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Livro - Fundamentos Socioantropologicos da Educacao

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Alexandre Vieira
Fundamentos 
Socioantropológicos 
da Educação
2ª Edição
Curitiba
2018
Fundamentos 
Socioantropológicos 
da Educação
Alexandre Vieira
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária - Cassiana Souza CRB9/1501
V658f Vieira, Alexandre
Fundamentos socioantropológicos da educação / Alexandre 
Vieira. – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2018.
171 p.: il.
ISBN 978-85-5337-016-0
1. Sociologia da educação 2. Antropologia e educação I. Título
CDD 370.19
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Claudia Helena Carvalho Weigert
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Sandro Niemicz
Imagem da Capa Shutterstock.com/Jannarong
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
 Apresentação | 5
1. Sociologia e Antropologia para a Educação | 7
2. Sociedade de massas, educação e contracultura na era 
pós-colonial | 43
3. Educação pós-moderna, neoliberalismo e globalização | 77
4. Os saberes para a educação do futuro | 109
 Referências | 165
Apresentação
O livro Fundamentos socioantropológicos da educação 
tem como desafio sugerir questões de reflexão e debate que nos apro-
ximem daquilo que corresponde às possibilidades e aos obstáculos a 
uma educação ética, inclusora e verdadeiramente humanitária.
Refletir e construir novos paradigmas em educação tornou-se 
uma urgência para a humanidade. Isso porque, há muito, os mode-
los verticais e institucionalizados de ensino-aprendizagem estão sendo 
desafiados por um ritmo de transformação do mundo em que a tecno-
logia, a informação, a cultura e os direitos têm feito toda a diferença.
– 6 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
A educação foi pensada em nossa história como um fundamento, um 
refúgio e uma necessidade. Por sobre ela, foram erigidos os saberes que nos 
fizeram construir casas, muros, cidades e impérios. A educação fez reis e rai-
nhas, profetas, generais, conquistadores, heróis, cientistas, trabalhadores e 
multidões que viveram e escreveram a experiência do mundo. A educação 
gerou, igualmente, a manifestação do belo e do horrendo. Serviu como base 
para construirmos um mundo de paz e transformação de conflitos, mas tam-
bém foi utilizada para justificar guerras e produzir massacres.
Para lidarmos com os desafios da educação do futuro, mobilizamos sis-
temas de ideias e eventos provenientes da experiência dos antigos, dos moder-
nos, dos contemporâneos e daqueles mais recentes, chamados de pós-moder-
nos. A tarefa foi perguntar a pensadores tão distintos, como Aristóteles, 
Marx, Durkheim, Weber, Boas, Malinowski, Adorno, Bell, Lyotard, Morin, 
Delors, Milton Santos ou o índio Gersem Baniwa se querem continuar nos 
oferecendo algo para refletirmos sobre os saberes do futuro.
Por fim, o convite à leitura deste livro é o convite para uma conversa 
conduzida entre amigos, bem ao modo dos gregos, que, em seus banquetes, 
na antiguidade, nutriam-se da alegria do encontro, ao sabor de boas histórias.
Bons estudos! 
Alexandre Vieira*
* Psicólogo com mestrado e doutorado em Sociologia Política (UFSC). Coordenou por dez 
anos o Instituto de Planejamento, Pesquisa Social e Estudos Avançados (IPPSEA) em Floria-
nópolis. Atualmente, leciona Ciência Política e Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais 
de Santa Catarina (Cesusc). É um dos fundadores do Centro de Cultura Tibetana e, desde 
2008, atua em favor da proteção de culturas originárias.
1
Sociologia e 
Antropologia para 
a Educação
Introdução 
Com este capítulo, pretendemos inserir o leitor no ambiente 
de trocas entre a sociologia, a antropologia e a educação. Ainda que 
o façamos como uma aproximação de temas para debates cruzados 
entre diferentes disciplinas de um mesmo campo de conhecimento, 
procuramos manter a proposta de abordar o assunto a partir do 
aprofundamento de tópicos específicos.
Privilegiamos as possibilidade de trocas entre saberes, e não 
a produção de sínteses históricas profundas que pretendam esgotar 
o campo. Por se tratar de um capítulo sobre os fundamentos socio-
lógicos e antropológicos para a educação, seguiremos recapitulando 
algumas preocupações que clássicos do pensamento social dos séculos 
XIX e XX produziram e que impactaram nos ambientes de formação 
de professores e alunos, estivessem em escolas ou universidades da 
Europa, da América do Norte, da América do Sul ou da África.
– 8 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
1.1 Educação e Sociologia: o empréstimo 
dos clássicos 
Em 1920, a Europa perdeu o último pensador clássico da ciência socioló-
gica europeia. Com a morte do alemão Max Weber (1864-1920), desapareceu 
o sociólogo clássico que compunha o trio ao qual pertenciam o francês Émi-
le Durkheim (1858-1917) e o alemão Karl Marx (1818-1883). Pouca dúvida 
subsiste quanto ao fato deste triunvirato ser considerado o alicerce por sobre o 
qual se desenvolveu o pensamento sociológico contemporâneo em suas diferen-
tes ramificações. Esse modo de definir o status e a importância de um sistema 
amplo de ideias, o clássico de um saber, está sustentado em consenso acadêmico 
e muito marketing editorial (ALEXANDER, 1999, pp. 39-41).
Antes de Marx, Durkheim e Weber, já existia uma densa preocupação intelec-
tual e científica com as sociedades modernas, suas culturas e dilemas. No entanto, 
o fato de todos esses pensadores terem vivido em contextos de ampla industriali-
zação e estatização da vida social, possibilitou que seus planos rigorosos de investi-
gação e ação os tornassem referência em círculos intelectualizados e militantes de 
causas manifestas, como a operária, a pequeno-burguesa e a civilizacional.
O amadurecimento das sociedades industriais, a massificação da vida 
urbana e o fortalecimento dos Estados-nação na Europa – e em suas inúmeras 
colônias e possessões ultramarinas, ainda no decurso do século XIX – oca-
sionaram um conjunto de grandes transformações e a instalação de cenários 
plurais de vida individual e social nunca antes experimentados pelos europeus 
ou, quem sabe, pela própria humanidade.
 
Marx, Durkheim e Weber tornaram-se, 
rapidamente, por mérito de suas próprias 
obras e por terem nascido no epicentro 
de todas essas transformações, os privi-
legiados interpretadores dos problemas 
do seu tempo e foram reconhecidos por 
amigos e inimigos como mestres de fato. 
 
