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A le xa nd re V ie ira Fu nd am en to s So ci oa nt ro po ló gi co s da E du ca çã o Alexandre Vieira Fundamentos Socioantropológicos da Educação 2ª Edição Curitiba 2018 Fundamentos Socioantropológicos da Educação Alexandre Vieira Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária - Cassiana Souza CRB9/1501 V658f Vieira, Alexandre Fundamentos socioantropológicos da educação / Alexandre Vieira. – 2. ed. – Curitiba: Fael, 2018. 171 p.: il. ISBN 978-85-5337-016-0 1. Sociologia da educação 2. Antropologia e educação I. Título CDD 370.19 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Claudia Helena Carvalho Weigert Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/Jannarong Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Apresentação | 5 1. Sociologia e Antropologia para a Educação | 7 2. Sociedade de massas, educação e contracultura na era pós-colonial | 43 3. Educação pós-moderna, neoliberalismo e globalização | 77 4. Os saberes para a educação do futuro | 109 Referências | 165 Apresentação O livro Fundamentos socioantropológicos da educação tem como desafio sugerir questões de reflexão e debate que nos apro- ximem daquilo que corresponde às possibilidades e aos obstáculos a uma educação ética, inclusora e verdadeiramente humanitária. Refletir e construir novos paradigmas em educação tornou-se uma urgência para a humanidade. Isso porque, há muito, os mode- los verticais e institucionalizados de ensino-aprendizagem estão sendo desafiados por um ritmo de transformação do mundo em que a tecno- logia, a informação, a cultura e os direitos têm feito toda a diferença. – 6 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação A educação foi pensada em nossa história como um fundamento, um refúgio e uma necessidade. Por sobre ela, foram erigidos os saberes que nos fizeram construir casas, muros, cidades e impérios. A educação fez reis e rai- nhas, profetas, generais, conquistadores, heróis, cientistas, trabalhadores e multidões que viveram e escreveram a experiência do mundo. A educação gerou, igualmente, a manifestação do belo e do horrendo. Serviu como base para construirmos um mundo de paz e transformação de conflitos, mas tam- bém foi utilizada para justificar guerras e produzir massacres. Para lidarmos com os desafios da educação do futuro, mobilizamos sis- temas de ideias e eventos provenientes da experiência dos antigos, dos moder- nos, dos contemporâneos e daqueles mais recentes, chamados de pós-moder- nos. A tarefa foi perguntar a pensadores tão distintos, como Aristóteles, Marx, Durkheim, Weber, Boas, Malinowski, Adorno, Bell, Lyotard, Morin, Delors, Milton Santos ou o índio Gersem Baniwa se querem continuar nos oferecendo algo para refletirmos sobre os saberes do futuro. Por fim, o convite à leitura deste livro é o convite para uma conversa conduzida entre amigos, bem ao modo dos gregos, que, em seus banquetes, na antiguidade, nutriam-se da alegria do encontro, ao sabor de boas histórias. Bons estudos! Alexandre Vieira* * Psicólogo com mestrado e doutorado em Sociologia Política (UFSC). Coordenou por dez anos o Instituto de Planejamento, Pesquisa Social e Estudos Avançados (IPPSEA) em Floria- nópolis. Atualmente, leciona Ciência Política e Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais de Santa Catarina (Cesusc). É um dos fundadores do Centro de Cultura Tibetana e, desde 2008, atua em favor da proteção de culturas originárias. 1 Sociologia e Antropologia para a Educação Introdução Com este capítulo, pretendemos inserir o leitor no ambiente de trocas entre a sociologia, a antropologia e a educação. Ainda que o façamos como uma aproximação de temas para debates cruzados entre diferentes disciplinas de um mesmo campo de conhecimento, procuramos manter a proposta de abordar o assunto a partir do aprofundamento de tópicos específicos. Privilegiamos as possibilidade de trocas entre saberes, e não a produção de sínteses históricas profundas que pretendam esgotar o campo. Por se tratar de um capítulo sobre os fundamentos socio- lógicos e antropológicos para a educação, seguiremos recapitulando algumas preocupações que clássicos do pensamento social dos séculos XIX e XX produziram e que impactaram nos ambientes de formação de professores e alunos, estivessem em escolas ou universidades da Europa, da América do Norte, da América do Sul ou da África. – 8 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação 1.1 Educação e Sociologia: o empréstimo dos clássicos Em 1920, a Europa perdeu o último pensador clássico da ciência socioló- gica europeia. Com a morte do alemão Max Weber (1864-1920), desapareceu o sociólogo clássico que compunha o trio ao qual pertenciam o francês Émi- le Durkheim (1858-1917) e o alemão Karl Marx (1818-1883). Pouca dúvida subsiste quanto ao fato deste triunvirato ser considerado o alicerce por sobre o qual se desenvolveu o pensamento sociológico contemporâneo em suas diferen- tes ramificações. Esse modo de definir o status e a importância de um sistema amplo de ideias, o clássico de um saber, está sustentado em consenso acadêmico e muito marketing editorial (ALEXANDER, 1999, pp. 39-41). Antes de Marx, Durkheim e Weber, já existia uma densa preocupação intelec- tual e científica com as sociedades modernas, suas culturas e dilemas. No entanto, o fato de todos esses pensadores terem vivido em contextos de ampla industriali- zação e estatização da vida social, possibilitou que seus planos rigorosos de investi- gação e ação os tornassem referência em círculos intelectualizados e militantes de causas manifestas, como a operária, a pequeno-burguesa e a civilizacional. O amadurecimento das sociedades industriais, a massificação da vida urbana e o fortalecimento dos Estados-nação na Europa – e em suas inúmeras colônias e possessões ultramarinas, ainda no decurso do século XIX – oca- sionaram um conjunto de grandes transformações e a instalação de cenários plurais de vida individual e social nunca antes experimentados pelos europeus ou, quem sabe, pela própria humanidade. Marx, Durkheim e Weber tornaram-se, rapidamente, por mérito de suas próprias obras e por terem nascido no epicentro de todas essas transformações, os privi- legiados interpretadores dos problemas do seu tempo e foram reconhecidos por amigos e inimigos como mestres de fato. – 9 – Sociologia e Antropologia para a Educação 1.1.1 Educação ou Pedagogia? Se quem estuda a sociedade pode ser chamado de sociólogo, como se deve chamar quem estuda a educação? Educador ou pedagogo? Educadores, todos somos, poderia dizer um iconoclasta como Marx. Contudo, a especi- ficidade da Educação é aquilo que a funda como a atitude de alguém que educa – o que os gregos chamavam de paidós1, o ato fundante da pedagogia. A educação passaria a ser definida, na era platônica (400-350 a.C.), como uma techné, uma técnica inventada por sofistas como Protágoras, e não uma ciência