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janela da alma - Antonio Carreiro

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Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 2007 
 
APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO 003 
CAPÍTULO I - HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA, RELIGIÃO 015 
Noção de physis e casualidade 018 
O Arché e o kosmos 019 
O Logos e o Crítico 023 
Filósofos Eclesiásticos 025 
A ciência Experimental 029 
Método Cartesiano-Newtoniano 032 
Ciência Sistêmica ou Holística 036 
Hipnoterapia e Ciência 040 
Mito, Rito e Religião 050 
Transe e religiosidade 052 
Vegetais hipnóticos 054 
Religiões ayahuasqueiras 057 
Transe e sincretismo 064 
Padres hipnotistas 066 
Hipnose e reencarnacionismo 074 
CAPÍTULO II - HISTORIA DA HIPNOSE E DA HIPNOTERAPIA 080 
Magnetismo e mesmerismo 083 
Mesmerismo e sonambulismo 096 
Magnetismo e kadercismo 100 
Mesmerismo e psiquiatria 106 
Mesmerismo e anestesia 108 
Mesmerismo e sugestão 110 
Brandismo 111 
Hipnodontia 115 
Hipnoterapia 117 
Sugestão pós-hipnótica 118 
Hipno-análise 119 
Hipnose e histeria 125 
Hipnose e psicanálise 132 
Hipnose e fisiologismo 153 
Auto-hipnose 159 
CAPÍTULO III - ETIOLOGIA DA HIPNOSE 164 
Hipnose é projeção 165 
Hipnose é sugestão 166 
Sugestão é prestigio 167 
Hipnose é sono 167 
Entrega amorosa 169 
Mamadeira hipnótica 170 
Gênero dramático 171 
Hipnose como dissociação 173 
Estado normal 174 
Exclusão psíquica relativa 175 
CAPÍTULO IV - PRÁXIS DA HIPNOSE 177 
Técnicas de indução 177 
Métodos de indução 179 
Método de Bernheim 182 
Método de Moss 183 
Método de Kuehner 184 
Método de Erickson e Wolberg 186 
Método de autovisualização 197 
Método da estrela 188 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
2 
Testes de suscetibilidade 190 
Hipnose de palco 198 
Hipnose, hiperestesia e clarividência 202 
Regressão hipnótica 203 
Hipnose acordada 207 
CAPÍTULO V - A PESQUISA DE CAMPO 209 
Sintomatologia do transe 212 
O transe hipnótico 218 
Testes de eficácia 220 
Saída do transe 221 
Suscetibilidade à indução 222 
Formulação da sugestão 224 
O ambiente das sessões 225 
A ética e a legalidade da hipnose 226 
Categorias de hipnotistas 229 
O poder do hipnotista 230 
Janela da Alma 232 
CAPÍTULO VI - APLICAÇÕES ESPECIAIS DA HIPNOSE 237 
Hipnose e Comunicação 237 
Propaganda subliminar 238 
Merchandising 243 
Sugestão desejada e indesejada 244 
Hipnose contra vontade 245 
Hipnose cotidiana 246 
Hipnose no Direito 251 
Hipnose e psicopedagogia 255 
Psicologismo na Educação 261 
Psicologia da gestalt 264 
Teoria topológica 265 
Fenomenologia existencial 266 
Epistemologia genética 266 
Teoria Histórico-social 268 
Educação humanista 272 
Educação como prática política 273 
CAPÍTULO VII - HIPNOTERAPIA E OUTRAS PSICOTERAPIAS 275 
Gestalt-terapia 275 
Terapia centrada na pessoa e topológica 276 
Teoria de Vygotsky 277 
Teoria de Reich 278 
Teoria organísmica 279 
Filosofia fenomenológica 280 
Filosofias orientais 281 
Outras concepções 283 
CAPÍTULO VIII - AUTO-HIPNOTERAPIA 285 
Prática da auto-hipnose 292 
O relaxamento 295 
Testes e Métodos para a auto-hipnose 298 
Tipos de matrizes 303 
Saúde e estética do corpo 307 
Ativadora da memória 307 
Solução da gagueira 309 
Supressão e alívio da dor 310 
CONSIDERAÇÕES FINAIS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 315 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
3 
APRESENTAÇÃO 
 
Esta publicação é mais do que um livro, representa um ideal de vida, signi-
fica o desejo de informar, discutir, refletir e produzir conhecimento. Por isso, 
passa longe de qualquer interesse, como reconhecimento pessoal ou retorno 
pecuniário. Trata-se de uma dissertação, seu conteúdo resulta de uma investi-
gação rigorosamente cientifica. A pesquisa foi produzida de forma sistemática e 
metodológica, para conceituar o significado do hipnotismo, conhecer o processo 
de produção do transe hipnótico e identificar, classificar e esclarecer sua sinto-
matologia e efeitos. 
O levantamento bibliográfico e a construção referencial teórico foram favo-
recidos pela intensa dedicação do autor, no decorrer de mais de trinta anos, pe-
lo tema, pela leitura teórica e pela prática da hipnose. Isso em muito contribuiu 
para traçar uma metodologia que conduzisse aos resultados esperados, para a 
definição e clareza dos objetivos, das técnicas e dos métodos de investigação 
que foram utilizados. 
Este trabalho foi escrito para quem pretende conhecer ou praticar hipnose 
e auto-hipnose, principalmente com finalidade terapêutica. Apresenta uma rede 
de temas transversais, esclarece dúvidas, desfaz mitos, elimina ou atenua pre-
conceitos. É fonte imprescindível de permanente consulta sobre as tradicionais 
psicoterapias, tanto ortodoxas como contemporâneas, e suas associações com 
a hipnose. 
O autor comprova durante toda a leitura que a hipnose abrange um 
campo muito vasto e que sempre aparecem ramificações do seu efeito na maior 
parte das atividades humanas. A amplitude e a profundidade de como trata o 
assunto são explicitas na extensa lista de títulos bibliográficos utilizados que, 
somada ao conhecimento prático do autor, transformam esta obra em uma 
grandiosa fonte de pesquisa para esta complexa área do saber. Revela o que é 
a hipnose a partir da evolução histórica de diversas teorias quando faz 
referências a mais de cento e cinqüenta autores, por isso, torna-se de interesse 
particular para o meio acadêmico que não dispõe com facilidade de uma 
bibliografia que trate dessa temática de forma tão abrangente. 
Esta leitura elucida noções equivocadas acerca do tema do hipnotismo e 
apresenta um conjunto de dados que, de alguma forma, envolve a interdepen-
dência do transe hipnótico com várias manifestações humanas que são anali-
sadas através da intricada rede de causas intermediárias entre a emoção e a 
razão (inconsciente e consciente). Esclarece conceitos e confronta opiniões, 
demonstra como as controvérsias e coincidências das diferentes escolas atuais 
têm raízes históricas. Explora idéias e teorias que são necessárias, cooperati-
vas e seqüenciais para facilitar, a cada passo, a reflexão de conceitos e consi-
derações apresentadas ao longo da leitura. 
O autor relata os procedimentos metodológicos utilizados, como aplicou o 
rigor cientifico e efetuou a análise qualiquantitativa dos dados coletados na fase 
da investigação, efetuada na cidade de Salvador, na Bahia, entre 1997 e 2002, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
4 
com um universo de 400 sessões, para uma população de 1.984 participantes. 
Descreve as conclusões a que chegou através de uma série de observações 
diretas e da análise das respostas de 500 questionários, aplicados para quem 
durante o transe apresentou sintomatologia mais completa, além de 100 
entrevistas para esclarecer questões não amplamente respondidas pelos 
questionários. 
Para melhor descrever o transe hipnótico em suas diferentes formas de 
produção, ocorreu ligeira ampliação da área temática e do campo empírico da 
pesquisa. Foram realizadas algumas incursões teóricas e observações in loco 
em associações declaradas religiosas, todas reconhecidas e legalizadas. Isto 
permitiu ao autor, motivado pelo senso de investigação, ser submetido a algu-
mas práticas de rituais. Para fundamentar uma descrição precisa dos aconteci-
mentos, procedimentos e sensações, em alguns casos o autor foi além da ob-
servação e participou ativamente das experiências, inclusive ingerindo o chá 
ayahuasca e o vinho de jurema, ambos considerados como desencadeadores 
de transe. 
Através dos dados empíricose teóricos levantados, a leitura confronta es-
colas e correntes de pensadores, aponta controvérsias e coincidências, separa 
fatos de opiniões, tendo como principal objetivo facilitar o leitor refletir e se defi-
nir pela sua própria descoberta. O autor primou por manter a postura de investi-
gador absolutamente cientifico, tanto na fase da pesquisa como na redação da 
comunicação final dos resultados. Procurando demonstrar sempre neutralidade 
axiológica, em nenhum momento teve a pretensão de ser doutrinário ou dogmá-
tico, contestar ou validar credos, religiões, filosofias, idéias ou teorias. 
Outra preocupação do autor foi não limitar a informação e, ao mesmo 
tempo, facilitar a compreensão do texto. Para isso, optou por uma redação que 
apresenta aspectos pedagógicos essenciais; foi escrito de modo claro, didático 
e bem fundamentado. Descreve de forma precisa e justifica com profundidade 
teórica as técnicas, métodos e procedimentos específicos. Assim, acredita que 
incentiva a leitura até o final e gera o desejo por mais conhecimentos, o que 
pode transformar o leitor não apenas um hipnotista hábil, mas um amplo conhe-
cedor do assunto. 
No decorrer da dissertação, algumas questões são polêmicas por haver 
fatos no hipnotismo sobre os quais ainda não se chegou a uma conclusão clara. 