– 9 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
1.1.1 Educação ou Pedagogia? 
Se quem estuda a sociedade pode ser chamado de sociólogo, como se 
deve chamar quem estuda a educação? Educador ou pedagogo? Educadores, 
todos somos, poderia dizer um iconoclasta como Marx. Contudo, a especi-
ficidade da Educação é aquilo que a funda como a atitude de alguém que 
educa – o que os gregos chamavam de paidós1, o ato fundante da pedagogia. 
A educação passaria a ser definida, na era platônica (400-350 a.C.), como 
uma techné, uma técnica inventada por sofistas como Protágoras, e não uma 
ciência ou uma filosofia (JAEGER, 1994, p. 348-349).
De acordo com Amorin (2003), a palavra “educação”, que em português 
foi dicionarizada no século XVII, possui origem latina. Sua etimologia 
indica que educatio é sinônimo de ação de criar ou de nutrir, cultura, 
cultivo. Designa um ato ou um processo e um efeito. Educação, ao mesmo 
tempo, significa o ato ou processo de educar ou de educar-se e o conheci-
mento e o desenvolvimento resultantes desse ato ou processo. O educador 
e o educando estão unidos pela palavra educação. Além disso, é possí-
vel a uma pessoaeducar a si mesma, ou seja, ser educador e educado. 
De acordo com Saviani (2007), desde a Grécia, delineou-se uma dupla 
referência para o conceito de pedagogia. De um lado, desenvolveu-se uma 
reflexão estreitamente ligada à filosofia, elaborada em função da finalidade 
ética que guia a atividade educativa. De outro lado, o sentido empírico 
e prático inerente à paideia (entendida como a formação da criança para 
a vida) reforçou o aspecto metodológico presente já no sentido etimoló-
gico da pedagogia como meio, como caminho: a condução da criança.
Tanto o pensamento sociológico quanto o pensamento pedagógico fo-
ram disputados e conquistados pelas universidades que surgiram na Europa 
1 Paidós é um termo grego que significa diretamente a palavra ‘criança’. Dela se origina o termo 
pedagogia, que ampliadamente, significa ação educativa. A paidós antiga foi utilizada como 
termo aceptivo para o ideal de educação do homem grego. 
– 10 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
em plena era vitoriana2. Nesse período, o pensamento sociológico tornou-se 
um modo de sugerir que, aquele que o assumisse, possuiria um compromisso 
prioritário com um programa de estudo e pesquisa de seu objeto especializa-
do – no caso, a sociedade industrial europeia e as suas instituições de reprodu-
ção (que incluíam determinado tipo de organização do indivíduo, da família, 
da escola, da fábrica, dos hospitais e dos serviços públicos).
Nesse contexto, o sociólogo pode ser um intelectual, mas não existi-
rá mais como um agente livre de qualquer institucionalização (como Saint 
Simon, 1760-1825, o espírito livre da revolução, ou Augusto Comte, 1798-
1857, o precursor do catecismo positivista), exatamente porque tal distinção 
tornou-se, por convenção, um usufruto da academia. O sociólogo tornou-se, 
em fins do século XIX, um profissional educado e formado em universidades. 
Sua ação no mundo da vida passaria a ser fruto de uma escolha pessoal que, 
não raro, o identificava por toda uma existência, e tem sido assim até hoje. 
O mesmo se pode dizer daquele que se dedica à Educação ou à Pedagogia 
(MUCCHIELLI, 2001, p. 38).
O pensamento pedagógico, portanto, traduziria, já em fins do século 
XIX, a existência de alguém que assumiu um compromisso de se dedicar 
ao longo de um tempo variável a pensar as intrincadas situações de ensino e 
aprendizagem em contextos determinados. No entanto, muitos se tornaram 
educadores por paixão ou por necessidade, mais do que por formação univer-
sitária. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o romântico filósofo iluminista, 
autor de Emílio, ou da Educação (1762), é o melhor exemplo de educador 
por paixão. Pestalozzi (1746-1827) e Fröbel (1782-1852), professor e discí-
pulo, considerados os primeiros pedagogos europeus contemporâneos, tam-
bém são exemplos de pessoas que desenvolveram a educação como uma arte, 
mais do que como uma ciência. Por sua vez, já no último quarto do século 
XIX, o pedagogo possuía o mesmo condicionante de um sociólogo, antropó-
logo, economista ou historiador, então, tornou-se um profissional acadêmico 
que estabeleceu sua intelectualidade em processos institucionais de formação 
universitária profissionalizante (CAMBI, 1999, pp. 415-7).
2 A era vitoriana foi o período em que a rainha Vitória (de 1837-1901) governou o Reino 
Unido. Durante esse período a Inglaterra anexou a Índia ao império britânico e conduziu o 
segundo e mais expansivo ciclo da Revolução Industrial.
– 11 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
Dos clássicos citados, apenas Durkheim pode ser visto como um pen-
sador que domina tanto a sociologia quanto a pedagogia. Por vários anos, 
na França, foi professor, pesquisador e autor em ambas as disciplinas. Dessa 
forma, pode ser considerado um dos primeiros sociólogos da educação.
De Weber, pode-se dizer que se tornou, na maturidade, sociólogo de 
fato. Mas não possuiu propriamente um pensamento pedagógico, do modo 
como estamos tratando. Já Marx não pode ser visto como um sociólogo ou 
um pedagogo no sentido institucional do termo: ele era doutor em filosofia 
e não privilegiou a pesquisa sobre a sociedade e a educação ou a pedago-
gia. A sua formação era realmente o que chamamos hoje de transdisciplinar. 
Durkheim, por comprometimento, compõe os anais da história da pedago-
gia; Marx e Weber, por empréstimo, os anais da história da Educação.
Marx, Durkheim e Weber foram redescobertos editorialmente e não 
menos sincretizados por novas comunidades linguísticas interessadas em 
“desvendar” o inaudito em suas obras e vidas. Os “pais fundadores” da so-
ciologia revivem todos os dias em milhares de universidades espalhadas pelo 
mundo, ainda que de um modo não convencional ou linear. Tornaram-se 
ícones de produtos industrializados como camisetas, brinquedos e revistas; 
são alvo de piadas ou adoração na internet; são combatidos ou defendidos 
por “soldados” entrincheirados em suas fileiras ideológicas, enfim, mantêm 
uma popularidade que, notadamente, atravessa os altos muros dos saberes 
disciplinares. Todas as tentativas de sacralização ou esfacelamento desses cor-
pos de saberes compõem apenas o choque entre o velho e o novo que nunca 
cessa e que é a base do ritmo da mudança e da transição, a lei da mudança e 
do movimento – a dialética. 
É importante lembrar que, por trás da crítica e do desencanto com a situ-
ação do mundo que marcou a visão geral desses pensadores durante boa parte 
do século XIX, havia vida pulsante e em abundância, havia esperança, von-
tade e alegria. Esses pensadores reuniam uma grande quantidade de amigos, 
alegravam-se com a vida em família e nutriam boas relações por onde fossem. 
Como simples seres humanos, eram tão vulneráveis às emoções e aos enganos 
quanto vigorosos na defesa e no convencimento de suas posições e escolhas. 
– 12 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
1.1.2 Uma páidós chamada Marx e Engels
Karl Marx
O autor de O Capital, Karl Friedrich Marx, em comparação com 
Durkheim e Weber, foi, certamente, o mais popular entre eles. Ao se estuda-
rem os grandes acontecimentos políticos do século XX, essa afirmação parece-
rá evidente. Revoluções – como a Russa de 1905 e a de 1917, as duas grandes 
guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), as experiências da guerra fria 
(1950-1989), a Revolução Cultural na China (anos 1960 e 1970), a Revolu-
ção Cubana (1959), as ditaduras militares que rasgaram a África e a América 
Latina (anos 1950 a 1985), a corrida espacial e o mundo dividido entre países 
capitalistas (ou primeiro mundo), países socialistas (ou segundo mundo) e 
países subdesenvolvidos (ou terceiro mundo) – tiveram, em um dos lados, 
sempre, a ação humana e estatal orientadas pelas teorias de Karl Marx (HO-
BSBAWM, 1995, pp. 223-230).
Propaganda chinesa durante a Revolução Cultural (1960-1968). A 
cartilha do comunismo nas mãos dos trabalhadores da cidade e do campo 
compreendia a base de aprendizagem socialista do povo chinês.
Friedrich Engels
– 13 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), amigos inseparáveis e autodi-
datas, dominaram saberes disciplinares em vastíssima extensão. Marx especia-
lizou-se em economia, história e matemática. Adorava literatura e foi amigo 
de Charles Darwin, de cujas teorias sobre a evolução das espécies era grande 
admirador. Então, ainda que não haja um saber pedagógico sistematizado na 
obra de Marx, tal possibilidade se manifesta potencialmente quando a mente 
aguçada do velho mouro – como gostava de ser chamado – lidava com a crí-
tica à luta de classes, com a análise da formação e do papel histórico do prole-
tariado e com a proposição de transformação e superação radical da sociedade 
capitalista industrial, que tudo permeava e influenciava.
O materialismo histórico e dialético3, o socialismo científico e a economia 
política reúnem-seem uma única obra, O Capital (1867), e compõem a síntese 
final da filosofia, do método e da técnica de Karl Marx, refletindo o trabalho 
de uma vida inteira. A educação e o ensino no pensamento do filósofo alemão 
devem, portanto, se vincular a essa extensa e inultrapassável obra. É natural, 
por sua vez, que a educação em Marx seja compreendida como uma mani-
festação das condições materiais e históricas da luta de classes no século XIX. 
A educação contrasta com o trabalho; o Estado se ocupa com a educação das 
elites, enquanto o capital ocupa o trabalho infantil e feminino nas fábricas. Essa 
situação, grave ao tempo de Marx, valeu a famosa reivindicação no Manifesto 
do Partido Comunista: “Educação pública e gratuita para todas as crianças. 
Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma atual. Unificação 
da educação com a produção material etc.” (MARX, 1987, p. 54). Hoje, tal rei-
vindicação nos parece despropositada se observarmos que, de um modo ou de 
outro, ela é uma preocupação rotineira de sociedades e Estados democráticos.
Qualquer marxista atento não deixaria de retrucar a afirmação de que 
o capitalismo faz realmente melhor o que o socialismo apenas manifestou 
como utopia. Não é preciso manifestar simpatia por esse ou aquele “ismo” 
para entender que uma educação pública e o fim do trabalho infantil, mesmo 
3 S. M. Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Índias; S. M. 
Imperador da Alemanha, Rei da Prússia; S. M. Imperador da Áustria, Rei da Boêmia etc. e Rei 
apostólico da Hungria: S. M. Rei dos belgas; S. M. Rei da Dinamarca; S. M. Rei da Espanha; 
o Presidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da República Francesa; S. M. Rei da 
Itália; S. M. Rei dos Países Baixos, Grão-Duque de Luxemburgo etc.; e S. M. Rei de Portugal 
e de Algarves etc.; S. M. Imperador de todas as Rússias; S. M. Rei da Suécia e Noruega etc.; e 
S. M. Imperador dos Otomanos.
– 14 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
compondo o discurso de cada Estado democrático liberal na atualidade, se 
estabeleceu a partir de um árduo, incansável e doloroso confronto entre forças 
progressistas (comunistas, socialistas, anarquistas e liberais) e conservadoras 
(elites no poder, ainda que sejam socialistas, burocráticas e totalitárias) detec-
tadas em cada momento da história do ocidente nos últimos 150 anos.
A divisão social e técnica do trabalho – que coloca, de um lado, as classes 
sociais ricas em condições de usufruir de um sistema de ensino altamente quali-
ficado e, de outro, as classes sociais empobrecidas em condição de servidão fabril 
– motivou Marx e Engels a definirem que a abolição da divisão do trabalho, a 
extinção do Estado e o estabelecimento de uma sociedade de indivíduos coope-
rados em comunidades autogestadas seria o principal programa de combate aos 
excessos do regime político e econômico do Capital (MARX, 1987, P.48-50).
O detalhe aqui é que Marx e Engels não estão querendo restituir uma 
paisagem, um cenário pré-capitalista e rural na Europa, em que a artesania se 
associaria ao mundo bucólico, natural e romântico da lenta vida campesina. 
Nada seria mais equivocado do que pensar assim. Os autores consideram o 
capitalismo uma força extraordinária, que possui todo o vigor e reúne condi-
ções de riqueza material como nenhum outro sistema econômico jamais foi 
capaz de condensar. O problema com o capitalismo não está no desenvolvi-
mento da técnica e da indústria, mas no péssimo usufruto dessas ferramen-
tas, que poderiam salvar a humanidade da pobreza e da fome, como muitos 
filósofos e economistas iluministas haviam acreditado no século das luzes. 
Pelo contrário, a gestão capitalista do Estado e da sociedade, de promessa, 
transformou-se em tragédia. Nunca antes na humanidade houve tamanho 
aprofundamento das desigualdades sociais e humanas como na Europa capi-
talista e nas suas possessões coloniais ultramarinas.
 