ou uma filosofia (JAEGER, 1994, p. 348-349). De acordo com Amorin (2003), a palavra “educação”, que em português foi dicionarizada no século XVII, possui origem latina. Sua etimologia indica que educatio é sinônimo de ação de criar ou de nutrir, cultura, cultivo. Designa um ato ou um processo e um efeito. Educação, ao mesmo tempo, significa o ato ou processo de educar ou de educar-se e o conheci- mento e o desenvolvimento resultantes desse ato ou processo. O educador e o educando estão unidos pela palavra educação. Além disso, é possí- vel a uma pessoaeducar a si mesma, ou seja, ser educador e educado. De acordo com Saviani (2007), desde a Grécia, delineou-se uma dupla referência para o conceito de pedagogia. De um lado, desenvolveu-se uma reflexão estreitamente ligada à filosofia, elaborada em função da finalidade ética que guia a atividade educativa. De outro lado, o sentido empírico e prático inerente à paideia (entendida como a formação da criança para a vida) reforçou o aspecto metodológico presente já no sentido etimoló- gico da pedagogia como meio, como caminho: a condução da criança. Tanto o pensamento sociológico quanto o pensamento pedagógico fo- ram disputados e conquistados pelas universidades que surgiram na Europa 1 Paidós é um termo grego que significa diretamente a palavra ‘criança’. Dela se origina o termo pedagogia, que ampliadamente, significa ação educativa. A paidós antiga foi utilizada como termo aceptivo para o ideal de educação do homem grego. – 10 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação em plena era vitoriana2. Nesse período, o pensamento sociológico tornou-se um modo de sugerir que, aquele que o assumisse, possuiria um compromisso prioritário com um programa de estudo e pesquisa de seu objeto especializa- do – no caso, a sociedade industrial europeia e as suas instituições de reprodu- ção (que incluíam determinado tipo de organização do indivíduo, da família, da escola, da fábrica, dos hospitais e dos serviços públicos). Nesse contexto, o sociólogo pode ser um intelectual, mas não existi- rá mais como um agente livre de qualquer institucionalização (como Saint Simon, 1760-1825, o espírito livre da revolução, ou Augusto Comte, 1798- 1857, o precursor do catecismo positivista), exatamente porque tal distinção tornou-se, por convenção, um usufruto da academia. O sociólogo tornou-se, em fins do século XIX, um profissional educado e formado em universidades. Sua ação no mundo da vida passaria a ser fruto de uma escolha pessoal que, não raro, o identificava por toda uma existência, e tem sido assim até hoje. O mesmo se pode dizer daquele que se dedica à Educação ou à Pedagogia (MUCCHIELLI, 2001, p. 38). O pensamento pedagógico, portanto, traduziria, já em fins do século XIX, a existência de alguém que assumiu um compromisso de se dedicar ao longo de um tempo variável a pensar as intrincadas situações de ensino e aprendizagem em contextos determinados. No entanto, muitos se tornaram educadores por paixão ou por necessidade, mais do que por formação univer- sitária. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o romântico filósofo iluminista, autor de Emílio, ou da Educação (1762), é o melhor exemplo de educador por paixão. Pestalozzi (1746-1827) e Fröbel (1782-1852), professor e discí- pulo, considerados os primeiros pedagogos europeus contemporâneos, tam- bém são exemplos de pessoas que desenvolveram a educação como uma arte, mais do que como uma ciência. Por sua vez, já no último quarto do século XIX, o pedagogo possuía o mesmo condicionante de um sociólogo, antropó- logo, economista ou historiador, então, tornou-se um profissional acadêmico que estabeleceu sua intelectualidade em processos institucionais de formação universitária profissionalizante (CAMBI, 1999, pp. 415-7). 2 A era vitoriana foi o período em que a rainha Vitória (de 1837-1901) governou o Reino Unido. Durante esse período a Inglaterra anexou a Índia ao império britânico e conduziu o segundo e mais expansivo ciclo da Revolução Industrial. – 11 – Sociologia e Antropologia para a Educação Dos clássicos citados, apenas Durkheim pode ser visto como um pen- sador que domina tanto a sociologia quanto a pedagogia. Por vários anos, na França, foi professor, pesquisador e autor em ambas as disciplinas. Dessa forma, pode ser considerado um dos primeiros sociólogos da educação. De Weber, pode-se dizer que se tornou, na maturidade, sociólogo de fato. Mas não possuiu propriamente um pensamento pedagógico, do modo como estamos tratando. Já Marx não pode ser visto como um sociólogo ou um pedagogo no sentido institucional do termo: ele era doutor em filosofia e não privilegiou a pesquisa sobre a sociedade e a educação ou a pedago- gia. A sua formação era realmente o que chamamos hoje de transdisciplinar. Durkheim, por comprometimento, compõe os anais da história da pedago- gia; Marx e Weber, por empréstimo, os anais da história da Educação. Marx, Durkheim e Weber foram redescobertos editorialmente e não menos sincretizados por novas comunidades linguísticas interessadas em “desvendar” o inaudito em suas obras e vidas. Os “pais fundadores” da so- ciologia revivem todos os dias em milhares de universidades espalhadas pelo mundo, ainda que de um modo não convencional ou linear. Tornaram-se ícones de produtos industrializados como camisetas, brinquedos e revistas; são alvo de piadas ou adoração na internet; são combatidos ou defendidos por “soldados” entrincheirados em suas fileiras ideológicas, enfim, mantêm uma popularidade que, notadamente, atravessa os altos muros dos saberes disciplinares. Todas as tentativas de sacralização ou esfacelamento desses cor- pos de saberes compõem apenas o choque entre o velho e o novo que nunca cessa e que é a base do ritmo da mudança e da transição, a lei da mudança e do movimento – a dialética. É importante lembrar que, por trás da crítica e do desencanto com a situ- ação do mundo que marcou a visão geral desses pensadores durante boa parte do século XIX, havia vida pulsante e em abundância, havia esperança, von- tade e alegria. Esses pensadores reuniam uma grande quantidade de amigos, alegravam-se com a vida em família e nutriam boas relações por onde fossem. Como simples seres humanos, eram tão vulneráveis às emoções e aos enganos quanto vigorosos na defesa e no convencimento de suas posições e escolhas. – 12 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação 1.1.2 Uma páidós chamada Marx e Engels Karl Marx O autor de O Capital, Karl Friedrich Marx, em comparação com Durkheim e Weber, foi, certamente, o mais popular entre eles. Ao se estuda- rem os grandes acontecimentos políticos do século XX, essa afirmação parece- rá evidente. Revoluções – como a Russa de 1905 e a de 1917, as duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), as experiências da guerra fria (1950-1989), a Revolução Cultural na China (anos 1960 e 1970), a Revolu- ção Cubana (1959), as ditaduras