Por isso, seu estudo envolve uma reflexão antropológica e evolutiva do conhe-
cimento e expõe os paralelos paradigmáticos da ciência. Demonstra o conflito 
entre a percepção mecanicista-reducionista e a sistêmica e propõe uma revisão 
dos pressupostos conceituais conhecidos. Reflete sobre as exigências de uma 
abordagem multidimensional do ser humano para entendê-lo de forma menos 
fragmentária. 
Considerando que a base semiológica não é suficiente para esclarecer to-
dos os pontos sobre a prática da hipnose e das principais psicoterapias, o autor 
busca sustentação em teorias subjacentes quando recorre à leitura da evolução 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
5 
do pensamento filosófico, cientifico e religioso. Neste aspecto, apresenta uma 
revisão literária que tem como objetivo apontar a gênese do misticismo que ain-
da persistem nos tempos modernos. 
Ao concluir, descreve a auto-hipnoterapia como sendo uma ferramenta 
poderosa na solução de muitos conflitos, não deixa dúvidas de que a hipnose é 
uma forma válida para superação de certos problemas que afligem o corpo e a 
mente humana. E, mais uma vez, desmistifica o poder atribuído às coisas ex-
ternas ou sobrenaturais para solucionar conflitos humanos que prejudicam, em 
muito, a qualidade de vida, sem ao menos se buscar antes soluções naturais e 
em si mesmo. 
A estruturação do conteúdo de estudo é dividida em oito capítulos: 
• O primeiro capítulo faz parte do campo teórico da pesquisa e é prope-
dêutico, apresenta breve análise da evolução do pensamento, do mítico 
ao filosófico e científico, como base para o estudo da história da hipnose 
e seu envolvimento com rituais religiosos e místicos. 
• O segundo desenvolve o campo teórico específico, apresenta um desfile 
histórico-cronológico dos autores clássicos do hipnotismo. As principais 
obras citadas neste capítulo são de domínio público, estão disponíveis 
gratuitamente no site (http://gallica.bnf.fr/) da Biblioteca Nacional da 
França. 
• O terceiro capítulo complementa o referencial teórico e trata da etiologia 
da hipnose. Analisa através das diferentes correntes de pensadores e ci-
entistas como se desenvolve o transe hipnótico, apresenta as técnicas e 
os métodos de indução e seus efeitos práticos. 
• O quarto capítulo é dedicado à práxis, é um preâmbulo para a interpreta-
ção da pesquisa de campo realizada pelo autor. Seu principal objetivo é 
conhecer, passo a passo, como de fato se prática a hipnose e como ela 
se apresenta e descreve situações que permitem desencadear sua ocor-
rência. 
• O quinto versa sobre a pesquisa de campo, descreve as observações di-
retas do autor, a metodologia utilizada, como procedeu ao tratamento 
dos dados, a análise e os resultados à que chegou para fundamentar o 
que considera como sintomatologia do transe e os diferentes níveis de 
aprofundamento. Finaliza descrevendo o que entende como explicação 
conceitual da hipnose e denomina como sendo uma “Janela da Alma”, 
um momento em que o ser humano entra em contato com sua essencia-
lidade. 
• O sexto capítulo é um desdobramento de toda a pesquisa realizada. En-
volve o estudo do hipnotismo em situações naturais do cotidiano e sua 
aplicação em áreas específicas, como na Mídia, no Direito e na Educa-
ção. Inclui neste último aspecto a hipnose como possível parte da psico-
pedagogia. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
6 
• O sétimo capítulo reforça a tese de que a hipnose pode ser validada co-
mo um procedimento terapêutico. Compara a hipnoterapia com moder-
nas teorias e práticas das principais psicoterapias conhecidas, demons-
trando semelhanças e diferencias. 
• O oitavo e último capítulo descreve o que considera o autor como mais 
um aporte da pesquisa. É dedicado à auto-hipnoterapia, representa na 
prática a soma dos conhecimentos estudados nos capítulos anteriores. 
Este aspecto é de grande importância para o leitor que busca soluções 
para problemas existenciais, principalmente problemas de caráter psico-
terapêutico. 
No geral, após a leitura e rápidos exercícios, o livro esclarece o que é e 
como funciona a hipnose e a auto-hipnose, como sua execução é bem simples 
e como os bons resultados são surpreendentes. Porém, bem mais importante 
talvez seja o fato de reafirmar e exemplificar, o tempo todo, que cada ser hu-
mano traz dentro de si o dom da autocura e é capaz de viver bem e ser feliz, 
mesmo na adversidade. É um livro que deve ser relido várias vezes, cada nova 
leitura sempre apresenta surpresas e induz novas descobertas. 
Por fim, recomenda o autor que, para obter melhor domínio sobre o tema 
e evitar conclusões precipitadas, é aconselhável uma leitura seqüencial e que 
as reflexões ocorram na medida em que seja vencido cada capítulo. Também 
aconselha que este livro deva ser lido sem preconceito, mas com espírito 
crítico, separando os fatos das opiniões. Lembra ainda que a proposta desta 
obra não é passar informação, mas conhecimento e, isso, depende muito mais 
do leitor do que do autor. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
7 
INTRODUÇÃO 
 
Embora faça parte do cotidiano dos indivíduos de várias formas e em 
diferentes situações, o hipnotismo ainda é desacreditado por alguns, 
equivocado na opinião de outros, temido ou pouco conhecido para a maioria. 
As explicações sobre o transe hipnótico e seus efeitos, por conta de sua 
vinculação com práticas religiosas e crenças no sobrenatural, é cercada de 
mitos, magias e preconceitos. Mesmo entre pessoas com alto nível de 
escolaridade, o desconhecimento sobre este tema é bastante generalizado e, 
no conceito popular, a descrença de que os efeitos hipnóticos existam ou 
possam ser provocados é geralmente substituído por um temor supersticioso. 
Na literatura é fácil perceber que todas as culturas, de todas as épocas, 
conheceram, procuraram e desenvolveram métodos para estabelecer o transe 
hipnótico. Esse antigo estado da mente foi perseguido por muitas formas; 
desde o uso de ervas, drogas e aplicações de equipamentos especiais até 
rituais dos mais diversos. Na maior parte das vezes, o transe foi e é produzido 
por métodos simples que vão da dança selvagem, passando pelo ritual 
religioso, pela prática de uma tranqüila e intensa meditação até uso de técnicas 
hipnóticas clássicas. Qualquer que seja sua origem, o transe sempre implica 
em uma função normal do cérebro humano, embora algumas pessoas sejam 
mais propensas ao seu alcance e aprofundamento. 
Transe hipnótico é o estado mental que resulta em alterações na neurofi-
siologia e decorre de várias situações, pode ser produzido por simples estímu-
los sensoriais normais; auditivos, visuais,táteis e olfativos, além de estados 
mentais de grande expectativa com violenta carga emocional, sono intenso sem 
possibilidade de dormir, jejum nutricional, isolamento social, abstinência sexual 
prolongada, meditação, relaxamento físico e mental ou atitude contemplativa, 
em geral de fundo religioso ou místico. Pode também ser provocado por inges-
tão de substâncias químicas. 
Efeitos da hipnose sempre aconteceram na história da humanidade. Em 
atos religiosos têm presença marcante, quanto mais solene ocorre um ritual 
associado a forças incompreensíveis, místicas ou mágicas, maior é o efeito 
hipnótico. Porém, não é apenas relacionado a situações que se prendem ao 
misticismo; ao longo da história foi produzido ou observado também pela 
perspectiva do materialismo científico ou simultaneamente por ambos. Definida 
com vários termos e diferentes sentidos, a hipnose é patrimônio da filosofia e 
da medicina ocidental e oriental, tanto a antiga quanto a contemporânea. 
No oriente os efeitos hipnóticos, geralmente com objetivos de cura, fazem 
parte de culturas milenares e se mantiveram quase que inalterados através dos 
séculos. No ocidente foram se adequando ao imaginário dominante, se 
ajustando á representação de cada nova realidade cultural, se identificando 
com diferentes correntes do pensamento, valores, fantasias e mistérios que 
surgiam com as migrações e miscigenações étnicas. A maior e mais rápida 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
8 
diversificação de procedimentos hipnóticos ocorreram na Europa, devido à 
fusão étnica cultural do seu povo através de suas ações colonizadoras. Esse 
viés antropológico do hipnotismo constitui a principal abordagem histórico-
lógica e teórica dedutiva deste livro. 
Embora sugestão não seja sinônimo de hipnose, é certo que toda e 
qualquer hipnose começa pela aceitação, consciente ou inconsciente, da 
sugestão que pode até desencadear o transe hipnótico, caracterizado como o 
momento em que a sugestão atinge o ponto mais alto da sua ação. A execução 
desse processo é bem simples e os resultados se aproximam de fatos 
extremamente compensadores, podendo em alguns casos proporcionar efeitos 
terapêuticos inexplicáveis e até mesmo inacreditáveis. 
Nem sempre uma sugestão representa a possibilidade de desencadear o 
transe hipnótico, mas é, no mínimo, o preâmbulo imprescindível para que isso 
ocorra. É comum o uso de um nome como se fosse o outro, às vezes chama-se 
sugestão de hipnose e, hipnose de sugestão. No entanto, deve ser chamada de 
sugestão hipnótica aquela que se perfaz no transe hipnótico ou que permeia a 
aplicação de métodos e técnicas com o objetivo de atingir os efeitos da 
hipnose. 
Através da sugestão o pensamento se concentra numa idéia cujo 
resultado ou tendência é provocar determinado efeito, impele muitas ações 
humanas, tanto construtivas como destrutivas. A maior parte do resultado da 
vida das pessoas é conseqüência da sugestão; desde o desfrutar de 
sentimentos de alegria, paz e prazer, até situações negativas como doenças 
físicas e morais. Mas, situações negativas podem ser reversíveis pelo mesmo 
processo que se instalam, isto é, o que a sugestão faz, a sugestão desfaz. 