ATA GERAL REDIGIDA EM BERLIM EM 26 DE 
FEVEREIRO DE 1885 entre França, Alemanha, Áustria-
-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, 
Grã-Bretanha, Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia, 
Noruega e a Turquia, para regulamentar a liberdade do 
comércio nas bacias do Congo e do Níger, assim como novas 
ocupações de territórios sobre a costa ocidental da África.
– 15 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
Em nome de Deus Todo-Poderoso, S. M. Rainha do Reino Unido 
da Grã-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Índias; S. M. Impe-
rador da Alemanha, Rei da Prússia; S. M. Imperador da Áustria, 
Rei da Boêmia etc. e Rei apostólico da Hungria: S. M. Rei dos 
belgas; S. M. Rei da Dinamarca; S. M. Rei da Espanha; o Pre-
sidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da Repú-
blica Francesa; S. M. Rei da Itália; S. M. Rei dos Países Baixos, 
Grão-Duque de Luxemburgo etc.; e S. M. Rei de Portugal e de 
Algarves etc.; S. M. Imperador de todas as Rússias; S. M. Rei 
da Suécia e Noruega etc.; e S. M. Imperador dos Otomanos.
Fonte: Cabeçalho da Ata Geral da Conferência de Berlim sobre o 
Oeste da África, de 26 de fevereiro de 1885, que definiu os termos 
de partilha da África entre os impérios europeus. 
 
Portanto, ainda que as políticas educacionais na Europa, durante o 
período da Revolução Industrial, tenham ampliado o acesso à educação e 
tenham reduzido sensivelmente o analfabetismo, Marx e Engels, e tantos 
de seus partidários, não se deixavam confundir. Sabiam claramente que o 
resultado de tão “benéfica” associação entre Estado e Capital era a consti-
tuição dos famosos exércitos industriais de reserva – que sempre se estabe-
leciam para substituir os contínuos fluxos de trabalhadores derrotados pelos 
numerosos acidentes de trabalho, pelas dívidas, doenças físicas e mentais, 
pobreza, fome, esgotamento, desilusão e incapacidade de acompanhamento 
do alucinante ritmo de alteração das qualificações técnicas requisitado pelo 
sistema fabril capitalista. 
1.1.3 O grand petit ami da sociologia francesa
Karl Marx morreu na Inglaterra em 1883. Nesse mesmo ano, um jo-
vem catedrático francês, de nome ÉMILE DURKHEIM, aos 25 anos, ini-
ciou uma carreira que seria marcada pelo brilhantismo e o reconhecimento 
internacional. Durante 18 anos ininterruptos, o cientista social francês se 
ocupou com cátedras de ciência da educação em diferentes universidades e 
liceus na França. Ao contrário de suas obras magnas, como Regras do Mé-
– 16 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
todo Sociológico (1895), O Suicídio (1897) e As 
Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), 
dois dos seus livros sobre Educação e Pedagogia, 
foram publicadas a partir da compilação e organi-
zação das notas das aulas ministradas pelo sociólo-
go francês e, curiosamente, apareceram como obras 
póstumas. Então, Educação e Sociologia (1922) e 
Educação Moral na Escola Primária (1992) são 
obras complementares à monumental A Evolução 
Pedagógica (1904-1905).
Os temas de sociologia e de educação parecem correr em paralelo na 
obra de Durkheim, mas essa é uma visão enganosa. O cerne do pensamento 
durkheimiano é o fato social4, a regra sociológica, a relação entre o indiví-
duo e a sociedade. Por conta disso, todo e qualquer estudo disciplinar de 
Durkheim mantém-se em estreita relação explicativa com as categorias de 
seu pensamento sociológico. Não é demais relembrar que Durkheim, assim 
como Marx e Max Weber, foi um autor abundante na publicação de obras de 
sociologia, mas também de economia, filosofia social, ciência política, antro-
pologia, psicologia e, é claro, educação.
Durkheim conceituou fatos sociais como coisas. Tal conceito, essencial em 
sua obra e de fácil compreensão para nos aproximarmos do autor, traduzia o indi-
víduo como um ser manifestado materialmente no mundo das ocorrências sociais 
externas ao indivíduo e provenientes da Educação, doDireito e dos costumes. Os 
infindáveis fatos, como as coisas, possuem o mesmo peso valorativo, pois sua exis-
tência é pura exterioridade e coercitividade unifocada (DURKHEIM, 2007, p. 7).
A educação é um fato social criado pelo indivíduo, mas manifestado 
como exterioridade em instituições sociais de coerção e disciplinamento, 
como a família, a escola, a fábrica, a igreja e o Estado. A autonomia e a li-
berdade no pensamento durkheimiano são temas secundários, uma vez que 
sobra pouco espaço para a ação livre dos homens. Segundo Durkheim, já 
nascemos em meio a miríades de instituições, rituais, modos e condutas, sa-
beres, práticas jurídicas etc, que nos condicionam por completo. Contudo, o 
4 Grupo específico de fenômenos que se distinguem das outras ciências por serem exteriores 
aos indivíduos e provenientes do Direito e do Costume legados pela Educação.
Émile Durkheim
– 17 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
sociólogo francês está ciente de que tal condição provoca muitos conflitos, à 
medida que os indivíduos são compostos de desejos, vontades e disposições 
internas e pessoais que se chocam diretamente com essa primazia do social 
sobre o individual. Mas a libertação de uma regulação social representa o 
aprisionamento em outra (DURKHEIM, 1978, pp. 47-50).
 
Em seu livro Educação e Sociedade, Durkheim (1978, p. 41) afirma: 
A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre 
as gerações que não se encontram ainda preparadas para a 
vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, 
certos números de estados físicos, intelectuais e morais, 
reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo 
meio especial, em que a criança particularmente se destine.
Note a perspectiva funcionalista que restringe o processo educa-
cional na infância à ação de interesses do Estado e dos ditames 
do mundo adulto.
 
