre a cura de Osterlin, Mesmer tratou de 
conceituar como impossíveis de serem provocados somente pelo uso dos 
magnetos naturais e sim por um “outro agente essencial”. Dizia que as 
correntes magnéticas foram provocadas pela paciente através de um fluido que 
se havia acumulado em sua própria pessoa; era a ação do seu próprio 
magnetismo, um magnetismo animal. O magneto natural utilizado funcionou 
apenas como um acessório, como um reforço. Referindo-se ao que conceitua 
como magnetismo animal e seus efeitos, afirma: 
Há uma ação e reação recíproca entre os planetas, a Terra e a Natureza, 
por intermédio de um constante fluido universal, sujeito a leis mecânicas 
 
33 MESMER A. F. Los fundamentos del magnetismo animal. Aforismo de Mesmer y comentarios 
del Dr. Caullet de Veaumoreu. Tradução para o espanhol e prólogo de Edmundo Gonzáles 
Blanco, B. Aires, Kier, 1954. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
86 
ainda desconhecidas. O corpo animal é diretamente afetado pela 
insinuação deste agente na substância dos nervos. Dito agente causa em 
corpos humanos, propriedades análogas às do ímã, motivo por que é 
chamado “magnetismo animal”. Este magnetismo pode ser transmitido a 
outros corpos, pode ser aumentado e refletido por espelhos, comunicado, 
propagado, e acumulado pelo som. Pode ser acumulado, concentrado e 
transportado. As mesmas regras se aplicam à propriedade contrária. O 
ímã é suscetível de magnetismo e de propriedade oposta. O ímã e a 
eletricidade artificial têm, com referência à moléstia, propriedades comuns 
a uma multidão de outros agentes que a natureza nos apresenta, e se o 
uso destes for seguido de resultados úteis, são devido ao magnetismo 
animal (MESMER). 
Mesmer inova a hipótese até então existente; não era o magneto natural 
que provocava curas, como anunciado por Paracelso e pelo Padre Hell, era a 
ação do magnetismo próprio do ser humano. Defendia a tese de que não era 
preciso o ímã metálico; bastaria impor as mãos sobre o doente para que este 
recebesse a transferência dos fluidos magnéticos. O magnetismo animal 
poderia passar das mãos do magnetizador para os pacientes, podendo também 
ser armazenado em árvores ou transportado por varinhas, espelhos, vasilhas 
contendo água, cristais e outros instrumentos. 
Respaldando seu estudo em hipóteses antecedentes Mesmer encontrou 
justificativa suficiente para estabelecer a idéia da existência de um fluido, 
invisível e miraculoso, que agia sobre os seres vivos, através da influência dos 
Astros e dos Planetas. Responsabilizava esse fluido como causa de doenças 
ou como força curativa. Admitia como princípio a existência de uma corrente 
universal que em tudo penetra e abraça, num movimento alternativo e perpétuo 
assemelhando-se ao fluxo e refluxo do mar e, a esse movimento provocado por 
influências astrais, agindo de forma mútua entre todos os corpos da natureza, 
uns sobre os outros, ele atribuía a saúde e a doença. 
Antes de Mesmer a idéia de fluidos invisíveis já fazia parte do imaginário 
de muitos homens cultos. Paracelso acreditava que forças magnéticas, em 
particular aquelas que provêm das estrelas, influíam sobre as pessoas através 
de ondas invisíveis. Isaac Newton, em sua publicação Principia (1713), já 
explicitava o que acreditava ser “a presença do espírito extremamente sutil que 
permeia e se oculta em todos os corpos densos”. O cientista sueco Carlos 
Lineu (1707-1778) dizia que na vida dos vegetais ocorria a presença de um 
“fluxo magnético sutil” camuflado sob os mais variados nomes, entre os quais 
gravidade, gases, energia e força vital. 
No ano de 1785 Mesmer publica em Paris uma série de vinte e sete 
aforismos, 34 descrevendo os princípios de sustentação da tese do magnetismo 
animal e como seus seguidores poderiam por em prática essa complicada 
 
34 Título original, Les aphorismes de Mesmer dicté a l’assemblé de ses élèvem, publicado em 
1785 por Caullet de Veaumoreu. Traduzido para vários idiomas, impresso e publicado em 
muitos países (N. do. A.). 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
87 
teoria. Na Europa o mesmerismo foi um dos assuntos mais divulgados entre 
1779 e 1789 e, com isso, viveu Mesmer glória e fracasso, principalmente em 
Paris. 
Na segunda metade do século XVIII a sociedade européia, em particular 
na França, viveu uma época de grandes transformações para a humanidade. 
Livros como O Espírito das Leis, de Charles-Louis de Secondat, o Barão de 
Montesquieu (1748); O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau (1762); 
Cartas Filosóficas, de François-Marie Arount, conhecido como Voltaire (1773); 
A Ordem Natural das Sociedades Políticas, de La Riviére (1767), induziam o 
povo a pensar ampliando seus conhecimentos e a percepção de si mesmo 
como cidadão capaz e merecedor de melhorias, era a fase da ação do 
humanismo. Estava também o mundo vivendo as grandes descobertas da 
ciência cartesiana, na área da matemática e da física, a eletricidade e seus 
efeitos eram objetos de estudos intensos, a descoberta do eletromagnetismo e 
do pára-raios fascinava a todos. 
O mundo vivia o que se chamava na Europa Le bélle epoque; uma fase de 
efervescência de novas idéias filosóficas sobre o sentido da vida e de 
explicações científicas para esclarecer os fenômenos físicos, era época de 
revelações, idéias e explicações e o povo acreditava que havia resposta para 
tudo. As formulações científicas na área da física, as idéias de ação e reação, 
atração dos corpos, o eletromagnetismo, tudo isso foi considerado como 
revolucionário e extremamente racional. Neste cenário o homem acreditava 
que, aliando o conhecimento com a tecnologia e a ciência, não seria jamais 
limitado, por nada nem ninguém. Esse otimismo incentivava a criação de uma 
imensa gama de teorias, inclusive as que explicassem o ser humano e sua 
complexidade. É nesta fase que Mesmer, fazendo analogia com a física e com 
as aplicações terapêuticas dos metais magnéticos, divulgado por seus 
antecessores, imagina sua teoria. 
No conceito popular, o poder da ciência podia explicar tudo e o grande 
público demonstrava interesse cada vez maior pela explicação científica dos 
fenômenos presentes na natureza humana. É nesta atmosfera que Mesmer 
propaga sua teoria que ganharia o mundo através de seus discípulose 
seguidores. O mesmerismo ou o magnetismo animal faziam parte do imaginário 
cosmológico desta época de transição na história do pensamento filosófico, 
cuja tendência era a de misturar pesquisa experimental com pensamento 
especulativo e místico, sobretudo numa fascinação pelos fenômenos de 
natureza magnética e elétrica. 
Satisfazendo a expectativa da sociedade, Mesmer dá a sua explicação 
para o fenômeno que desencadeava, tentando no máximo se aproximar da 
ciência dominante, embora suas idéias fossem baseadas na cosmologia e 
princípios filosóficos antigos. Defendia a existência de uma influência mútua 
entre os corpos celestes e, como justificativa, apresentava as fases da Lua 
agindo sobre as marés, a força do Sol atraindo a Terra para mover-se em sua 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
88 
volta. Dizia que essa força invisível era semelhante à força do ímã que atrai o 
ferro, igual à força magnética que, embora ninguém possa ver, existe. 
Acreditava que os cristais, superfícies espelhadas, alguns metais e 
principalmente a água, poderiam acumular grande quantidade dessa força 
invisível. 
Sustentava Mesmer que a força invisível que existe entre os Astros e a 
Terra, possui uma influência capaz de controlar a saúde dos seres animados 
que aqui habitam. Dizia que tal influência se manifestava através de um fluido, 
universalmente difundido, que agia nos seres vivos, sendo recebidos dos Astros 
através da cabeça e da Terra através dos pés; no corpo humano sadio 
circulava num fluxo contínuo e impedir este fluxo traria como conseqüência uma 
enfermidade. A cura dependeria da retirada ou destruição do obstáculo para 
que o fluido pudesse voltar a circular normalmente. 
Pensando o corpo humano como um grande ímã, composto por vários 
ímãs pequenos, Mesmer sustentava que massageando os pólos magnéticos do 
corpo se efetuaria a superação do obstáculo que impedia a circulação do fluido 
universal e, assim, estabelecia a cura das doenças. Inventou alguns aparelhos 
que reforçavam sua tese, como um instrumento de cerâmica em forma de cone 
que encerado, molhado e acionado por um pedal, era posto a rodar. Neste 
instrumento deixava escorregar os dedos das mãos até que a fricção 
produzisse um som que ele interpretava como sendo gerado pela acumulação 
do seu magnetismo animal. Também com o mesmo objetivo, friccionava com as 
mãos tecidos de seda, plumas e outros objetos macios, associando essa 
prática com a produção e efeitos da eletricidade estática, para logo em seguida 
magnetizar seus pacientes que entravam numa espécie de convulsão e 
promovia cura. 
Em Viena, utilizando o novo método, várias pessoas foram tratadas por 
Mesmer, entre elas destaca-se Maria Theresa Paradis, pianista, 21 anos de 
idade, vítima de seu próprio pai numa relação incestuosa forçada. Além de 
cegueira histérica, sofria com freqüentes crises e sintomas severos como 
vertigens, dores de cabeça, insônia entre outros. Atendida por muitos médicos, 
entre eles o influente vienense Doutor Stoerk, não obteve cura. Encarregado do 
tratamento, além dos passes magnéticos, Mesmer lhe devotava carinho, 
atenção e amor até que a paciente recuperou a visão. Sua fama alastrou-se 
pela Europa. 
Mesmer teve origem pobre, filho de um ”guarda-caça”, função semelhante 
a guarda-florestal, encarregado de zelar e preservar certos locais e espécies de 
animais e servir a nobreza no esporte da caça. Talvez por isso, dois anos 
depois de sua graduação em medicina, casou-se, em 10 de janeiro de 1768, 
com a rica viúva de um Tenente-Coronel do exército, de nome Marie Anna Von 
Posch. Sua mulher, 20 anos mais velha do que ele, é quem lhe proporcionava 
recursos necessários para realizar seus estudos e promovia seu acesso à 
classe dominante, mas movida pelo ciúme alia-se ao pai de Theresa Paradis e 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
89 
ao Doutor Stoerk que contestava a tese do magnetismo animal. Os três 
insuflam os médicos de Viena e iniciam forte campanha difamatória contra 
Mesmer; disso resultou sua expulsão da cidade em 1776. 
Em 1778 Mesmer já estava estabelecido em Paris onde encontrou 
definitivamente um campo propício para difundir suas idéias, o mesmerismo 
tornou-se moda na aristocracia francesa, era o assunto de todos os salões. 
Embora em Viena fosse tentado tratar pelo método do magnetismo qualquer 
tipo de doença, logo após a mudança para Paris, Mesmer descartou o 
tratamento das enfermidades repulsivas como deformidades físicas 
permanentes ou congênitas, chagas, portadores de loucura agressiva e casos 
de idiotia. Esses casos na verdade nunca apresentaram resultados positivos 
com o tratamento mesmerista. 
A princípio, como fazia em Viena, no ritual de cura os pacientes de 
Mesmer eram tocados com uma vara de metal para provocar as convulsões 
terapêuticas. Mais tarde ele passou a acreditar que há no corpo humano, vários 
pólos magnéticos e que, a maior parte deles, muda constantemente de lugar 
provocando doenças e, por isso, tinham que ser arrumados através de passes 
com a imposição das mãos; assim produzia as mesmas convulsões, iguais às 
obtidas com o processo anterior. Dizia, ainda, que alguns pólos magnéticos do 
corpo humano são estáveis como os dos dedos e do nariz. 
Mesmer cria os passes magnéticos, sustentando a hipótese que, com a 
imposição das mãos, fluidos magnéticos, saindo pelos dedos, eram 
transmitidos de uma pessoa para outra, em analogia com a teoria da 
eletricidade que afirma “os elétrons fluem de um corpo para outro pelas 
extremidades”. Este enunciado (lei das pontas) fundamentou B. Franklin na 
invenção do pára-raios. Com essa fundamentação teórica Mesmer passou a 
magnetizar e a produzir convulsões em seus pacientes quando, segurando-lhes 
as mãos, fitava-lhes os olhos durante alguns minutos; depois, iniciava os 
passes apontando os dedos em direção da cabeça, ia descendo 
vagarosamente quase sem tocar no corpo, parava um pouco nos olhos 
exercendo com os dedos indicadores uma ligeira pressão na base do nariz do 
paciente. Prosseguia descendo as mãos, parando à altura do tórax onde fazia 
uma leve pressão, depois no estômago, o itinerário seguia pressionando 
levemente as coxas até chegar aos joelhos. Dali retornava, experimentando as 
mesmas estações intermediárias até alcançar novamente a cabeça. Expediente 
este que no decorrer da história foi aproveitado e adaptado, sendo até hoje, 
com ligeiras modificações, usado de várias formas e em larga escala, com o 
objetivo de produzir curas durante rituais religiosos ou filosóficos. 
As sessões de curas magnéticas foram evoluindo e já não podendo 
atender individualmente à numerosa clientela, Mesmer recorreu à 
magnetização indireta, dispensando seu toque pessoal no cliente. Estes, em 
número de vinte a trinta, assentavam-se em volta de uma tina contendo água, 
da qual saiam várias varas metálicas. Estabelecendo contato com essas varas, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
90 
num recinto meio escurecido por cortinas e ao som de músicas suaves, os 
participantes em busca da cura eram acometidos das convulsões terapêuticas. 
Um método engenhoso de hipnotizar por sugestão indireta e promover curas 
coletivas que conquista proporções espetaculares. Medeiros e Albuquerque 35 
descreve o sucesso do mesmerismo em Paris: 
Aí o sucesso foi indescritível. O número de clientes chegou a extremo 
nunca visto até então. O médico não bastava. Adestrou um criado nas 
práticas necessárias para ajudá-lo, mas nem assim pôde satisfazer à 
clientela, cada vez mais numerosa (MEDEIROS E ALBUQUERQUE). 
Na versão mais avançada, em torno da tina de Mesmer cabiam cento e 
trinta pessoas que se renovavam varias vezes por dia. O aparelho é descrito 
como sendo uma caixa redonda de madeira de carvalho, medindo 
aproximadamente um metro e oitenta centímetros de diâmetro por setenta 
centímetros de profundidade. No seu interior, para melhor atrair o magnetismo, 
tinha um lastro de limalha de ferro e, de vez emquando, era adicionado vidro 
em pó e, por cima do lastro, havia uma lamina de água para ser magnetizada. 
Tudo era feito para manter semelhança de um acumulador de fluido, como uma 
pilha elétrica que acumula eletricidade, a explicação do funcionamento tinha 
que ser “científica”. Da parte superior da caixa saíam varas de ferro, com 
extremidades externas curvas e móveis, ligadas por fios de seda a uma haste 
metálica central. Garrafas cheias de água, com hastes metálicas que saíam 
através das rolhas, eram colocadas dentro da tina para que quando 
transportadas para outros locais pudessem produzir os mesmos efeitos. O 
argumento era que a garrafa contendo água acumulava o fluido, assim como o 
capacitor eletrolítico acumulava a eletricidade. 
Em Paris, os doentes, em busca da cura, sentados ao redor da tina 
aplicavam sobre suas partes enfermas as varas de ferro. Uma corda de seda, 
que Mesmer afirmava ser o fio condutor do magnetismo, era amarrada na vara 
central e comprida o suficiente para que os participantes a colocassem 
frouxamente em torno de seus membros, às vezes passavam a corda na 
cintura, e de mãos dadas reforçavam a ação do fluido magnético. François 
Deleuze, 36 um bibliotecário que, na época, assistia os trabalhos de 
magnetizações, publica um livro sobre o assunto e descreve uma dessas 
cenas: 
Num dos compartimentos, sob a influência das varetas, que saíam de 
garrafas contendo água magnetizada, aplicada às diversas partes do 
corpo, ocorriam diariamente cenas extraordinárias. Gargalhadas satânicas, 
gemidos e crises de pranto se alternavam. Indivíduos atirando-se para trás 
 