Da sugestão podem resultar ações inconscientes, compulsivas ou 
hipnóticas, que podem decidir o curso da vida das pessoas. E, a melhor 
maneira de fazer as sugestões produzir bons efeitos é através da hetero-
hipnose e da auto-hipnose. No primeiro caso um hipnotista funciona como um 
guia que influencia através de sugestões as ações inconscientes de alguém. No 
segundo caso é o próprio hipnotizado quem o faz. Um indivíduo razoavelmente 
instruído poderá conduzir e controlar as ações do seu próprio inconsciente, em 
seu próprio benefício. 
Do início do século XIX até hoje termos como hipnose inconsciente e 
sugestão caminham juntos, um tentando explicar o outro. No início de suas 
pesquisas, Freud se valia do hipnotismo como procedimento de acesso ao 
inconsciente que o conceituou como sendo uma espécie de porão onde fica 
guardado o que não se quer mostrar. Fatos e sentimentos que o indivíduo não 
tem coragem de contar nem para si próprio e, por isso, guardou no inconsciente 
e esqueceu. No entanto, pesquisas modernas revelam um conceito de 
inconsciente bem diferente desse estabelecido há cem anos. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
9 
A explicação mais aceita hoje é a de que o inconsciente, longe de 
significar uma parte física localizada em uma determinada região do cérebro, é 
uma espécie de programa operacional capaz de processar, ao mesmo tempo, 
milhares de informações paralelas. Enquanto o consciente executa suas tarefas 
de forma serial, uma atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob 
forma de intuição, o inconsciente é hoje compreendido como uma ferramenta 
de trabalho mental que executa tarefas fundamentais e pode determinar, em 
certas circunstâncias, atitudes que uma pessoa deve tomar. 
Modernamente o inconsciente é considerado como uma forma de 
inteligência, diferente da inteligência convencional. É hábil também em executar 
tarefas sem que o consciente perceba; relaciona e toma decisões, 
determinando o que uma pessoa deve ou não fazer. As pessoas agem em 
determinadas situações, compelidas pelas sugestões ou informações que foram 
instaladas em seu inconsciente. Conscientemente, não sabem o que estão 
fazendo, mas fazem. Entender esse mecanismo é se aproximar de como 
funciona os efeitos hipnóticos. 
O inconsciente tem um mecanismo de realimentação de sugestões; o que 
é depositado nele é retro-alimentado para o consciente e vice-versa. Toda 
pessoa, a menos que possua uma patologia psiquiátrica séria, é sugestionável 
e, um meio eficaz de fazer a sugestão funcionar é a sua repetição; com isso, 
imprime-se no inconsciente uma idéia que realimentará o consciente. É comum 
na infância se ouvir dos adultos algumas palavras ou frases repetidas, até que 
o inconsciente da criança aceite a idéia do que isso representa e depois a 
execute. Disso pode resultar situações que definirão, de forma positiva ou 
negativa, uma vida inteira. 
Na atualidade os efeitos da sugestão, agindo com força hipnótica 
extraordinária, são observados em diferentes veículos de comunicação, através 
de mensagens explicitas ou subliminares embutidas na informação principal. 
Esse tipo de comunicação pode determinar tendências no comportamento de 
massa e, existem organizações que são responsáveis pela difusão de 
sugestões sistematizadas e repetidas que agem modelando o comportamento 
social. Por isso alguns efeitos hipnóticos devem ser entendidos como fato social 
normal que não se restringe só a momentos especiais. 
Embora os seres humanos vivam como se estivessem sob efeito 
hipnótico é, ironicamente, por não perceber essa possibilidade que podem ser 
manipulados ou modelados por idéias alheias à sua própria vontade. Na 
comunicação de massa, cada vez mais, esse recurso tem sido instituído e 
serve como instrumento a serviço da mídia na propaganda política, comercial e 
ou religiosa. 
Efeitos hipnóticos estão presentes em diversos setores da comunicação, 
mas sem dúvida, é a propaganda que mais aplica este recurso. Utilizando-se da 
sugestão subliminar como estratégia para atingir seus objetivos, a chamada 
hipnose de massa é bastante evidente nos modernos processos publicitários, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
10 
isso tem evoluído muito nos últimos tempos porque hipnotizar é antes de tudo 
convencer e a propaganda tem este mesmo propósito. 
Já existem sistemas de publicidade, sobretudo na chamada publicidade 
indireta, capazes de criar no ânimo dos consumidores o desejo, quase sempre 
irresistível, para fazer ou deixar de fazer alguma coisa; como adquirir 
determinado produto, preferir marca ou modelo e alimentar o consumo 
desnecessário, deixando-os num estado que se assemelha à hipnose clássica. 
Assim, identificar esses processos é uma forma de defender-se quando for 
preciso.A mídia é capaz, de uma só vez, de modificar conceitos e 
comportamentos de grande parte da sociedade através da repetição da 
informação que, às vezes, são equivocadas ou ideologicamente construídas 
pelos interesses da dominação. Tem a mídia, através da sugestão, o poder de 
influenciar e convencer os coletivos sociais estabelecendo conceitos e 
preconceitos, alterando costumes, modificando hábitos, gerando consumo e 
formando opiniões. 
O recurso da sugestão hipnótica é também fortemente utilizado quando a 
religião determina o comportamento das pessoas com base na idéia de céu e 
de inferno, virtude e pecado, santos e demônios. Uma vez sugestionado o 
indivíduo pode ampliar ao máximo, por si só, o poder da sugestão que recebeu. 
O resultado desse processo depende de como foi, direta ou indiretamente, 
sugestionada a agir e, agindo, reforça a sugestão que recebeu em uma 
realimentação constante, aumentando cada vez mais o seu grau de 
convencimento em torno do objetivo induzido. 
O ritual religioso quando associado ao transe hipnótico, produz efeitos 
que ultrapassam a compreensão pela racionalidade; através de linguagens 
simbólicas promove o aumento da percepção e curas inexplicáveis acontecem. 
Algumas religiões milenares que se desdobram em várias outras, chegam à 
contemporaneidade como no passado, produzindo bem a associação de transe 
e cura. Nem sempre o transe é produzido apenas através de estímulos dos 
sentidos normais, pode ser desencadeado por ingestão de substâncias que 
agem no organismo com este propósito. Em algumas sociedades primitivas 
substâncias hipnotizadoras encontradas na natureza, geralmente em vegetais, 
foram incorporadas às liturgias e são usadas até hoje com surpreendentes 
efeitos. 
Entre os grandes clássicos do hipnotismo europeu, é comum a referencia 
inicial ao Padre Gassner que praticava na Alemanha, por volta de 1770, 
métodos e aplicações de técnicas hipnóticas, associadas à crença católica, com 
objetivo de curar enfermidades. Para ele as doenças e os demônios estavam 
quase sempre juntos e uma pessoa doente poderia ser alguém possuída. 
Aquele que se sentia com o diabo no corpo, e por conseqüência doente, vinha 
ou era trazido ao Padre para que ele o expulsasse e, assim, promovesse a 
cura. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
11 
Franz Anton Mesmer assistiu várias apresentações de Gassner e não se 
conformando com a explicação do Padre, deu uma versão não menos 
fantástica para as curas através do hipnotismo, em lugar de responsabilizar 
demônios pelas enfermidades, responsabiliza os Astros. Para ele a doença 
resulta da freqüência irregular dos fluidos astrais e a cura depende de sua 
adequada regulagem. Acreditava que certas pessoas teriam o poder de 
controlar esses fluidos, podendo comunicá-los a outrem, direta ou 
indiretamente, por intermédio de objetos magnetizados pelo seu contato. 
Os efeitos hipnóticos saíam da explicação religiosa indo para a explicação 
da influência astral, tese segundo a qual os fluidos magnéticos invisíveis 
regulam a vida das pessoas e, por volta de 1780, o mesmerismo se espalhou 
pela Europa; Mesmer dizia que o crucifixo de metal usado por Gassner era 
responsável por concentrar e transmitir para os enfermos um fluido magnético 
curativo. Cria assim a doutrina do Magnetismo Animal, que foi logo bem 
recebida por legiões de adeptos. Foi ele um dos maiores mistificadores do que 
mais tarde seria conhecido como hipnose. 
O magnetismo animal prossegue com o Marquês de Puységur, um dos 
discípulos de Mesmer. O Marquês, casualmente, enquanto magnetizava um 
camponês com objetivo de curá-lo de enfermidade, percebeu que o paciente 
caía em um estado de sonambulismo, como se mantivesse em sono profundo, 
com movimentos respiratórios tranqüilos. Nada havia das clássicas agitações 
provocadas pelo Mesmerismo. Puységur percebeu, com surpresa, que o 
camponês podia falar sem sair do sono hipnótico e com lucidez maior que a 
habitual, indicou sua própria doença como sendo uma infecção pulmonar e para 
sua própria cura indicou remédios precisos. Puységur chamou isso de 
sonambulismo artificial, e descobriu o estágio mais profundo do transe hipnótico 
que até hoje é chamado de sonambúlico. 
O magnetismo tomou outro rumo através do médico e filósofo, Denizard 
Hippolyte Léon Rivail. Em 1850 o mesmerismo atraiu a sua atenção, passando 
a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet, dirigente da Sociedade 
Magnética de Paris. Inicialmente Rival freqüentou sessões de magnetismo em 
busca de solução para os casos de enfermidades de pacientes a ele confiados 
e tornou-se mais tarde o codificador da doutrina espírita. 