Durkheim, respeitando o mais elevado ethos científico positivista de seu 
tempo, reservou-se ao que, a seu ver, estava acontecendo, e não prioritariamente 
ao que se deveria fazer para superar o acontecimento como problema. Ainda 
assim, tal espírito positivo, modulado por princípios como isenção e neutrali-
dade, é mero efeito de uma ação particular e estritamente acadêmica. Durkheim 
foi muito além disso. Como homem de seu tempo, sentiu-se, por vezes, com-
pelido a tratar dos temas centrais de seu contexto político de vida. Clássicas são 
as suas aulas sobre o fenômeno do comunismo na Europa e os vários encontros 
engajados com parte da intelectualidade jovem, comunista e francesa. Igual-
mente notável foi a sua militância em favor do Caso Dreyfus, que resultou na 
publicação do texto Individualismo e os Intelectuais (1898).
A educação, para Durkheim, faz parte do conjunto de fatos sociais que 
moldam o indivíduo. O Estado, os adultos e a escola formarão o indivíduo e o 
prepararão para viver em sua própria sociedade, no estágio em que tal sociedade 
se encontra. Não há, dessa forma, qualquer distinção significativa entre indiví-
– 18 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
duo e sociedade, uma vez que o indivíduo se realiza através do modo como os 
fatos sociais se constituem, sempre coletivamente e externos a ele. Coisas ou fatos 
sociais mais aprimorados, como o Estado, por sua racionalidade e abrangência 
usuais, deveriam orientar a ação dos indivíduos, que, de outra forma, poderiam 
se mostrar conflituosos e desorganizados por estruturas sociais não tão eficazes 
como a escola, a religião e a família (DURKHEIM, 1978, p. 89).
Contudo, Durkheim não é meramente um determinista social. Não 
radicaliza na defesa da Educação ou de qualquer outro fato social como sendo 
exclusivamente o resultado do comando direto ou anunciado de instituições 
maiores que o indivíduo, como o Estado, por exemplo. Tenhamos em mente 
que o indivíduo é uma existência relevante em seu método sociológico. Mas 
ainda que existam escolas privadas, ou o fortalecimento do papel da religião 
ou da família como suporte pedagógico inescapável do indivíduo, a primeira 
manifestação de existência é o próprio indivíduo. 
1.1.4 A sociologia compreensiva de um brilhante 
desencantado
Nos mesmos anos em que Durkheim 
esteve envolvido com a finalização e publica-
ção da obra A Evolução Pedagógica (1904-
1905), Maximilian Karl Emil Weber, ou Max 
Weber, como ficou mais conhecido, publicou 
O “Espírito” do Capitalismo. Nessa sua obra-
-prima, definiu mais claramente o conceito de 
capitalismo como um movimento social, his-
tórico e cultural diretamente associado a um 
amplo conjunto de significados, dependente 
mais de uma sociologia compreensiva5 do que 
de leis inelutáveis da história.
5 Sociologia Compreensiva é o tipo de sociologia criada e utilizado por Max Weber. Por 
meio da compreensão seria possível ampliar o significado dos fatos com base em sua inter-
pretação hermenêutica, ou seja, levando-se em consideração a multiplicidade interpretativa 
dos fatos objetivos. 
Max Weber
– 19 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
O capitalismo, reconhece Weber, existiu em muitos lugares e épocas dife-
rentes, mas somente na Europa e na América do Norte tomou a forma de um 
anúncio ético particular fundado em virtudes do protestantismo como a hones-
tidade, o trabalho e a presteza. Tal ética seria condição essencial para reforçar 
a lógica interna do capital, construída por expectativas de ganho econômico, 
aumento de crédito e expansão do capital (WEBER, 2004, pp. 45-46).
Para Weber, os processos de racionalização é que moviam os grupos ou 
atores privilegiados de determinada época a manifestarem suas pretensões de 
vontade e dominação. Assim, por exemplo, ainda que tenha surgido tardia-
mente na Alemanha (se comparado com outras potências europeias), o capi-
tal industrial trouxe consequências sociais e políticas similares às das primei-
ras nações industrializadas. Dito isso, entendemos, de antemão, que Weber, 
Durkheim e, antes deles, Marx, debruçaram-se particularmente na investi-
gação das causas da miséria, dos confrontos e das diferenças profundas nas 
sociedades industriais. Marx buscou responder suas questões através da lei da 
história; Durkheim, por meio do método sociológico; e Weber considerou 
movimentos particulares da história do capitalismo para constituir a sua socio-
logia compreensiva. Para Marx, importava a luta de classes, para Durkheim, o 
fato social, e para Weber, o Tipo Ideal6 (QUINTANEIRO, 2002).
No caso de Weber, tal conceito fundou um referencial instrumental que 
deveria possibilitar a qualquer investigador interessado em seus pressupostos 
entender as micro e macro relações de dominação entre grupos desde uma 
perspectiva da compreensão pessoal subjetiva, sem deixar de lado o cuidado 
com a isenção ou a neutralidade axiológica7 característica de qualquer cien-
tista. Dos Tipos Ideais, poderia ser depreendida a famosa teoria da dominação 
em Weber: a dominação racional ou burocrática, a dominação carismática e 
a dominação tradicional. A educação, ainda que não seja um campo socioló-
gico prioritário para Weber, seria facilmente interpretada à luz dos tipos de 
6 Tipo Ideal ou Tipos Puros é uma designação weberiana para um ferramental analítico que 
permita ao cientista social fazer aplicações explicativas isento de avaliação moral. A base de 
aplicação do conceito são os fatos ou fenômenos sociais capturados a partir de características 
centrais que permitiriam a sua classificação, comparação e generalização. 
7 Neutralidade Axiológica é um conceito de corte weberiano que se aplica a necessidade de que 
as ciências sociais apliquem a máxima objetividade para a explicação de fatos. Ao cientista cabe a 
capacidade de saber quando excluir seus juízos de valor em favor dos juízos de fato. 
– 20 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
dominação8. A dependerde que tipo de relação de dominação predominava 
em uma escola ou universidade, seria possível compreender, sem maiores jul-
gamentos, as motivações de pessoas (líderes carismáticos ou tradicionais) ou 
instituições (burocráticas) que mantinham determinado tipo de dominação 
de um grupo sobre outro (WEBER, 1999).
Leia, a seguir, o parágrafo final do famoso panfleto “Política como vocação.”
A política é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige tanto paixão 
como perspectiva. Certamente, toda experiência história confirma a ver-
dade – que o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não 
tivesse tentado o impossível. Mas, para isso, o homem dever ser um líder, 
e não apenas um líder, mas também um herói, num sentido muito sóbrio da 
palavra. E mesmo os que não são líderes nem heróis devem armar-se com a 
fortaleza de coração que pode enfrentar até mesmo o desmoronar de todas 
as esperanças. Isso é necessário neste momento mesmo, ou os homens não 
poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje. Somente quem 
tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, 
do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho 
para o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode 
dizer “Apesar de tudo” tem a vocação para a política.
Fonte: Weber (1999, p. 153). 
Dada a primazia da racionalidade do tipo estatal na Europa no início 
do século XX, Weber foi capaz de sugerir que o tipo que predominaria cada 
vez mais seria o racional-burocrático. Na compreensão do pensador alemão, 
a burocracia, com sua impessoalidade tediosa, colocaria os seres humanos em 
8 Tipos de dominação são três tipos puros (tipos ideais) que aparecem por quase toda a obra 
weberiana. Seus enunciados são: Dominação legal ou burocrática, dominação tradicional e 
dominação carismática. São usados por Weber para estudar as diferentes sociedades e culturas 
e agrupa-las por comparação ou generalização. 
– 21 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
gaiolas de ferro, no centro de um mundo desencantado. Essa previsão dura e 
sombria deveria ser aplicada a tudo que fosse permeado pela manifestação da 
vontade subjetiva do Estado, incluindo, naturalmente, a Escola. A pergunta 
que fica é: Weber acertou?
1.2 Educação e Antropologia: novos olhares
O que a sociologia nascente justificou ou combateu do ponto de vista de 
uma sociedade europeia, industrial e capitalista no século XIX, os adminis-
tradores coloniais o fizeram em possessões europeias ultramarinas não neces-
sariamente industriais e capitalistas.
A antropologia, diz Laplantine (2007, pp. 64-65), é um projeto euro-
peu da era moderna. Nasce, em seus rudimentos, com o antropocentrismo 
característico do último ciclo renascentista, no século XVI. Nesse período, a 
antropologia não existia como ciência social, nem ao menos era assim cha-
mada. O que passou a existir já no século XVI foi um ethos, uma atitude 
que a antropologia tomaria como parte da sua própria história três séculos 
depois. As navegações e a chegada nas Américas mostraram que o olhar do 
europeu sobre um nova modalidade de existência humana, de fato, produziu 
um impacto na representação do outro. 
A antropologia se desenvolve como ciência do homem em relação com a 
cultura que o cerca somente na segunda metade do século XIX, quando estu-
diosos como Émile Durkheim, Marcel Mauss e Gabriel Tarde, todos france-
ses, criaram ou assumiram cátedras de antropologia nas principais universi-
dades do país, por exemplo, a Sorbonne (MUCCHIELLI, 2001, pp. 44-45). 
A antropologia se autonomiza como ciência juntamente com outras ciências 
sociais. O exemplo mais notório é o da própria sociologia.
A tarefa da antropologia como ciência social autônoma é seguir procu-
rando pistas que expliquem os elos perdidos entre as sociedades. Assim, antro-
pologia pode ser definida como a ciência que busca estudar, investigar os seres 
humanos de um ponto de vista da totalidade das suas expressões de vida. O 
conceito de cultura serve à antropologia para sustentar essa pretensão, uma 
vez que tudo no mundo externo é manifestação simbólica de experiências de 
indivíduos em relação com os fenômenos do mundo da vida. O modo inicial 
– 22 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
utilizado pela antropologia para estudar a humanidade em seu contato com a 
totalidade do seu ser cultural foi localizar o ser primitivo, ou seja, estudar as 
ditas sociedades primitivas como elo vivo do nosso passado cultural com as 
sociedades civilizadas. E a forte expansão imperial do final dos século XIX for-
neceu, como nunca antes, a base de encontro entre o civilizado (curioso para 
entender os elos da sua superioridade racial) e o primitivo (que, geralmente, ao 
modo de um selvagem, era a comprovação da existência de tais elos).
O empreendimento antropológico no século vitoriano foi uma extrava-
gância financiada pelos diversos impérios europeus, que não encontrou outros 
limites senão os que opõem à vontade de poder a capacidade de fazer. Quanto 
maior foi a frota mercantil e o poderio militar, mais intensa e devastadora foi 
a presença das nações ricas da Europa em meio aos territórios conquistados.
Seguramente, desde o século XVII, o Império Britânico e o Império 
Francês estiveram à frente dos projetos de expansão do comércio e domi-
nação de novos territórios por toda a Ásia e a África. As companhias das 
Índias Orientais, fundadas por vários países ainda na primeira metade do 
século dezessete, associadas aos resultados promissores do Tratado de Utrecht9 
(1713-1715) possibilitaram um completo reposicionamento geopolítico de 
França e Inglaterra frente aos maiores impérios modernos ultramarinos até 
então conhecidos: Espanha e Portugal (LAPLANTINE, 2007, pp.63-74).
Com o apagamento da maior parte dos tratados internacionais fundados 
no marco jurídico de Tordesilhas (1494) e no Tratado de Saragoça10 (1529), 
um vasto mundo inexplorado de riquezas naturais e seus misteriosos seres pas-
sou a ser descoberto e conquistado pelos Europeus. De olho em um promissor 
comércio ultramarítimo e transcontinental, os europeus sabiam que a explo-
9 O Tratado de Utrecht foi o resultado de dois anos de negociações diplomáticas entre as principais 
nações européias do início do século dezoito e teve por objetivo revisar o conjunto dos tratados in-
ternacionais anteriores. O resultado imediato do Tratado de Utrecht foi o cancelamento de toda a 
base normativa que regulava a partilha de territórios ultramarinos, como o tratado de Tordesilhas, 
por exemplo, e a reinstituição de uma nova base jurídica geopolítica. Os principais ganhadores 
foram Reino Unido e França e os principais perdedores foram Portugal e Espanha. 
10 O Tratado de Saragoça foi a complementação jurídica do Tratado de Tordesilhas. Seu ob-
jetivo foi organizar o demarcação de territórios pertencentes a Portugal e Espanha na Ásia, 
sobretudo no que trata da normalização da inclusão das ilhas Molucas e das Filipinas nas 
possessões portuguesas. 
– 23 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
ração e a dominação territorial da gigante Ásia não poderiam ser conduzidas 
sobre as mesmas bases do projeto colonizador de espanhóis e portugueses. 
Como bem sabemos, o empreendimento marítimo da península ibérica – que 
assombrou os europeus ao revelar um imenso continente, mais tarde batizado 
de América –, mesmo resultando na dizimação de milhares de indígenas e 
dezenas de civilizações muito desenvolvidas como os Incas, Maias e Astecas, 
não se comparava em quantidade de habitantes e em diversidade de culturas 
milenares com as que já existiam na Ásia no momento em que as Companhias 
das Índias Orientais foram fundadas (HOBSBAWM, 1995, p. 22).
Propaganda de Estado Imperial britânico em seu formato clássico 
novecentista. A eterna luta da civilização contra a barbárie.Publicado na Puck Magazine com o título: Do Cabo ao Cairo.
Portugueses e Espanhóis encontraram nas Américas vastos territórios 
inexplorados e um número incontável de nações indígenas que viviam, aos 
seus olhos, como a margem do potencial de riqueza a ser explorada. 
Pelo contrário, ingleses e franceses criaram as Companhias com o intuito 
de aprimorar as práticas comerciais já estabelecidas com chineses, indianos, 
africanos, japoneses, indonésios e outros. Várias dessas civilizações eram total-
mente desenvolvidas para os padrões dos europeus, e as culturas estranhas 
aguçavam a suas curiosidades.
– 24 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
1.2.1 O estabelecimento de uma Antropo Logos 
educativa
A esse ponto, perguntamos: estamos tratando mesmo da relação entre 
educação e antropologia? A resposta é: sim, pois, ainda que de forma indireta, 
a expansão territorial marítima dos séculos XV e XVI e o mercantilismo do 
século XVII resultaram na industrialização da Europa e, por consequência, 
na reforma ou substituição de quase tudo que se parecesse com antiquaria. 
A impressionante aventura humana que resultou nesses três grandes conjun-
tos de eventos – as descobertas ultramarinas, o mercantilismo e a Revolução 
Industrial – foram os momentos decisivos em que coisas e saberes foram eli-
minados, reformados ou criados.
 