militares que rasgaram a África e a América Latina (anos 1950 a 1985), a corrida espacial e o mundo dividido entre países capitalistas (ou primeiro mundo), países socialistas (ou segundo mundo) e países subdesenvolvidos (ou terceiro mundo) – tiveram, em um dos lados, sempre, a ação humana e estatal orientadas pelas teorias de Karl Marx (HO- BSBAWM, 1995, pp. 223-230). Propaganda chinesa durante a Revolução Cultural (1960-1968). A cartilha do comunismo nas mãos dos trabalhadores da cidade e do campo compreendia a base de aprendizagem socialista do povo chinês. Friedrich Engels – 13 – Sociologia e Antropologia para a Educação Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), amigos inseparáveis e autodi- datas, dominaram saberes disciplinares em vastíssima extensão. Marx especia- lizou-se em economia, história e matemática. Adorava literatura e foi amigo de Charles Darwin, de cujas teorias sobre a evolução das espécies era grande admirador. Então, ainda que não haja um saber pedagógico sistematizado na obra de Marx, tal possibilidade se manifesta potencialmente quando a mente aguçada do velho mouro – como gostava de ser chamado – lidava com a crí- tica à luta de classes, com a análise da formação e do papel histórico do prole- tariado e com a proposição de transformação e superação radical da sociedade capitalista industrial, que tudo permeava e influenciava. O materialismo histórico e dialético3, o socialismo científico e a economia política reúnem-seem uma única obra, O Capital (1867), e compõem a síntese final da filosofia, do método e da técnica de Karl Marx, refletindo o trabalho de uma vida inteira. A educação e o ensino no pensamento do filósofo alemão devem, portanto, se vincular a essa extensa e inultrapassável obra. É natural, por sua vez, que a educação em Marx seja compreendida como uma mani- festação das condições materiais e históricas da luta de classes no século XIX. A educação contrasta com o trabalho; o Estado se ocupa com a educação das elites, enquanto o capital ocupa o trabalho infantil e feminino nas fábricas. Essa situação, grave ao tempo de Marx, valeu a famosa reivindicação no Manifesto do Partido Comunista: “Educação pública e gratuita para todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma atual. Unificação da educação com a produção material etc.” (MARX, 1987, p. 54). Hoje, tal rei- vindicação nos parece despropositada se observarmos que, de um modo ou de outro, ela é uma preocupação rotineira de sociedades e Estados democráticos. Qualquer marxista atento não deixaria de retrucar a afirmação de que o capitalismo faz realmente melhor o que o socialismo apenas manifestou como utopia. Não é preciso manifestar simpatia por esse ou aquele “ismo” para entender que uma educação pública e o fim do trabalho infantil, mesmo 3 S. M. Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Índias; S. M. Imperador da Alemanha, Rei da Prússia; S. M. Imperador da Áustria, Rei da Boêmia etc. e Rei apostólico da Hungria: S. M. Rei dos belgas; S. M. Rei da Dinamarca; S. M. Rei da Espanha; o Presidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da República Francesa; S. M. Rei da Itália; S. M. Rei dos Países Baixos, Grão-Duque de Luxemburgo etc.; e S. M. Rei de Portugal e de Algarves etc.; S. M. Imperador de todas as Rússias; S. M. Rei da Suécia e Noruega etc.; e S. M. Imperador dos Otomanos. – 14 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação compondo o discurso de cada Estado democrático liberal na atualidade, se estabeleceu a partir de um árduo, incansável e doloroso confronto entre forças progressistas (comunistas, socialistas, anarquistas e liberais) e conservadoras (elites no poder, ainda que sejam socialistas, burocráticas e totalitárias) detec- tadas em cada momento da história do ocidente nos últimos 150 anos. A divisão social e técnica do trabalho – que coloca, de um lado, as classes sociais ricas em condições de usufruir de um sistema de ensino altamente quali- ficado e, de outro, as classes sociais empobrecidas em condição de servidão fabril – motivou Marx e Engels a definirem que a abolição da divisão do trabalho, a extinção do Estado e o estabelecimento de uma sociedade de indivíduos coope- rados em comunidades autogestadas seria o principal programa de combate aos excessos do regime político e econômico do Capital (MARX, 1987, P.48-50). O detalhe aqui é que Marx e Engels não estão querendo restituir uma paisagem, um cenário pré-capitalista e rural na Europa, em que a artesania se associaria ao mundo bucólico, natural e romântico da lenta vida campesina. Nada seria mais equivocado do que pensar assim. Os autores consideram o capitalismo uma força extraordinária, que possui todo o vigor e reúne condi- ções de riqueza material como nenhum outro sistema econômico jamais foi capaz de condensar. O problema com o capitalismo não está no desenvolvi- mento da técnica e da indústria, mas no péssimo usufruto dessas ferramen- tas, que poderiam salvar a humanidade da pobreza e da fome, como muitos filósofos e economistas iluministas haviam acreditado no século das luzes. Pelo contrário, a gestão capitalista do Estado e da sociedade, de promessa, transformou-se em tragédia. Nunca antes na humanidade houve tamanho aprofundamento das desigualdades sociais e humanas como na Europa capi- talista e nas suas possessões coloniais ultramarinas. ATA GERAL REDIGIDA EM BERLIM EM 26 DE FEVEREIRO DE 1885 entre França, Alemanha, Áustria- -Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia, Noruega e a Turquia, para regulamentar a liberdade do comércio nas bacias do Congo e do Níger, assim como novas ocupações de territórios sobre a costa ocidental da África. – 15 – Sociologia e Antropologia para a Educação Em nome de Deus Todo-Poderoso, S. M. Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, Imperatriz das Índias; S. M. Impe- rador da Alemanha, Rei da Prússia; S. M. Imperador da Áustria, Rei da Boêmia etc. e Rei apostólico da Hungria: S. M. Rei dos belgas; S. M. Rei da Dinamarca; S. M. Rei da Espanha; o Pre- sidente dos Estados Unidos da América; o Presidente da Repú- blica Francesa; S. M. Rei da Itália; S. M. Rei dos Países Baixos, Grão-Duque de Luxemburgo etc.; e S. M. Rei de Portugal e de Algarves etc.; S. M. Imperador de todas as Rússias; S. M. Rei da Suécia e Noruega etc.; e S. M. Imperador dos Otomanos. Fonte: Cabeçalho da Ata Geral da Conferência de Berlim sobre o Oeste da África, de 26 de fevereiro de 1885, que definiu os termos de partilha da África entre os impérios europeus. Portanto, ainda que as políticas educacionais na Europa, durante o período da Revolução Industrial, tenham ampliado o acesso à educação e tenham reduzido sensivelmente o analfabetismo, Marx e Engels, e tantos de seus partidários, não se deixavam confundir. Sabiam claramente que o resultado de tão “benéfica” associação entre Estado e Capital era a consti- tuição dos famosos exércitos industriais de reserva – que sempre se estabe- leciam para substituir os contínuos fluxos de trabalhadores derrotados pelos numerosos acidentes de trabalho, pelas dívidas, doenças físicas e mentais, pobreza, fome, esgotamento, desilusão e incapacidade de acompanhamento do alucinante ritmo de alteração das qualificações técnicas requisitado pelo sistema fabril capitalista. 