35
 Medeiros e Albuquerque. Hipnotismo. 6 ª ed., RJ, Ed. Conquista, 1956. O autor foi membro 
da Academia Brasileira; da Academia de Ciências de Lisboa e da Societé de Psychologie de 
Paris. O livro é prefaciado pelos psiquiatras: Miguel Couto e Juliano Moreira além de Franco 
da Rocha (N. do A.). 
36 DEULEZE, J. P. F. Histoire critique du magnestisme animal. [Reprin], vol. 4, Paris, Hipolyte 
Bailliére, (1819), 1956. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
91 
contorcendo-se em convulsões espasmódicas. Respirações semelhantes 
às de moribundos e outros sintomas horríveis se viam por toda parte. 
Subitamente esses estranhos atores atiravam-se, uns aos braços dos 
outros ou então se repeliam com expressões de horror. Enquanto isso, 
num outro compartimento, com as paredes devidamente forradas, 
apresentava-se outro espetáculo. Ali mulheres batiam com as mãos contra 
as paredes ou rolavam sobre o assoalho coberto de almofadas, com 
acessos de sufocação. No meio dessa multidão ofegante e agitada, 
Mesmer, envergando um casaco de seda lilás, movia-se soberanamente, 
parando, de vez em quando, diante de uma das pacientes mais excitadas. 
Fitando-lhe firmemente os olhos, enquanto lhe segurava ambas as mãos, 
estabelecia contato imediato por meio de seu dedo indicador. Também 
operava fortes correntes, abrindo as mãos e esticando os dedos, enquanto 
com movimentos ultra-rápidos cruzava e descruzava os braços, para 
executar os passes finais (DELEUZE). 
A compreensão da ligação do mesmerismo com o hipnotismo atual inicia 
por analisar o interior da clínica, onde tudo era disposto de forma a provocar 
uma forte indução sugestiva no paciente. Tapetes espessos, misteriosas 
decorações astrológicas nas paredes e cortinas cerradas, compunham o 
ambiente onde se realizavam as sessões. Além disso, existia uma sala de 
crises forrada de colchões, destinada aos pacientes com ataques convulsivos 
violentos e a celebre tina de madeira, um aparelho de tanta eficácia que 
dispensava até a presença de Mesmer nos rituais. 
Nas sessões, Mesmer esforçava-se, verbalizando sua teoria, para provocar 
nos pacientes o máximo possível de tensão emocional e, eles passavam a 
reagirem de formas inexplicáveis, uns sentindo convulsões, outros entravam em 
transe e gritavam, choravam ou gargalhavam. Tudo isso era responsável pela 
criação de uma atmosfera propícia aos devaneios da imaginação dos homens 
do século XVIII, uma imaginação ainda povoada pelo maravilhoso, por 
monstros, demônios e encantamentos. Mas, o certo é que curas espetaculares 
aconteciam. 
No início da sessão de mesmerismo era mantido um silêncio absoluto. A 
atmosfera geral possuía um clima de harmonia que só era interrompido, vez por 
outra, por gritos ou soluços convulsivos de alguns pacientes, o que 
provavelmente provocava uma indução ainda maior nas pessoas que se 
encontravam no salão e, sem dúvida, era esta a intenção. Todo esse impacto 
sofrido pelo suscetível colocava-o numa situação ainda maior de 
suscetibilidade, facilitando a ocorrência e o aprofundamento do transe. 
Na fase mais avançada de sua carreira, Mesmer induzia os pacientes para 
formarem uma corrente, sendo colocados uns ao lado dos outros, alternando-se 
homens e mulheres (análogo à polaridade elétrica, positivo negativo), 
comprimindo as coxas entre eles. Em pouco tempo as pessoas começavam a 
sofrer convulsões, caindo no chão e, o argumento explicativo baseava-se em 
que a força do magnetismo era ativada pelas mãos e facilmente conduzida 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
92 
pelas coxas. Para garantir a formulação do sofisma que mais convencesse tudo 
era associado a um fato científico, como a corrente elétrica. 
Durante as sessões, havia assistentes para retirarem os que fossem 
afetados de modo mais violento, em transe convulsivo ou cataléptico, os de 
choro alto e risos histéricos que eram conduzidos à sala de crise. Essa ruidosa 
sala ficou conhecida como a Câmara das Crises ou o Inferno das Convulsões. 
Mas, conta à história, Mesmer efetivamente acreditava no que afirmava, era 
convicto das suas “verdades científicas”. 
O sucesso de Mesmer em Paris foi muito rápido, chegando a alugar um 
palácio Place Vendôme e faz da sala principal seu novo consultório, capaz de 
receber cento e trinta pacientes por sessão. Neste ambiente atendeu a rainha 
Maria Antonieta, o legislador Montesquieu, o iluminista La Fayette entre outros 
nomes da nobreza e da intelectualidade parisiense. Na fase de gloria atendia a 
mais de mil pessoas por dia e, como não podia atender a todos, chegou a 
magnetizar uma árvore em frente do salão para que nela, quem não mais cabia 
do lado de dentro, tocasse em busca de curas. Assim como aconteceu em 
Viena acontece também em Paris; a classe médica enciumada lhe moveu mais 
um processo de perseguição. Em 12 de março de 1784, o rei Luís XVI, 
instigado pelos médicos, nomeou uma comissão de sábios para investigar a 
natureza do fenômeno mesmerista. 
As críticas mais contundentes contra o mesmerismo vieram da Faculdade 
de Medicina, da Academia de Ciências e da Sociedade Real de Medicina. As 
duas primeiras trataram de instituir a comissão de investigação oficial composta 
por: a) Benjamin Franklin, na ocasião embaixador americano em Paris e 
inventor do pára-raios; b) o químico Antoine-Laurent Lavoisier, cientista 
conhecido como o pai da química moderna; c) Jean-Sylvain Bailly, astrônomo 
conhecido pelos cálculos da órbita do cometa Halley e pelos estudos sobre os 
quatros satélites de Júpiter, estadista e Prefeito de Paris; d) o médico Joseph-
Ignace Guillotin, o mesmo que oito anos depois inventaria a guilhotina; e) 
Antoine Laurent de Jussieu, médico pela Universidade de Montpellier, Diretor 
do Jardim Real e membro da Academia de Ciências de Paris. Todos 
encarregados de investigar a legitimidade do fluido magnético e das curas 
anunciadas. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
93 
A prática de Mesmer começou a 
enfrentar críticas de acadêmicos i-
lustres ligados à Faculdade de Me-
dicina, à Academia de Ciências e à 
Sociedade Real de Medicina da 
França, que iniciaram forte campa-
nha contra a prática do mesmeris-
mo. 
Não obstante milhares de curas re-
alizadas, tudo era explicado como 
sendo fruto de fraude e farsa.Uma sátira ao magnetismo animal 
foi publicada, em 1780, em jornais 
e panfletos que circulavam por toda 
Paris, com caricaturas de um corpo 
de homem com cabeça e rabo de 
cavalo e uma mulher sendo mag-
netizada. Era o início de uma gran-
diosa contestação que impôs o fim 
da carreira de Mesmer. 
Caricatura contra o mesmerismo (1780) 
Uma petição dirigida por Mesmer à Academia Francesa, em data anterior 
à nomeação da comissão, requerendo a investigação científica para seu 
método de cura sequer foi indeferida, foi ignorada. Indignado, posteriormente 
quando procurado pela comissão oficial, recusou-se por à prova suas verdades 
e não ofereceu resistência às acusações, deixando sua defesa a cargo dos 
fatos e de seus discípulos. 
Mesmer era acusado, preliminarmente, de ser o detentor e criador de uma 
doutrina secreta, que só se dispunha revelar aos membros subscritos da 
“Sociedade da Harmonia”, criada por ele para formar novos magnetizadores ou 
mesmeristas. Sob promessa de sigilo, os sócios aprendiam, com base na 
harmonia entre os Astros celestes e os seres humanos, a concentrar os fluidos 
magnéticos e a comunicar para outras pessoas. Com a ajuda de Luis XVI e 
Maria Antonieta, instalou também o “Instituto Magnético”, local onde os 
mesmeristas atendiam pacientes em busca de cura. 
Diante da negativa de Mesmer de provar sua teoria, a comissão tratou de 
investigar as práticas mesmeristas realizadas pelo seu discípulo Charles 
D`Eslon, médico respeitado e professor da Faculdade de Medicina de Paris, 
que se prontificou com os investigadores a compartilhar a totalidade do seu 
saber e da sua experiência. Assim, o que estava sendo julgado era a prática do 
magnetismo animal e, durante a fase de investigação, a comissão limitou-se a 
presenciar demonstrações realizadas por D`Eslon. Os cientistas enfiaram as 
mãos na tina do banho magnético, o que não lhes provocou os efeitos 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
94 
esperados, nada de crises ou de convulsões, nada de fluido ou coisas 
semelhantes foi registrado. 
Afirma Chertok 37 que D`Eslon se comprometeu com os comissários para: 
1) constatar a existência do magnetismo animal 2) comunicar seus 
conhecimentos sobre essa descoberta 3) provar a utilidade do magnetismo 
animal no tratamento das enfermidades. Entretanto, não deveria ter assumido 
tal compromisso desde quando fora iniciado na Sociedade da Harmonia, 
portanto fez votos de sigilo e devia fidelidade a Mesmer; mesmo assim assumiu 
com intenção de provar que a teoria era verdadeira, mas ficou surpreso com os 
resultados e como os membros da comissão procederam, com exceção de 
Jussieu. Para D`Eslon a condenação do mesmerismo não era pertinente. 
Após cinco anos de estudos, a comissão apresentou volumoso relatório 
condenando o mesmerismo, afirmava que não havia efeitos benéficos e que os 
tratamentos eram à base de excitação da imaginação e de pura imitação 
mecânica; “a imaginação separada do magnetismo produz convulsões, e o 
magnetismo sem imaginação nada produz... nada há que prove a existência do 
fluido magnético animal...”. Complementa a acusação o fato de que a 
magnetização não ocorria se o indivíduo não soubesse que estava sendo 
submetido a tal prática. 
A conclusão do relatório é integralmente contra a prática do mesmerismo, 
afirmava que a predisposição do sujeito enfermo era condição para atingir a 
cura. Mas, Jussieu recusou-se a assinar e contestou o relatório; por entender 
que somente a imaginação não explicava muitos aspectos que por ele fora 
observado na fase de investigação, apresentando um contra-relatório á Corte 
Francesa e á Academia de Ciências, defendendo o mesmerismo, 
principalmente a veracidade das curas que presenciou. 38 
Com base na condenação do magnetismo animal, a Sociedade Real de 
Medicina resolveu processar Mesmer. Agora era ele quem deveria ser julgado 
na sua conduta médica. Indignado, D`Eslon assumiu a defesa e, referindo-se 
ao primeiro julgamento, dizia ter ouvido inúmeras vezes o argumento de que 
todas as curas comprovadas foram provocadas pela imaginação do próprio 
paciente. Questionava D`Eslon no segundo julgamento; “E se for verdade? Se o 
segredo do Doutor Mesmer é manipular a imaginação para fazê-la operar em 
pró da harmonia física e mental do paciente? Isso não seria, só por isso, um 
grande avanço para a medicina?”. Insistia em que a prova fosse buscada nos 
efeitos curativos do fluido hipotético, mas a argumentação da defesa de nada 
 
37 CHERTOK, Léon e STENGERS, Isabelle. O Coração e a Razão: A hipnose de Lavoisier a 
Lacan. (Titulo original: Lê coeur et la raison – L’ hypnose em question, de Lavoisier à Lacan. 
Trad. Vera Ribeiro) RJ, ed. Zahar, 1990. 
38 JUSSIEU, Laurent de. Rapport de l’um des commissaires, [Reprin] Paris (1784), 1952. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
95 
valeu. Mesmer foi condenado como charlatão, considerado impedido de praticar 
a medicina. 39 
 
Caricatura do século XVIII - B. Franklin apresentando o relatório contra o Mesmerismo 
A partir do resultado do segundo julgamento, a Faculdade de Medicina de 
Paris proibia qualquer médico declarar-se partidário do Magnetismo Animal, sob 
pena de ser excluído do seu quadro. Paralelo a essa proibição surge um 
movimento de grupos de ilustres personalidades da sociedade de Paris. 
Favoráveis às idéias de Mesmer, iniciam a criação das Sociedades Magnéticas, 
derivadas da Sociedade da Harmonia, que mais tarde se transformam nas 
“Sociedades Mesmeristas” e se espalham pela Europa com objetivo de 
promover tratamento das enfermidades. 
Oficialmente desacreditado e sofrendo grande pressão da crítica, 
vilipendiado pela classe médica, Mesmer abandonou Paris no ano de 1794 
 
39 Em 1994 foi produzido por Wiland Schulz-Keil e Lance Reynolds, dirigido por Roger Spottis 
Woode, um filme com o título de Dr. Mesmer o feiticeiro. Retrata o trabalho de MESMER em 
Viena e em Paris e a rejeição da comunidade médica do seu tempo às suas idéias. Retrata o 
julgamento da Sociedade Real de Medicina de Paris que condena MESMER como charlatão 
(N. do A.). 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
96 
seguindo para a Bélgica onde não obteve boa recepção; foi para a Alemanha 
onde concluiu a redação do seu livro mais completo, 40 publicado em 1814, 
detalhando o entendimento teórico e as práticas que desenvolvera durante sua 
vida, mas seu conteúdo foi considerado pela crítica da época como informações 
sem crédito. 
Enfrentando mais um processo promovido pela Academia de Ciência de 
Berlim, Mesmer foi intimado a prestar esclarecimentos sobre sua teoria e sua 
prática. Sofrendo grandes perseguições na Alemanha, fugiu para Inglaterra 
onde viveu por pouco tempo sob nome suposto, tendo depois voltado para 
Iznang na Áustria onde morreu aos 81 anos de idade, em completo 
esquecimento, na cidade de Weiler, em 05 de março de 1815. 
É incontestável que o ritual, não importa qual seja a justificativa, se 
religiosa, mística ou mágica, quanto mais solene mais eficaz será para produzir 
o transe. Mesmer, sem reconhecer essa relação, usa como processo de 
indução o ritual dos passes e da tina, associando à teoria do magnetismo 
animal. Para ele o transe e seus efeitos eram produzidos por uma força 
emanada por via astral que, agindo através da pessoa magnetizadora, era 
capaz de aliviar ou eliminar sofrimentos humanos. Mesmo sendo a maior parte 
das suas conclusões equivocadas, a partir de suas idéias foi possível uma série 
de descobertas que deram origem a novos conceitos. 
Na fase final de suas pesquisas, sem abandonar as idéias iniciais Mesmer 
acrescenta outras, as quais se aproximam muito das explicações modernas. 
Em suas ultimas conclusões relacionava os sintomas dos pacientes às 
violentas emoções por eles vivenciadas, acreditava que sua técnica era uma 
forma de superação ou cura dos sofrimentos conseqüentesda própria historia 
de vida de cada um. 
Entre 1790 e 1820 o magnetismo animal foi relegado à categoria de 
“acontecimento sem importância”, mas o mesmerismo continuou ativo depois 
da morte de seu fundador. Decorridos mais de dois séculos, muitos autores 
escreveram sobre o assunto, uns a favor outros contra, novas interpretações 
aconteceram. Na década de 1880, as conclusões de Mesmer incentivaram os 
estudos de um neurologista francês, o famoso Charcot, que associou a 
terapêutica do seu antecessor ao estudo da histeria e lhe deu novo impulso. 
Tudo isso contribuiu para Freud, no início do século XX, apontar sua versão 
para o significado terapêutico das práticas mesmeristas. Na atualidade, novas 
hipóteses surgem e são modificadas a cada dia por novos autores, inovando e 
discutindo o tema do hipnotismo, envolvendo, em maior ou menor dose, a 
filosofia, a religião ou ciência. 
 
40 Título original do livro de MESMER publicado por Herausgegeben von Wolfart, em Berlim, A-
lemanha, em 1814, System der Wechselwirkungen. Theorie und Anwendung des Thierischen 
Magnetismus als die allgemeine Heilkunde zur Erhaltung des Menschen “Sistema de ação e 
reação: Teoria e prática do magnetismo animal como meio geral de cura e manutenção da in-
tegridade humana” (Trad. do A.). 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
97 
Adeptos de Mesmer mantiveram funcionando as Sociedades da 
Harmonia, no início secretamente e depois a tornaram pública com o nome de 
Sociedades Magnéticas. Em 1831, os membros dessas sociedades elaboram 
um minucioso relatório e o encaminha à Faculdade de Medicina de Paris 
solicitando a reabertura do processo que condenara o mesmerismo, obtendo a 
revisão do julgamento. A comissão de revisão finaliza a redação da nova 
sentença afirmando que considerava o magnetismo como agente de 
fenômenos fisiológicos e como elemento terapêutico, por isso era favorável que 
seu estudo deveria entrar no quadro do ensino da medicina e fosse empregado 
por médicos ou, sob sua orientação, por especialistas comprovados. Em 1837, 
porém, a comissão retrata-se da decisão anterior negando a existência dos 
fluidos, principal argumento do mesmerismo e, por conseqüência, anula 
qualquer referencia positiva ao uso do magnetismo. 
O mesmerismo, embora desacreditado pela classe acadêmica, desde o 
tempo do seu surgimento, serviu de base para várias idéias e sua importância 
para o desenvolvimento de algumas crenças é incontestável; a hipótese da 
influência dos Astros nas vidas das pessoas para muita gente é válida até hoje 
e, acreditando nisso, muitos ainda recorrem a consultas astrológicas e a mapas 
astrais para obterem respostas sobre a vida, sorte e saúde. A crença de 
Mesmer na força que podia ser acumulada na água, nos cristais e nos 
espelhos, também ainda encanta muita gente. Na linguagem moderna do 
hipnotismo, o mesmerismo é reconhecido como a escola magnética ou 
mesmerista e, ainda, é muito seguida. Sua prática é acontece principalmente 
em alguns ambientes religiosos. 
No sentido religioso a influência do mesmerismo é evidente, os passes 
magnéticos e recipientes com água das práticas mesmeristas foram mais tarde 
utilizados como elementos facilitadores da cooperação entre o espírito e o 
médium. Assim como Mesmer fazia quando invocava os fluidos astrais, 
freqüentemente os dirigentes de rituais religiosos, em busca da cura, também 
invocam ou recorrem a uma espécie de poder sobrenatural do qual se dizem 
condutores ou instrumentos. 
Mesmerismo e sonambulismo 
Dentre os discípulos de Mesmer que fizeram reviver o mesmerismo, figura 
também uma personalidade influente, o Marquês Armand-Marie-Jacques Chas-
tenet du Puységur (1751-1825), um oficial de artilharia que se distinguiu no cer-
co de Gilbraltar. Viveu dividindo seu tempo entre a vida militar e seu castelo, 
uma gigantesca propriedade que possuía por herança de seus antepassados, 
localizada no sul da França, na aldeia de Bezancy região da Soissons. 
Puységur continuava empregando o método mesmerista, até o dia quando 
magnetizando com passes um jovem camponês de 18 anos, de nome Vietor 
Race, que sofria de uma afecção pulmonar, por mera casualidade verificou que 
o expediente magnético podia produzir um estado de sono e repouso em lugar 
das clássicas crises de convulsões. Vietor não se detinha no sono; dormindo, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
98 
movia com suavidade os lábios e sua fala parecia reproduzir pensamentos 
alheios, muito superiores à sua cultura rudimentar, usava uma linguagem mais 
inteligente do que quando em estado normal, chegando mesmo a indicar um 
tratamento para a sua própria enfermidade, com o qual obteve pleno êxito. No 
mais, o paciente se conduzia como um sonâmbulo. Puységur estava diante de 
um fenômeno, que não hesitou em rotular de sonambulismo artificial e 
percebendo um novo aspecto do fenômeno hipnótico, que ainda era conhecido 
como magnético, passou a explorá-lo sistematicamente. 
Enquanto os mesmeristas provocavam crises nervosas, convulsões 
histéricas, prantos e desmaios, Puységur agia em sentido contrário, sugerindo 
aos mesmerizados paz, repouso, cura e ausência de dor. Embora continuasse 
a usar passes conjuntamente com a sugestão para indução ao transe, deu um 
impulso decisivo ao hipnotismo moderno; a ele se devem os primeiros critérios 
corretos para a análise da hipnose e da suscetibilidade hipnótica, além de 
observar como decorrente da hipnose fenômenos hiperestésicos e 
clarividentes. Já no ano de 1784, descobrira que, com um dos seus pacientes, 
ele não tinha necessidade de falar para dar as sugestões. 
Entre outros, o fenômeno da clarividência, premonição e transmissão de 
pensamento, podem ocorrer com algumas pessoas em estado hipnótico. 
Quevedo 41 esclarece o que ele denomina de “Incitação do Inconsciente pela 
Hipnose” e apresenta casos nos quais afirma que a hipnose favoreceu a 
ocorrência desses e de outros fenômenos. Descreve o conteúdo de uma carta 
escrita pelo próprio Marquês, datada de oito de março de 1784 e citada por 
Dominique de Sé, no seu livro Animal magnetism, publicado em Londres em 
1874, que relata o acontecido quando mesmerizava um dos seus pacientes: 
Eu pensava simplesmente na presença dele e ele me compreendia e me 
respondia... Quando ele se mostrava disposto a dizer mais do que eu 
julgava prudente deixar entender, eu, só com o pensamento, interrompia 
imediatamente suas idéias, cortando as frases no meio de uma palavra e 
modificava completamente seu curso (DOMINIQUE, apud QUEVEDO). 
Em 1787, Jacques Henri Désiré Petétin (1744 - 1808), de Lyon, também 
descobriu como levar um paciente ao transe sonambúlico. Em sua obra, 
Electricité Animal (1808), comunica ter observado que nas experiências com o 
sonambulismo, algumas pessoas manifestavam fenômenos estranhos. Alguns 
pareciam surdos quando a voz era dirigida aos seus ouvidos, entretanto, 
ouviam perfeitamente se as palavras lhes eram sussurradas ao nível do 
estômago. O mesmo fato ocorria com relação à visão; o sujeito mostrava-se 
capaz de “ver” com a região correspondente ao estômago. Outras vezes 
observava que os sentidos sofriam uma transposição diferente, como exemplo, 
para a ponta dos dedos da mão ou dos pés. 
 