Em 1859, com o pseudônimo de Allan Kardec, publica o Livro dos 
Espíritos e cria outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era 
atribuída aos espíritos. A estruturação de sua doutrina tem por base o 
pensamento de Pitágoras sobre a existência da alma e sua evolução defendida 
por Platão, herda diretamente as teorias do magnetismo e os rituais 
mesmeristas, se desenvolve absorvendo, incorporando e reinterpretando seus 
efeitos. O espiritismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba sendo 
substituído pelo hipnotismo. 
Vários foram os homens famosos que desenvolveram e aplicaram as 
idéias de Mesmer. Mas foi James Braid, médico escocês que usou pela 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
12 
primeira vez, por volta de 1841, a palavra hipnotismo. Deve-se sua iniciação 
nos estudos da hipnose ao famoso mesmerista suíço Lafontaine, discípulo de 
Puységur. Em 1843 Braid publica seu livro sobre o assunto; dizia que a fixação 
do olhar era o processo para o efeito mesmerista. Batizando esses efeitos 
como hypnos, nome do deus grego do sono, anexado ao vocábulo ismo, que 
significa estudo, cria a expressão hipnotismo e, disso derivando outros nomes 
como hipnose, hipnótico, hipnólogo, hipnotizador, hipnotista e hipnotizado. 
Hipnotista é quem induz o transe hipnótico de forma metódica, técnica e 
sistemática, é teórico e prático na área da hipnose. Hipnotizador é quem 
casualmente hipnotiza sem possuir conhecimento teórico, às vezes não sabe o 
significado da hipnose ou até mesmo como provoca seus efeitos. Hipnólogo é o 
teórico, estudioso do assunto, conhecedor das técnicas hipnóticas, mas nem 
sempre hábil na prática de hipnotizar. Hipnotizado é quem está sob a ação do 
hipnotismo e é também chamado de paciente quando a hipnose é produzida 
para tratamento médico. 
Liébaut foi quem acrescentou a sugestão verbal à fixação do olhar 
desenvolvido no método de Braid. Sua técnica tranqüila e discreta baseava-se 
nas palavras e no tom de voz. Em 1864, lendo um exemplar da obra de Braid, 
fez-lhe renascer o interesse pelo assunto que não mais deixaria por toda a sua 
vida. Seus clientes eram pessoas humildes e camponesas e a eles Liébaut 
dizia: “Se quiser tratamentos com drogas, terá que pagar a consulta, mas se 
permitir que faça o tratamento pelo hipnotismo, não terá de pagar nada”. 
Por volta de 1880, Bernheim foi o primeiro a perceber que o estado 
hipnótico era normal em todas as pessoas e, principalmente, foi quem definiu 
os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como elemento provocador de ações 
inconscientes compulsivas, e propôs aplicar isso como terapia. Nesta mesma 
época, Charcot achava que a hipnose era uma forma de histeria, descobriu que 
podia induzir sintomas histéricos através de sugestões hipnóticas. Não 
concordando, Bernheim apontou a Charcot os seus erros, mostrando-lhe que 
as características histéricas não eram critérios para o transe hipnótico e que os 
sintomas da histeria podiam ser provocados artificialmente por mera sugestão. 
Nasceu daí a histórica controvérsia entre as duas escolas francesas de 
hipnotismo, uma no hospital La Salpêtrière em Paris e, a outra na Cidade de 
Nancy. 
Salpêtrière e Nancy foram escolas que serviram de base para Freud e, as 
investigações com o uso da hipnose, forneceram muitas pistas que lhe permitiu 
osprimeiros passos para o desenvolvimento da teoria e da técnica da 
psicanálise. Mas, não é apenas a psicanálise que tem forte envolvimento com o 
hipnotismo e, principalmente com a hipnoterapia; também pode ser identificado, 
de algum modo, semelhanças com outras teorias que fundamentam várias 
psicoterapias, filosofias de vida e concepções de mundo, produzidas nas mais 
diferentes culturas, tanto orientais como ocidentais. Mesmo que tentem seus 
idealizadores e seguidores se afastarem do tema, sempre aparecem laços que 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
13 
vinculam suas teorias ou idéias aos processos sugestivos ou efeitos 
terapêuticos próximos aos produzidos pelo hipnotismo. 
Das duas clássicas escolas de hipnotismo, Salpêtrière e Nancy, 
resultaram muitos outros pesquisadores; cada um tentando compreender e 
difundir a hipnose pelo mundo, como Krafft-Ebing na Áustria, Forel na Suíça, 
Wetterstrand na Suécia, Bramwell na Inglaterra, Heidnhain na Alemanha, Felkin 
na Escócia, Pavlov na Rússia, McDougall e Phineas Puimby nos Estados 
Unidos. Com tanta gente estudando e teorizando, a hipnose ganha impulso na 
aplicação terapêutica e cresce através de demonstrações recreativas. 
Donato e Hansen, ambos no fim do século XIX, destacaram-se por arre-
batarem multidões para demonstrações de grandes espetáculos de hipnose re-
creativa. Violentas controvérsias explodiram pela impressa, acerca da natureza 
destes espetáculos, cada qual procurou interpretar a seu modo este fatos es-
tranhos, que tão vivamente incitavam a curiosidade pública. Os homens de ci-
ências, solicitados, foram obrigados ao exame deste tema e muitos médicos, 
professores e cientistas se interessavam pelo assunto. Nas platéias, cada vez 
mais, estavam presentes importantes personalidades e, a partir daí, davam no-
vos impulsos à hipnose. Assim, por meio do palco, o hipnotismo alcançou mais 
intensamente o debate nas academias. 
Os estudos acadêmicos ortodoxos quando se aproximaram da hipnose foi 
com receio e cautela. Das tentativas para explicar o hipnotismo cientificamente, 
muito se deve ao cientista russo Pavlov, quando analisou o fenômeno 
baseando seu estudo nos reflexos condicionados. Suas hipóteses para 
enquadrar as explicações nos princípios do paradigma mecanicista não 
prosperam; as tentativas da ciência neste campo foram vagas e os resultados 
obtidos nas pesquisas foram sempre imprecisos. 
Para as neurociências ainda é um desafio desvendar como o processo 
hipnótico acontece. Mas, com o avanço dos novos recursos tecnológicos 
aplicados como instrumentos de pesquisa, grandes revelações já ocorrem em 
laboratórios do mundo científico. Somando-se a isso o fato da ciência estar 
caminhando por um novo paradigma, a hipnose sairá, em breve, do conceito de 
pseudociência, ganhará a respeitabilidade da comunidade científica, deixando 
de ser privilégio de alguns para ser conhecida pelo grande público. Na 
atualidade estudos sistematizados já despontam em grandes centros de 
pesquisa acadêmica, como na Universidade de Harvard, juntamente com a 
Universidade Stanford. 
Embora vagos os conhecimentos científicos disponíveis para explicar a 
hipnose, muito antes de ser descartada, está sendo cada vez mais utilizada. 
Nos dias atuais o hipnotismo é apontado como uma arma eficiente de que 
dispõe a humanidade em sua incessante luta contra alguns males. O domínio 
da auto-hipnose pode ajudar na eliminação das doenças psicossomáticas ou 
eliminar efeitos psicológicos que agravam doenças orgânicas. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
14 
A hipnose quando processada pelo próprio interessado, pode representar 
um caminho para que seja atingida a melhoria da qualidade de vida, requisito 
indispensável para a solução de muitos problemas e conflitos. Sua prática 
permite a descoberta da autoconfiança, promovendo o desenvolvimento da 
auto-estima e da compreensão de si mesmo, sem que para isso seja preciso, 
necessariamente, crer ou seguir doutrinas ou ser convencido a colaborar de 
forma econômica para pessoas ou organizações. 
O uso da sugestão hipnótica em benefício próprio dá lugar ao conceito 
conhecido como auto-sugestão ou auto-hipnose, muito difundida na Europa e 
que entrou em moda nos Estados Unidos na metade do século XX. Charles 
Baudouin e Pierce, entre outros, escreveram sobre o assunto, mas se deve a 
Emile Coué a sistematização desse processo. Foi ele quem formulou vários 
princípios e leis que fundamentam a aplicação da auto-sugestão e desenvolveu 
o célebre método que chamou de “Domínio de si mesmo pela auto-sugestão 
consciente”. Suas idéias e frases estão, invariavelmente, escritas nos livros de 
auto-ajuda. 
Mesmo que convivam com ela, normalmente as pessoas não acreditam 
na hipnose; a maioria só acredita quando presenciam demonstrações práticas 
que não devem ser simples espetáculos de curiosidade. É através de cursos e 
apresentações que os participantes podem analisar os efeitos hipnóticos a que 
estão sujeitos no cotidiano e, mais ainda, que podem desmistificar 
desvendando como é processada a sugestão ou a auto-sugestão e conhecer 
seus efeitos. 
As discussões acadêmicas representam o melhor caminho para difundir e 
desmistificar a hipnose e a Faculdade é o fórum ideal para esse trabalho; neste 
espaço as apresentações fogem àquele sentido superficial e comum de 
espetáculo. Seu estudo deve ser claro e baseado, ao máximo, na verdade e 
nos princípios éticos, morais e científicos, portanto válido pelo sentido útil que 
se traduz na apropriação do conhecimento teórico e prático revelado nas 
demonstrações. Nessa oportunidade não se tem um mero espetáculo de 
curiosidade; tem-se uma exposição de fatos que são reproduzidos para efeito 
de aprendizagem. A prática é muito importante para quem deseja aprender 
além da capacidade teórica; a habilidade e a competência nesta área não se 
adquirem através de simples leitura. 