1.1.3 O grand petit ami da sociologia francesa Karl Marx morreu na Inglaterra em 1883. Nesse mesmo ano, um jo- vem catedrático francês, de nome ÉMILE DURKHEIM, aos 25 anos, ini- ciou uma carreira que seria marcada pelo brilhantismo e o reconhecimento internacional. Durante 18 anos ininterruptos, o cientista social francês se ocupou com cátedras de ciência da educação em diferentes universidades e liceus na França. Ao contrário de suas obras magnas, como Regras do Mé- – 16 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação todo Sociológico (1895), O Suicídio (1897) e As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), dois dos seus livros sobre Educação e Pedagogia, foram publicadas a partir da compilação e organi- zação das notas das aulas ministradas pelo sociólo- go francês e, curiosamente, apareceram como obras póstumas. Então, Educação e Sociologia (1922) e Educação Moral na Escola Primária (1992) são obras complementares à monumental A Evolução Pedagógica (1904-1905). Os temas de sociologia e de educação parecem correr em paralelo na obra de Durkheim, mas essa é uma visão enganosa. O cerne do pensamento durkheimiano é o fato social4, a regra sociológica, a relação entre o indiví- duo e a sociedade. Por conta disso, todo e qualquer estudo disciplinar de Durkheim mantém-se em estreita relação explicativa com as categorias de seu pensamento sociológico. Não é demais relembrar que Durkheim, assim como Marx e Max Weber, foi um autor abundante na publicação de obras de sociologia, mas também de economia, filosofia social, ciência política, antro- pologia, psicologia e, é claro, educação. Durkheim conceituou fatos sociais como coisas. Tal conceito, essencial em sua obra e de fácil compreensão para nos aproximarmos do autor, traduzia o indi- víduo como um ser manifestado materialmente no mundo das ocorrências sociais externas ao indivíduo e provenientes da Educação, doDireito e dos costumes. Os infindáveis fatos, como as coisas, possuem o mesmo peso valorativo, pois sua exis- tência é pura exterioridade e coercitividade unifocada (DURKHEIM, 2007, p. 7). A educação é um fato social criado pelo indivíduo, mas manifestado como exterioridade em instituições sociais de coerção e disciplinamento, como a família, a escola, a fábrica, a igreja e o Estado. A autonomia e a li- berdade no pensamento durkheimiano são temas secundários, uma vez que sobra pouco espaço para a ação livre dos homens. Segundo Durkheim, já nascemos em meio a miríades de instituições, rituais, modos e condutas, sa- beres, práticas jurídicas etc, que nos condicionam por completo. Contudo, o 4 Grupo específico de fenômenos que se distinguem das outras ciências por serem exteriores aos indivíduos e provenientes do Direito e do Costume legados pela Educação. Émile Durkheim – 17 – Sociologia e Antropologia para a Educação sociólogo francês está ciente de que tal condição provoca muitos conflitos, à medida que os indivíduos são compostos de desejos, vontades e disposições internas e pessoais que se chocam diretamente com essa primazia do social sobre o individual. Mas a libertação de uma regulação social representa o aprisionamento em outra (DURKHEIM, 1978, pp. 47-50). Em seu livro Educação e Sociedade, Durkheim (1978, p. 41) afirma: A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certos números de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial, em que a criança particularmente se destine. Note a perspectiva funcionalista que restringe o processo educa- cional na infância à ação de interesses do Estado e dos ditames do mundo adulto. Durkheim, respeitando o mais elevado ethos científico positivista de seu tempo, reservou-se ao que, a seu ver, estava acontecendo, e não prioritariamente ao que se deveria fazer para superar o acontecimento como problema. Ainda assim, tal espírito positivo, modulado por princípios como isenção e neutrali- dade, é mero efeito de uma ação particular e estritamente acadêmica. Durkheim foi muito além disso. Como homem de seu tempo, sentiu-se, por vezes, com- pelido a tratar dos temas centrais de seu contexto político de vida. Clássicas são as suas aulas sobre o fenômeno do comunismo na Europa e os vários encontros engajados com parte da intelectualidade jovem, comunista e francesa. Igual- mente notável foi a sua militância em favor do Caso Dreyfus, que resultou na publicação do texto Individualismo e os Intelectuais (1898). A educação, para Durkheim, faz parte do conjunto de fatos sociais que moldam o indivíduo. O Estado, os adultos e a escola formarão o indivíduo e o prepararão para viver em sua própria sociedade, no estágio em que tal sociedade se encontra. Não há, dessa forma, qualquer distinção significativa entre indiví- – 18 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação duo e sociedade, uma vez que o indivíduo se realiza através do modo como os fatos sociais se constituem, sempre coletivamente e externos a ele. Coisas ou fatos sociais mais aprimorados, como o Estado, por sua racionalidade e abrangência usuais, deveriam orientar a ação dos indivíduos, que, de outra forma, poderiam se mostrar conflituosos e desorganizados por estruturas sociais não tão eficazes como a escola, a religião e a família (DURKHEIM, 1978, p. 89). Contudo, Durkheim não é meramente um determinista social. Não radicaliza na defesa da Educação ou de qualquer outro fato social como sendo exclusivamente o resultado do comando direto ou anunciado de instituições maiores que o indivíduo, como o Estado, por exemplo. Tenhamos em mente que o indivíduo é uma existência relevante em seu método sociológico. Mas ainda que existam escolas privadas, ou o fortalecimento do papel da religião ou da família como suporte pedagógico inescapável do indivíduo, a primeira manifestação de existência é o próprio indivíduo. 1.1.4 A sociologia compreensiva de um brilhante desencantado Nos mesmos anos em que Durkheim esteve envolvido com a finalização e publica- ção da obra A Evolução Pedagógica (1904- 1905), Maximilian Karl Emil Weber, ou Max Weber, como ficou mais conhecido, publicou O “Espírito” do Capitalismo. Nessa sua obra- -prima, definiu mais claramente o conceito de capitalismo como um movimento social, his- tórico e cultural diretamente associado a um amplo conjunto de significados, dependente mais de uma sociologia compreensiva5 do que de leis inelutáveis da história. 