As novas coisas do mundo moderno foram pensadas e 
instituídas para regular a ação e os interesses dessa nova 
humanidade, carente de liberdades individuais e riqueza e 
egocentrada em suas defesas territoriais. Exemplos desse 
novo momento foram as reformas de universidades, o 
estabelecimento de novas leis comerciais, civis e bélicas, 
a criação de academias reais de ciências, a hiperespeciali-
zação da construção naval, a reestruturação da arquitetura 
das cidades, a ligação viária e marítima entre Estados, a 
criação de novas instituições de controle e disciplina moral 
e corporal da população como escolas, fábricas, hospi-
tais, presídios, exércitos, oficinas, praças. Enfim, novas 
profissões e ocupações humanas passaram a existir para 
o novo ser humano (FOUCAULT, pp. 2004, 195-202).
 
A Antropologia, surgida em meados do século XIX, ainda que estivesse 
diretamente associada à biologia e à filosofia natural do século das luzes, man-
teve uma forte conexão causal com os grandes eventos que deram surgimento 
à Era Moderna, como descrevemos anteriormente. Podemos inclusive sugerir 
– 25 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
que a Sociologia está para a construção da interioridade do Europeu assim 
como a Antropologia está para a sua exterioridade. 
Durante séculos, na história da humanidade, os europeus se viram inva-
didos, combatidos, ameaçados, visitados, dominados por incontáveis povos 
estrangeiros, como os persas, os unos, os mongóis, os árabes e os turcos.
Em todos os momentos de contato com outros mundos, os europeus, 
basicamente, consolidaram escolhas, e a principal delas foi pela manu-
tenção da europeidade. O homem europeu, no início da idade moderna, 
foi finalmente pacificado por uma contínua e vigorosa disposição de se 
colocar no centro do mundo. O característico antropocentrismo moderno 
é a legítima tradução para o estabelecimento de uma longa era de eventos 
interpretados privilegiadamente pela visão europeia de tudo. Eis então o 
eurocentrismo, o novo projeto civilizador na terra vigorante até fins do 
século XIX (ELIAS, 1993, pp. 263-274).
Como polemiza Foucault (2000, pp. 470-473), a Antropologia foi a 
filosofia social mais pretensiosa na corrida europeia pelo desvendamento dos 
superpoderes dos homens. E, ironicamente, a antropologia foi a experiência 
de elucidação do que somos que mais fracassou em seus intentos. 
A relação da Antropologia como nova ciência social e humana aplicada 
à Educação parece óbvia por dedução. Os europeus, ávidos por novas histó-
rias dos mundos incivilizados, produziram relatos de viagem, investigações, 
ilustrações e crônicas como jamais outro povo havia feito. Desde o século 
XV, essa cultura do registro escrito passou de costume a obsessão (CAMBI, 
1999, pp. 21-23). Surgiu, portanto, um expressivo manancial de informa-
ções sobre os hábitos, costumes e rituais dos povos periféricos aos europeus 
que tanto os assombrou e excitou. 
Vale a sentença: Para um projeto de poder, uma educação de poder. E o 
poder, na era moderna, ao contrário do largo e profundo medievo, represen-
tou poder de saber. O conhecimento, a informação, a descoberta, a investiga-
ção, a minúcia, o detalhe, o acontecimento, a ocorrência, o costume, o hábito 
tornaram-se, rapidamente, o pedagógico, a paidós moderna, que fundou uma 
nova marca civilizacional na face da terra. Essa atitude de vontade de conhe-
cimento e intensas trocas com as culturas a serem submetidas permeou os 
grandes projetos de expansão imperial, por exemplo, o império romano na 
– 26 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
antiguidade ou o império mongol no medievo. Agora, a Europa se via (jus-
tificadamente, do seu ponto de vista) como a síntese natural e vitoriosa da 
história. A busca pelo conhecimento e pela riqueza das coisas do mundo pas-
saria a ser a mais emocionante aventura dos europeus desde o fim do Império 
Romano no século IV. (CAMBI, 1999, p. 492-496).
A curiosidade generalizada que permeava todos os grandes centros 
urbanos na Europa a partir das primeiras expedições ultramarinas teve, nas 
universidades, Liceus e praças públicas, a grande fonte de troca e estabeleci-
mento dos conhecimentos, dos relatos e das crônicas trazidas das viagens pelo 
mundo. Tal saber sobre o mundo que estava sendo descoberto gerou expec-
tativa nas sociedades europeias na era moderna de um modo parecido com 
o que sentiríamos se, hoje, a mídia noticiasse a descoberta de algum novo 
planeta que pudesse ser habitável.
Mas o divisor de águas aqui não é necessariamente saber dos tantos 
novos conhecimentos que chegavam todos os meses das caravelas, dos navios 
ou das embarcações que atravessavam os mares. A questão central é nos situ-
armos sobre a qualidade da narrativa, da apresentação dos novos mundos e 
dos novos seres encontrados. A observação que passaria a ser destacada seria 
sobre como os habitantes dos novos mundos eram anunciados, como eram 
retratados, que tipo de acolhimento tiveram na Europa durante toda a era 
moderna (LAPLANTINE, 2007, p. 40-46).
1.2.2 O aprender por contato e por olhar 
Por mais complexas, plurais e difusas que fossem as relações estabelecidas 
entre exploradores e habitantes dos lugares explorados, alguns demarcadores 
não podem ser dispensados. A relação entre europeus e o resto do mundo 
foi sempre de fascinação, no primeiro momento, e de recusa, no segundo 
momento. Foi assim na chegada do europeu nas Américas e nos primeiros 
contatos com os ameríndios; foi assim no contato dos europeus com os india-
nos e com os indonésios e com parte das nações tribais africanas: no primeiro 
momento, os europeus se fascinaram, mas depois se recusaram a aceitar o 
modus vivendi dos habitantes que viviam em suas terras como verdadeiros 
detentores da autoridade territorial e governamental de suas próprias culturas 
(BRUIT, 1995, pp. 31-40).
– 27 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
Por sua vez, os europeus que ouviam as histórias dos viajantes ficavam 
impressionados com o modo como eram representados os habitantes do 
novo mundo: como bárbaros, selvagens, desumanos, desalmados, impúberes, 
antropófagos, preguiçosos, violentos. Enfim, tornaram-se lugares comuns a 
humilhação, a representação dos povos não europeus como bárbaros que con-
trastavam com os civilizados pela fraca capacidade de organização social e o 
pouco respeito a qualquer autoridade política secular ou temporal (LAPLAN-
TINE, 2007, pp. 56-57).
Por isso, extensas disputas jurídicascolocavam encomendieros e explora-
dores de um lado e simpatizantes do novo mundo e religiosos de outro, em 
disputas jurídicas que se prolongavam por meses. A mais famosa, provavel-
mente, foi a Disputa de Valladolid, em Salamanca, nos anos 1550-1551, que 
colocou, de um lado, os financiadores das expedições marítimas que garimpa-
vam riquezas; e de outro, a igreja e seus clérigos, que se dispunham a conduzir 
os processos de evangelização dos habitantes das Américas.
Guiné de Sepulveda e Bartolomé foram os juristas que estiveram no epi-
centro dessa disputa jurídica, a maior do início da era moderna, cujo resultado 
foi a recomendação, por parte da Santa Sé, de que os espanhóis parassem com a 
violência e os massacres sobre os nativos das Américas. Segundo as atas da Junta 
de Valladolid, os indígenas deveriam ser protegidos com humanidade, pois eram 
legítimos filhos de Deus, ou seja, possuíam alma (BRUIT, 1995, pp. 104-123).
Desde a disputa de Valladolid até o momento em que as ciências sociais 
surgiram e firmaram seu status de fonte de produção de conhecimento válido, 
já em meados do século XIX, o calor de disputas comparativas sobre o Novo 
Mundo só se intensificou. O ponto alto desse longo processo de formação da 
opinião pública europeia foi conhecida como a Querela do Novo Mundo, que 
teve lugar, sobretudo em França, Inglaterra e Espanha e reafirmou a intenção da 
Europa de dominar os povos conquistados por representação ou por técnicas de 
saber-poder. Tal querela, levada a termo em meados do século XVIII, colocou, 
de um lado, Buffon, Montesquieu e De Pauw como principais denunciadores 
da degradação das Américas e de tudo que lá existia; e, de outro lado, estudio-
sos de universidades como a Sorbonne e numerosa opinião pública advinda de 
todos os cantos da Europa, que reconheciam as Américas como um lugar pleno 
de riquezas e potencial de transformação (GERBI, 1996).
– 28 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
Em síntese, Buffon apenas deu prosseguimento às teses criacionistas e 
difusionistas sobre a degenerescência da flora e da fauna das Américas, e o 
fez com roupagem semi-científica. Muitos depois dele (por exemplo, Hume 
e Hegel) continuaram julgando e condenando por comparação as Américas 
como um continente fraco, fecundo em podridão, dado à inércia e à impro-
dutividade. De acordo com esse raciocínio, o “espelho do próspero” seria a 
Europa, civilização estável, forte, desenvolvida e produtiva.
1.2.3 O século do evolucionismo darwinista
Em diferentes momentos, no século XX, os professores Antonello Gerbi 
e François Laplantine nos alertaram para uma evidência histórica importante 
para aqueles que possuem conexão ou interesse nos estudos socioantropoló-
gicos e suas implicações nos vários campos disciplinares.
 