Nas páginas seguintes, os aspectos abordados nesta introdução são 
tratados com detalhes e fidelidade com as fontes pesquisadas. O principal 
objetivo, não é tomar partido por essa ou aquela opinião, é sim apresentar 
idéias, conceitos, teorias e métodos que foram desenvolvidos ao longo da 
história, envolvendo de alguma maneira a hipnose, para comparar com as 
modernas teorias e práticas das principais psicoterapias. 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
15 
CAPÍTULO I – HIPNOSE: FILOSOFIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO 
 
Entender melhor as explicações sobre algumas terapias, incluído a psico-
terapia e, especificamente, a hipnoterapia, depende da forma como suas práti-
cas foram introduzidas nos múltiplos e diferentes domínios culturais. Assim, tor-
na-se indispensável uma reflexão histórica, filosófica e científica, mesmo que 
resumida, para melhor compreender os autores que, no decorrer dos séculos, 
trataram desse tema. Neste retrospecto, é fácil observar como algumas “verda-
des” desaparecem e são esquecidas para novamente reaparecerem, talvez 
mais aperfeiçoadas ou distorcidas. 
Considerando que a evolução de qualquer ramo do conhecimento jamais 
ocorreu por meio de atos isolados de um único pensador ou cientista, mesmo 
que uma descoberta seja atribuída a uma única pessoa, esta, certamente, está 
embasada em idéias anteriores. É fácil a percepção de como traços culturais de 
civilizações, sistemas filosóficos, crenças, religiões e modo de se fazer ciência 
vão, voltam e se vão novamente, é a eterna ciranda do pensamento. Por isso, 
quando se deseja conhecer a explicação sobre um fato social qualquer, é im-
portante lembrar parte da história do desenvolvimento do conhecimento que o-
rientou teorias sobre a natureza dos homens, das coisas e do Universo. 
Para melhor refletir sobre a hipnose e a hipnoterapia é importante conhe-
cer as diferentes fases da evolução das idéias que, embora muitas vezes con-
traditórias entre si, preservam heranças culturais e desenvolvem, a cada mo-
mento sobreposto, uma crescentebabel conceitual e pré-conceitual chegando à 
contemporaneidade como sofismas atormentadores. Isso talvez explique, em 
parte, o porquê e a gênese de algumas práticas curativas que, de formas anta-
gônicas, se apresentam ora centrada na filosofia ou na perspectiva da ciência 
cartesiana, ora radicalizada no mito, na magia ou na religião. 
Procurar compreender e explicar a realidade faz parte da natureza huma-
na e, na busca de respostas sobre o mundo, a humanidade desenvolveu dife-
rentes formas de pensar, construídas não apenas pelo senso comum, mas tam-
bém através do conhecimento dominante, àquele que tem origem no mundo 
acadêmico. Enquanto o senso comum revelava-se pela cultura acumulada, o 
conhecimento dominante sempre foi agregado a paradigmas, compreendidos 
como um conjunto de valores, crenças e convenções que determinam as ver-
dades ou respostas aos problemas humanos. 
Para o ser humano viver no mundo necessita se sentir seguro, esta segu-
rança é conquistada a partir dos conceitos que ele formula e o conjunto de con-
ceitos forma um paradigma. Enquanto prevalecer um paradigma o estado de 
segurança é permanente, pois um conceito só é derrubado através do surgi-
mento de um novo conceito que o substitua. Cada paradigma representa um 
longo período, nos quais se destacam diferentes orientações para o pensamen-
to e considera suas revelações como o ápice do conhecimento. No entanto, a 
próxima fase considera as idéias anteriores como absurdo, mas, mesmo assim, 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
16 
permanecem impregnadas na cultura popular e, mesclando-se ao novo conhe-
cimento, criam contradições, crenças e superstições baseadas em conclusões 
equivocadas a partir da observação dos fatos ou da experiência vivenciada. Is-
so exerce influência direta ou indireta sobre o indivíduo e a sociedade, configu-
rando a forma pela qual o humano pode compreender o mundo em que vive e 
se ajustar nele. 
Entre os povos primitivos o mito é um paradigma, é forma do humano se 
situar no mundo, de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. O 
mito não depende de reflexão ou crítica para estabelecer algumas verdades 
que explicam parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural. É 
intuitivo e não necessita de provas para ser aceito. É, portanto, uma intuição 
sobre o mundo, cuja função principal é acomodar o homem na natureza. Mas, o 
mito não é exclusividade de povos primitivos, existe em todos os tempos e cul-
turas como componente indissociável da maneira de compreender a realidade. 
Cada povo, com base em seus mitos, tem uma visão própria da natureza e ma-
neiras diferenciadas de explicar os fenômenos e os processos naturais. O mito 
não é lenda, ficção ou fabulação, é uma organização da realidade a partir da in-
tuição sobre a experiência vivenciada. 
Para o povo antigo o mito era extremamente precioso por seu caráter e-
xemplar, dogmático e sagrado, sempre verdadeiro, confirmado na vida social, 
portanto, inquestionável. A sua aceitação não é racional, tem de ser através da 
fé e da crença, isto é, construído pela afetividade e pela imaginação. Até o sé-
culo V a.C. o mito era a forma de revelação do conhecimento e significava ori-
entações para a conduta, representava modelos explicativos para as funções e 
as atividades humanas praticados em diferentes civilizações como os gregos, 
romanos, assírios, babilônios, chineses, indianos, egípcios, persas e hebreus, 
além de sociedades primitivas. 
O pensamento mítico pertence ao campo do pensamento simbólico e da 
linguagem simbólica, se caracteriza como uma das formas pela qual um povo 
explica aspectos essenciais da realidade em que vive; a origem do mundo, o 
funcionamento da natureza e os processos naturais, além da origem e o destino 
das pessoas e seus valores básicos. O povo grego antigo tinha essa percepção 
e o termo grego mythos significa um tipo bastante especial de discurso que 
pressupõe adesão e aceitação dos indivíduos para a explicação mágica de sua 
experiência do real. 
O mito não se justifica e não se fundamenta, nem se presta ao questio-
namento, à crítica ou à correção, não obedece à lógica nem da verdade empíri-
ca, nem da verdade científica. É verdadeiro para quem vive, é a verdade cons-
truída pela afetividade e pela imaginação, não necessita de provas para ser a-
ceita. É, portanto, uma intuição compreensiva da realidade, uma forma espon-
tânea do ser humano situar-se no mundo. 
A forma de explicar a realidade apelando para o sobrenatural, para o mis-
tério e o sagrado é através do pensamento mítico. Assim, as causas dos fenô-
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
17 
menos naturais, ou seja, aquilo que acontece aos seres humanos é entendido 
como que governadas por realidades superiores, misteriosas, divinas. São exte-
riores ao mundo natural, forças universais e invisíveis provindas dos deuses, 
dos espíritos, dos Astros e das Estrelas do céu, aceitas como capazes de influir 
e governar a natureza e o destino dos homens. 
O mito pretende dar uma explicação da realidade, mas recorre ao mistério 
e ao sobrenatural, ou seja, àquilo que não pode ser explicado, que não pode 
ser compreendido por estar fora do plano da compreensão humana. A explica-
ção dada pelo pensamento mítico termina na impossibilidade da explicação do 
que se deseja conhecer. Ao responder, o mito cria outro problema irrespondível, 
por isso, a resposta tem de ser definitiva, misteriosa e dogmática. 
Como proposta para o homem tentar entender o mundo sem recorrer ao 
misterioso e dogmático surge, no século VI a.C. na Grécia, o pensamento filo-
sófico. Os primeiros filósofos da escola jônica iniciam com o objetivo de buscar 
uma explicação do mundo natural, na física (physis), baseada essencialmente 
em causas naturais. A chave da explicação do mundo e da experiência humana 
estaria então, para esses pensadores, no próprio mundo e não fora dele. Mas, 
isso não significa o desaparecimento do mito como forma explicativa, muitos 
dos seus elementos sobrevivem, chega às sociedades contemporâneas e são 
manifestados pelo imaginário coletivo, criando ou modificando crenças, supers-
tições e fantasias. 
O pensamento mítico fez parte de uma sociedade baseada em uma mo-
narquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influência e o poder po-
lítico era hereditário, sustentado por uma aristocracia militar e mantida por uma 
economia agrária. A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas, vindas pro-
vavelmente da Ásia central, em torno de 900 a 750 anos a.C. começam a surgir 
cidades-Estado. Ocorre uma participação política mais ativa dos cidadãos e a 
religião vai tendo seu papel reduzido, paralelamente surge uma nova ordem e-
conômica, baseada em atividades comerciais e mercantis. Este novo cenário al-
tera o conjunto de conceitos e inicia um novo paradigma, o pensamento filosófi-
co. 
Com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, o pensamento mítico vai 
deixando de satisfazer às necessidades da nova organização social, mais preo-
cupada com a realidade concreta, com a atividade política mais intensa e com 
as trocas comerciais. É nesse contexto que a filosofia encontrará condições fa-
voráveis para o seu nascimento. Mas, a influência do pensamento mítico per-
manece por muito tempo ativo também nas escolas de pensamento filosófico, 
como no pitagorismo e na obra de Platão. A perda do poder explicativo baseado 
no mito resulta de um longo período de transição e de transformação da socie-
dade, que torna possível uma nova forma de pensar e alimenta as primeiras es-
colas do pensamento filosófico no século VI a.C. 
O pensamento filosófico surgiu não nas cidades do continente grego co-
mo Atenas, Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas antigas colônias gregas do 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
18 
Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, na península da Anatólia, território que 
hoje faz parte da Turquia. Essas colônias, dentre as quais se destacaram Mileto 
e Éfeso,eram importantes portos e entrepostos comerciais, locais de encontro 
das caravanas provenientes da Mesopotâmia, Pérsia, talvez também da Índia e 
China. Para lá eram levadas mercadorias que eram embarcadas e transporta-
das para outros pontos que os navegadores gregos aportavam com suas em-
barcações. 