5 Sociologia Compreensiva é o tipo de sociologia criada e utilizado por Max Weber. Por meio da compreensão seria possível ampliar o significado dos fatos com base em sua inter- pretação hermenêutica, ou seja, levando-se em consideração a multiplicidade interpretativa dos fatos objetivos. Max Weber – 19 – Sociologia e Antropologia para a Educação O capitalismo, reconhece Weber, existiu em muitos lugares e épocas dife- rentes, mas somente na Europa e na América do Norte tomou a forma de um anúncio ético particular fundado em virtudes do protestantismo como a hones- tidade, o trabalho e a presteza. Tal ética seria condição essencial para reforçar a lógica interna do capital, construída por expectativas de ganho econômico, aumento de crédito e expansão do capital (WEBER, 2004, pp. 45-46). Para Weber, os processos de racionalização é que moviam os grupos ou atores privilegiados de determinada época a manifestarem suas pretensões de vontade e dominação. Assim, por exemplo, ainda que tenha surgido tardia- mente na Alemanha (se comparado com outras potências europeias), o capi- tal industrial trouxe consequências sociais e políticas similares às das primei- ras nações industrializadas. Dito isso, entendemos, de antemão, que Weber, Durkheim e, antes deles, Marx, debruçaram-se particularmente na investi- gação das causas da miséria, dos confrontos e das diferenças profundas nas sociedades industriais. Marx buscou responder suas questões através da lei da história; Durkheim, por meio do método sociológico; e Weber considerou movimentos particulares da história do capitalismo para constituir a sua socio- logia compreensiva. Para Marx, importava a luta de classes, para Durkheim, o fato social, e para Weber, o Tipo Ideal6 (QUINTANEIRO, 2002). No caso de Weber, tal conceito fundou um referencial instrumental que deveria possibilitar a qualquer investigador interessado em seus pressupostos entender as micro e macro relações de dominação entre grupos desde uma perspectiva da compreensão pessoal subjetiva, sem deixar de lado o cuidado com a isenção ou a neutralidade axiológica7 característica de qualquer cien- tista. Dos Tipos Ideais, poderia ser depreendida a famosa teoria da dominação em Weber: a dominação racional ou burocrática, a dominação carismática e a dominação tradicional. A educação, ainda que não seja um campo socioló- gico prioritário para Weber, seria facilmente interpretada à luz dos tipos de 6 Tipo Ideal ou Tipos Puros é uma designação weberiana para um ferramental analítico que permita ao cientista social fazer aplicações explicativas isento de avaliação moral. A base de aplicação do conceito são os fatos ou fenômenos sociais capturados a partir de características centrais que permitiriam a sua classificação, comparação e generalização. 7 Neutralidade Axiológica é um conceito de corte weberiano que se aplica a necessidade de que as ciências sociais apliquem a máxima objetividade para a explicação de fatos. Ao cientista cabe a capacidade de saber quando excluir seus juízos de valor em favor dos juízos de fato. – 20 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação dominação8. A dependerde que tipo de relação de dominação predominava em uma escola ou universidade, seria possível compreender, sem maiores jul- gamentos, as motivações de pessoas (líderes carismáticos ou tradicionais) ou instituições (burocráticas) que mantinham determinado tipo de dominação de um grupo sobre outro (WEBER, 1999). Leia, a seguir, o parágrafo final do famoso panfleto “Política como vocação.” A política é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige tanto paixão como perspectiva. Certamente, toda experiência história confirma a ver- dade – que o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível. Mas, para isso, o homem dever ser um líder, e não apenas um líder, mas também um herói, num sentido muito sóbrio da palavra. E mesmo os que não são líderes nem heróis devem armar-se com a fortaleza de coração que pode enfrentar até mesmo o desmoronar de todas as esperanças. Isso é necessário neste momento mesmo, ou os homens não poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje. Somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer “Apesar de tudo” tem a vocação para a política. Fonte: Weber (1999, p. 153). Dada a primazia da racionalidade do tipo estatal na Europa no início do século XX, Weber foi capaz de sugerir que o tipo que predominaria cada vez mais seria o racional-burocrático. Na compreensão do pensador alemão, a burocracia, com sua impessoalidade tediosa, colocaria os seres humanos em 8 Tipos de dominação são três tipos puros (tipos ideais) que aparecem por quase toda a obra weberiana. Seus enunciados são: Dominação legal ou burocrática, dominação tradicional e dominação carismática. São usados por Weber para estudar as diferentes sociedades e culturas e agrupa-las por comparação ou generalização. – 21 – Sociologia e Antropologia para a Educação gaiolas de ferro, no centro de um mundo desencantado. Essa previsão dura e sombria deveria ser aplicada a tudo que fosse permeado pela manifestação da vontade subjetiva do Estado, incluindo, naturalmente, a Escola. A pergunta que fica é: Weber acertou? 1.2 Educação e Antropologia: novos olhares O que a sociologia nascente justificou ou combateu do ponto de vista de uma sociedade europeia, industrial e capitalista no século XIX, os adminis- tradores coloniais o fizeram em possessões europeias ultramarinas não neces- sariamente industriais e capitalistas. A antropologia, diz Laplantine (2007, pp. 64-65), é um projeto euro- peu da era moderna. Nasce, em seus rudimentos, com o antropocentrismo característico do último ciclo renascentista, no século XVI. Nesse período, a antropologia não existia como ciência social, nem ao menos era assim cha- mada. O que passou a existir já no século XVI foi um ethos, uma atitude que a antropologia tomaria como parte da sua própria história três séculos depois. As navegações e a chegada nas Américas mostraram que o olhar do europeu sobre um nova modalidade de existência humana, de fato, produziu um impacto na representação do outro. A antropologia se desenvolve como ciência do homem em relação com a cultura que o cerca somente na segunda metade do século XIX, quando estu- diosos como Émile Durkheim, Marcel Mauss e Gabriel Tarde, todos france- ses, criaram ou assumiram cátedras de antropologia nas principais universi- dades do país, por exemplo, a Sorbonne (MUCCHIELLI, 2001, pp. 44-45). A antropologia se autonomiza como ciência juntamente com outras ciências sociais. O exemplo mais notório é o da própria sociologia. A tarefa da antropologia como ciência social autônoma é seguir procu- rando pistas que expliquem os elos perdidos entre as sociedades. Assim, antro- pologia pode ser definida como a ciência que busca estudar, investigar os seres humanos de um ponto de vista da totalidade das suas expressões de vida. O conceito de cultura serve à antropologia para sustentar essa pretensão, uma vez que tudo no mundo externo é manifestação simbólica de experiências de indivíduos em relação com os fenômenos do mundo da vida. O modo