A discussão sobre o “bom ou mau selvagem” e sobre a 
superioridade da raça europeia ganhou um sonoro enri-
quecimento no século XIX, quando a Antropologia e a 
Sociologia passaram a acompanhar o ritmo de “descons-
trução” das velhas teses semi-científicas ou criacionistas 
sobre o desenvolvimento da fauna e flora do Novo Mundo.
 
De político, o debate sobre as relações entre os europeus e territórios já 
explorados passou a ser biológico em sua essência. O darwinismo foi a base 
para a consolidação de teses científicas sobre a humanidade que inelutavel-
mente recondicionou a visão que a Europa fazia de si mesma e dos outros. Por 
outro lado, as teses de Darwin comprovavam que a seleção natural entre as 
espécies, longe de levar à degeneração e extinção, comprovaria de fato a força 
adaptativa das espécies. Essa foi uma revolução silenciosa nas bases de conhe-
cimento europeu sobre a biologia e a sociedade que teve rápida repercussão 
internacional ainda em meados do século dezenove.
– 29 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
Charles Darwin no detalhe da 
obra do pintor John Collier.
Diz Darwin (2002, p.39): “[...] é grande a capacidade do homem de ir acu-
mulando, através do processo de seleção, variações sucessivas e ligeiras”. 
Não é à toa que o socialismo, de forma geral, e Karl Marx, de forma 
particular, tiveram imediata e declarada simpatia por teses como essas. As 
queixosas disputas entre as elites aristocráticas e burguesas do século das 
luzes – que se opunham à aristocracia europeia, à explosão populacional e 
ao inchaço das cidades que atulhavam as ruas com miseráveis, “bandidos” 
e “desvalidos” vindos de todos os lugares – ganhariam novo tom. Buffon, 
De Pauw, Hume e Montesquieu eram legítimos representantes desse grupo 
restrito de aristocratas que defendiam o ancien regime contra as massas de 
“degenerados e criminosos” que invadiam a Europa, vindas de todos os 
cantos do planeta. Tais autores sustentaram suas ideias publicando obras 
que legitimavam a contínua desconfiança dos poucos ricos em relação aos 
muitos pobres. Usavam basicamente a razão e o poder de seu letramento 
para convencer de suas teses quem fosse necessário. 
– 30 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
Darwin dedicou sua vida e saúde para ultrapassar teses deterministas e inve-
rídicas como as de Buffon, Lamarck e as de seu próprio avô, a quem tanto admi-
rava. Finalmente, em meados do século XIX, havia bases científicas para compor 
resistência contra teses deterministas e antievolucionistas que insistiam em per-
manecer nos ciclos acadêmicos e nas instituições religiosas que mantinham suas 
estruturas econômicas convencendo seus séquitos de verdades teológicas metafísi-
cas e mágicas demais para o novo pensamento científico materialista.
No caso de Marx e Engels, por exemplo, a luta de classes estava salva 
como conceito científico. Ainda que não concordassem com Darwin de um 
modo geral, os socialistas alemães saudaram A Origem das Espécies (1859), 
de Darwin, por ter aparecido no mesmo ano de Para a Crítica da Economia 
Política (1859). A luta entre classes seria uma lei da história, assim como a 
seleção natural das espécies era uma lei da biologia. Assim como apenas as 
espécies mais adaptadas sobreviveriam, apenas o proletariado seria capaz de 
vencer a luta evolucionária na senda da contínua transformação e aprimora-
mento das sociedades políticas (MARX, 1983, pp. 371-4).
Ainda que a base teórica de Marx fosse um filosofia crítica (o materia-
lismo histórico e dialético), o evolucionismo acrítico darwiniano poderia ser-
vir como mais uma frente reforçadora das teses de luta de classes e do sucesso 
da revolução operária sobre os “burgueses capitalistas”. A seleção natural e a 
possibilidade de que os homens fossem acumulando variações, mudanças e 
possibilidades apenas fortalecia a tese da inevitabilidade da história, uma vez 
que a contínua transformação de todas as formas vivas era a lei da natureza, 
assim como a lei da história. Ricos e pobres seriam, ambos, forças adaptadas e 
em constante processo de adaptação (e luta). Ganharia o lado mais adaptado 
às condições de sobrevivência. Marx não tinha dúvida quanto à vitória histó-
rica da classe trabalhadora sobre as classes proprietárias.
1.2.4 Uma nova Antropologia social
O esvaziamento dessas disputas e a realocação da Europa como um pro-
jeto incompleto, suscetível, mas em franca evolução e adaptabilidade, feito 
por Darwin, recolocou o problema de representação do lugar do outro (não 
europeu) no imaginário e nos planos de formação da mentalidade do novo 
sujeito do conhecimento.
– 31 –
Sociologia e Antropologia para a Educação
 
Já em meados do século XIX, a Europa empreendia um 
ritmo acelerado de abertura de liceus, escolas e universida-
des públicas e, por consequência, aconteceu a ampliação da 
alfabetização das populações mais empobrecidas nas cidades 
europeias (CAMBI, 1999, pp. 498-501). Lembremo-nos de que 
esses resultados modernizantes eram fruto de uma democrati-
zação forçada, exigida pelosistema industrial que alimentava 
um ciclo de enriquecimento e manutenção de poder político 
e econômico nas cidades europeias mais desenvolvidas.
 
Shirley (1987, pp. 3-7) nos ajuda a entender que a Antropologia foi uma 
invenção de britânicos, franceses e holandeses que, desde tempos remotos, 
já prestavam mais atenção no comércio do que na religião. Alguns dos mais 
destacados antropólogos do século XIX, como Tylor, Morgan e Frazer, eram 
provenientes desses países. A Antropologia foi uma ciência surgida por neces-
sidade do Império vitoriano. O professor Shirley lembra-nos, com precisão 
de fonte documental, que muitos administradores, fossem governadores ou 
encarregados diretos de expedições a colônias inglesas, foram os responsáveis 
por estudos acadêmicos muito completos sobre suas possessões. Talvez os 
grandes exemplos sejam o de Sir Stamford Raffles, que fundou a cidade de 
Cingapura e produziu um inigualável estudo sobre a história e sociedade da 
ilha de Java. Os chamados “imperialistas eruditos” existiram às centenas. 
 Dica de Filme
O filme Lawrence da Arábia é baseado na biografia de T.E. 
Lawrence descrita no seu livro Sete Pilares da Sabedoria. 
Assista ao filme para conhecer mais sobre esse famoso antropó-
logo, imperialista e erudito.
Ásia, África, Nova Zelândia, Austrália e Índia passaram rapidamente a ser 
habitadas por administradores, e não mais por missionários, naturalistas ou 
– 32 –
Fundamentos Socioantropológicos da Educação
viajantes. Como já dissemos, o “selvagem” seria substituído definitivamente 
pelo “primitivo”, uma espécie de elo perdido da humanidade. A descrição 
detalhada da vida desses primitivos e tudo mais relacionado aos seus modos de 
existência, passam a constituir as matérias de etnologia comparada, biologia, 
psicologia, economia, história e política nas grandes universidades europeias.
 
O projeto totalizador da Antropologia, sustentáculo filosófico 
dos Impérios Europeus, instruiu as sucessivas gerações de uni-
versitários – que ansiavam por respostas cientificas a questiona-
mentos que antes eram respondidos por metafísicas religiosas, 
pela literatura fantástica ou por sistemas filosóficos abstratos.
 