Nas cidades gregas do Mediterrâneo oriental conviviam em harmonia dife-
rentes culturas, pois o interesse comercial fazia com que os povos que ali se 
encontravam, sobretudo os gregos fundadores das cidades, fossem bastante 
tolerantes. As colônias do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas imersas 
no pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas, costumes, cultos e 
mitos. Considerando o fato de que cada povo tem sua forma de ver o mundo, 
seus costumes e valores, é possível que o confronto entre as diferentes tradi-
ções tenha contribuído para enfraquecer o poder do mito, de dar explicações 
absolutas e verdadeiras sobre os questionamentos humanos. 
Nas sociedades gregas, dedicadas às práticas comerciais e aos interes-
ses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo progressiva-
mente sua importância e surge o tipo de pensamento inaugurado, na Escola de 
Mileto, por Tales (625-547 a.C.) que pode ser considerado como o primeiro filó-
sofo a buscar respostas além daquelas obtidas pelo pensamento mítico. Algu-
mas das características centrais desse novo tipo de pensamento exercem influ-
ências entre o século VI e V a.C. em quase todos os pensadores pré-socráticos. 
É uma nova forma de analisar e ver a realidade porque propõe o uso da razão, 
mas não significa que a filosofia rompe radicalmente com o mito, apenas susci-
ta o uso da razão no seu esclarecimento, sobretudo aos que se referem à ori-
gem do mundo. 
A principal contribuição da Escola de Mileto ao desenvolvimento do pen-
samento filosófico e pode-se dizer também científico, foi construir um conjunto 
de noções para tentar explicar a realidade, a partir de alguns conceitos básicos 
que rompem com a narrativa do mito. O pensamento das primeiras escolas de 
filosofia toma por base: 
• A noção de physis (natureza) e de causalidade. 
• O conceito de arché ou elemento primordial. 
• A concepção de kosmos como o Universo racional e ordenado. 
• O lógos como explicação racional. 
• O caráter crítico, a discussão e não dogmatismo. 
Noção de physis e causalidade 
O objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o mundo na-
tural, suas teorias buscam dar uma explicação causal aos processos e aos fe-
nômenos da natureza, a partir de causas puramente naturais, isto é, encontrá-
veis no mundo concreto, e não em um mundo sobrenatural ou divino como nas 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
19 
explicações míticas. Segundo esse tipo de visão, a compreensão da realidade 
natural encontra-se nesta própria realidade e não fora dela. Aristóteles (384-324 
a.C.) chama os primeiros filósofos de physiólogos, ou seja, estudiosos ou teóri-
cos da natureza (phvsis) e dedicou as primeiras páginas de Metafísica a um 
breve resumo sobre os pensadores que o precedeu. 1 
A causalidade é a característica central da explicação da natureza pelos 
primeiros filósofos, a natureza das coisas é interpretada em termos puramente 
naturais e o estabelecimento de uma conexão causal entre determinados fenô-
menos naturais constitui a forma básica da explicação filosófica e científica. Ex-
plicar passa a ser relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o deter-
mina; é reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza; é 
tomar um fenômeno como efeito de uma causa. A existência desse nexo torna 
a realidade inteligível e permite considerá-la como tal, mas é importante, entre-
tanto, que o nexo causal se dê apenas entre fenômenos naturais, considerando 
que o pensamento mítico também estabelece explicações causais entre fenô-
menos naturais e sobrenaturais. 
A explicação de causa e efeito entre fenômenos naturais e sobrenaturais 
é bem explícita na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada de Homero, um entre 
os maiores poemas épicos da Grécia antiga, composto no século VIII a.C. e que 
teve profunda influência sobre a literatura ocidental. No texto pode ser lido 
quando os deuses tomam partido dos gregos e dos troianos e influenciam os 
acontecimentos em favor de um ou de outro. Portanto, fenômenos humanos e 
naturais têm, nesse caso, causas sobrenaturais. Trata-se de uma explicação 
causal, porém dada através da referência a causas sobrenaturais. A proposta 
dos primeiros filósofos é romper com essa possibilidade, o nexo tem de ser a-
penas entre fenômenos naturais. 
A explicação causal entre os fenômenos naturais possui um caráter re-
gressivo, explica sempre uma coisa por outra. É a possibilidade de buscar uma 
causa anterior, mais básica, até o infinito. Cada fenômeno poderia ser tomado 
como efeito de uma nova causa, que, por sua vez, seria efeito de uma causa 
anterior, e assim sucessivamente, num processo sem fim. Isso invalida o pró-
prio sentido da explicação, pois, mais uma vez, a exposição levaria ao inexpli-
cável, a um mistério tal como no pensamento mítico. Para evitar a regressão ao 
infinito da explicação causal surge a necessidade de se estabelecer uma causa 
primeira, um princípio, ou um conjunto de princípios, que possa servir de ponto 
de partida para o processo racional. Neste ponto nasce a noção de arché (ele-
mento primordial). 
O Arché e o kosmos 
Os filósofos começam postular a existência de um ponto de partida para 
todo o processo do pensamento. O primeiro a formular essa noção é justamen-
 
1ARISTÓTELES, Metafísica (trad. Leonel Valandro), Porto Alegre, Ed. Globo, Biblioteca dos Sé-
culos, 1969. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
20 
te Tales de Mileto, quando afirma que a Terra flutua como um disco boiando 
sobre a água, no oceano, e que a água está presente em quase tudo que existe 
na natureza, em seus três estados físicos; líquido, sólido e gasoso. Para ele, a 
água (hydro) é o princípio e o fim de tudo. Tales escolheu esse elemento como 
primordial influenciado, provavelmente, por antigos mitos do Egito e da Mesopo-
tâmia; regiões onde a água teve um papel crucial para o desenvolvimento de ci-
vilizações, principalmente em locais fluviomarinhos como a margens de rios, la-
gos e mares. 
Segundo Tales, a água ao se resfriar torna-se densa e dá origem à terra e 
ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando 
novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, 
terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A hipótese de Tales 
pode ser resumida nas proposições de que a terra flutua sobre a água; a água é 
a causa material de todas as coisas e, em suas diferentes formas, é cheia de 
deuses e poderes divinos. Foi também um dos primeiros pensadores a afirmar 
que o ímã possui vida, pois atrai o ferro, tendo assim inaugurado a doutrina 
magnética, básica para o desenvolvimento da “medicina magnética” que se 
desdobra no mesmerismo, no kardecismo e, por fim, no hipnotismo. 
A busca por um elemento real que dá unidade à natureza é a contribuição 
mais importante de Tales, elegendo a água enquanto princípio para a explica-
ção do mundo, inaugura o pensamento filosófico. Para ele a água não era sim-
plesmente a substância encontrada em rios, mares, lagos e simbolizava um e-
lemento real, o mais básico, o mais primordial; presente em todas as coisas em 
maior ou menor grau. No imaginário coletivo a água vai se tornando também re-
ferencia indispensável para a explicação de todas as coisas questionáveis, se 
transforma em um elemento mágico capaz de promover a cura para o corpo e a 
purificação para a alma humana. Passa a ser a fonte de explicação para o que 
não se pode compreender. 
Os discípulos de Tales elegem outros elementos como sendo primordial 
para a explicação do mundo, como exemplo, Anaximandro de Mileto(611-547 
a.C.), discordando do mestre, identifica o arché não mais como um elemento 
natural, mas no apeíron, termo grego que indica o ilimitado, o infinito, uma reali-
dade sem limites e sem fronteiras, um princípio abstrato significando algo de i-
limitado, indefinido, subjacente à própria natureza. Anaximandro dizia que a ori-
gem de tudo está no movimento eterno que resulta na separação dos contrá-
rios; como o quente e o frio, o seco e o úmido. Neste sentido, como forma expli-
cativa da vida, do mundo e do Universo, o pensamento teológico, impõe tam-
bém contrários como o bem e o mal, a virtude e o pecado, o sagrado e o profa-
no, o céu e o inferno, anjos e demônios, Deus e o diabo. 
Anaximandro é contraditado por Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) 
quando afirma ser o ar o princípio e o fim de tudo, dizia que esse elemento se 
diferenciava nas substâncias por refração e condensação; atenuado torna-se 
fogo; condensado, vento; ao crescer a condensação, transforma-se em água e 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
21 
depois em terra, pedras e tudo mais na natureza. Mas, os gregos também pas-
sam a compreender o ar pela expressão pnêuma, ou seja, o vento quente e ra-
refeito, de natureza mais espiritual do que material, presente em cada ser vivo e 
que se exala do corpo como no último suspiro. O ar de Anaxímenes passa a ser 
entendido como o princípio da vida, algo que entra e sai do corpo, entre o nas-
cimento e a morte, por isso passa a significar mais do que uma substancia natu-
ral. Dessa idéia mais tarde deriva a concepção de alma e sua imortalidade. A-
romatizar o ar passa a ser entendido como forma de melhor sentir sua presença 
capaz de promover benefícios mágicos para o ser humano. 
Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) recebeu o cognome de "pai da dialética", 
problematiza a questão do devir (mudança) e dizia ser o fogo o princípio expli-
cativo para tudo que fosse questionável, para ele tudo muda e tudo flui. Dizia 
que todas as coisas podem ser transformadas em fogo e que o fogo pode se 
transformar em todas as coisas. Mas, o pensamento de Heráclito parece ser 
metafórico, compara a ação do fogo com a ação da moeda pela capacidade 
que ambos têm de transformar as coisas. Dizia que do mesmo modo como se 
troca o ouro, no sentido de moeda, por todas as coisas, tudo pode ser trocado 
por ouro. 2 Suas idéias sobre o fogo, como elemento primordial ou metáfora ex-
plicativa, no conceito popular ganha relevância. Além do seu poder de exercer 
fascinação, o fogo já não se limita apenas à iluminação ou outros serviços; pas-
sa a representar mais uma facilidade na relação do humano com o divino. Pa-
radoxalmente a filosofia que surge em substituição ao pensamento mítico, a ca-
da passo o fortalece. 
Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), natural da colônia dórica de A-
grigento, na Sicília, realizou uma síntese filosófica e propôs uma explicação ge-
ral do mundo, considerando todas as coisas como resultantes da fusão do que 
considerou os quatro princípios eternos e indestrutíveis; a terra, o fogo, o ar e a 
água. Acreditava que esses elementos são misturados ou separados pela ação 
do amor ou pelo ódio. Tese retomada por Platão (428-347 a.C.) e difundida em 
toda a Antigüidade, chegando até o período moderno nas especulações da al-
quimia no Renascimento até o surgimento da química moderna no século XVIII, 
quando em 1789, Antoine-Laurent Lavoisier publicou a primeira lista de elemen-
tos químicos. Depois de Empédocles, Demócrito de Abdera acrescenta mais 
um elemento, o átomo, acreditava que tudo era composto por átomos e vazio. 
O atomismo de Demócrito passa a ser a medida explicativa de tudo. 
Pitágoras (570-500 a.C.) identificou o arché no número, afirmando que 
cada figura geométrica e, portanto, cada corpo existente, pode ser pensado 
como quantidade finita de elementos-base unitários. Com a certeza de que tudo 
é número e tudo pode ser quantificado em números, Pitágoras construiu a pri-
meira matemática e elaborou uma metafísica, um ideal de ordem, racionalidade 
e harmonia universal. Para ele o número não era um ente abstrato, mas algo 
 
2 NICOLAS, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia: das origens à idade moderna (trad. Maria 
Marghrita De Luca), São Paulo, Ed. Globo, 2005. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
22 
concreto e real com uma dimensão espacial; os números são figuras como e-
xemplo o quadrado, o triângulo e o circulo que se apresentam como um ente in-
termediário entre a aritmética e a geometria e é capaz de explicar o mundo. Daí 
se desenvolve a numerologia. 
No que se refere à magia, Pitágoras também se revela como crédulo das 
culturas curativas arcaicas baseadas no pensamento mítico. Isso é demonstra-
do pela lista de estranhas regras de purificação da alma que impôs aos seus 
discípulos. Algumas ações eram absolutamente proibidas por motivos religio-
sos, como exemplo, não comer favas; não recolher o que caiu; não tocar em um 
galo branco; não partir o pão para comer; não saltar sobre traves; não atiçar o 
fogo com ferro; não morder um pão inteiro; não partir as guirlandas; não se sen-
tar sobre um jarro; não comer coração; não se olhar em um espelho perto do 
fogo; alisar a marca do corpo ao levantar-se na cama. Outra idéia de Pitágoras 
é a de que os Astros produzem no seu movimento uma música perfeita e divina, 
literalmente celestial, a música das estrelas não é percebida pelos homens por 
não serem estes perfeitos ou refinados do ponto de vista da suprema purifica-
ção da alma. 
Pitágoras foi o primeiro filosofo acidental a sustentar a existência da alma 
e sua transmigração de um copo para outro no momento da morte. Para ele, 
devido à culpa anterior, a alma é obrigada a reencarnar sucessivamente, nem 
sempre em corpos humanos, mas também em animais, em um ciclo que só é 
interronpido após a purificação. Esta teoria conhecida como metempsicose, pro-
fessada no oriente pelas religiões hinduísta e budista, chegou à Grécia com a 
seita misteriosa dos Órficos, cresceu com os ensinamentos de Pitágoras e de-
pois foi assumida por Platão como explicação da anamnese ou reminiscências. 
Anamnese, em grego, significa recordação, reminiscências. O termo indi-
ca a teoria de origem mítico-filosofica com que Platão tenta explicar o problema 
do conceito e do conhecimento em geral. Segundo sua hipótese a alma, no 
sentido da mente humana, não adquire conhecimento a partir do exterior, mas 
recorda no seu interior, aquilo que outrora adquiriu e depois esqueceu. Reto-
mando a teoria da metempsicose de Pitágoras, Platão também acha que as al-
mas transmigram de um corpo para outro, mas antes de ocupar um novo corpo 
têm a possibilidade de contemplar as idéias, o modelo perfeito das coisas. Este 
conhecimento, perdido no esforço do nascimento, é posteriormente despertado 
pela observação das coisas. Assim, a percepção do mundo externo não fornece 
nenhum conhecimento, somente o estimulo à recordação. O conhecimento dá-
se por meio de uma visão intelectual, quando o ser humano consegue reconhe-
cer na complexidade do mundo real as formas essenciais e prototípicas, ou se-
ja, as idéias. 
Para os filósofos compreender o mundo era necessário outro princípio, o 
Kosmos. O significado do termo para os gregos liga-se diretamente às idéias de 
ordem, harmonia, circularidade e serenidade representada pelos Astros e pelo 
espaço celeste. O belo resulta da harmonia das formas vistas no Cosmo; daí a 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
23 
origem do termo “cosmético” como símbolo de beleza. A visão do Cosmo dis-
tinguia a natureza celeste da natureza terrestre, o mundo supralunar e o mundo 
sublunar que se opunham, um como perfeito e o outro imperfeito. O imperfeito 
corruptível e perecível se opõe ao perfeito que é eterno e imutável. 
As coisas terrestres eram imperfeitas, mas ao contrário da Terra, os As-
tros celestes eram vistos comoperfeitos pela sua forma circular, de movimentos 
uniformes, sem começo nem fim, sempre girando em torno de um ponto central 
do qual não se afasta nem se aproxima, habitação dos seres perfeitos e eter-
nos. O Cosmo, entendido como ordem, se opõe ao caos que seria precisamen-
te a falta de ordem. Passa a ser contemplado pelos pensadores como o mundo 
real, natural e ordenado de acordo com certos princípios racionais, em que cer-
tos elementos são mais básicos e se constitui de forma determinada, tendo a 
causalidade como lei principal. 
A astrologia é envolvida pelo pensamento mítico com a idéia de um Cos-
mo finito, esférico, fechado sobre si mesmo, inteiramente contido na esfera dos 
céus, a Terra imóvel em seu centro e fora do qual, como diz Aristóteles, nada 
existe, nem lugar, nem tempo. Os Astros celestes, principalmente os noturnos 
como a Lua e as Estrelas, passam a representar o modelo para a vida humana, 
espelham a virtude, representam a idéia de perfeição que deveria influenciar o 
humano, suas atitudes e sua existência. Dessa filosofia deriva a convicção da 
influência dos Astros na vida e no destino das pessoas, é como se a vida de 
cada um estivesse escrita nas estrelas. 
Há na concepção grega o pressuposto de correspondência entre a razão 
humana e a racionalidade do real para a compreensão do Cosmo. É a raciona-
lidade do mundo que o torna compreensível ao entendimento humano, a ordem 
do Cosmo é vista como uma ordem racional, uma realidade possível de ser 
compreendida. É porque este real pode ser compreendido que se pode fazer 
ciência, isto é, tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo “cosmolo-
gia”, como explicação dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral 
sobre a natureza e o funcionamento do Universo. 
O Lógos e o Crítico 
Para o grego compreender o mundo faltava mais um princípio, a argu-
mentação da realidade, o discurso, o lógos. O termo significa literalmente dis-
curso e é com tal acepção que é explicitado, por exemplo, em Heráclito de Efé-
so. O lógos enquanto discurso difere fundamentalmente do mythos, narrativa de 
caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. É 
uma explicação em que razões são dadas no discurso dos primeiros filósofos, 
explicando o real por meio de causas naturais. 
Lógos são razões argumentativas, frutos não de uma inspiração ou de 
uma revelação, mas simplesmente do pensamento humano aplicado ao enten-
dimento da natureza. É, portanto, o discurso racional em que as explicações 
são justificadas e estão sujeitas a critica e à discussão (disso deriva o termo 
“lógica”). Heráclito caracteriza a realidade como tendo um lógos, ou seja, uma 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
24 
racionalidade que seria captada pela razão humana. Um dos pressupostos bá-
sicos da visão dos primeiros filósofos é a correspondência entre a razão huma-
na e a racionalidade do real, o que tornaria possível um discurso racional sobre 
o real. 
Para construir o lógos era necessário o crítico, um dos aspectos mais fun-
damentais do saber que fundamenta as primeiras escolas de pensamento, so-
bretudo na escola jônica. O caráter crítico impedia que as teorias formuladas 
fossem dogmáticas, apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas 
como teorias passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e dis-
cordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata 
de construções do pensamento humano, de idéias de um filósofo, e não de ver-
dades reveladas de caráter divino ou sobrenatural, estão sempre abertas à dis-
cussão, à reformulação, a correções. Isso aconteceu na escola de Mileto com 
os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, quando 
não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o elemento primordial e 
postulam outros elementos como tendo esta função. 
Nas escolas filosóficas o debate, a divergência e a formulação de novas 
hipóteses eram estimulados, a única exigência era que as propostas divergen-
tes pudessem ser justificadas, explicadas e fundamentadas por seus autores e 
submetidas à crítica. O que é acrescentado de novo na filosofia grega, não é a 
substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas sim uma nova atitude em 
relação aos mitos, a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da 
doutrina, na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica, 
encontra-se uma tradição crítica da doutrina. 