inicial – 22 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação utilizado pela antropologia para estudar a humanidade em seu contato com a totalidade do seu ser cultural foi localizar o ser primitivo, ou seja, estudar as ditas sociedades primitivas como elo vivo do nosso passado cultural com as sociedades civilizadas. E a forte expansão imperial do final dos século XIX for- neceu, como nunca antes, a base de encontro entre o civilizado (curioso para entender os elos da sua superioridade racial) e o primitivo (que, geralmente, ao modo de um selvagem, era a comprovação da existência de tais elos). O empreendimento antropológico no século vitoriano foi uma extrava- gância financiada pelos diversos impérios europeus, que não encontrou outros limites senão os que opõem à vontade de poder a capacidade de fazer. Quanto maior foi a frota mercantil e o poderio militar, mais intensa e devastadora foi a presença das nações ricas da Europa em meio aos territórios conquistados. Seguramente, desde o século XVII, o Império Britânico e o Império Francês estiveram à frente dos projetos de expansão do comércio e domi- nação de novos territórios por toda a Ásia e a África. As companhias das Índias Orientais, fundadas por vários países ainda na primeira metade do século dezessete, associadas aos resultados promissores do Tratado de Utrecht9 (1713-1715) possibilitaram um completo reposicionamento geopolítico de França e Inglaterra frente aos maiores impérios modernos ultramarinos até então conhecidos: Espanha e Portugal (LAPLANTINE, 2007, pp.63-74). Com o apagamento da maior parte dos tratados internacionais fundados no marco jurídico de Tordesilhas (1494) e no Tratado de Saragoça10 (1529), um vasto mundo inexplorado de riquezas naturais e seus misteriosos seres pas- sou a ser descoberto e conquistado pelos Europeus. De olho em um promissor comércio ultramarítimo e transcontinental, os europeus sabiam que a explo- 9 O Tratado de Utrecht foi o resultado de dois anos de negociações diplomáticas entre as principais nações européias do início do século dezoito e teve por objetivo revisar o conjunto dos tratados in- ternacionais anteriores. O resultado imediato do Tratado de Utrecht foi o cancelamento de toda a base normativa que regulava a partilha de territórios ultramarinos, como o tratado de Tordesilhas, por exemplo, e a reinstituição de uma nova base jurídica geopolítica. Os principais ganhadores foram Reino Unido e França e os principais perdedores foram Portugal e Espanha. 10 O Tratado de Saragoça foi a complementação jurídica do Tratado de Tordesilhas. Seu ob- jetivo foi organizar o demarcação de territórios pertencentes a Portugal e Espanha na Ásia, sobretudo no que trata da normalização da inclusão das ilhas Molucas e das Filipinas nas possessões portuguesas. – 23 – Sociologia e Antropologia para a Educação ração e a dominação territorial da gigante Ásia não poderiam ser conduzidas sobre as mesmas bases do projeto colonizador de espanhóis e portugueses. Como bem sabemos, o empreendimento marítimo da península ibérica – que assombrou os europeus ao revelar um imenso continente, mais tarde batizado de América –, mesmo resultando na dizimação de milhares de indígenas e dezenas de civilizações muito desenvolvidas como os Incas, Maias e Astecas, não se comparava em quantidade de habitantes e em diversidade de culturas milenares com as que já existiam na Ásia no momento em que as Companhias das Índias Orientais foram fundadas (HOBSBAWM, 1995, p. 22). Propaganda de Estado Imperial britânico em seu formato clássico novecentista. A eterna luta da civilização contra a barbárie.Publicado na Puck Magazine com o título: Do Cabo ao Cairo. Portugueses e Espanhóis encontraram nas Américas vastos territórios inexplorados e um número incontável de nações indígenas que viviam, aos seus olhos, como a margem do potencial de riqueza a ser explorada. Pelo contrário, ingleses e franceses criaram as Companhias com o intuito de aprimorar as práticas comerciais já estabelecidas com chineses, indianos, africanos, japoneses, indonésios e outros. Várias dessas civilizações eram total- mente desenvolvidas para os padrões dos europeus, e as culturas estranhas aguçavam a suas curiosidades. – 24 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação 1.2.1 O estabelecimento de uma Antropo Logos educativa A esse ponto, perguntamos: estamos tratando mesmo da relação entre educação e antropologia? A resposta é: sim, pois, ainda que de forma indireta, a expansão territorial marítima dos séculos XV e XVI e o mercantilismo do século XVII resultaram na industrialização da Europa e, por consequência, na reforma ou substituição de quase tudo que se parecesse com antiquaria. A impressionante aventura humana que resultou nesses três grandes conjun- tos de eventos – as descobertas ultramarinas, o mercantilismo e a Revolução Industrial – foram os momentos decisivos em que coisas e saberes foram eli- minados, reformados ou criados. As novas coisas do mundo moderno foram pensadas e instituídas para regular a ação e os interesses dessa nova humanidade, carente de liberdades individuais e riqueza e egocentrada em suas defesas territoriais. Exemplos desse novo momento foram as reformas de universidades, o estabelecimento de novas leis comerciais, civis e bélicas, a criação de academias reais de ciências, a hiperespeciali- zação da construção naval, a reestruturação da arquitetura das cidades, a ligação viária e marítima entre Estados, a criação de novas instituições de controle e disciplina moral e corporal da população como escolas, fábricas, hospi- tais, presídios, exércitos, oficinas, praças. Enfim, novas profissões e ocupações humanas passaram a existir para o novo ser humano (FOUCAULT, pp. 2004, 195-202). A Antropologia, surgida em meados do século XIX, ainda que estivesse diretamente associada à biologia e à filosofia natural do século das luzes, man- teve uma forte conexão causal com os grandes eventos que deram surgimento à Era Moderna, como descrevemos anteriormente. Podemos inclusive sugerir – 25 – Sociologia e Antropologia para a Educação que a Sociologia está para a construção da interioridade do Europeu assim como a Antropologia está para a sua exterioridade. Durante séculos, na história da humanidade, os europeus se viram inva- didos, combatidos, ameaçados, visitados, dominados por incontáveis povos estrangeiros, como os persas, os unos, os mongóis, os árabes e os turcos. Em todos os momentos de contato com outros mundos, os europeus, basicamente, consolidaram escolhas, e a principal delas foi pela manu- tenção da europeidade. O homem europeu, no início da idade moderna, foi finalmente pacificado por uma contínua e vigorosa disposição de se colocar no centro do mundo. O característico antropocentrismo moderno é a legítima tradução para o estabelecimento de uma longa era de eventos interpretados privilegiadamente pela visão europeia de tudo. Eis então