41 QUEVEDO, O. Gonzáles. A face oculta da mente, S. Paulo, ed. Loyola, 1971. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
99 
É relativamente comum a observação de fenômenos de transposição dos 
sentidos em sessões de hipnotismo, onde o hipnotizado, de olhos vendados e 
de costas para o hipnotizador, reproduz os seus movimentos; se o hipnotista 
levanta o braço, o hipnotizado também levantará, sem que para isso se diga 
uma palavra; se o hipnotista apenas afasta as mãos, ele cairá com o corpo no 
mesmo sentido. Mas, esse fato revelado por Puységur, até hoje é posto em 
dúvida embora seja verdadeiroe até fácil de ocorrer. 
Foi o Marquês, o criador do termo sonambúlico para representa o estágio 
mais profundo da hipnose. Seu método, no qual o próprio doente indicava o seu 
remédio, fez com que Puységur enveredasse para a pesquisa do maravilhoso. 
Seus pacientes postos em contatos com outra pessoa doente viam e 
descreviam seus órgãos internos como raios-X e, hipnotizados, também faziam 
observações do que se passava à distância. Assim, Puységur introduziu na 
hipnose uma experiência curiosa que consiste em aprofundar no transe uma 
pessoa bastante suscetível, sugerindo-se em seguida que ela terá sua visão 
aumentada e condições de enxergar internamente a pessoa que está à sua 
frente. Ambas de frente uma para outra, com os braços apoiados sobre os 
joelhos, em contato pelas mãos. Feito isso, era dito: 
• Agora você já pode observar todo o funcionamento dos órgãos internos 
desta pessoa com que você está em contato... Vá observando 
vagarosamente, bem calma, bem tranqüila... Vá observando o 
funcionamento de todos os órgãos internos dela... Observe bem... 
Descreva seu funcionamento... 
O hipnotizado logo dizia que estava enxergando tudo; 
surpreendentemente, com detalhes descrevia o funcionamento dos órgãos, 
mesmo sem ter grandes conhecimentos de anatomia. Para Puységur, com 
essas experiências podiam ser obtidos diagnósticos perfeitos e com grande 
precisão. Sugeria que, além de ver, o hipnotizado tinha condições de sentir as 
reações do outro e descrever suas dores. O retorno dessa prática consistia 
também de sugestões especificas. Como exemplo: 
• Agora está tudo bem... Você está livre de qualquer interferência, está livre 
de qualquer dor ou mal-estar... Está totalmente se desligando da pessoa 
que segura pelas mãos... Ao soltar suas mãos, estará livre de seus 
problemas... Solte as mãos... Vou contar até três para você acordar... 
Um... Dois... Três... 
Baseado nas experiências de Mesmer, Puységur acreditava que podia 
magnetizar árvores e, com isso, desenvolveu outra técnica utilizada em 
tratamento coletivo, que eram executados na presença de espectadores 
curiosos e entusiasmados pelo novo método. Segundo Alphonse Bué (1919), 
Puységur chegava a reunir até 130 pessoas, ao mesmo tempo, em torno das 
famosas árvores de Bezancy, de Beaubourg e de Bayonna, de que os anais 
magnéticos assinalam numerosas curas. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
100 
No centro da praça da pequena aldeia de Bezancy, cercada de palhoças, 
próximo ao castelo do Marquês, podia ser vista uma grande árvore, um olmo 
antigo em cujo pé brotava uma fonte de água clara; os camponeses se 
sentavam ou eram amarrados nos principais ramos em torno do tronco. O 
procedimento de cura começava com a formação de uma corrente de pessoas 
que se seguravam pelos polegares em volta da árvore e descreviam sentir, na 
medida mais intensa ou débil, um fluido que corria através deles. Depois de um 
tempo o mestre mandava que cada um dissolvesse a corrente se soltando dos 
polegares do outro para posteriormente cada um esfregar as próprias mãos. 
Escolhia então alguns deles e, com o toque de seu bastão de ferro, levava-os 
ao nível de transe sonambúlico. Essas pessoas, agora chamadas de “médicos”, 
diagnosticavam enfermidades dos outros e indicavam tratamentos. Para 
acordá-las de seu sono magnético Puységur mandava beijar a árvore. Com isto 
acordavam e não se lembravam de nada. 
Chamando a atenção dos cientistas para a nova forma de curar, Puységur 
comunicou esse novo rumo dado à hipnose à Academia de Medicina, que se 
recusava a aceitar no que parecia ser um absurdo e nomeou comissões para 
estudarem os casos descritos pelo Marquês. Uns relatórios foram a favor e 
outros contra, em 1837 instituiu-se a ultima comissão que, para por fim a 
dúvida, estabeleceu uma recompensa de alto valor em dinheiro para quem 
apresentasse um sonâmbulo capaz de enxergar através de obstáculos opacos. 
Ao contrário do que se esperava a prova não envolvia qualquer demonstração 
de cura pela hipnose, seria recompensado o hipnotizador que respondesse 
positivamente ao desafio e acreditava-se que jamais qualquer pessoa passaria 
na prova. 
Contrariando as expectativas, apareceu uma garota de nome Pigaire, de 
12 anos, cuja clarividência havia sido comprovada por Puységur. Apresentada á 
comissão, de olhos totalmente vendados pelos experimentadores, mostrou que 
podia ver perfeitamente objetos. Pois bem, o veredicto dos doutos acadêmicos 
foi contrário, chegaram à conclusão de que embora com os seus olhos 
rigorosamente blindados, a sua faculdade da visão não podia ser descartada 
por ter ela uma vista fisiológica normal; não era cega, logo podia enxergar. 
Questão encerrada... Processo arquivado. 
Embora em média apenas 10% dos suscetíveis atingem o nível 
sonambúlico e desse universo apenas duas têm possibilidades de apresentar 
efeitos extra-sensoriais, a prática de Puységur abriu caminho para uma nova 
perspectiva do transe hipnótico. Vários homens importantes na sociedade 
européia seguem seus passos, entre eles o Barão Du Potet (1796-1881) que 
em 1852 publicou o Tratado completo sobre magnetismo animal e Charles 
Lafontaine (1802-1892) que se torna um dos maiores divulgador das práticas do 
sonambulismo. A partir deles, algumas sessões de magnetismo passam a 
incorporar sonâmbulos com efeitos espetaculares, ocorrem manifestações de 
hiperestesias por toda a Europa. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
101 
O Barão Du Potet foi um entre outros que muito contribuiu para o 
desenvolvimento das sessões mesmeristas envolvendo sonâmbulos, mais tarde 
transformados em (médium) espíritas. Abriu em Paris uma escola prática de 
magnetismo onde o público podia instruir-se dos processos e verificar os 
fenômenos e, nesta escola, foi iniciado Allan Kardec, a quem coube o 
desenvolvimento e a codificação da doutrina espírita que, a partir dele, passa a 
ser conhecida como kadercismo. 
Magnetismo e kardecismo 
O magnetismo em sua trajetória histórica envolve o sonambulismo euro-
peu com algumas manifestações ocorridas na América. Desse envolvimento 
decorreu sua conversão para a doutrina espírita através do médico, filósofo e 
professor de francês, Denizard Hippolyte Léon Rivail (1804 – 1860), nascido na 
França, na cidade de Lyon. No início de sua carreira Rivail foi Guarda-livros no 
jornal O Universo, se formou em Letras e em Medicina, publicou em 1824 a 
Gramática Francesa Clássica e um ensaio sobre o aperfeiçoamento do ensino 
no seu país. Com intenção de trabalhar como professor, sua principal atividade 
profissional, fundou o Instituto Rivail, fechado em 1835 por dificuldades finan-
ceiras, passando então a ensinar em sua casa filosofia, química, anatomia, as-
tronomia e física, além de, eventualmente, clinicar como médico. 
Rivail interessou-se pelo magnetismo de Paracelso e, no ano de 1850, o 
mesmerismo atraiu mais ainda a sua atenção, passando a integrar o grupo 
dirigido pelo Barão Du Potet, fundador do Jornal du Magnétisme e dirigente da 
Sociedade Magnética de Paris. Embora se considerasse modesto 
magnetizador, Rivail freqüentou sessões de mesmerismo em busca de solução 
para casos de enfermidades de pacientes a ele confiados e tornou-se mais 
tarde, com o pseudônimo de Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita. 
Antes da doutrina de Kardec, entre 1835 e 1845, na Alemanha são 
notáveis as sonâmbulas Adèle Marginot e Gottlieben Dittus, ambas nas 
sessões de magnetismo realizavam curas e atribuíam aos espíritos. Na 
Escócia, na mesma época, o pastor presbiteriano Edward Irving pregava curas 
enquanto falava em sua Igreja em língua estranha, fato comum durante transes 
hipnóticos. Na Inglaterra ocorreram situações semelhantes e migra para a 
América através dos shakers, grupo de religiosos místicos ingleses que, no 
início século XIX, chegaram aos Estados Unidos como colonos. 
No fim da década de 1840, só em Nova Orleans, cidade americana de 
fortes raízes francesa, funcionavammais de cinqüenta centros dedicados à 
prática do espiritismo. Embora nestas sessões a comunicação direta com 
espíritos não era cogitada, admitia-se sua existência e a crença de que eles 
agiam influenciando de alguma forma na vida das pessoas. 
Foi nos Estados Unidos em 1848, numa granja em Hydesville em Nova 
York, que aconteceu o fato envolvendo a família Fox, que ficou conhecido como 
a primeira ocorrência de comunicação direta de pessoas vivas com espíritos 
desencarnados. A família era composta por John, sua esposa Margareth e três 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
102 
filhas, Margareth, Katharine e Ana Lrah de quinze, doze e nove anos, respecti-
vamente. 
Em dezembro de 1847, os Fox foram residir numa casa de madeira que 
tinha fama de mal-assombrada, apesar de sempre ouvirem pequenos ruídos, 
como se fossem batidas nas paredes, a família já estava se acostumando com 
a casa, mas certa noite os ruídos se intensificaram. As duas filhas mais velhas 
logo perceberam que o som respondia a seus estalos de dedos e batidas das 
palmas, como se alguém invisível estivesse querendo se comunicar. Margareth, 
a mais velha, levando na brincadeira e cantando em ritmo de raps, dizia: “Se-
nhor pé rachado, faça o que eu faço”. 42 Seguiu-se o mesmo número de raps ao 
das palmas batidas por Margareth. Em seguida, replicou: “Agora faça exata-
mente como eu. Conte um, dois, três, quatro”. E, bateu palmas, sendo imitada 
nos sons pelo que acreditou ser um espírito. Outras perguntas foram feitas pela 
mãe das meninas, como qual a idade de cada uma, e para espanto da família, 
as pancadas responderam acertadamente. 
A casa dos Fox virou um lugar onde afluíram várias pessoas para presen-
ciar os fatos estranhos e, por causa disso, a família resolveu mudar-se dali e os 
fenômenos pararam. As duas irmãs mais velhas eram sonâmbulas, portanto ti-
nham possibilidades de manifestar certos efeitos parapsicológicos. A notícia 
espalhou-se pela região e, rapidamente, para o resto do país e para o outro la-
do do Atlântico. Chega à França e transforma-se em reuniões em torno de me-
sas girantes e de escritas automáticas, inicialmente como curiosidade e passa-
tempo de salão, depois se associa ao mesmerismo para mais tarde transfor-
mar-se em prática da doutrina kardecista. 
O fato ocorrido com a família Fox passou a ser entendido como uma co-
municação com um espírito. O fenômeno das batidas como resposta às provo-
cações das meninas prosseguiu à vista de outras pessoas que trataram de di-
vulgar a história pelo mundo. Em 1850, na Europa, estas notícias serviram de 
base para o inicio das experiências com “mesas girantes”, contando sempre 
com a presença de sonâmbulas no decorrer das sessões de magnetismo, as-
sociadas com práticas mesmeristas. 
Foi em 1850 que surgiram na Europa as mesas girantes; várias pessoas 
em torno de uma mesa colocavam as mãos sobre o móvel que começava a 
girar ou levantar os pés. Essa prática foi incorporada às sessões de 
mesmerismo nas sociedades magnéticas e todos passaram a acreditar que os 
fluidos magnéticos de uma ou mais pessoas do grupo proporcionavam as 
condições para que isso acontecesse. Quando o efeito começava, geralmente 
se ouvia um pequeno estalido na mesa, isso era o prelúdio do movimento. Essa 
prática virou mania nas casas e salões e logo, o que apenas era diversão, 
passou a ser entendido como se fosse comunicação com espíritos. Cada 
 
42 O termo “pé rachado” deve-se à maneira que os nortes-americanos se referiam ao demônio 
ou “cabra” (N. do A.). 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
103 
pancada do pé da mesa no chão passou a ser entendida como confirmação de 
uma letra, proferida por alguém do grupo e, a junção das letras, formava 
resposta para determinada pergunta. Isto evoluiu para o que veio a se chamar 
escrita automática; uma cesta com 15 a 20 centímetros de diâmetro, na qual se 
amarava um lápis com a ponta para baixo. Mantida em equilíbrio sobre uma 
folha de papel, o sonâmbulo encostava o seu dedo na cesta e ela se deslocava 
escrevendo. 
O movimento da mesa girante, assim como da escrita automática, 
independente da vontade consciente de quem está com as mãos sobre a mesa 
ou com o dedo sobre a cesta, pode acontecer quando nas sessões participam 
pessoas suscetíveis e atingem proporções espetaculares quando essas 
pessoas são sonâmbulas. O próprio ambiente e a ritualidade das sessões 
provoca nas sonâmbulas um transe hipnótico profundo e tem inicio o 
movimento da mesa e da escrita automática. Como ninguém, conscientemente, 
provocou os movimentos, acredita-se que o efeito ocorre por uma ação 
inconsciente e, o que pode ser entendido como uma prática simples envolvendo 
hipnotismo, para alguns passou a ser observado como se fosse obra de 
espíritos comunicando-se com os vivos. 
A iniciação de Allan Kardec no espiritismo ocorreu após reencontrar com 
um amigo, de nome Victorien Sardou, que discorreu acerca do que acreditava 
ser a intervenção dos espíritos em uma sessão de magnetismo e o convidou 
para assistir. Em maio de 1855, foi à casa de uma sonâmbula, a Senhora Roger 
e conheceu o seu magnetizador, o Sr. Fortier, além de outros membros do novo 
grupo. Foi quando, pela primeira vez, presenciou a prática das mesas girantes 
que saltavam e corriam, viu também alguns ensaios de escrita automática. 
Interessou-se pelas explicações transmitidas pelo magnetizador quando dizia 
"parece que já não é somente a pessoa que pode magnetizar". 
A partir das mesas girantes e escritas automáticas, ocorreu para alguns 
mesmeristas a suspeita de que existia algo além do fluido e do magnetismo 
agindo nas sessões de sonambulismo e o sonâmbulo passa a ser conhecido 
como médium. Nome advindo do latim que significa “meio”, definindo aqueles 
sonâmbulos que entravam em transe com o propósito de “intermediar” a 
comunicação entre os vivos e os mortos. 
Em 1857, Allan Kardec acredita ter tido contato, através de um médium, 
com um espírito de nome Zéfiro que lhe diz, entre outras coisas, tê-lo conhecido 
em uma precedente existência, quando, ao tempo dos druidas, viviam juntos na 
Gália e ele se chamava, então, Allan Kardec. Zéfiro prometeu orientá-lo na tare-
fa de escrever a nova doutrina e, Kardec, em 1859 publica com esse pseudô-
nimo o Livro dos Espíritos criando outra versão para o magnetismo, a de que a 
força curativa era atribuída aos espíritos (Obras Póstumas de Allan Kardec). 43 
 