O trabalho antropológico, que informou continuamente o novo império 
mundial, não conseguiu esconder o impacto negativo das dominações territo-
riais. Além disso, a publicação dos estudos eruditos sobre as “sociedades primi-
tivas” suscitou crítica e contraposição ativa às políticas imperiais da Europa, por 
parte de segmentos mais intelectualizados e críticos dos principais países.
1.3 Refundações na educação etnográfica do 
olhar
Bastariam apenas duas décadas desde o fortalecimento do Imperialismo 
oitocentista para que toda a geração de “pais fundadores” da Antropologia fosse 
denunciada e criticada por seus mais proeminentes alunos. Já na virada do 
século XX, isso ficou bem claro na atuação de brilhantes pensadores e etnógra-
fos como Franz Boas e Bronislaw Malinowski, que constituíram o fundamento 
de uma nova e disputada forma de ver e anunciar a experiência humana.
1.3.1 O nativo e o fim da divisão do trabalho 
antropológico
Há um detalhe sobre o movimento geral da antropologia do século XIX 
que não podemos deixar passar despercebido. Trata-se do fato de que o olhar 
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Sociologia e Antropologia para a Educação
sobre o outro, “incivilizado, primitivo, atrasado”, era, basicamente, moldado 
por uma espécie de divisão social do trabalho11 antropológico. Assim, aquele 
que escrevia os grandes tratados de Antropologia não necessariamente era 
aquele que coletava as informações diretamente no campo pesquisado: aquele 
que coletava as informações em campo, geralmente através de fotos e a aplica-
ção de inquéritos intermináveis, não precisava ser o mesmo profissional con-
tratado para sistematizar e preparar os dados coletados em campo para serem 
enviados ao antropólogo. Dessa forma, a Antropologia surgiu como uma dis-
ciplina rigorosamente assentada em uma sociedade industrial. Então, passou a 
haver três nomenclaturas, três profissões e três status: o antropólogo trabalhava 
em seu gabinete; o etnólogo, em seu escritório; e o etnógrafo, com sua pran-
cheta, papel, caneta e uma máquina de fotografia pendurada a tiracolo.
O ofício do antropólogo era o de maior prestígio, pois representava o 
trabalho final, geralmente assinado pelo chefe de uma pesquisa. Mas havia 
outros postos de trabalhos associados à atividade fim da Antropologia. 
Em uma dimensão imediata, vinculada com a pesquisa direta de dados, 
estava o etnógrafo, pessoa responsável pela aplicação em campo dos questioná-
rios produzidos a priori na Europa. A aplicação de infindáveis inquéritos, porém, 
produzia absurdos na deturpação dos contatos entre europeus e nativos (selvagens 
ou primitivos). Não raro, ficava encarregado disso um pesquisador local, um fun-
cionário de baixa patente, pago para ajudar na administração de uma colônia e 
dar conta de produzir informações sistematizadas sobre a cultura local.
O mesmo se pode dizer do trabalho de organização e sistematização das 
informações coletadas. Para isso, entrava em cena o etnólogo, ou o técnico de 
gabinete local, que geralmente fazia seu trabalho, ainda que no mesmo campo 
de coleta de dados, mas totalmente desconectado da necessidade de abordar 
qualitativamente os dados dos inquéritos. O etnólogo, como um organizador 
de dados, era o responsável por produzir dados estatísticos para o antropólogo 
chefe escrever a “verdadeira” história de uma civilização.
Sir James Frazer e o seu monumental O Ramo de Ouro (1890-1915), 
obra publicada em treze volumes e admirada por socialistas, anarquistas e aris-
11 Divisão social do trabalho é o processo de crescente particularização da produção de mer-
cadorias. A especialização técnica e a segmentação profissional na indústria ou no comércio é 
o melhor exemplo. 
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Fundamentos Socioantropológicos da Educação
tocratas burgueses, talvez seja o melhor exemplo dessa circunstância comum à 
época do surgimento da Antropologia como ciência social, em fins do século 
XIX. O professor Frazer pretendeu abarcar nada menos que a totalidade da 
vida cultural e simbólica da realeza sagrada em geral localizada em diversas 
culturas, de diversas regiões. O fato de nunca ter visitado qualquer civiliza-
ção estudada para realizar estudos originais de campo provocou contínuas 
reflexões por parte de simpatizantes e antipatizantes da obra desse importante 
estudioso (FEDOSSEIEV, 2007, pp. 68-70).
A divisão social do trabalho do antropólogo fez com que novas gera-
ções de estudiosos da cultura despertassem para os perigos da profissão que 
tanto os encantava.
A perspectiva evolucionista centrava-se exageradamente na ideia de 
“atraso” do povo primitivo em relação à primazia da elevação das sociedades 
ditas civilizadas. Ainda assim, tal “atraso” não desconectaria os povos primiti-
vos da humanidade. Ao contrário, os povos primitivos passariam a ser vistos 
como elos ancestrais da humanidade.
A gratidão dos europeus por esses povos foi demonstrada ao clássico 
modo do paternalismo imperial. Uma vez descobertos os elos ancestrais que 
explicariam por que as coisas aconteceram de determinada forma, algum tipo 
de recompensa deveria ser dada a esses povos primitivos colaboradores. E a 
melhor forma de fazê-lo seria acelerando o seu processo de evolução. Para 
isso, tão bons tutores não somavam esforços para ensinar aos nativos de qual-
quer possessão os modos de um civilizado.
 Saiba mais
Podemos ver, em Tarzan e Mogli, exemplos de mitos que 
expressam o sucesso da salvação do selvagem da sua condição 
de bestiário. Vemos, através das histórias desses personagens, a 
pedagogia evolucionista escancarada em sua plena manifestação 
“antropo-euro-cêntrica”. A heroicidade desses personagens 
não dissolve, contudo,a percepção de que são “selvagens” e 
“primitivos” em sua essência.
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Sociologia e Antropologia para a Educação
Lembremo-nos de que a abordagem do primitivismo, tão cara à antro-
pologia, tinha base evolucionista comum a quaisquer outras ciências sociais e 
humanas tão novas quanto a própria antropologia. Alguém como o psicólogo 
francês Gustave Le bon (1841-1931), ou mesmo o psicanalista austríaco Sig-
mund Freud (1856-1939), podia formular teses evolucionistas sobre a psico-
logia das massas sustentando “cientificamente” que as multidões são instáveis, 
superficiais, exageradas e efêmeras (CONSOLIM, 2004, pp. 6-8).
Laplantine (2007, p. 71), com justiça, nos recorda que não devemos 
julgar os evolucionistas pela sua mentalidade mais ou menos conservadora. 
Nem devemos julgar se suas teses ajudaram a consolidar os sistemas de domi-
nação imperial colonialista do século XIX. A teoria evolucionista era voga 
naquela época e causou grande impacto em amplos círculos de intelectuais, 
como já nos referimos anteriormente. Nem todos os autores que produziram 
obras importantes sobre culturas exógenas à Europa eram antropólogos de 
fato, muitos eram juristas, outros médicos ou geógrafos.
O fato a ser notado é que o contexto histórico em que se inseriram lhes 
permitiu fazer o que fizeram. E os seus sentimentos de contribuição à grande 
mãe Europa e à humanidade foram, muitas vezes, justificados pelo modo fes-
tivo e honroso como eram tratados tais teóricos. Seus compromissos civis e 
aristocráticos lhes permitiam atuar com a sincera determinação de coletar, sis-
tematizar e formular teses universalistas, confirmadas por vínculos aprioristas, 
ou seja, teses, e não hipóteses, formuladas como verdade antes das pesquisas 
práticas que deveriam validá-las. Isso significa afirmar que a confiança na inter-
pretação dos elos perdidos da humanidade dependeria mais da destreza intelec-
tual do chefe da pesquisa do que da qualidade do material coletado em campo.
1.3.2 A aventura da Antropologia funcionalista 
A chave que abriu a Antropologia para o estudo de uma determinada cul-
tura a partir de suas próprias bases estava nas mãos de Franz Boas (1858-1942), 
um americano de origem alemã, e de Bronislaw Malinowski (1884-1942), um 
polonês radicado na Inglaterra.
As posturas desses pesquisadores foram inversas às de seus professores. O 
primeiro procedimento que realizaram, ainda que não intencionalmente, foi 
acabar com a divisão social das tarefas em Antropologia, que antes colocava o 
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Fundamentos Socioantropológicos da Educação
antropólogo em gabinetes confortáveis na Europa, completamente separado 
dos etnólogos e etnógrafos. Com esses pesquisadores, tal separação foi abolida. 
Para eles, seria uma obrigação moral do antropólogo realizar as três 
tarefas: ele próprio deveria coletar as informações, tratá-las e traduzi-las em 
contextos analíticos mais elevados. Assim, aquele que escolhesse fazer antro-
pologia deveria ser também o etnólogo e o etnógrafo. É interessante notar 
que, ao assumir tal postura profissional e científica, o antropólogo estaria se 
comprometendo com uma mudança radical de procedimentos que ia muito 
além e mais fundo do que tal fusão sugere. Em campo, dizia Malinowski, o 
antropólogo não deve mais tratar os habitantes pesquisados como selvagens 
ou primitivos, mas como anciões que receberiam os antropólogos como visi-
tantes temporários (LAPLANTINE, 2007, pp. 75-76).
A antropologia estava sendo convidada a deixar o gabinete e, literal-
mente, se transformar em uma atividade ao “ar livre”. Os “selvagens” ou 
“primitivos” não mais seriam interpretados por funcionários do Império Bri-
tânico e registrados no idioma do império, mas escutados na sua própria 
língua ou idioma por etnógrafos que falassem a sua língua e vivessem o mais 
próximo de seus modos de vida cotidianos.
Passar um bom tempo, geralmente meses ou anos, entre os habitantes 
pesquisados tornou-se praticamente uma regra de conduta para essa Antro-
pologia totalmente renovada.
 
Tal olhar antropológico aplicado à educação, certamente, 
resultaria em notável alteração no modo como jovens e 
crianças poderiam ser vistos e trabalhados fora e dentro de 
sala de aula. Cada criança seria reconhecida em sua nativi-
dade que, de dentro de sua microssociedade, a sala de aula, 
teria a autoridade legítima de manter em seus domínios 
um convidado muito educado e agradecido – o professor.
 
A antropologia, na sua etapa anterior, era evolucionista de um modo 
que refletia em suas bases a mesma atmosfera evolucionista que perpassava 
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Sociologia e Antropologia para a Educação
praticamente todos os domínios de produção de conhecimento na Europa 
em fins do século XIX.
O lugar da criança e do jovem, nessa abordagem evolucionista, era simi-
lar, como já mostramos, ao modo como os “primitivos” ou as multidões eram, 
geralmente, retratados: como seres imaturos, que deveriam ser tutelados e 
conduzidos ao caminho do desenvolvimento e da aprendizagem por sistemas 
de saberes, notadamente masculinizados e autoritários.
Com Malinowski, Boas, Rivers, Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard e 
outros da mesma geração, a atmosfera metodológica passava pela aplicação 
do funcionalismo em todos os campos de conhecimento das ciências sociais e 
humanas e, evidentemente, na educação.
O funcionalismo foi uma abordagem que privilegiava a compreensão da 
totalidade de um campo de pesquisa que se realizava a partir do estudo das funções 
sociais existentes. Entender a função social do parentesco, dos rituais, do direito 
indígena, por exemplo, resultaria em uma preocupação, por parte do antropó-
logo, em estudar a fundo a lógica de operação interna de um sistema, e não mais 
estudá-lo para tão somente reforçar preconceitos e validar teses aprioristas.
 