Outros pensadores começam a fazer perguntas a respeito do mito, duvi-
dam de sua veracidade, a dúvida e a crítica tornam-se agora parte da tradição 
da filosofia. Uma tradição superior que substitui a preservação tradicional do 
dogma e, em lugar da teoria tradicional, do mito, encontra-se a tradição das teo-
rias que criticam a si mesmas e, no decorrer dessa discussão crítica, a obser-
vação é adotada como testemunha dos fatos. Não foi por mero acaso que Ana-
ximandro, discípulo de Tales desenvolveu uma teoria que divergia explícita e 
conscientemente de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, 
tenha também divergido. A explicação parece ser que o próprio fundador da es-
cola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teoria, e que eles tenham 
transformado, com esta atitude de fazer crítica, a tradição da escola, trocando o 
dogma pela reflexão do pensamento. 
O Cosmo passa a ser entendido pela astrologia, existe agora uma forma 
de conhecimento racional sobre os Astros, e surgem os pensadores astrôno-
mos. Mas, até o século XVI e o início do XVII o pensamento ainda estava im-
pregnado do ocultismo e da magia. A Igreja incorpora e defende o pensamento 
filosófico; passa a impor a idéia de que o mundo acima da Lua era reservado à 
habitação das substâncias mais puras, mais perfeitas e divinas, superiores so-
bre o mundo imperfeito das coisas terrestres. A filosofia e a Igreja caminham 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
25 
juntas e, sob os ditames divinos, reforça que o mundo cósmico é capaz de e-
xercer influência sobre as formas de vida existente na Terra. Tinham como 
pressuposto básico a existência de um mundo perfeito supralunar, habitado por 
seres perfeitos do qual os humanos, por serem mortais, são apenas cópias im-
perfeitas. 
No século V, a invasão dos bárbaros irrompendo de todos os lados, des-
truindo no Ocidente a civilização romana, inicia a Idade Média, provocando no-
vas condições políticas e sociais, adversas à conservação e ao desenvolvimen-
to da cultura intelectual. É um período de estagnação intelectual em que não 
houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os res-
tos da cultura que estava sendo arruinada com as invasões de povos nômades 
como os visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente os vândalos. 
O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, não 
foi criar, mas compilar. E se deve principalmente aos monges, que recolheram 
em seus conventos muitos manuscritos antigos, que revelavam as sabedorias 
dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, acomo-
daram-se à nova situação política e passaram a aceitar os usos e costumes 
dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao Cristianismo. Com isso houve 
um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações intelectuais 
apareceram como doutrinas teológico-filosóficas, que passam a dominar na I-
dade Média. Entre o século IX e o XVII o pensamento filosófico se caracteriza 
pelo problema da relação entre a fé e a razão, associando a filosofia greco-
romana à teologia cristã. 
Apoiada na crescente influência religiosa, a Igreja passou a exercer impor-
tante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, por exemplo, a fun-
ção de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os 
problemas da fragmentação política e das rivalidades internas da nobreza feu-
dal. Conquistou, também, vasta riqueza material tornando-se proprietária de 
aproximadamenteum terço das áreas cultiváveis da Europa ocidental, numa 
época em que a terra era a principal base de riqueza. Assim, pôde estender 
seu poder hegemônico sobre diferentes regiões européias e impor-se como de-
tentora da revelação divina, se anunciado como a única fonte de verdade. 
Filósofos eclesiásticos 
Desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessário explicar seus ensi-
namentos às autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja católica sabia 
que seus preceitos não podiam simplesmente serem impostos, tinham de ser 
apresentados de maneira convincente. Foi assim que os primeiros Padres se 
empenharam na elaboração de textos sobre a fé e a revelação divina. O con-
junto desses textos, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a fé de 
argumentos racionais e ficou conhecido como patrística, por terem sido escritos 
principalmente pelos grandes Padres da Igreja. No plano cultural, a Igreja pas-
sa a exercer amplo domínio, trançando um quadro intelectual em que a fé cristã 
era o pressuposto fundamental de toda sabedoria humana. 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
26 
A Igreja Católica concedia, através de decreto do Papa, o título de Douctor 
Ecclesice (Doutor da Igreja) para àqueles Padres que mais escreviam sobre a 
doutrina católica, ou que, com maior profundidade, zelo e eloqüência a defen-
diam. Muitos foram os escritores eclesiásticos que receberam esse titulo por 
defender a fé associada com a razão. Entre outros, destacam-se Orígenes, 
Clemente de Alexandria, Gregório de Nazianzo, Cirilo de Alexandria, Santo 
Ambrósio e Santo Agostinho. 
À medida que a Igreja se tornava a instituição mais poderosa do Ocidente, 
a filosofia de Santo Agostinho definia a cultura da época. Educação e cateque-
se praticamente se equivaliam; as escolas eram orientadas para a formação de 
membros do clero, ficando em segundo plano a transmissão dos conteúdos tra-
dicionais. O conhecimento tinha lugar central na filosofia de Santo Agostinho, 
mas ele se confundia com a fé "Compreender para crer, crer para compreen-
der", era uma filosofia condicionada à fé religiosa e, especificamente, à ética 
cristã. 
A educação conhecida como patrística, termo que se refere aos padres 
Magister Ecclesice (Mestres da Igreja), ensinava, instruía e doutrinava estimu-
lando acima de tudo a obediência incontestável ao clero e sua rígida hierarquia. 
A disciplina rigorosa era a forma de praticar a resignação e a humildade diante 
do desconhecido. A subordinação era a forma de treinar o controle das paixões 
para merecer a salvação numa suposta vida após a morte. 
Para a Igreja o conhecimento tinha por base a crença irrestrita ou na ade-
são incondicional às verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades ex-
pressas na Bíblia e devidamente interpretadas segundo a autoridade da Igreja. 
De acordo com a doutrina católica, a fé representava a fonte mais elevada das 
verdades reveladas, especialmente aquelas essenciais ao homem e que dizem 
respeito à sua salvação. Neste sentido, afirmava Santo Ambrósio (340-397) 
“Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo”. Assim, toda 
investigação filosófica ou científica não poderia, de modo algum, contrariar as 
verdades estabelecidas pela fé católica. Segundo essa orientação, os filósofos 
não precisavam se dedicar à busca da verdade, pois ela já havia sido revelada 
por Deus aos homens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as 
verdades da fé. 
Embora tenha vivido nos últimos anos da Idade Antiga, que se encerrou 
com a queda do Império Romano, no ano de 476, Santo Agostinho (354-430) 
foi o mais influente pensador ocidental dos primeiros séculos da Idade Média. A 
ele se deve a criação de uma filosofia que, pela primeira vez, deu suporte ra-
cional ao cristianismo; numa época em que a cultura helenística (baseada no 
pensamento grego) havia entrado em decadência e a nova religião conquistava 
cada vez mais seguidores, embora se fundamentasse quase que exclusiva-
mente na fé e na difusão espontânea. 
Outros pensadores já haviam se dedicado à revisão da cultura clássica 
(greco-romana) para adaptá-la aos novos tempos. Era uma forma de mostrar 
Janela da Alma: Hipnose e psicoterapia, etiologia e práxis 
 
27 
aos indecisos que a conversão ao cristianismo não seria incompatível com ma-
neiras de viver e de pensar a que estavam acostumados. Entre os pensadores 
gregos, o que mais se prestava à construção de uma filosofia cristã era Platão 
e a escola de pensamento, nos primeiros séculos da Idade Média, ficou conhe-
cida como neoplatonismo. 
No século VIII Carlos Magno, convertido ao catolicismo, resolveu organi-
zar o ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas às instituições ca-
tólicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser 
divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas reflexões da épo-
ca. Na educação romana, começaram a ser ensinadas as matérias: gramática, 
retórica e dialética (o trivium) geometria, aritmética, astronomia e música (o 
quadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas à teologia. A funda-
ção dessas escolas e das primeiras universidades do século XI fez surgir uma 
produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola). 
A queda do império romano aconteceu com a deposição do último monar-
ca pelos germânicos. Os quase mil anos seguintes seriam englobados pelos 
historiadores no período da Idade Média, que tem entre suas características 
principais o domínio da Igreja Católica sobre quase todas as atividades huma-
nas. A filosofia de Santo Agostinho domina a primeira fase da Idade Média 
(mais ou menos até o século XI), marcada por guerras constantes, decadência 
das cidades, pulverização do poder político e internacionalização da cultura por 
meio da Igreja. É uma época em que a educação é eminentemente religiosa e 
a ciência avança pouco e se difunde menos ainda. 
A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pen-
samento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta 
de muitas obras de Aristóteles, não descobertas até então, e à tradução para o 
latim de algumas delas, diretamente do grego. A busca da harmonização entre 
a fé cristã e a razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especu-
lação filosófica. Nesse sentido, o período escolástico pode ser dividido em três 
fases: 
• Fase um (do século IX ao fim do século XII): caracterizada pela 
confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. 
• Fase dois (do século XIII ao princípio do século XIV): caracterizada 
pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo desta-
ques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que 
a harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida. 
• Fase três (do século XIV até o século XVI): decadência da escolás-
tica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais en-
tre fé e razão. 
A escolástica chega ao seu ápice com Santo Tomás de Aquino (1225-
1274), é quem que proporciona ao pensamento cristão uma filosofia que con-
verge não apenas o pensamento patrístico e escolástico, mas também o pen-
samento helênico, enriquecido com a filosofia aristotélica. Considera também a 
Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc. 
 
 
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filosofia como absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o con-
teúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional. Inaugura 
a fase do Tomismo, adotada oficialmente pela Igreja Católica, que considera 
como a solução definitiva do problema das relações entre a razão e a fé. O 
Tomismo se caracteriza pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristia-
nismo, rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os 
princípios da filosofia aristotélica. 
Tomás de Aquino trata de duas formas o conhecimento: a filosofia e a 
teologia; a primeira funda-se no exercício da razão humana; a segunda, na re-
velação divina. São independentes, mas apresentam às vezes o objeto material

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