43 KARDEC, Allan. Obras Póstumas, 12. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Departa-
mento Editorial), 1992. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
104 
A premissa de Kardec, fundamentada na filosofia antiga que a tudo 
respondia com base na reflexão do pensamento mítico, herda as teorias do 
magnetismo e se desenvolve absorvendo as práticas mesmeristas. A 
estruturação de sua doutrina tem base no pensamento dos pitagóricos, 
reforçada por Platão, e deriva do magnetismo desenvolvido por Paracelso, 
praticado por William Maxwell, Maximilian Hell, Mesmer e Puységur. 
Platão, como os pitagóricos e outras linhagens de pensadores filosóficos, 
acreditava que a alma existia antes do corpo, continuava a existir após a morte 
e posteriormente entrava em novo corpo prestes a nascer. Em estado puro, era 
a alma capaz de contemplar sem obstáculos o mundo no qual vivemos; ao 
adentrar um novo corpo, porém, ocorria um choque e produzia-se o 
esquecimento. Mas, traços dessa contemplação permaneciam no espírito e 
podiam ser eventualmente reativados. Essa visão, através do pensamento 
mítico, é presente nas escolas filosóficas, na origem da própria filosofia para 
explicar o humano e seu mundo. 
Para Platão 44 a alma é uma substância independente do corpo; é eterna, 
unindo-se a ele de forma temporária e acidental. Quando morre um corpo, a 
alma transmigra para outro. 45 A viagem e a transmigração estão, contudo,condicionada pelos atos praticados na vida anterior. Assim, o novo corpo em 
que reencarnam pertence a uma pessoa com um estatuto social mais elevado 
que o anterior, mas a união da alma com um corpo, não faz desaparecer traços 
da vida antes incorporada. Pelo contrário, estes traços vão sendo substituídos 
à medida que as experiências e a educação despertam na nova vida formas 
mais evoluídas. O sucesso e bem-estar social, como Platão relata em A Repú-
blica, 46 seria conseqüências dessa evolução. 
Conhecendo bem filosofia e vivenciando as práticas do magnetismo 
mesmerista, Kardec inicia uma nova concepção de cura. Em 1858, funda e 
dirige a Sociedade Parisiense dos Estudos Espíritas e cria a Revista Espírita, 
onde populariza sua teoria. Ao escrever a primeira edição da Revista Espírita, 
em março de 1858, destaca que o magnetismo preparou o caminho do 
espiritismo. Afirma que dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do 
êxtase, derivou as manifestações espíritas, e diz que sua conexão é tal que é 
impossível falar de um sem falar de outro. E conclui seu artigo homenageando 
os praticantes do mesmerismo como sendo seus legítimos antecessores: 
Devíamos aos nossos leitores esta profissão de fé, que terminamos com 
uma justa homenagem aos homens de convicção que, enfrentando o 
ridículo, o sarcasmo e os dissabores, dedicaram-se corajosamente à 
defesa de uma causa tão humanitária (KARDEC, Revista Espírita, 1858). 
 
44 PLATÃO. Fédro. Porto Alegre, Editora Globo, 1950. 
45 Tanto para Platão como na linguagem kardecista, o conceito de alma é atribuído a um 
espírito encarnado, quando a alma desencarna torna-se espírito (N.do A.). 
46 Platão. A República. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
105 
Referindo-se a importância da terapia praticada nas sessões mesmeristas, 
Kardec em 1868, ao escrever a quinta e última obra básica da sua doutrina, A 
Gênese, faz referencia às curas através da ação do fluido universal e invisível. 
Destacando que as curas fluídicas seriam variedades da ação do magnetismo 
diferindo apenas pela potência e rapidez da ação do magnetismo que o 
transmitia. “O princípio é sempre o mesmo: é o fluido que desempenha o papel 
de agente terapêutico, e o efeito está subordinado à sua qualidade e 
circunstâncias especiais”. 
Entusiasmado com os primeiros resultados das suas idéias, Kardec 
exerce sua formação acadêmica de escritor e produz a bibliografia clássica da 
nova crença, composta por cinco livros: o principal é o Livro dos Espíritos 
(1859), 47 seguindo do Livro dos Médiuns (1861), o Evangelho segundo o 
espiritismo (1864), O céu e o Inferno (1865), e A Gênese (1868), se somado a 
essa coleção as Obras Póstumas de Allan Kardec. Esses livros contribuíram 
prodigiosamente para dar ao espiritismo o aspecto dogmático e religioso que 
seus seguidores têm conservado e respeitam estritamente. Cada vez mais a 
literatura espírita reúne verdadeiros talentos de autores, escrevem de modo 
sedutor e sob forma tão persuasivas, que encantam a imaginação e adormece 
o senso crítico da maioria dos leitores. 
A doutrina Kardecista defende como princípio a existência de Deus, força 
cósmica criadora do universo, e a existência do espírito que se liga ao corpo 
físico e a memória dos atos praticados. Defende o conceito de reencarnação 
como o processo que permite os espíritos voltar ao plano material para expiar 
os erros do passado ou para estimular o progresso dos outros seres humanos. 
Admite ainda a pluralidade de mundos; inclusive paralelos e invisíveis para a 
maioria das pessoas, onde o nosso seria um daqueles em que o espírito se 
manifesta. Admite também o carma, na acepção de destino, que estabelece a 
lei de causa e efeito, segundo o qual nossa vida seria uma decorrência da 
conduta que tivemos em vidas anteriores, numa prestação de contas que regula 
as sucessivas encarnações. 
Fundamentado na crença da existência do espírito independente do corpo 
e em seu retorno à Terra em sucessivas encarnações até atingir a perfeição, 
Kardec considera o homem como o único responsável por sua felicidade, já que 
tudo depende de seus atos. Condena o egoísmo, o orgulho, a hipocrisia e 
prega o amor ao próximo como meio de atingir a maturidade espiritual. Afirma 
que as reencarnações permitem a evolução gradativa do espírito para se 
redimir de erros passados. Todas as faltas podem ser reparadas e, em alguns 
casos, defeitos físicos são considerados como parte do processo de 
purificação. Como o corpo é um instrumento para voltar à Terra, quando o 
espírito atinge a perfeição não precisa mais reencarnar. 
 
47 KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, 49. Edição, R. J. Federação Espírita Brasileira (Depar-
tamento Editorial), 1983. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
106 
Segundo Kardec, os espíritos interferem na vida terrena pela 
mediunidade, capacidade natural de comunicação entre eles e os homens. O 
médium é a pessoa a quem os espíritos recorrem para contar como estão após 
da morte do corpo físico, fazer revelações e aconselhar os vivos. Isso acontece 
por meio da psicografia ou escrita automática que neste caso é entendida como 
se o próprio espírito escrevesse através do médium ou da incorporação; 
quando o espírito apodera-se do corpo do médium para falar aos vivos. Os 
espíritos superiores provem o bem e os inferiores dão más orientações. 
A doutrina Kardecista, desde o seu aparecimento até os dias de hoje, não 
encontra boa receptividade na Europa, principalmente na França onde surgiu. 
Quanto à repercussão de suas idéias na França, após dez anos da primeira e-
dição de O Livro dos Espíritos, Kardec, em 1867, assim se exprime: 
Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da 
inveja e do ciúme; têm sido publicados contra mim infames libelos; as mi-
nhas melhores instruções têm sido desnaturadas; tenho sido traído por a-
queles em quem depositara confiança, e pago com a ingratidão por aque-
les a quem tinha prestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido um 
contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam a meu favor, e 
que, mostrando-se amáveis em minha presença, me destratavam na au-
sência. Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalari-
ados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais 
tenho conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do 
trabalho, tem-se-me alterado a saúde e comprometido a vida (Obras Pós-
tumas de Allan KARDEC). 
Na Espanha o catolicismo combateu fortemente as idéias de Kardec, 
inclusive promovendo queima em praça pública dos seus livros. Mas, nas 
Américas foi rapidamente difundida e aceita, conquistando progressivamente 
uma imensa legião de adeptos e simpatizantes. Isto, em parte, é justificado pelo 
fato de que, baseados na filosofia de Pitágoras e Platão, e nas práticas de 
curas realizadas por Puységur e seus sonâmbulos, algumas sessões 
mesmeristas passaram a ser aceitas como espíritas. Bem antes de Kardec, na 
França, na Alemanha, na Escócia e na Inglaterra, de onde migram para os 
Estados Unidos, sessões mesmeristas passam a ser consideradas como 
espíritas. 
Fortemente difundido nos Estados Unidos da América do Norte, o kader-
cismo percorre as Américas, chegando ao Brasil por volta de 1865. Aqui encon-
tra ótimas condições para prosperar, como a tolerância para diferentes crenças 
religiosas e múltiplos fatores sociais e culturais de fáceis ajustes a nova doutri-
na. Na atualidade o Brasil é considerado como a nação que congrega maior 
número de espíritas no mundo. São 2,3 milhões de espíritas no Brasil, segundo 
censo de 2001 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE. Mas, a 
Federação Espírita Brasileira estima em mais de 30 milhões de pessoas que 
freqüentam cerca de 10 mil centros ou instituições espíritas espalhadas peloPaís. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
107 
O kadercismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo 
substituído mais tarde pelo hipnotismo. Considerando que o kadercismo é um 
viés do mesmerismo, resta definir precisamente as diferenças e semelhanças. 
Tem quem afirme que o mesmerismo é diferente do hipnotismo, esta tese 
é defendida por Alphonse Bué, magnetizador e seguidor fiel do mesmerismo. 
No livro Magnetismo Curador (1919), Bué descreve como obteve, através do 
magnetismo, centenas de curas de pacientes desenganados e, embora não se 
refira ao espiritismo, seu livro serve como um manual para prática de “passes” 
nas sessões espíritas. Publicado em dois volumes, o primeiro baseado nos 
aforismos de Mesmer, é um manual prático, ensina como magnetizar pontos 
anatômicos e seus efeitos. O segundo volume retrata a teoria mesmerista. Em 
1940 foi traduzido para o português e impresso no Rio de Janeiro, sob os 
auspícios da FEB - Federação Espírita Brasileira, por H. Garnier, livreiro e 
editor, e, em 1946, foi impressa a segunda edição pelo departamento editorial 
da FEB com objetivo de ensinar, aos praticantes do espiritismo, como conduzir 
as sessões de “passes”. 
Tem quem não acredita no espiritismo e também afirma que o 
mesmerismo é diferente do hipnotismo; Paul C. Jagot 48 nega o espiritismo e 
afirma que magnetismo, hipnotismo e sugestão são teorias diferentes entre si. 
Justifica a eficácia do magnetismo com base nas idéias de Mesmer, 
diferenciando do hipnotismo com base nas práticas de Charcot (escola de 
Paris), e da sugestão com base nas práticas de Liébeaut (escola de Nancy). 
Assim também pensa o Padre católico Oscar Quevedo, 49 absolutamente 
contrário à teoria Kardecista nega qualquer possibilidade de manifestação de 
espíritos de pessoas mortas e acredita que no mesmerismo ocorre sim a 
transferência de uma espécie de energia entre pessoas, a qual denomina de 
telergia. Segundo afirma, “algumas pessoas parecem ser dotadas, capazes de 
liberar certas forças parapsicológicas, concretamente chamadas de 
magnetismo animal”. Contudo, existe consenso de que, não sendo estas forças 
explicadas como efeito da sugestão, sua transferência pode ser facilitada pelo 
transe hipnótico. Também é consenso que o transe do médium (manifestando 
espírito) apresenta idêntica sintomatologia observada no sujeito hipnotizado 
(transe hipnótico). 
Mesmerismo e psiquiatria 
John Ellioston (1791-1868), médico inglês e uma das figuras mais 
eminentes da história médica britânica, em 1830 foi nomeado Presidente da 
Royal Medical and Surgical Society e um dos fundadores do University College 
Hospital, em Londres, introduziu o uso do estetoscópio na Inglaterra, 
juntamente com os métodos de se examinar o coração e os pulmões da forma 
que são utilizados até hoje. Assistiu algumas demonstrações de mesmerismo e 
 
48 JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S. 
Paulo, Editora Mestre Jou, 1959. 
49 QUEVEDO, Oscar Gonzáles. As forças físicas da mente, S. Paulo, v. I, editora Loyola, 1992. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
108 
começou a trabalhar essa técnica com seus pacientes, entre 1843 a 1855. Foi 
quem primeiro usou a hipnose, ainda conhecida como mesmerismo, no 
tratamento da histeria dentro do ambiente hospitalar. 
Em suas experiências pode observar que a hipnose se mostrava eficiente 
nos casos em que o quadro psicopático estava ligado a uma neurose histérica, 
na dispsomania e na psiconeurose e, naturalmente, nas pessoas praticamente 
normais que apenas apresentavam desequilíbrio emocional temporário. 
Aconselhava que o mesmerismo para fins psiquiátricos deve ser empregado 
apenas quando o doente se apresenta para o tratamento por sua livre e 
espontânea vontade, pois, em tal caso, havia de se beneficiar porque, ao 
desejar tratar-se, demonstrava nisso fortes indícios de pouco comprometimento 
das suas funções cerebrais, condição necessária para ser induzido ao transe. 
Mesmo tendo Ellioston obtido resultados satisfatórios no tratamento da 
neurose histérica, da melancolia acompanhada de delírio, das idéias fixas e nos 
casos mais benignos das psicopatias, logo de início percebeu que não se 
consegue hipnotizar portadores de graves enfermidades mentais, descartando 
esse método de tratamento para loucos e retardados. 
Embora seu primeiro objetivo tenha sido a utilização da hipnose como 
expediente nos tratamentos psiquiátricos, começou também a introduzir o “sono 
magnético” na prática hospitalar para aliviar dores dos pacientes. Utilizava 
como anestesia local para diminuir a dor durante cirurgias. 
Os métodos de tratamento de Ellioston não tardaram em criar uma onda de 
oposição. E o Conselho Universitário acabou por proibir o uso do mesmerismo 
no hospital da Universidade onde trabalhava. Em virtude disso, pediu demissão, 
deixando a famosa declaração: 
A Universidade foi estabelecida para o descobrimento e a difusão da 
verdade. Todas as outras considerações são secundárias. Nós devemos 
orientar o público e não deixar-nos orientar pelo público. A única questão é 
saber se a coisa é ou não verdadeira (ELLIOSTON). 
Demitido da Universidade, Ellioston continuou seu trabalho com o 
mesmerismo e em 1843 fundou o Ziost, um jornal que tratava do novo método 
de tratamento, da psicologia cerebral e suas aplicações para o bem-estar 
humano. Posteriormente fundou em Londres o Mesmeric Hospital, no qual o 
mesmerismo era largamente utilizado. Ali muitos médicos aprenderam o novo 
método de cura. 
Ellioston morreu em 1868, mas bem antes outros médicos adeptos do 
Mesmeric Hospital anunciavam seus feitos terapêuticos, em toda parte do 
mundo, principalmente anestésicos. Na Alemanha, na Áustria, na França e nos 
Estados Unidos realizavam intervenções cirúrgicas sob sono magnético. Na 
América, Albert Wheeler remove um pólipo nasal de um paciente, enquanto o 
magnetizador Phineas Quimby atuava como anestesista. Em 1829 Jules 
Cloquet usou o mesmo recurso anestésico numa mastectomia. Jeanne Oudt 
comunica à Academia Francesa de Medicina seus sucessos magnéticos 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
109 
obtidos em extrações de dentes, afirmando ter realizado mais de 200 
intervenções cirúrgicas absolutamente sem dor. Do ponto de vista da ciência 
estes fatos eram desacreditados e, neste sentido observa Weissmann: 50 
É curioso registrar que a ciência ortodoxa de então rejeitava não somente 
as teorias mesmeristas, mas também os fatos, quando poderia ter 
aceitado o fenômeno e rejeitada apenas a teoria. Acontece que, em 
relação ao mesmerismo, nem mesmo os fatos eram aceitos 
(WEISSMANN). 
Mesmerismo e anestesia 
James Esdaille (1808–1859), médico nascido em Perth, na Escócia, for-
mou-se em medicina em 1830, conhecia os trabalhos de Ellioston e começou a 
clinicar na Índia onde fez, em 1845, suas primeiras experiências de anestesia 
magnética com excelentes resultados. Seus pacientes sofriam as mais severas 
intervenções cirúrgicas, inclusive amputações sob sono magnético, mas eram 
apontados pela medicina ortodoxa como “um grupo de endurecidos e renitentes 
impostores que sofriam sem reclamar só para provar uma mentira como verda-
de”. 
O lugar de Esdaille na história do hipnotismo se justifica por ter sido ele 
um pioneiro na luta pelo reconhecimento da hipnose como um instrumento 
valioso na cirurgia. Começou sua prática como médico da British East India 
Company, na Índia e, inspirado na leitura dos trabalhos de Ellioston, realizou 
mais de três mil intervenções cirúrgicas com pacientes sob efeito do “sono 
magnético”. Em Calcutá, além dos milhares de intervenções cirúrgicas leves e 
centenas de operações profundas, realizou dezenove amputações apenas sob 
o efeito da anestesia hipnótica. Essa prática só diminuiu quando surgiu o 
emprego do éter e do clorofórmio como agentes anestésicos. 
Esdaille, assimcomo Ellioston, empregava expedientes magnéticos do 
ritual mesmerista, os passes eram acompanhados de leves pancadas pelo 
corpo do paciente, ao passo que olhava de perto os olhos e concentrava as 
pancadas na área a ser operada. Ainda, em intervalos regulares, soprava-lhes 
levemente a cabeça, os olhos e a boca. Esse processo prolongava-se 
geralmente por uma hora ou mais, até que o paciente estivesse em condições 
de sofrer a intervenção cirúrgica. Esdaille relata inúmeros casos de cirurgias 
sob o efeito mesmerista, sem anestesia e sem dor, quando publica sua 
experiência na Índia. 51 
As publicações médicas recusavam-se a aceitar as comunicações do 
cirurgião escocês e o Caleutta Medieal College moveu-lhe insidiosa campanha 
de desmoralização; a anestesia não valia como prova de coisa alguma e, os 
médicos faziam circular a notícia de pacientes que haviam sido comprados para 
 