Dentro do contexto educacional, uma abordagem funciona-
lista tenderia a constituir pedagogias fundadas em um com-
prometimento dos professores e funcionários de uma escola 
com as classes de alunos, tendo por referencial o respeito 
pela visão de mundo desses sujeitos. Em relação ao aprio-
rismo, determinismo e geneticismo evolucionistas, encon-
tramos, no funcionalismo da primeira metade do século XX, 
um salto, uma verdadeira transformação reveladora, mais 
aberta, mais isenta de julgamentos, mais circunstancial, mais 
orgânica e integradora e mais atenta aos sujeitos pesquisados.
 
Ainda assim, o funcionalismo foi uma corrente tão datada e criticada 
quanto o evolucionaismo.
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Fundamentos Socioantropológicos da Educação
1.3.3 O olhar etnográfico de Franz Boas
O professor Franz Boas apresentava uma 
particularidade: era um homem de campo, um 
etnógrafo no sentido clássico do termo, mais do 
que um antropólogo. Preferiu viver entre os nati-
vos do que se beneficiar do prestígio da academia. 
Boas publicou alguns importantes livros, como 
A Mente do Homem Primitivo (1911), Antro-
pologia da Vida Moderna (1928) e Raça, Lin-
guagem e Cultura (1940). No entanto, escrever 
livros não era o seu objetivo final. Como etnó-
grafo, gostava mesmo era da pesquisa em campo 
– Boas estava profundamente comprometido 
com a demonstração da importância de se pes-
quisarem microssociedades como totalidades.
Outra peculiaridade do pensamento e método de Franz Boas está relacio-
nada à sua preocupação em não permitir que o olhar da metrópole invadisse ou 
maculasse a qualidade da cultura nativa que fosse pesquisada. Assim, o antro-
pólogo, durante o estágio de trabalho de campo, deveria cortar completamente 
a sua comunicação com a Europa ou os Estados Unidos, produzindo, desse 
modo, um efeito de isolamento e purificação das “contaminações” decorrentes 
dos vícios do “mundo civilizado” (LAPLANTINE, 2007, pp. 78-79).
Como frisamos antes, falar, comer e pensar como o nativo do lugar era 
uma preocupaçãodas mais caras para essa geração de antropólogos. O pro-
fessor Boas era meticuloso e possuía muitos assistentes para o trabalho de 
etnografia e de etnologia. Como o professor Franz Boas gostava de colecio-
nar, classificar e arquivar artefatos materiais e imateriais da cultura em que 
estivesse inserido, era necessário que tivesse uma equipe grande com a qual 
pudesse contar para dar conta da tarefa.
O Professor Franz Boas possuía arquivos que continham extensas coleções. 
Sua esperança, ao usar esse procedimento, passava pela crença de que, se houvesse 
uma dizimação da humanidade, por exemplo, a reconstituição fiel de culturas 
humanas poderia ser feita a partir da correta reorganização dos artefatos que com-
poriam a totalidade de uma microssociedade (PEREIRA, 2011, pp. 104-105).
Franz Boas
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Sociologia e Antropologia para a Educação
1.3.4 Malinowski e o aprendizado radical com o nativo
A meticulosidade do professor Franz 
Boas suscitou críticas por parte de colegas 
de profissão. Por exemplo, o antropólogo 
social polonês Bronislaw Malinowski con-
siderava um exagero tamanha criteriosi-
dade de coleta de dados. Para Malinowski, 
era suficiente localizar, em meio à cultura 
pesquisada, um elo comum a que todas 
as outras estruturas e fenômenos culturais 
pudessem estar associadas. Com Malino-
wski, consolidava-se o funcionalismo antro-
pológico feito sob bases de minuciosa pes-
quisa etnográfica.
Malinowski foi quem radicalizou 
a experiência de ruptura entre a metrópole e as colônias. Sua expectativa, 
durante duas longas passagens pelas ilhas Trobriand, na Melanésia Central, 
era conhecer a mente do nativo para descobrir em profundidade o modo 
como o outro pensava (MALINOWSKI, 1978, pp. 16-19).
E por isso, melhor do que qualquer um de sua geração, esforçou-se em 
apreender seus sistemas de crenças e comunicação no cotidiano da pesquisa 
de campo a partir dessas habilidades de viver em meio a tribo ou comu-
nidade, tendo como suporte o compartilhamento do mesmo idioma e da 
pesquisa não comparada. Para Malinowski, não importava a história de uma 
tribo, mas sua condição no momento em que estava sendo pesquisada. Esse 
detalhe metodológico, anunciado no prefácio de sua obra magna Os Argo-
nautas do Pacífico Ocidental (1922), arrasaria de vez as gastas teses evo-
lucionistas que relacionavam o atraso das sociedades primitivas a um tipo 
de incompetência genética ou adaptativa que as impossibilitava de seguir o 
ritmo das sociedades civilizadas. O historicismo evolucionista, que subjugava 
as complexas culturas humanas espalhadas pelo globo, não resistiu à análise 
funcionalista de Malinowski. 
Os Argonautas do Pacífico Ocidental foi a obra em que o método mali-
nowskiano apareceu em seu maior esplendor. O etnógrafo polonês utilizou um 
Bronislaw Malinowski
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Fundamentos Socioantropológicos da Educação
fenômeno econômico e social, o Kula, para explicar a totalidade da vida cultural 
dos trobriandeses. O Kula, detectou Malinowski, era o evento mais importante 
dos habitantes das ilhas Trobriand, a ponto de tudo naquelas sociedades refletir 
os preparativos para esse grande ritual anual de trocas, inclusive as relações de 
parentesco, as relações de dominação e de reprodução cultural.
A radicalidade metodológica de Malinowski aplicada à Educação nos 
sugeriria um maior isolamento entre o centro da investigação (no caso, a sala de 
aula ou a escola) e o seu entorno (o Estado). Malinowski tenderia a investigar o 
modo como as relações de ensino e aprendizagem se estabeleceriam desde uma 
de suas formações simbólicas principais. Por exemplo, como a comunidade 
escolar ou as crianças em uma sala de aula se relacionam a partir do momento 
mais importante do ano escolar. Supondo que sejam as férias de final de ciclo, 
o professor Malinowski estudaria, na linguagem da escola, o amplo conjuno de 
rituais e processos simbólicos que surgiriam tendo por base os preparativos para 
esse evento significativo. Eis o funcionalismo etnográfico de Malinowski em 
uma conexão com um sugerido campo de pesquisa em Educação. 
Síntese 
Neste capítulo, realizamos algumas aproximações entre o pensamento 
socioantropológico dos clássicos e o campo da Educação. Ao tratarmos dos 
grandes temas que atravessaram o século XIX e o início do século XX, estu-
damos temas que foram decisivos para a instalação de uma sociedade do tipo 
industrial como a nossa.
Procuramos deixar evidente que as principais teorias sociológicas e 
antropológicas reproduziram e alimentaram um amplo conjunto de compre-
ensões sociais, políticas e culturais. O evolucionismo e o materialismo foram 
concepções filosóficas e científicas experienciadas e discutidas por pratica-
mente todos as novas ciências da sociedade, inclusive a própria Educação. 
No final do século XIX, o centro das novas concepções científicas sobre 
a sociedade ainda era o homem, como indivíduo e como humanidade. No 
entanto, a partir do início do século XX, uma profunda crença na diferença 
entre esses homens os manteve, em uma perspectiva, na condição de civili-
zados, desenvolvidos, evoluídos e, em outra, na condição de bárbaros, invo-
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Sociologia e Antropologia para a Educação
luídos, inadaptados. Esse homem que se via como civilizado e bárbaro ao 
mesmo tempo procurou de todos os modos possíveis sustentar o seu plano de 
positividade e de poder através de variadas práticas de dominação. A racio-
nalidade teológica e as monarquias foram trocadas pela razão de Estado e 
pela ciência. As antigas oficinas e o sistema medieval de produção, o domus12, 
foram trocados pela indústria e pela fábrica como modelo de organização 
social e institucional.
O século XIX, momento em que foram instituídos os fundamentos 
“científicos” para explicar a própria humanidade, foi o tempo em que nos 
manifestamos mais voraz e competitivamente sobre a face da terra. Contudo, 
o mundo ocidental, desesperado pela defesa da visão masculina sobre todas 
as coisas, não conseguiu sustentar tal projeto. Através das visões trazidas por 
etnógrafos como Boas e Malinowski, e por sociólogos como Marx, Durkheim 
e Weber, parte da humanidade, reduzida aos interesses do capital econômico 
e ao auto-centramento individualista, teve a oportunidade de experimentar 
sua própria auto-compreensão e formular ações de enfrentamento e libera-
ção. O resultado desse clamor não tardaria a lançar pistas. O século vinte foi 
o palco desses anseios de liberação e as guerras e revoluções a sua violenta 
manifestação estética.
12 Domus é a denominação greco-romano para um tipo de residência comum que abriga-
va moradia, hospedaria e pequenos comércios e oficinas. Fórmula resistente de organização 
econômico-social pré-industrial que predominou até meados do século dezoito.
2 
Sociedade de 
massas, educação e 
contracultura na era 
pós-colonial
Neste capitulo, abordaremos os temas do governo das mas-
sas, da indústria cultural e da educação crítica surgidos na segunda 
metade do século XX em decorrência da forte mudança de menta-
lidade na cultura ocidental. Pretendemos nos aproximar desse enfo-
que através da discussão do modo como foi possível surgir uma 
filosofia moral e científica que procurou justificar o controle da 
multidão (diga-se dos pobres) no século XVIII. Veremos como foi 
possível surgir uma política de Estado racista no século XIX e um 
governo totalitário e genocida no século XX.
Prosseguiremos neste capítulo com a análise do surgimento 
da indústria cultural de consumo de massas, como parte da estratégia 
de Estados nacionais para controlar e educar a sua população interna, 
bem como discutiremos as pretensões das nações que saíram vitorio-
sas da segunda guerra mundial (1939-1945), que justificaram a cria-
ção de organismos supranacionais, como a o ONU e a UNESCO.
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Fundamentos Socioantropológicos

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