o eurocentrismo, o novo projeto civilizador na terra vigorante até fins do século XIX (ELIAS, 1993, pp. 263-274). Como polemiza Foucault (2000, pp. 470-473), a Antropologia foi a filosofia social mais pretensiosa na corrida europeia pelo desvendamento dos superpoderes dos homens. E, ironicamente, a antropologia foi a experiência de elucidação do que somos que mais fracassou em seus intentos. A relação da Antropologia como nova ciência social e humana aplicada à Educação parece óbvia por dedução. Os europeus, ávidos por novas histó- rias dos mundos incivilizados, produziram relatos de viagem, investigações, ilustrações e crônicas como jamais outro povo havia feito. Desde o século XV, essa cultura do registro escrito passou de costume a obsessão (CAMBI, 1999, pp. 21-23). Surgiu, portanto, um expressivo manancial de informa- ções sobre os hábitos, costumes e rituais dos povos periféricos aos europeus que tanto os assombrou e excitou. Vale a sentença: Para um projeto de poder, uma educação de poder. E o poder, na era moderna, ao contrário do largo e profundo medievo, represen- tou poder de saber. O conhecimento, a informação, a descoberta, a investiga- ção, a minúcia, o detalhe, o acontecimento, a ocorrência, o costume, o hábito tornaram-se, rapidamente, o pedagógico, a paidós moderna, que fundou uma nova marca civilizacional na face da terra. Essa atitude de vontade de conhe- cimento e intensas trocas com as culturas a serem submetidas permeou os grandes projetos de expansão imperial, por exemplo, o império romano na – 26 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação antiguidade ou o império mongol no medievo. Agora, a Europa se via (jus- tificadamente, do seu ponto de vista) como a síntese natural e vitoriosa da história. A busca pelo conhecimento e pela riqueza das coisas do mundo pas- saria a ser a mais emocionante aventura dos europeus desde o fim do Império Romano no século IV. (CAMBI, 1999, p. 492-496). A curiosidade generalizada que permeava todos os grandes centros urbanos na Europa a partir das primeiras expedições ultramarinas teve, nas universidades, Liceus e praças públicas, a grande fonte de troca e estabeleci- mento dos conhecimentos, dos relatos e das crônicas trazidas das viagens pelo mundo. Tal saber sobre o mundo que estava sendo descoberto gerou expec- tativa nas sociedades europeias na era moderna de um modo parecido com o que sentiríamos se, hoje, a mídia noticiasse a descoberta de algum novo planeta que pudesse ser habitável. Mas o divisor de águas aqui não é necessariamente saber dos tantos novos conhecimentos que chegavam todos os meses das caravelas, dos navios ou das embarcações que atravessavam os mares. A questão central é nos situ- armos sobre a qualidade da narrativa, da apresentação dos novos mundos e dos novos seres encontrados. A observação que passaria a ser destacada seria sobre como os habitantes dos novos mundos eram anunciados, como eram retratados, que tipo de acolhimento tiveram na Europa durante toda a era moderna (LAPLANTINE, 2007, p. 40-46). 1.2.2 O aprender por contato e por olhar Por mais complexas, plurais e difusas que fossem as relações estabelecidas entre exploradores e habitantes dos lugares explorados, alguns demarcadores não podem ser dispensados. A relação entre europeus e o resto do mundo foi sempre de fascinação, no primeiro momento, e de recusa, no segundo momento. Foi assim na chegada do europeu nas Américas e nos primeiros contatos com os ameríndios; foi assim no contato dos europeus com os india- nos e com os indonésios e com parte das nações tribais africanas: no primeiro momento, os europeus se fascinaram, mas depois se recusaram a aceitar o modus vivendi dos habitantes que viviam em suas terras como verdadeiros detentores da autoridade territorial e governamental de suas próprias culturas (BRUIT, 1995, pp. 31-40). – 27 – Sociologia e Antropologia para a Educação Por sua vez, os europeus que ouviam as histórias dos viajantes ficavam impressionados com o modo como eram representados os habitantes do novo mundo: como bárbaros, selvagens, desumanos, desalmados, impúberes, antropófagos, preguiçosos, violentos. Enfim, tornaram-se lugares comuns a humilhação, a representação dos povos não europeus como bárbaros que con- trastavam com os civilizados pela fraca capacidade de organização social e o pouco respeito a qualquer autoridade política secular ou temporal (LAPLAN- TINE, 2007, pp. 56-57). Por isso, extensas disputas jurídicascolocavam encomendieros e explora- dores de um lado e simpatizantes do novo mundo e religiosos de outro, em disputas jurídicas que se prolongavam por meses. A mais famosa, provavel- mente, foi a Disputa de Valladolid, em Salamanca, nos anos 1550-1551, que colocou, de um lado, os financiadores das expedições marítimas que garimpa- vam riquezas; e de outro, a igreja e seus clérigos, que se dispunham a conduzir os processos de evangelização dos habitantes das Américas. Guiné de Sepulveda e Bartolomé foram os juristas que estiveram no epi- centro dessa disputa jurídica, a maior do início da era moderna, cujo resultado foi a recomendação, por parte da Santa Sé, de que os espanhóis parassem com a violência e os massacres sobre os nativos das Américas. Segundo as atas da Junta de Valladolid, os indígenas deveriam ser protegidos com humanidade, pois eram legítimos filhos de Deus, ou seja, possuíam alma (BRUIT, 1995, pp. 104-123). Desde a disputa de Valladolid até o momento em que as ciências sociais surgiram e firmaram seu status de fonte de produção de conhecimento válido, já em meados do século XIX, o calor de disputas comparativas sobre o Novo Mundo só se intensificou. O ponto alto desse longo processo de formação da opinião pública europeia foi conhecida como a Querela do Novo Mundo, que teve lugar, sobretudo em França, Inglaterra e Espanha e reafirmou a intenção da Europa de dominar os povos conquistados por representação ou por técnicas de saber-poder. Tal querela, levada a termo em meados do século XVIII, colocou, de um lado, Buffon, Montesquieu e De Pauw como principais denunciadores da degradação das Américas e de tudo que lá existia; e, de outro lado, estudio- sos de universidades como a Sorbonne e numerosa opinião pública advinda de todos os cantos da Europa, que reconheciam as Américas como um lugar pleno de riquezas e potencial de transformação (GERBI, 1996). – 28 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação Em síntese, Buffon apenas deu prosseguimento às teses criacionistas e difusionistas sobre a degenerescência da flora e da fauna das Américas, e o fez com roupagem semi-científica. Muitos depois dele (por exemplo, Hume e Hegel) continuaram julgando e condenando por comparação as Américas como um continente fraco, fecundo em podridão, dado à inércia e à impro- dutividade. De acordo com esse raciocínio, o “espelho do próspero” seria a Europa, civilização estável, forte, desenvolvida e produtiva. 