50 WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. História, Teoria e Prática da Hipnose. RJ, Ed. Prado, 1958. 
. 
51 ESDAILLE, J. Mesmerism in Índia and its Pratical Applications. In: Suurgery and Medicine, 
Londres, Hyppolite Baillière, 1852. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
110 
simular a ausência de dor. Esdaille foi julgado pela Sociedade Britânica de 
Medicina e uma testemunha, depondo em seu favor, disse ter assistido a 
extirpação de um olho, enquanto o paciente magnetizado acompanhava com o 
outro olho o andamento da operação sem pestanejar. 
Os fatos eram de esmagadora evidência. Contudo, contra Esdaille todos 
os argumentos eram empregados, inclusive o bíblico: “Deus instituíra a dor 
como uma condição humana, portanto, era sacrílega a anestesia do 
magnetizador”. Idêntico argumento foi usado contra Benjamin Franklin, o pára-
raios era condenado como uma tentativa ímpia de anular a vontade de Deus. 
Weissmann citando The Lancet, a mais velha revista médica inglesa, em 
circulação até 2001, na época publicou a seguinte admoestação: 
O mesmerismo é uma farsa demasiadamente estúpida para que se lhe 
possa conceder atenção. Consideramos seus adeptos como charlatões e 
impostores. Deviam ser expulsos da classe profissional. Qualquer médico 
que envia um doente a um charlatão mesmerista devia perder sua clientela 
para o resto dos seus dias (The Lancet, apud WEISSMANN). 
Sofrendo grande perseguição, Esdaille teve que abandonar o hospital e, 
completamente desacreditado, voltou à Escócia. Mudou-se posteriormente para 
a Inglaterra, onde não teve melhor sorte. Suas comunicações científicas nos 
órgãos especializados ingleses foram recusadas. Mas, por sua conta, consegue 
publicar um protesto em 1846, do qual se destaca o depoimento: 
Meu artigo não foi publicado; remeti então um trabalho mais amplo 
contendo um panorama de todos os meus casos cirúrgicos. Foi este 
também rejeitado por sua “impraticabilidade”. Ouvi dizer que foi dada como 
razão para a não publicação do meu trabalho o fato de que, embora 
ninguém duvide dos fatos narrados, aplica-se apenas aos nativos da Índia. 
Mas, pelo que eu saiba, nenhum jornal médico admitiu até hoje a realidade 
das operações mesméricas indolores mesmo na Índia, nem inseriu um só 
dos numerosos casos já verificados em Londres, Paris, Cherburgo e etc. 
Tais fatos não são admitidos ou levados ao conhecimento de outrem por 
medo das conseqüências. Supondo, porém, que só aos nativos da Índia se 
aplique o mesmerismo, não seria interessante para cirurgiões, médicos, 
fisiologistas e até filósofos saber por que esses 120 milhões de orientais 
(mesmo que os suponha macacos) são tão suscetíveis às influências 
mesméricas a ponto de permitirem intervenções cirúrgicas e outros 
benefícios, naturalmente por disposições hereditárias? Tem sido dito aos 
leitores desses jornais que seus colegas médicos que se dedicam ao 
estudo do mesmerismo são tolos ou charlatões. Porém, um homem como 
eu, que jamais teve clínica particular, não posso entender assim. Se 
formos idiotas, deveríamos ser encorajados a escrever o suficiente a fim 
de, mais rapidamente e efetivamente, sermos desmascarados e expostos. 
Estou convencido de que em um ponto concordamos; todos gostam de 
tirar as próprias conclusões e ninguém deve se submeter à venda nos 
olhos ou a ser conduzido pelo nariz das pessoas que pagamos para que 
nos mantenham bem informados dos novos eventos e do progresso 
alcançado pela nossa profissão em todo o mundo. Pretender que haja uma 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
111 
imprensa médica livre na Grã-Bretanha é uma pilhéria e uma desilusão. A 
prova disso é que os médicos que dispõem de imaculada reputação 
profissional e privada honestidade de suas realizações, não tem permissão 
de se fazerem ouvir no seu órgão de classe, como se estivessem 
contrariando os interesses e as convicções pessoais dos editores... 
(ESDAILLE). 52 
A Sociedade Britânica de Medicina acabou por interditar a Esdaille o 
exercício profissional. Contam seus biógrafos que, após a interdição, passou 
boa parte da sua vida como anônimo e morreu no mais completo ostracismo. 
Mesmerismo e sugestão 
No mesmo ano em que faleceu Mesmer apareceu em Paris um português, 
José Custódio de Faria (1756-1819), mais conhecido como Abade Faria, nasci-
do e criado em Condoline de Bardez, nos arredores de Goa, capital das Índias 
Portuguesas. Segundo informam seus biógrafos, o Abade Faria descendia de 
uma família de brâmanes hindus convertida ao cristianismo no século XVI. Aos 
15 anos chegou a Lisboa, onde iniciou seus estudos que concluiu em Roma. 
Em 1780 foi ordenado sacerdote e recebeu o titulo de doutor em teologia. Re-
gressou a Portugal e posteriormente, em 1788, se instalou na França, onde par-
ticipou do movimento revolucionário. 
Em Paris o Abade Faria travou relações com o Marquês de Puységur e, 
estimulado pelo Marquês, na época da conturbada reestruturação política fran-
cesa, entregou-se de corpo e alma à carreira do hipnotismo. Em sua pesquisa 
adiantou-se ao mestre em muitos pontos, foi o primeiro a mostrar que hipnose 
não era sinônimo de sono e desenvolveu um método de indução que era prati-
camente o atual. Na linguagem da hipnose moderna, iniciou a doutrina da su-
gestão pura, a escola da hipnose sugestiva. 
Abade Faria recomendava ao hipnotizável o relaxamento muscular, fitava-
lhe firmemente os olhos e em seguida ordenava em voz alta: “DURMA!” A 
ordem era várias vezes repetidas e observava que, em alguns indivíduos, isso 
era o bastante para entrarem imediatamente no transe. Não obstante ordenar o 
sono, Abade Faria muito contribuiu para o desenvolvimento daquilo que, um 
século e meio mais tarde, se chamaria de hipnose acordada. 
O Abade foi o primeiro hipnotista na acepção da palavra, suas teorias 
eram despidas de toda ingerência mística, reconheceu o lado subjetivo do 
fenômeno em toda sua extensão e propagou que a hipnose se produzia e se 
explicava em função do hipnotizado e não do hipnotista. Dizia que o transe 
estava no próprio hipnotizado e não era devido a nenhuma influência 
magnética, nada de fluido misterioso, magnetismo, forças invisíveis, cristais, 
passes ou água magnetizada, tudo, para ele, era uma questão de sugestão. É 
dele a frase bastante citada na historia do hipnotismo: “Não posso conceber 
como a espécie humana foi procurar a causa deste fenômeno na tina de 
 
52 ESDAILLE, J. Hypnosis in medicine and surgery [Reprin]. N. York, Julian Press, (1846) 1957. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
112 
Mesmer, ou na vontade externa, ou a mil extravagâncias ridículas deste 
gênero”. 
A maior contribuição do Abade Faria para a hipnose foi no sentido de 
identificar o fenômeno hipnótico como sendo resultado apenas do hipnotizado e 
por efeito de sugestão. Separando a hipnose da doutrina mesmerista ele inicia 
outra, a doutrina da sugestão. Sua forma de perceber a hipnose chega ao 
século XXI como se fosse atual. 
Egas Moniz,prêmio Nobel de Medicina e um dos maiores expoentes da 
psiquiatria, na primeira metade do século XX publicou artigos, textos e livros 
sobre hipnose. Em um dos muitos trabalhos que escreve sobre o tema, declara 
que o Abade Faria foi o autor que mais contribuiu para o entendimento da 
hipnose moderna: 
O Abade Faria viu o problema da hipnose em suas próprias bases com 
uma grande precisão e com clareza. Foi ele o primeiro a marcar a hipnose 
nos seus limites naturais... Foi ele que defendeu, pela primeira vez, a 
doutrina sobre a interpretação dos fenômenos do sonambulismo, ponto de 
partida de toda sua doutrina filosófica. O mais importante, porém, é a sua 
contribuição à doutrina da sugestão (MONIZ). 53 
O nome do Abade Faria era muito popular na França, sua figura era vista 
com freqüência nos salões da nobreza e da alta sociedade parisiense onde 
viveu, ao mesmo tempo, horas de glória e de fracasso. Foi professor da cadeira 
de Filosofia na Academia de Marselha e, sem nunca ter estudado medicina, foi 
proclamado membro da Ordem dos Médicos. Em Paris abriu uma escola de 
hipnose, depois que a polícia lhe proibira as experiências de hipnotismo em 
Nimes. Mesmo explicando a verdade sobre o hipnotismo, ele não escapou à 
perseguição maliciosa dos seus contemporâneos e, envolvido nas agitações da 
política francesa, sofreu muita perseguição. 
Conta à história que o Abade teria morrido encarcerado no castelo da ilha 
de If, em Esterel, perto de Marselha, onde fora lançado por motivos políticos. 
Sua vida foi descrita por um antigo funcionário da polícia parisiense que afirma 
ter sido ele o caso verdadeiro que serviu de fonte inspiradora para o romancista 
Alexandre Dumas (1802-1870), autor de O Conde de Monte Cristo publicado 
por volta de 1845. Seria o Abade o verdadeiro personagem que morreu na 
prisão, deixando toda sua fortuna para um companheiro condenado devido a 
uma denúncia falsa. Assim, tornou-se personagem de uma das mais famosas 
obras de ficção. O Abade Faria é transformado pelo autor romancista como um 
dos seus principais personagens. 
Brandismo 
James Braid (1795-1860) médico cirurgião escocês, nascido em Rylaw House, 
em Fifeshire. Depois de trabalhar na Escócia durante um curto período de tem-
po, mudou-se para Manchester, Inglaterra, onde viveu até sua morte. Embora 
 
53 MONIZ, Egas. El Abade Farias en la história de la hipnosis. B. Aires, Ed. Poblet, 1963. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
113 
também não tenha escapado às campanhas maliciosas da classe médica, 
mesmo que mais brandas do que as contra seus antecessores. Braid foi tão 
importante para o desenvolvimento da hipnose que seu método passou a ser 
chamado de Brandismo. Na linguagem moderna, inicia a escola da hipnose 
sensorial. 
Por volta da década de 1840, Braid marcou o início de uma nova fase, o 
magnetismo animal passa a ser conhecido como hipnose e o termo mesmeris-
mo como hipnotismo, iniciando outra linha de pesquisas e controvérsias. Mas, 
sem que os fatos hipnóticos fossem ser negados ou se duvidasse da respeitabi-
lidade e do valor dos seus estudos. 
Com o propósito de desmascarar o que acreditava ser uma charlatanice, 
Braid foi assistir em Londres, no dia 13 de novembro de 1841, a uma 
demonstração do famoso Charles Lafontaine, um magnetizador suíço discípulo 
do Marquês de Puységur, que na ocasião se exibia em sensacionais 
espetáculos públicos na Inglaterra. Na sessão, uma jovem foi induzida ao 
transe profundo quando o magnetizador fixando-lhe o olhar e segurando-lhes 
os polegares, a fez cair em sono profundo, Braid e outros colegas médicos 
cercaram a paciente na intenção de verificar uma possível fraude. Um dos 
presentes, o Doutor Wilson, oftalmologista, lembrou-se de examinar as pupilas 
levantando as pálpebras da jovem, encontrando-as fortemente dilatadas. Às 
escondidas, Braid espetou um alfinete na magnetizada e não houve nenhuma 
reação, nenhum gesto, Braid saiu de lá impressionado. Ele não acreditava nos 
fluidos astrais nem em forças estranhas e sobrenaturais que constituíam a 
maioria das explicações dos magnetizadores. 
A primeira vez que assistiu a demonstração de Lafontaine não convenceu 
Braid, no entanto, sua curiosidade fez com que assistisse, uma semana depois, 
a uma segunda demonstração e, aí, aceitou o fenômeno, mas não a explicação. 
Estava Braid, diante de um fato e em busca de uma resposta que não fosse a 
do magnetismo animal, por considerar esta uma afronta à dignidade científica 
da época. Era a velha prevenção contra tudo o que é invisível, tudo que não é 
concreto e palpável. Prevenção essa que, de certo modo, ainda persiste na 
época atual. 
Tendo observado que Lafontaine olhava fixamente nos olhos da 
hipnotizada, passou a acreditar que a fascinação ocular era responsável pela 
indução, concluiu Braid que a causa física do transe era o cansaço visual. 
Experimentou reproduzir o fenômeno em casa, mandando que a sua esposa 
olhasse para o ornato da tampa de um açucareiro de porcelana e que o 
cunhado e um criado fixassem a visão olhando firmemente o gargalo de um 
vaso ornamental. Nos três o intento foi positivo, todos entraram em transe. 
Para Braid o transe assemelhava-se a um estado de sono que podia ser 
induzido através do cansaço visual, não dependia de poderes do magnetizador, 
nem de influências astrais, minerais ou sobrenaturais, era algo físico, mecânico, 
de ordem fisiológica. Baseado em suas hipóteses, para facilitar a indução 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
114 
inventa equipamentos como bolas brilhantes, espelhos giratórios e outros 
objetos que prendesse a atenção do paciente olhando fixamente como se 
fascinado. O objeto brilhante que mais fácil dispunha era o seu relógio de bolso, 
daí a idéia do relógio que balança ante os olhos do hipnotizado. Para a fixação 
do olhar, mandava ainda seus pacientes olharem fixamente para a chama de 
uma vela acesa. O processo da indução hipnótica pelo cansaço visual passou a 
fazer escola. 
No começo de suas experiências, Braid colava uma rolha de garrafa à 
testa do paciente e fazia com que ele a olhasse atentamente; a obrigação de 
conservar constantemente os olhos dirigidos sobre um objeto tão próximo, 
convulsionava a vista e fatigava. Isso muitas vezes forçava-os a abandonar a 
experiência antes do fim e, por isso, foi necessário modificar o processo. Na 
nova versão, foi adotado um objeto brilhante entre o dedo polegar e o médio da 
mão esquerda, numa distancia de 25 a 45 centímetros dos olhos, em posição 
tão acima da testa, que se tornava necessário o maior esforço dos olhos e das 
pálpebras, para que o paciente o fixasse. 
Braid, preocupado em estabelecer as causas físicas dos fenômenos 
psíquicos, fica também convencido da existência de pontos na cabeça dos 
pacientes aos quais chamou de termomagnético. Acreditava que uma leve 
pressão nesses pontos provocava a manifestação de sentimentos específicos. 
Fricções suaves nos lados do rosto despertariam sentimentos como auto-
estima, benevolência, fraternidade e caridade. Os pontos localizados no alto da 
cabeça, na nuca e no pescoço, provocavam sentimentos de carinho, afetividade 
e proteção, entre outros. No tórax, na altura do peito, segurança e confiança. 
No abdome, despertaria relaxamento e tranqüilidade. Sentimentos estes que 
ele denominava de idealidades. Mas, antes de Braid, esses pontos também são 
referidos nos aforismos de Mesmer como sendo aqueles que promovem curas 
através de magnetizações com a imposição das mãos, “passes”, fricções e 
insuflações (sopros). 
Braid procurou demonstrar que o transe assemelha-se a um estado de 
sono e que podia ser induzido por agente físico. Continuou no procedimento 
com seus pacientes, fazendo com que estes olhassem para uma luz ou objetos 
brilhantes. Depois dele, até hoje, os livros populares sobre hipnotismo insistem 
em ensinar o desenvolvimento do método pela fadiga ocular atravésdo 
deslumbramento de pontos ou objetos. Essa técnica tornou-se clássica, sendo 
muito usada na segunda metade do século XIX e o início do século XX, com o 
nome de procedimento de Braid. 
Braid, baseando o transe num princípio onírico, deu-nos a palavra 
hipnotismo, derivada do vocábulo grego hypnos, que significa deus do sono. 
Todavia, o sono hipnótico não se confundia com o sono normal e, associando 
isso aos conceitos neurofisiológicos que aprendera na medicina, passou a 
descrever o transe como sendo um nervous sleep ou sono nervoso provocado. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
115 
Já quase no fim de sua carreira, Braid descartou-se em parte do seu 
método do cansaço visual pela fascinação, pois descobriu que podia hipnotizar 
cego ou pessoas em recintos obscurecidos. Dessa observação em diante, 
passou a dar maior importância à sugestão verbal e a toques físicos no corpo 
do paciente. Não tardou em descobrir que também o sono não era necessário 
para produzir o fenômeno hipnótico. 
Quando Braid se convenceu de que hipnose não era sono, tentou mudar a 
designação de hipnose para monoideísmo, termo que mais adequadamente 
descreve o fenômeno como sendo um pensamento único. No entanto, a palavra 
hipnotismo já estava muito divulgada e se havia firmado de tal forma no uso 
popular que, certo ou errado, é o nome que vigora até hoje. 
Depois de muita observação e experiências, Braid solicitou da Bristih 
Association, Medical Section a inclusão de seu nome para uma comunicação. 
Recusaram-no, pois havia uma outra muito mais importante, com o seguinte 
título: “Como diferençar as aranhas novas das velhas pelo exame dos 
respectivos palpos”. Isto não impediu que Braid divulgasse sua teoria sobre 
hipnose. Em 1843, publicou seu livro no qual expõe seu método para o 
tratamento de enfermidades nervosas. 54 A publicação de Braid encontra 
melhor aceitação na França e na Alemanha do que na sua terra natal. Em 
1874, o Dicionário de Medicina aceita publicar seus conceitos que são 
traduzidos em diversos países. Após Braid, antigas denominações como 
magnetismo, sono magnético, mesmerismo ou sonambulismo deram lugar ao 
termo hipnotismo. 
Mesmo considerando Braid como pai do hipnotismo, muito antes dele, o 
Abade Faria tinha idéias modernas e corretas, explicando a hipnose como um 
fenômeno produzido por sugestão. E, antes do Abade, o jovem médico de Paris 
que praticava mesmerismo, Alexander Bertrand (1795-1831) já apontava o 
estado hipnótico como sendo tudo, dizia, uma sugestão aplicada. Foi também 
um dos pioneiros a aconselhar o uso da hipnose como agente terapêutico e, 
por isso, sofreu pressões da classe médica. 
Em 1823 Bertrand publicou o livro Traité du Somnambulisme e, três anos 
mais tarde, lançou um segundo, Du Magnétisme Animal en France, afirmando o 
papel importante da sugestão nos fenômenos atribuídos ao magnetismo animal. 
Ele observara a conexão entre o sono magnético, o transe coletivo e o 
sonambulismo, chegando à conclusão de que as curas e demais sintomas, 
antes atribuídos ao magnetismo animal, não passavam de meras sugestões do 
magnetizador agindo sobre a imaginação de um paciente, cuja 
sugestionabilidade foi aumentada pelo processo de indução. 
Bertrand morreu aos 36 anos de idade, se tivesse vivido mais tempo 
talvez houvesse antecipado a aceitação pela classe médica do transe induzido 
 
54 BRAID, James. Neuropnology, or the rationale of nervous sleep [Reprin]. London, George 
Redway, 1899 [Reprin, 1958]. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
116 
por sugestão como procedimento de cura. A história considera Bertrand e o 
abade Faria como sendo o ponto de transição entre o magnetismo e o 
hipnotismo. Sobre isso escreveu Pierre Janet (1859 -1947): 55 
Bertrand antecipou-se ao Abade Faria e a Braid. Foi o primeiro a afirmar 
francamente que o sonambulismo artificial podia explicar-se simplesmente 
à base das leis da imaginação. O hipnotizado dorme simplesmente porque 
pensa em dormir e acorda porque pensa em acordar. A publicação do 
Abade Faria, do general Noizet na França e a de Braid na Inglaterra, só 
contribuíram com uma formulação mais clara destes conceitos, 
desenvolvendo esta interpretação psicológica em forma mais precisa 
(JANET). 
Hipnodontia 
Faz parte também da história da hipnose a sua aplicação em odontologia; 
essa prática é conhecida como Odontohipnose ou Hipnodontia. Em 1837 o den-
tista francês Jean Tienne Oudt comunicou à Academia Francesa de Medicina 
haver extraído molares sob o sono magnético, usava-se ainda a terminologia 
mesmerista para designar o fenômeno. 
Oudt inicia a prática da hipnose nos tratamentos odontológicos, para solu-
ção do problema da dor em extrações. Mas com o passar do tempo passou a 
ser usada também para melhorar as reações psicofísicas, próprias do ambiente 
do gabinete dentário, em pacientes que tinham horror a agulhas, a brocas, e até 
ao barulho produzido pelo maquinário odontológico. 
Depois de Oudt quem mais se destacou nesta área foi o dentista Aaron A. 
Moss, pioneiro da hipnodontia na América do Norte e o terceiro presidente do 
Instituto Americano de Hipnose. Ele foi responsável, em 1966, pela primeira 
filmagem do uso da Hipnose na Odontologia e desenvolveu um método que 
resulta de um ligeiro relaxamento muscular, exercício de respiração e sugestão 
especifica. 56 
A indiscutível eficácia da hipnose na odontologia fez com que G. F. 
Kuehner, 57 também dentista, elaborasse uma adaptação ao método de Moss 
para aplicações em odontopediatria. A novidade era usar na indução a própria 
linguagem do paciente infantil. Segurando a mão da criança picava levemente 
com uma agulha ou outro instrumento pontiagudo, perguntando à criança pela 
sensação que experimentava. A resposta poderia ser, dói, ou coisa parecida. 
Em seguida comprimia a mesma área com o dedo indicador e, perguntava; “e 
agora o que está sentindo?” A resposta provável seria não dói ou está 
apertando ou coisa semelhante. Ato contínuo ele fechava os próprios olhos 
diante do paciente, fingindo sono, relaxar ou dormir. Assumida essa postura, 
perguntava de novo, “e agora, que tal?” O pequeno paciente responde nesta 
 
55 JANET, Pierre. The major symptoms of hysteria. N. York, Macmillan, 1920. 
56 MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal of medical 
hypnotism, v. 6, n. 03, 1955. 
57 KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. N. York, MacGraw-Hill Book Company, 1956. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
117 
situação “sono, noite, cama, etc.” Guardando mentalmente as palavras 
proferidas para serem usadas ao proceder à indução, o êxito da sugestão era 
mais fácil e mais rápido. 
Em odontologia pode ser utilizada a sugestão pós-hipnótica; os pacientes 
submetidos ao transe de nível médio podem ser anestesiados pós-
hipnoticamente, o que é feito quando o hipnotista (não necessariamente 
dentista), apalpando com a mão a região a ser anestesiada, sugere as 
condições específicas para a anestesia produzir efeito. Como, por exemplo, 
passando a mão no campo operatório, é dito ao paciente: “quando você 
assentar-se na cadeira do dentista, esta região ficará completamente 
insensível, completamente anestesiada”. Esta sugestão é repetida com a 
devida ênfase. Continuando é dito: “ao levantar da cadeira do dentista, tornará 
a sentir esta região, porém sem qualquer sensação desagradável. Passará 
muito bem”. Devidamente hipnotizado, o paciente pode ser submetido à 
intervenção odontológica, independente de nova indução e na ausência do 
hipnotista. 
A hipnose na odontologia não depende sempre de um nível de transe 
profundo, cada estágio ou grau de hipnose oferece suas possibilidades 
terapêuticas próprias. Dentro desta variância são organizados esquemas de 
procedimentos e, genericamente, apresentam quatro pontos: 
1. Estágiopreambular ou hipnoidal. Sugestões contra náuseas e sensações 
afins, relaxamento muscular e sugestões contra temores, apreensões, 
ansiedade, fobias e objeções ao tratamento. 
2. Transe leve. Habituar o paciente à prótese e ao aparelho de ortodontia. 
Preparação de cavidade e obturações leves. 
3. Transe médio. Preparação de cavidade profunda e obturações profundas. 
O controle da náusea, da salivação, dos espasmos. Conter sangramento 
excessivo. 
4. Transe profundo ou sonambúlico. Extrações de dentes, mesmo inclusos, 
e polpa dentária, gengivectomias, intervenções no maxilar. Influenciar o 
pós-operatório para controlar hemorragia e a regeneração do tecido 
facilitando o processo da cicatrização. 
Diante da sua evidente eficácia, o uso da hipnose em odontologia se 
espalhou pelo mundo sem contestadores. Foi implantado como estudo 
acadêmico em 1948, com a criação de uma cadeira de hipnodontia na 
Faculdade de Odontologia de Concórdia, em Moorbead. Em 1952 já havia 
registro de mais de trinta mil pacientes atendidos por esse processo nos 
Estados Unidos. 
No Brasil, a Hipnodontia ou Odontohipnose é objeto de estudo da 
Odontologia, sua aplicação é recomendada por cirurgiões-dentistas e, desde 
1955, por iniciativa da ABO - Associação Brasileira de Odontologia foi 
implantado como curso de extensão universitária em várias Faculdades. Mas, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
118 
foi a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia a única que 
manteve, até 1993, como disciplina regular do currículo do curso de graduação, 
ministrada pelo professor Giuseppe Mazzoni. 
Na atualidade a maioria dos dentistas perde o interesse pela hipnodontia 
pelo fato da anestesia química ser eficaz e de efeito imediato. Na verdade, para 
o seu uso, a primeira sessão demanda um pouco de tempo, contudo nas 
sessões seguintes isso não ocorre; o paciente pré-induzido por sugestão pós-
hipnótica administrada na sessão anterior entra em transe imediatamente ao 
sentar-se na cadeira odontológica. 
Hipnoterapia 
Ambroise August Liébault (1823-1893) nasceu em Lothringen, na França, 
foi médico na zona rural em Point-Saint-Vincent, uma aldeia próxima da cidade 
de Nancy. Foi ele o fundador da sugestão verbal sistemática aplicada como 
tratamento clínico; iniciou o uso da hipnose na cura de várias enfermidades. 
Liébault é descrito pelos seus biógrafos como tendo sido um homem sereno, 
agradável, bondoso e estimado pelos pobres, que o chamava de Le bon père 
LiébauIt. Dizia ele aos seus clientes, quase todos humildes camponeses: “Se 
desejais que vos trate com drogas, o farei, mas tereis de pagar-me como antes. 
Se, entretanto, me permitir que vos hipnotize, farei o tratamento de graça”. Na 
linguagem da hipnose moderna, fortalece os partidários da escola da sugestão 
pura iniciada por Abade Faria. 
A função terapêutica sempre está presente nas sessões de hipnose, ora 
explícita, ora subjacente a um ritual ou ao ambiente onde transcorre a indução. 
Possibilidade de cura existe até mesmo no decorrer de demonstrações de 
hipnose de palco, principalmente quando o transe atingido pelo hipnotizado é 
de nível médio ou profundo e quando as sugestões produzidas pelo hipnotista 
representam idéias de bem-estar físico e mental. Porém sua aplicação objetiva, 
para solucionar os mais variados problemas de saúde, dentro de um ambiente 
médico, tem início em 1864 quando um exemplar da obra de Braid caiu nas 
mãos de Liébault. 
Ao estudar a obra de Braid, Liébault já residia em Nancy, na França, 
cidade que, por seu trabalho no uso da hipnose para o tratamento de vários 
tipos de enfermidades, se tornou conhecida no mundo como o berço da 
Hipnoterapia, além de Capital do Hipnotismo. 
J. M. Bramwell, 58 médico que praticava hipnotismo na Inglaterra, visitou 
Liébault e deixou a seguinte descrição de sua atividade hipnoterapêutica: 
No verão de 1889, passei uma quinzena em Nancy a fim de ver o trabalho 
hipnótico de Liébault. Sua clínica, sempre movimentada, compreendia dois 
compartimentos que davam pelos fundos em um jardim. Seu interior não 
apresentava nada de especial que pudesse atrair a atenção. É certo que 
 
58 BRAMWELL, J. M. Hypnotism, its history, practice and theory, Philaephia, J. B. Lippincott, 
1930. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
119 
todos que lá iam com idéias preconcebidas sobre as maravilhas do 
hipnotismo tinham de sair decepcionados. Com efeito, fazendo caso 
omisso do método de tratamento e algumas ligeiras diferenças, devidas 
provavelmente a características raciais, a impressão que se tinha era a de 
estar em um departamento público, numa pensão ou num hospital de 
clínica geral. Com a diferença de que os pacientes falavam um pouco mais 
livremente entre si e se dirigiam ao médico de uma maneira mais 
espontânea do que se costumava ver na Inglaterra. Eram chamados por 
turno, e no livro dos casos clínicos registrava-se sua anamnese. Em 
seguida induzia-se o paciente rapidamente à hipnose... Seguiam-se as 
sugestões e as anotações... Quase todos os pacientes dos que eu vi foram 
hipnotizados de uma maneira fácil e rápida, mas Liébault me informou que 
os nervosos e os histéricos eram mais refratários (BRAMWELL). 
Liébault soube conquistar a simpatia e a cooperação dos seus pacientes, 
contrariamente ao exemplo de Mesmer, ele era modesto e sem aparato teatral, 
quer na sua apresentação indumentária, quer no ambiente da sua clínica. Ao 
método de fixação ocular de Braid, ele acrescentou ênfase na sugestão verbal. 
Preferiu utilizar-se, quase que exclusivamente, da sua própria voz como 
principal elemento de indução, nada de equipamentos ou métodos que 
envolvessem contatos físicos com qualquer parte do corpo dos hipnotizados, 
evita outros tipos de estímulos sensoriais. Foi o criador da escola verbal. 
No método verbal a voz deve passar equilíbrio, empatia, confiabilidade, 
convicção e emoção, sempre de maneira natural e expressiva para criar nos 
hipnotizados uma idéia clara e facilitar a introspecção das sugestões. Deve ser 
evitada a fala rápida, com ansiedade, para controlar tensão ou falta de 
coordenação da respiração e da voz. Deve o hipnotista falar pausadamente, 
com ritmo, entonação, melodia e ênfase nas palavras de valor sugestivo, 
articuladas nitidamente em tom cavo. 
Liébault, juntamente com Bernheim, tratou mais de 12 mil pacientes em 
sua clínica de hipnose. Casos de impressionantes bons resultados que atraiu 
para Nancy grandes nomes, entre eles Freud. Trabalhou durante dois anos em 
sua obra Du Somneil et des états analogues, considerés surtout du point de vue 
de l'action de la morale sur le physique. Afirma Bramwell que Liébault vendeu 
exatamente um exemplar de sua publicação; não obstante, muitos historiadores 
conferem a ele a paternidade do hipnotismo médico. 
Conforme se infere do próprio título de sua obra principal, Liébault 
ressaltava a influência do psíquico sobre o físico, embora o psíquico ainda 
fosse misterioso e praticamente inexplorado, as conjeturas que se faziam em 
torno de sua estrutura e dinâmica, eram baseadas em suposições empíricas e 
intuitivas. Entretanto, estava no caminho certo, podia progredir modesta e 
tranqüilamente, sem ser muito molestado pelos colegas por ser discreto e pobre 
e não aceitar dinheiro dos pacientes que tratava por hipnose. 
Sugestão pós-hipnótica 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
120 
Hyppolite Henri Bernheim (1840-1919), um dos expoentes da medicina na 
França, homem de reputação inatacável, a princípio contrário ao hipnotismo, 
resolveu em 1881 visitar Liébault em Nancy, presumivelmente para desmasca-
rá-lo como charlatão. Cético e com propósitos hostis, logo se convenceu da au-
tenticidade e da validade do processo hipnótico e tornou-se amigo e discípulo 
do modesto médico rural, isto pelo fato de ter tratado, com fracasso, durante 
seis meses um caso de ciática que foi posteriormente curadopor Liébault. 
O prestígio de Bernheim muito contribuiu para que o mundo acadêmico 
acolhesse a cura pelo hipnotismo; ao menos como uma possibilidade. Em sua 
obra, De la suggestion, publicada em 1884, insiste na necessidade do estudo 
da técnica sugestiva e as características da sugestibilidade. Insistindo ainda no 
caráter subjetivo, ou seja, essencialmente psicológico da hipnose. 
Bernheim foi o fundador da Escola Mental e, vislumbrando na hipnose um 
estado psicológico normal, compreendeu esse fenômeno em bases mais 
amplas. Demonstrou que a sugestibilidade não se limitava aos indivíduos 
histéricos conforme se proclamava no Salpêtrière, Hospital Escola da 
Universidade de Paris, representado pelo professor Jean-Martin Charcot, que 
utilizando estímulos aos sentidos em vez da sugestão verbal se intitulava como 
a escola do hipnotismo sensorial, a escola do grand hipnotisme. 
Dizia Bernheim: “todos nós somos sugestionáveis, uns mais outros 
menos, todos somos alucináveis ou alucinados”. Afirmava que os indivíduos 
são potenciais ou efetivamente alucinados durante boa parte de suas próprias 
vidas. Dizia ainda que “todos temos a nossa propensão inata à crença, temos a 
nossa credibilidade natural”. 
Além de perceber que o estado hipnótico era normal em todas as 
pessoas, Bernheim 59 definiu os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como 
elemento provocador das ações inconscientes e compulsivas e propôs aplicar 
como terapia. Tudo isso são conceitos moderníssimos que mostram a visão 
ampla e profunda que transcendeu os limites convencionais de sua época. Seu 
método de indução é o que oferece as maiores possibilidades de êxito e, além 
de sistematizar o preâmbulo do relaxamento muscular progressivo, estabelece 
como condição indispensável que antes do retorno do hipnotizado para o nível 
consciente, lhe seja aplicado sugestões pós-hipnóticas de cura e bem-estar. 
Hipno-análise 
Existem duas conceituações sobre hipno-análise, a primeira considera 
como um termo específico e anterior ao surgimento da psicanálise, o segundo 
decorre do uso de procedimentos hipnóticos como instrumento para a rápida 
aplicação da teoria psicanalítica. O termo pode ser interpretado como a fusão 
da hipnose com a psicanálise ou como um procedimento anterior e diferenciado 
 
59 BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the nature of hypno-
tism [reprint]. Translated by CA Herter. New Hyde Park, N. York, University Books, (1889) 
1964. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
121 
da psicanálise. Porém, a hipno-análise já teria aplicação na hipnoterapia inicia-
da por Liébault e foi, sem dúvidas, usada por Bernheim, Charcot, Breuer e o 
próprio Freud no início de suas pesquisas, portanto, bem anterior ao método 
psicanalítico. Serviu de ponto de partida para Freud criar hipóteses e fundar a 
psicanálise. 
Embora possa ser atribuído a muitos autores, a rigor o termo hipno-
análise não possui uma paternidade definida; vários foram os nomes ilustres 
que a utilizaram e a evoluíram, é um método de análise do ser humano, desen-
volvido com base em técnicas de hipnose, que apresenta grandes possibilida-
des terapêuticas. Dois autores que melhor sistematizam essas técnicas e que 
apontam como utilizá-las são R. Lindner 60 e B. C. Guindes. 61 
A hipno-análise pode ser iniciada quando ocorre o estado hipnótico de 
nível médio, por ser neste grau que se estabelece o contato mais direto com o 
inconsciente. Nessa fase podem ser superados problemas existenciais através 
de interpretações dos fatos revelados no transe ou em função deste. A terapia 
na hipno-análise ocorre através de lembranças ou respostas despertadas ou 
reveladas, pelo próprio indivíduo durante o transe ou em sonhos provenientes 
de sugestões pós-hipnóticas. Sua prática acontece quando as pessoas, já em 
estado de hipnose, são iniciadas em um treinamento através de técnicas que 
permitem não somente aprofundar o nível do transe, como também atingirem o 
fim terapêutico. 
Dentre as técnicas usadas em hipno-análise incluem-se: Indução de 
Sonhos, Recordar e Reviver, Espelho ou Bola de Cristal (Cristalomancia), 
Psicodrama ou técnica cinematográfica e Escrita automática. 
Indução de Sonhos - A interpretação dos sonhos parece ser tão antiga quanto a 
própria história da civilização humana. Na antiguidade não era visto como uma 
produção da mente humana, mas como um fenômeno sobrenatural. A mitologia 
dos gregos, por exemplo, delega a responsabilidade dos sonhos aos filhos de 
Hypnos, deus do sono, que por sua vez era irmão gêmeo de Tanatos, deus da 
morte. Entre os filhos de Hypnos estava Morfeu, que trazia os sonhos para os 
homens; Icelus, que trazia os sonhos para animais; e Phantasus, que 
despertava sonhos nas coisas inanimadas. Outro deus relacionado aos sonhos 
era Esculápio, cultuado em templos aonde as pessoas doentes iam para 
receber cura divina enquanto dormiam. 
Até meados do século XIX os sonhos eram tidos como reações 
sobrenaturais, de natureza divina e muitas vezes profética. Freud moderniza 
esse conceito; considera o sonho como a “estrada real que conduz ao 
inconsciente” e, a psicanálise, entre outros recursos, vale-se também da 
interpretação dos sonhos, além de ter sido responsável pelo seu 
 
60 LINDNER, R. M. Hipnoanalysis, methods and techniques. N. York, MacGraw-Hill Book Com-
pany, 1956. 
61 GUINDES, C. B. New concepts of hypnossis: an Adjunkt to psychotherapy and medicine, 
London, George Allen and Unwin Ltd. 1951. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
122 
aperfeiçoamento. Para a psicanálise, o sonho é um conjunto de fenômenos 
psíquicos, que involuntariamente ocorrem durante o sono. 
É provável que a maior parte dos sonhos ocorra durante os períodos de 
sono chamados paradoxal; oitenta 80% das pessoas acordadas nessas 
ocasiões, recordam e relatam sonhos com grande riqueza de detalhes, 
encontrando dificuldades para isso quando despertadas durante o sono dito 
ortodoxo. A hipnose amplia o sono e por conseqüência os sonhos que podem 
ser fontes da criatividade ou de revelações para a hipno-análise. 
Em 1953, E. Aserinski e W. Kleitman dividiram o sono ortodoxo e o 
paradoxal em quatro níveis, além de uma fase chamada REM (Rapid Eyes 
Movment) que se caracteriza pelo rápido movimento dos olhos. Segundo esses 
autores, antes de dormir, há ainda um estado intermediário entre o sono e a 
vigília, classificado como alfa. O estágio I ocupa aproximadamente 5% do 
período do sono e o II 50%. O estágio III e IV é a fase delta, com 25%, e o 
estágio final (REM), 20%. Durante as fases de I a IV, progressivamente, há uma 
desaceleração do sistema nervoso, do batimento cardíaco, a temperatura e a 
atividade mental caem e a musculatura é relaxada. Contudo, na fase REM as 
coisas mudam; a temperatura oscila, a pulsação acelera, os olhos se 
movimentam rapidamente, ocorrem ereções, atonia muscular e variação da 
freqüência das ondas cerebrais. Apesar da intensidade de reações do 
organismo é na fase REM que se atinge o ápice do relaxamento e as funções 
do sono são potencializadas ao máximo. Também é a fase de sonhos 
reveladores. Algumas pessoas em estado hipnótico apresentam no decorrer do 
transe características como se estivessem na fase REM. 62 
Freud retrata o sonho como um dos modos de se conhecer os processos 
psíquicos inconscientes; segundo ele, os sonhos são como um veículo para a 
satisfação de desejos recalcados. A partir da psicanálise, os sonhos passaram 
a ser visto como manifestações simbólicas do inconsciente e de seus conflitos, 
desempenhando papel importante na manutenção da saúde mental. Para 
Freud, os sonhos teriam um sentido, tal como as parapraxias ou atos falhos e, 
dessa forma, os sonhos também se tornaram tema da pesquisa psicanalítica. 
Mas, muito tempo antes da psicanálise, a hipno-análise já trabalhava com 
procedimentos deinterpretar sonhos, inclusive para fins terapêuticos. 
Ato falho, para a psicanálise, ocorre quando se comete um erro de 
linguagem, quando alguém fala, sem querer, uma palavra no lugar de outra. 
Este ato pode indicar uma idéia ou sentimento reprimido no inconsciente que 
tem tendência a se manifestar. Através dos atos falhos, pode se chegar ao 
conteúdo da repressão, como também pode acontecer quando o simbolismo do 
sonho ou do sintoma neurótico é interpretado. 
A premissa que Freud trabalha para estabelecer um início para a 
investigação dos sonhos enuncia que “os sonhos não são fenômenos 
 
62 MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
123 
somáticos, mas psíquicos” e, em relação à técnica de interpretação dos sonhos, 
Freud declara: 
... os sonhos são produtos, comunicações da pessoa que sonha; contudo, 
são ininteligíveis, não entendemos seu sentido. Quando não se entende, 
pergunta-se. Na análise é preciso perguntar ao sonhador sobre o que o 
seu sonho significa (FREUD). 
Estabelecendo uma ruptura radical com a tradição antiga, em que havia 
um intérprete para os sonhos, a psicanálise aperfeiçoa a técnica da indução de 
sonhos preconizada pela hipno-análise. Mas, embora tenha proporcionado 
grande impulso no uso dessa técnica, freqüentemente as pessoas resistem à 
devassa do seu inconsciente, esquecendo o que sonharam, ou simplesmente 
não sonhando com o que não querem lembrar-se. Com a hipno-análise essa 
dificuldade é fácil de contornar por não analisar apenas sonhos espontâneos. 
Na hipno-análise o hipnotizado recebe uma sugestão para sonhar com a 
situação correspondente aos conflitos que desafiam soluções e exames 
conscientes. Tais sonhos, que podem ser induzidos durante o decorrer do 
transe ou pós-hipnoticamente, apresentam um quadro muito mais fácil de 
interpretar do que os sonhos espontâneos. Pode ser induzido ao hipnotizado 
que sonhe com um incidente específico ocorrido em sua vida, reproduzindo 
fatos esquecidos com todos os detalhes e que, ao terminar de sonhar, acorde e 
anote o conteúdo do sonho em uma folha de papel. Os resultados se mostram, 
às vezes, surpreendentemente elucidativos. 
Para os hipno-analistas a simbologia dos sonhos induzidos ou 
estimulados hipnoticamente costuma ser mais transparente do que a dos 
sonhos comuns e, nessa transparência fica mais fácil elucidar os enigmas do 
inconsciente. Já para os psicanalistas, é o estudo dos conteúdos dos sonhos 
comuns, e não induzidos, que ajuda estabelecer a causa do problema ou a 
natureza de um traumatismo sofrido. Isto é, do abalo que, por sua violência ou 
por sua duração, foi reprimido no inconsciente e aflora nos sonhos, às vezes, 
de forma simbólica. 
A indução de sonho por meio de sugestão hipnótica é um método útil para 
se obter rapidamente material de sonho limitado a um determinado assunto, 
problema, situação ou conflito. O sonho pode ocorrer no transe hipnótico ou 
num subseqüente sono natural. Em qualquer dos dois casos, fornecerá 
importantes revelações do inconsciente. Muitas vezes o indivíduo terá 
dificuldades em associar, no estado desperto, os significados do seu sonho, no 
entanto poderá obter imediatas associações no estado de transe. 
Pode ainda os sonhos ser resultado de processos mentais que geram 
ansiedade ou exagerada expectativa, caso do qual decorre inconscientemente 
uma espécie de auto-indução aos sonhos como busca de soluções. Neste 
sentido afirma Platonov. 63 
 
63 PLATONOV, C. Faça seu teste psicológico, RJ, Ed. Edimax, 1966. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
124 
Às vezes encontra-se a solução aos problemas da vida cotidiana e mesmo 
aos problemas científicos que ocupam o espírito, não em estado de vigília, 
porém à noite, durante o sono. Foi o caso, por exemplo, do químico 
alemão F. Kekule que viu em sonhos a fórmula do benzol. E de Mendeliev, 
que um sonho ajudou a colocar em ordem a classificação periódica dos 
elementos químicos. O compositor Tartine ouviu uma vez a execução de 
uma sonata, quando dormia. Voltaire sonhou com uma nova variante da 
‘Henriade’. Os deuses, dizia Homero, utilizam o sono para comunicar aos 
homens sua vontade. As vésperas de resolver difíceis questões políticas, 
os éforos, magistrados de Esparta, iam dormir nos templos, na esperança 
de que o sono lhes inspirasse uma decisão sábia (PLATONOV). 
Grandes gênios do passado revelaram que receberam seus 
conhecimentos e efetuaram grandes descobertas enquanto sonhavam. Entre 
eles, figura o inventor Thomas Edison (1847-1931), para quem a maioria de 
suas grandes invenções ocorreu durante sonhos, os quais assim que acordava 
escrevia. Desse modo, descobriu o filamento da lâmpada elétrica depois que 
tentara centenas de vezes por formas diferentes aperfeiçoar a invenção. Uma 
noite, teve um sonho em que foi informado como criar um filamento que teria 
grande duração. 
Conta à história também que Jules Verne profetizou apuradamente o 
futuro. E, para isso, se teria valido dos sonhos para prever com toda precisão a 
energia atômica, as viagens à lua, as invenções do avião e do balão dirigível, o 
submarino, as espaçonaves, as explorações submarinas e muitas outras 
coisas, que mais tarde se transformaram em realidade. Assim, também, 
aconteceu com o presidente americano Abraham Lincoln quando, durante um 
sonho, teve uma visão do seu próprio assassinato uma semana antes da 
tragédia ocorrer. Embora controversa, parece que a história revela que o dom 
da profecia e ou visões do próprio futuro é uma faculdade que se manifesta 
também em sonhos. 
O químico alemão Friedrich Auguste Kekulé (1829-1896) contou que 
estava muito esgotado quando tentava desenhar o benzeno, molécula-chave 
dos compostos orgânicos, quando cochilou e sonhou com grupos de átomos se 
juntando para formar uma espécie de cobra coral que tentava morder o próprio 
rabo. Acordou como se um raio tivesse iluminado sua mente e veio a idéia de 
que essa era a resposta que procurava; dessa forma, ele descobriu que os seis 
átomos do carbono do benzeno se ligam em anéis como a imagem da serpente 
de seu sonho. 
Recordar e Viver - O hipnoanalista começa por incitar o hipnotizado a recordar-
se, para fins crítico e informativo das situações passadas. Este revê o passado 
indicado pelo analista e, sem revivê-lo propriamente dito, apenas informa para 
efeito de registro. Vencida essa etapa, processa-se a regressão a uma fase 
determinada. Aí não só apenas recorda, mas revive e repete afetivamente o 
episódio que pode ser a fonte de seu comportamento atual e, assim, será 
possível conhecer a origem dos conflitos nas suas bases históricas traumáticas 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
125 
e, através da própria sugestão, removê-los. Na prática, aconselha Lindner que 
se proceda assim: 
Vou pondo a mão em sua testa e contando até dez. Quando eu terminar a 
contagem, você terá voltado a fase X de sua vida. Você verá nitidamente e 
com nitidez cada vez maior, todos os detalhes que interessam ao caso. 
Verá tudo, não omitirá nada. Não vai querer excluir coisa alguma... 
(LINDNER). 
Espelho ou Bola de Cristal (cristalomancia) - No estágio de hipnose profundo ou 
sonambúlico, o hipnotizado pode abrir os olhos sem afetar-lhe o transe. Quando 
induzindo, pode ser dito: 
• Dentre em breve mandarei você abrir os olhos... À sua frente você verá 
um espelho (ou uma bola de cristal)... Nela você visualizará a solução dos 
problemas que o afligem... Vá dizendo tudo que aparecer na bola de 
cristal (ou espelho)... Pronto... Pode abrir os olhos... Você está 
enxergando nitidamente a sua situação, como nunca enxergou... 
Esse processo ainda é conhecido por cristalomancia por utilizar um cristal 
em forma de bola ou outra forma qualquer. Se um cristal não estiver disponível, 
um copo transparentede água poderá ser usado com igual efeito simbólico. O 
hipnotizado é posto em transe profundo e dizendo-se que depois de abrir os 
olhos, ele deve olhar o cristal (ou a água): 
• Você verá um retrato ou a representação de um remoto incidente 
esquecido, do qual você não tem conhecimento consciente... Quando 
você o vir descreverá verbalmente. 
A primeira revelação pode exigir interpretação ulterior quando se revela 
obscura ou simbólica. Neste caso, pode também ser utilizado, como recurso, 
uma combinação de regressão e cristalomancia. Depois que o hipnotizado for 
levado de volta a uma época anterior no tempo, nesse estado de regressão é 
induzido a cristalomancia. Isso, às vezes, revela lembranças profundamente 
enterradas no passado e que, embora não lembradas conscientemente, podem 
estar perturbando a vida do indivíduo. Pode-se ajudar o hipnotizado, como no 
caso do sonho, induzindo-o a visualizar cenas específicas e fazer com que ele 
as descreva com toda clareza nos menores detalhes, sempre lembrando o 
objetivo terapêutico do que se está passando. “Vai resolver os problemas que o 
atordoam, dissipar as dúvidas e os temores etc.”. 
Psicodrama ou técnica cinematográfica - B. C. Guindes apresentou uma técnica 
que denominou de cinematográfica, que constitui uma variedade atualizada do 
antigo Psicodrama e da Bola de Cristal. Sugere o autor que, uma vez em 
estado de transe profundo, o hipnotizado receba a indução seguinte: 
Dentro em breve pedirei a você que abra os olhos. Ao abri-los você se 
encontrará em uma sala de projeção. Bem diante de você uma tela. Nessa 
tela você verá passar um filme. E o filme que vai assistir é a história de sua 
própria vida. Neste filme serão incluídos todos os detalhes importantes de 
sua existência. E tudo na ordem cronológica. E você vai dizer tudo que vê, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
126 
já que eu não posso ver a tela. Agora vou lhe pedir para abrir os olhos. 
Repare. Bem à sua frente está a tela (GUINDES). 
Como seria de esperar, o hipnotizado ao abrir os olhos mostra-se 
impressionado com o que vê e começa a relatar tudo a que assiste. Em certas 
passagens começa a rir. Em outras passagens, mostra-se contrariado e mesmo 
enfurecido, continuando, entretanto, a descrever o que se passa na tela. Muitas 
vezes fica nervoso, choroso, visualizando situações e coisas penosas que 
aconteceram em sua vida. 
Escrita Automática. Pode ser utilizada para induzir o hipnotizável a revelar fatos 
de memória que de outra forma não poderia ser obtida por causa de resistência 
forte às lembranças reprimidas. Deve ser dito que a mão dele escreverá 
automaticamente, sem que ele tenha disso conhecimento consciente. A escrita 
resultante revela freqüentemente situações surpreendentes, podendo ser 
realizada durante o transe ou, como resultado de sugestão pós-hipnótica, após 
o hipnotizado retornar ao estado normal. Durante a conversa com o 
hipnotizado, é-lhe feita uma pergunta importante, como por exemplo: Qual é a 
causa do seu temor? E, ele pode responder oralmente: Eu não sei, enquanto 
simultaneamente a mão escreve uma resposta significativa e relacionada à 
pergunta. Neste estado acontece a expressão de dois pensamentos ao mesmo 
tempo como estar falando sobre seu último trabalho e escrevendo uma poesia, 
a qual conheceu na sua infância. 
A escrita pode apresentar de início uma informação vaga, mas se torna 
mais clara à medida que a prática prossegue. Nos casos em que a escrita é 
simbólica, na forma e no conteúdo, o próprio hipnotizado poderá melhor 
interpretá-la, quer através de livre associação oral no transe acordado, quer 
através de mais escrita automática orientada para interpretar símbolos ou 
palavras enigmáticas que porventura tenham sido reveladas na etapa anterior. 
Isso ocorre quando a primeira etapa revela apenas o “portão” do segredo e, 
para abrir a passagem e revelar o “santuário”, é necessária a segunda etapa, 
que consiste em, após produzir a escrita enigmática, ser dito ao hipnotizado: 
Sua mão vai agora escrever o segredo que você tem escondido de mim. Esse 
pode ser o meio de produzir uma rápida revelação. 
Na atualidade novos conceitos e teorias se incorporam á hipno-análise 
como a Inteligência Emocional e a Análise Transacional trabalhada por Eric 
Berne. O analista transacional observa as posições psicológicas tomadas pelo 
indivíduo e reveladas pelas palavras, tom de voz, expressão facial, gestos, 
postura corporal. O ser humano pode adquirir comportamentos inconscientes 
que representam à imagem de pai, de adulto ou de criança. Na hipno-análise 
moderna esta teoria pode ser de grande valia para elucidar conflitos 
vivenciados pelo hipnotizado (Os papeis que vivemos na vida, James & 
Jongeward). 
Hipnose e Histeria 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
127 
Concomitantemente com a escola de Nancy representada por Liébeault e 
Bernheim, existia outra em Paris que se intitulava como a escola do grand hip-
notisme, funcionava no La Salpêtrière e era representada por Jean-Martin 
Charcot (1825-1893), nascido em Paris, onde viveu a vida inteira. Na linguagem 
da hipnose moderna, Charcot fortaleceu os seguidores a escola sensorial inau-
gurada por James Braid, e se torna grande rival da escola da sugestão pura i-
naugurada pelo Abade Faria. 
La Salpêtrière, construído por volta de 1630, hoje é uma dependência do 
Hospital Geral de Paris. O nome vem do fato de ter sido construído no local de 
uma antiga fábrica de pólvora, cujo componente principal é o salitre, em francês 
salpêtre. O prédio era dividido em três unidades: Bicêtre para os homens, La Pi-
tié para jovens e Salpêtrière para mulheres. Este terceiro setor foi destinado 
aos cuidados de Charcot que, entre 1862 e 1893, ali desenvolveu sua carreira 
de médico, pesquisador e professor da disciplina anatomia comparada. 
A partir de 1870 a administração do Salpêtrière decidira separar os doen-
tes alienados das mulheres histéricas e das epilépticas, juntando essas duas úl-
timas patologias numa mesma enfermaria. Rapidamente as histéricas assimila-
vam os sintomas epilépticos e aprendiam a simular. Com o uso da hipnose pro-
duzida por estímulos sensoriais, Charcot provocava paralisia histérica em seus 
pacientes para demonstrar aos alunos suas teses. Essas demonstrações trans-
formam o La Salpêtrière como uma referencia científica para o hipnotismo. 64 
Na histeria, o distúrbio se traduz por perturbações intelectuais e por 
sintomas físicos dos mais variados como instabilidade emocional, mitomania, 
afonia, abulia, amnésia, aerofagia, anestesia, hiperestesia, dispepsia, tiques, 
soluços, crises de choro ou riso, perturbação motora, vômitos e convulsões. O 
 
64 La Salpêtrière, em 1656 foi orfanato público além de albergue para toda categoria de mendi-
gos. Em 1661 já abrigava 1460 pessoas; recebia filhas de nobres pobres, as quais gozavam 
de tratamento especial e ensinamento religioso, alfabetização e artes habilitadoras. Eram 
mais de 800 as Filles du roi (filhas do rei) e, entre 1663 e 1673, as moças mais pobres foram 
treinadas em prendas domésticas e enviadas para as colônias para constituírem famílias com 
colonos franceses. Em 1680 passou a funcionar como Hospital Geral e, em pouco tempo, a 
Instituição degenerou em um repugnante depósito de loucos. Além de abrigar mendigos, epi-
lépticos, paralíticos, aleijados e vítimas de doenças mentais, também funcionava como prisão 
para prostitutas e malfeitores. As loucas mais agitadas ficavam acorrentadas até morrer. Ge-
midos e gritaria todo o tempo e a infestação de ratos infernizavam a vida dos internos. Acon-
teceu ali um dos mais hediondos episódios da Revolução Francesa, Le massacre de La 
Salpêtrière. No dia 3 para 4 de setembro de 1792, um bando de vândalos invadiu o prédio e, 
após libertar as prostitutas, arrastaram para fora doentes mentais, alcoólatras e portadoras de 
deformações físicas, sob o argumento deque davam prejuízos ao Estado, todos foram mas-
sacrados à vista do povo. No início do século XIX o psiquiatra Philippe Pinel determinou a re-
moção das correntes e a humanização dos doentes. Na segunda metade do século XIX, com 
mais de 4.000 internos, tornou-se o mundialmente famoso centro de estudos psiquiátricos e 
Hospital Escola da Universidade de Paris. Recebia estudantes de todo o mundo para assistir 
experimentos e aulas sobre doenças mentais, especialmente as aulas de Charcot com de-
monstrações de hipnotismo que influenciaram decisivamente Freud na criação da teoria psi-
canalítica (N. do A.). 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
128 
histérico pode chegar ao ataque maciço, espetaculoso como os que Charcot 
exibia na Salpêtrière e nada têm ver com os ataques epiléticos. 
O nome histeria é derivado da palavra grega hystera, que significa útero, 
conhecida desde a antiguidade oriental e clássica, foi associada aos deuses e 
demônios. Embora a histeria não seja vinculada a gênero e, seus sintomas, 
também podem ocorrer por imitação em pessoas suscetíveis ao transe 
hipnótico que convivam com histéricos, no início era comum apenas às 
mulheres; acreditava-se ser uma doença provocada pelos fluidos do útero e 
também, erroneamente, que a carência sexual das mulheres principalmente 
sacerdotisas, virgens e viúvas, era sua causa próxima. 
Em seus estudos experimentais sobre a histeria, Charcot valia-se da 
hipnose para diferenciação diagnóstica e induzia sintomas espetaculares nas 
histéricas, de modo a provar o caráter neurótico dessa doença. Suas aulas e 
demonstrações atraiam estudantes de todas as partes do mundo e, em 
determinado ponto de sua carreira, Charcot acreditou ter descoberto uma nova 
doença, que ele chamou de "histero-epilepsia", os sintomas incluíam 
convulsões, contorções, desmaios e falha transitória da consciência. Suas 
conclusões e vários exemplos da nova doença eram apresentados aos alunos. 
Mas, um aluno cético chamado Joseph François Félix Babinsky (1857-1932), 
decidiu que Charcot tinha inventado, e não descoberto, a histero-epilepsia. 
Supunha Babinsky que o fato de alojar as pacientes epilépticas e 
histéricas juntas resultava na histero-epilepsia. As histéricas, já vulneráveis à 
sugestão e à persuasão, eram continuamente sujeitas a viver naquela ala e, 
somando-se isso com os exames hipnóticos neuropsiquiátricos de Charcot, 
começavam a imitar os ataques que repetidamente testemunhavam nas 
epilépticas e acabavam por exibirem os mesmos sintomas por simulação 
inconsciente. 
Babinsky por muitos anos, inclusive após a morte de Charcot, foi 
pesquisador do Salpêtrière e criador do termo piti, no sentido de mentira, para 
definir sintomas histéricos como fingimento ou simulação de doença. A ele se 
deve a primeira aproximação entre histeria e simulação; o histérico seria um 
simulador inconsciente. 
Durante as aulas, Charcot valia-se da hipnose para induzir sintomas sob 
sugestão hipnótica, mas nesta época o positivismo científico estava na sua 
melhor forma, e a hipnose só pôde retornar à cena científica depois de 
despojada de toda aura mística. Nesse clima de ciência, Charcot recomenda 
aos seus alunos que do antigo fenômeno hipnótico só devia ser preservada a 
dimensão somática. Assim pretendia evitar a simulação e acreditava que 
separava a hipnose da imaginação do paciente e do poder de sugestão do 
hipnotista, ao contrário da escola rival, em Nancy, que conservava a sugestão 
como fator explicativo. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
129 
Embora colocassem em uso as mesmas técnicas de seus antecessores e 
tenha sido a maioria das suas conclusões sobre a hipnose equivocadas, 
Charcot afirmava que sua prática de hipnotizar era inseparável do método 
anátomo-clínico. Era baseada na excitação sensorial, portanto um fenômeno 
“objetivo”, racional e, do ponto de vista acadêmico, respeitável de se estudar. 
Evitando deliberadamente tudo que pudesse ser reconhecido como sugestão 
verbal, preferia não verbalizar, utilizava apenas meios sensoriais para hipnotizar 
como a visão, a audição, o tato, o paladar e o olfato. Nesta perspectiva 
defendia que a hipnose poderia ser produzida por meios puramente físicos 
sensoriais e acreditava que um indivíduo podia ser hipnotizado sem seu próprio 
conhecimento ou permissão. 
Durante o processo de hipnotizar, Charcot obrigava seus auxiliares fazer 
uso de toda sorte de manipulações sensoriais, usando vários recursos 
complementares para a indução. Entre eles, a fascinação de objetos brilhantes 
e luzes coloridas, além da produção mecânica de sons soporíficos, produzidos 
por instrumentos que eram colocados perto do ouvido do paciente, como 
estímulo sensorial auditivo. 65 Aplicava com as mãos toques no corpo ou 
colocava placas de metais como ímãs, cobre, zinco e ouro. 
Paul C. Jagot descrevendo sobre o hipnotismo sensorial praticado na 
Salpêtrière revela que também era induzido o transe hipnótico pelo paladar e 
pelo olfato. Para isso, vez por outra, era comum o uso de rum, água de louro-
cerejo e valeriana, além de odores violentos exalados de substâncias como o 
amoníaco para produzir o transe instantaneamente, enquanto que certos 
perfumes como o almíscar, a alfazema e vários tipos de incensos adormeciam 
gradualmente a consciência. 
Como Braid, Charcot acreditava também na existência das chamadas 
zonas hipnógenas, as quais devidamente estimuladas provocavam e 
aprofundavam o transe. Os “toques de Charcot” são até hoje reconhecidos 
como uma técnica de indução. Para ele, bastaria exercer uma leve pressão 
com a mão no alto da testa, na raiz do nariz, no cotovelo ou no dedo polegar, 
para produzir instantaneamente um efeito soporífico. O estágio de 
sonambulismo poderia ser produzido por meio da atenção fixa ou ser causado 
pela fricção do alto do crânio e da nuca de um indivíduo em estágio letárgico ou 
cataléptico. Acreditava ainda que o estágio cataléptico pudesse ser produzido 
por um forte e vibrante som (tã-tã, gong, diapasão). 66 Também abrindo os 
olhos de uma pessoa que estivesse em estágio letárgico, forçando-a para que 
 
65 A utilização de sons como elementos hipnóticos também eram usados pelos Mesmeristas. 
“Os instrumentos mais favoráveis ao desenvolvimento da ação magnética no mesmerismo 
eram, depois da voz humana, a flauta, a harpa e a cítara. Mesmer empregava freqüentemen-
te este último instrumento. Em práticas de curas, muitos magnetizadores acreditavam que os 
sons que partiam de um instrumento magnetizado faziam mais efeito num doente, do que os 
de um instrumento não magnetizado” (Alphonse BUÉ, Magnetismo curador). 
66 JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato Corrêa), S. 
Paulo, Editora Mestre Jou, 1959. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
130 
olhasse em direção contrária de uma luz intensa produzida por uma lâmpada 
de Bourbouse, luz Drumond ou de magnésio, tecnologias que faziam parte da 
iluminação da época. 
No Hospital Salpêtrière era comum, como início do processo de hipnotizar, 
o uso de uma vela acesa, fixando o olhar do paciente na luz da chama. Tam-
bém o uso de um disco de zinco, de dois centímetros de diâmetro, cujo centro 
era formado por um prego de cobre encravado em outro metal; conservava-se 
este botão a 45 centímetros, mais ou menos, do corpo na altura da cintura, co-
mo um ponto de mira, sobre o qual devia o paciente fixar os olhos durante quin-
ze a vinte minutos, sem pestanejar e concentrando toda a atenção. Logo que 
absorvido nessa contemplação sem oscilar as pálpebras, o hipnotista fechava-
lhe os olhos por meio de brandas e suaves fricções e punha-lhe uma das mãos 
sobre a cabeça, aplicando-lhe fortemente o dedo polegar à testa (toque de 
Charcot). 
Os instrumentos hipnóticos de Charcot substituíam a indução por sugestão 
verbal, defendida pela escola de Nancy. Às vezes os procedimentos eram a-
companhados de ligeirasvariantes; como a pressão dos globos oculares ou dos 
polegares, fricções do alto da cabeça e nuca, além de violentas batidas em ins-
trumentos de percussão, repetidas de forma monótona, que atacavam e faziam 
vibrar o sentido da audição. Empregavam ainda um fole para insuflar, soprando 
o nariz e a testa do paciente, além de espelhos em formatos de fragmentos que 
eram encaixados em dois pedaços prismáticos de madeira, com 20 centímetros 
aproximadamente, dispostos em cruz, com um eixo no centro. A esse recurso 
instrumental se imprimia um movimento de rotação, como um cata-vento, para 
provocar no paciente perturbação e fadiga do aparelho ótico, fazendo-o cair no 
estado de transe. 
Teorizando sobre a hipnose, Charcot que só lidava com histéricas e 
epilépticas, estabeleceu a premissa segundo a qual somente os histéricos 
podiam ser hipnotizados, não passando o estado de hipnose de um estado de 
histeria. Formulou a teoria dos três níveis hipnóticos: a letargia, a catalepsia e o 
sonambulismo. O primeiro estágio, a letargia, podia ser produzido fechando 
simplesmente os olhos do hipnotizado e caracterizava-se pela mudez e pela 
surdez. O segundo estágio, a catalepsia, era marcado por um misto de rigidez e 
flexibilidade dos membros, estes permanecendo na posição em que o hipnotista 
os largasse. O terceiro estágio, o sonambulismo, se produzia friccionando 
energicamente a parte superior da cabeça e a nuca do hipnotizado. 
Foi Victor-Jean-Marie Burq (1822-1884), baseado em Paracelso, quem 
primeiro publicou um vasto trabalho sobre a metaloterapia, a aplicação de 
metais por via interna e externa com fins curativos. Ele pensava que o 
temperamento de cada pessoa correspondia a um metal especifico e que era 
possível determinar a “sensibilidade metálica individual” utilizando a 
metaloscopia. Se aplicado um metal sobre a pele de um paciente, sendo ele 
sensível a este metal, experimentava sensações de calor, sudorese e 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
131 
formigamento. Esta técnica foi usada nas unidades do hospital geral de Paris 
(Bicêtre, La Pitié e La Salpêtrière) em 1849, durante a epidemia de cólera. 
Afirmava também Burq que o contato do ferro é geralmente insuportável a 
todos os sonâmbulos; este contato os inquieta, irrita e queima. O ouro possui 
uma virtude calmante, dissipa as dores locais e resolve as contrações, e torna-
se para certos sensitivos um excitante que provoca contrações e espasmos. 
Em 1871, Burq publicou sua obra Metaloterapia: tratamiento de las 
enfermedades nerviosas, Parálisis, histeria, hipocondria, migraña, dispepsia, 
gastralgia, asma, reumatismos, neuralgias, espasmos, convulsiones, etc. Em 
1876, Claude Bernard, que foi presidente da Sociedade de Biologia de Paris, 
designou três importantes médicos, Charcot, Luys e Dumont Pallier para avaliar 
essa teoria. Os três concluíram favoráveis e passaram a utilizar este método de 
cura além de investigar intensamente a metaloscopia e suas relações com a 
eletricidade, com os eletroímãs e ferros imantados, passaram a aplicar como 
tratamento da histeria e meio de provocar o sonambulismo, a catalepsia, a 
letargia, e a analgesia. Estas inocentes e crédulas experiências de Burq, dentro 
do ambiente médico e cultural da época, foram consideradas como muito 
importante e encantava Charcot. 
Muitos são aqueles que contestam Charcot. Após a sua morte seu 
discípulo Babinsky, o ridicularizou publicamente várias vezes. Dizia que o efeito 
dos metais era apenas sugestivo e que seu mestre muitas vezes percorreu o 
estreito caminho que separa a curiosidade científica do descrédito e do ridículo 
e, amargamente, denunciava os equívocos e as dificuldades de Charcot em 
lidar com a hipnose. 
Pierre Janet, contemporâneo e sucessor de Charcot na Salpêtrière, 
escreveu no seu livro Lês médications psychologiques, sérias críticas contra 
teorias e práticas do seu antecessor e, mesmo não tendo nenhum entusiasmo 
pela escola de Nancy, se declara a favor desta. É também severa a 
contestação do livro Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism, 67 Nesta 
publicação, Charcot demonstra total convicção em relação a teoria metálica 
desenvolvida por Burq, segundo a qual a cura de certas doenças dependia tão-
somente do uso correto dos metais que eram aplicados nos pacientes 
enfermos. Tentou também convencer os discípulos de que aplicando um ímã 
em determinado membro este paralisava e, com isso, procurou reabilitar a 
superada teoria da cura pela ação magnética, criada por Paracelso e Mesmer. 
Charcot de novidade prática sobre o hipnotismo nada criou, para 
hipnotizar associava técnicas do brandismo e do mesmerismo à teoria metálica 
de Burq. Este fato representaria o retrocesso às teorias fluidas e magnéticas 
defendidas por Mesmer, significava ignorância em relação à hipnose e, a 
expressão “retroceder a Charcot” ficou sendo usada como termo pejorativo 
contra a Salpêtrière e a favor da escola de Nancy. 
 
67 CHARCOT, J. M. Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism [Reprin]. tome IX, Paris, 
Lecrosnier et Babe, (1948) 1890. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
132 
Achando que a hipnose era uma forma de histeria, Charcot dizia que 
podia induzir sintomas histéricos através de sugestões pós-hipnóticas. Não 
concordando, Bernheim dizia que as características dos sintomas da histeria 
podiam ser provocadas artificialmente por mera sugestão, não se vinculavam 
com a hipnose. Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas; a do 
Hospital Salpêtrière e a da Cidade de Nancy. Os dirigentes desta última 
classificaram o hipnotismo daquela de hipnotismo cultivado, cujo valor em 
relação ao hipnotismo de verdade se comparava ao da pérola cultivada em 
confronto com a pérola natural. 
Charcot acusava os membros da escola de Nancy de só hipnotizar 
pacientes histéricos, os quais se deixavam iludir pela argumentação e pela 
dependência que devotavam aos médicos. Em compensação, era acusado de 
incorporar ao processo de indução teorias superadas, além de incompetente 
por não hipnotizar pessoalmente seus pacientes, deixando essa tarefa a cargo 
de auxiliares. Afirmavam ainda que as análises de Charcot foram prejudicadas 
pelo fato de lidar exclusivamente com internas de sua enfermaria, disso 
resultou a equivocada hipótese de que a hipnose era uma característica do 
histerismo. 
Liébeault rebatia como sendo absurdas as hipóteses de Charcot, 
provando que há vinte anos hipnotizava os tipos mais variados de pessoas, 
sem encontrar, entre elas, nenhum histérico. Em 1889, em um congresso de 
psicologia, Forel também se colocando contra a teoria do Salpêtrière apresenta 
suas observações que ainda são válidas na atualidade. Seu ponto de vista, 
publicado em 1907, 68 descreve o que considera sobre as opiniões de Charcot: 
Sou obrigado a protestar contra os que querem levar o hipnotismo para a 
histeria. É absolutamente inexato. Sem falar dos Drs. Liébeault e 
Bernheim, em Nancy, eu quero lembrar que Wetterstrand hipnotizou 
quatro mil pessoas, em Estocolmo, no espaço de três anos e os refratários 
eram raras exceções. É com o cérebro que se opera para realizar 
fenômenos hipnóticos e os cérebros são tanto mais fáceis de 
impressionar, quanto mais sadio forem. O cérebro dos histéricos, agitados 
e volúveis, cheios de caprichos, repele às vezes as sugestões, ao passo 
que o mesmo não acontece, em geral, com os indivíduos não neuróticos 
em sua maioria (FOREL). 
Em 1889 Charcot organizou o que denominou de Primeiro Congresso 
Internacional de Hipnotismo Experimental e Terapêutico. Neste evento, 
realizado no Salpêtrière, compareceram como palestrantes importantes 
personalidades do mundo acadêmico, entre eles o psicólogo americano William 
James, o médico e criminalista italiano Cesare Lombroso, e o jovem Sigmund 
Freud. Desse Congresso resultou a publicação de uma revista especializada 
em artigos sobre hipnose, rapidamente

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