1.2.3 O século do evolucionismo darwinista Em diferentes momentos, no século XX, os professores Antonello Gerbi e François Laplantine nos alertaram para uma evidência histórica importante para aqueles que possuem conexão ou interesse nos estudos socioantropoló- gicos e suas implicações nos vários campos disciplinares. A discussão sobre o “bom ou mau selvagem” e sobre a superioridade da raça europeia ganhou um sonoro enri- quecimento no século XIX, quando a Antropologia e a Sociologia passaram a acompanhar o ritmo de “descons- trução” das velhas teses semi-científicas ou criacionistas sobre o desenvolvimento da fauna e flora do Novo Mundo. De político, o debate sobre as relações entre os europeus e territórios já explorados passou a ser biológico em sua essência. O darwinismo foi a base para a consolidação de teses científicas sobre a humanidade que inelutavel- mente recondicionou a visão que a Europa fazia de si mesma e dos outros. Por outro lado, as teses de Darwin comprovavam que a seleção natural entre as espécies, longe de levar à degeneração e extinção, comprovaria de fato a força adaptativa das espécies. Essa foi uma revolução silenciosa nas bases de conhe- cimento europeu sobre a biologia e a sociedade que teve rápida repercussão internacional ainda em meados do século dezenove. – 29 – Sociologia e Antropologia para a Educação Charles Darwin no detalhe da obra do pintor John Collier. Diz Darwin (2002, p.39): “[...] é grande a capacidade do homem de ir acu- mulando, através do processo de seleção, variações sucessivas e ligeiras”. Não é à toa que o socialismo, de forma geral, e Karl Marx, de forma particular, tiveram imediata e declarada simpatia por teses como essas. As queixosas disputas entre as elites aristocráticas e burguesas do século das luzes – que se opunham à aristocracia europeia, à explosão populacional e ao inchaço das cidades que atulhavam as ruas com miseráveis, “bandidos” e “desvalidos” vindos de todos os lugares – ganhariam novo tom. Buffon, De Pauw, Hume e Montesquieu eram legítimos representantes desse grupo restrito de aristocratas que defendiam o ancien regime contra as massas de “degenerados e criminosos” que invadiam a Europa, vindas de todos os cantos do planeta. Tais autores sustentaram suas ideias publicando obras que legitimavam a contínua desconfiança dos poucos ricos em relação aos muitos pobres. Usavam basicamente a razão e o poder de seu letramento para convencer de suas teses quem fosse necessário. – 30 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação Darwin dedicou sua vida e saúde para ultrapassar teses deterministas e inve- rídicas como as de Buffon, Lamarck e as de seu próprio avô, a quem tanto admi- rava. Finalmente, em meados do século XIX, havia bases científicas para compor resistência contra teses deterministas e antievolucionistas que insistiam em per- manecer nos ciclos acadêmicos e nas instituições religiosas que mantinham suas estruturas econômicas convencendo seus séquitos de verdades teológicas metafísi- cas e mágicas demais para o novo pensamento científico materialista. No caso de Marx e Engels, por exemplo, a luta de classes estava salva como conceito científico. Ainda que não concordassem com Darwin de um modo geral, os socialistas alemães saudaram A Origem das Espécies (1859), de Darwin, por ter aparecido no mesmo ano de Para a Crítica da Economia Política (1859). A luta entre classes seria uma lei da história, assim como a seleção natural das espécies era uma lei da biologia. Assim como apenas as espécies mais adaptadas sobreviveriam, apenas o proletariado seria capaz de vencer a luta evolucionária na senda da contínua transformação e aprimora- mento das sociedades políticas (MARX, 1983, pp. 371-4). Ainda que a base teórica de Marx fosse um filosofia crítica (o materia- lismo histórico e dialético), o evolucionismo acrítico darwiniano poderia ser- vir como mais uma frente reforçadora das teses de luta de classes e do sucesso da revolução operária sobre os “burgueses capitalistas”. A seleção natural e a possibilidade de que os homens fossem acumulando variações, mudanças e possibilidades apenas fortalecia a tese da inevitabilidade da história, uma vez que a contínua transformação de todas as formas vivas era a lei da natureza, assim como a lei da história. Ricos e pobres seriam, ambos, forças adaptadas e em constante processo de adaptação (e luta). Ganharia o lado mais adaptado às condições de sobrevivência. Marx não tinha dúvida quanto à vitória histó- rica da classe trabalhadora sobre as classes proprietárias. 1.2.4 Uma nova Antropologia social O esvaziamento dessas disputas e a realocação da Europa como um pro- jeto incompleto, suscetível, mas em franca evolução e adaptabilidade, feito por Darwin, recolocou o problema de representação do lugar do outro (não europeu) no imaginário e nos planos de formação da mentalidade do novo sujeito do conhecimento. – 31 – Sociologia e Antropologia para a Educação Já em meados do século XIX, a Europa empreendia um ritmo acelerado de abertura de liceus, escolas e universida- des públicas e, por consequência, aconteceu a ampliação da alfabetização das populações mais empobrecidas nas cidades europeias (CAMBI, 1999, pp. 498-501). Lembremo-nos de que esses resultados modernizantes eram fruto de uma democrati- zação forçada, exigida pelosistema industrial que alimentava um ciclo de enriquecimento e manutenção de poder político e econômico nas cidades europeias mais desenvolvidas. Shirley (1987, pp. 3-7) nos ajuda a entender que a Antropologia foi uma invenção de britânicos, franceses e holandeses que, desde tempos remotos, já prestavam mais atenção no comércio do que na religião. Alguns dos mais destacados antropólogos do século XIX, como Tylor, Morgan e Frazer, eram provenientes desses países. A Antropologia foi uma ciência surgida por neces- sidade do Império vitoriano. O professor Shirley lembra-nos, com precisão de fonte documental, que muitos administradores, fossem governadores ou encarregados diretos de expedições a colônias inglesas, foram os responsáveis por estudos acadêmicos muito completos sobre suas possessões. Talvez os grandes exemplos sejam o de Sir Stamford Raffles, que fundou a cidade de Cingapura e produziu um inigualável estudo sobre a história e sociedade da ilha de Java. Os chamados “imperialistas eruditos” existiram às centenas. Dica de Filme O filme Lawrence da Arábia é baseado na biografia de T.E. Lawrence descrita no seu livro Sete Pilares da Sabedoria. Assista ao filme para conhecer mais sobre esse famoso antropó- logo, imperialista e erudito. Ásia, África, Nova Zelândia, Austrália e Índia passaram rapidamente a ser habitadas por administradores, e não mais por missionários, naturalistas ou – 32 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação viajantes. Como já dissemos, o “selvagem” seria substituído definitivamente pelo “primitivo”, uma espécie de elo perdido da humanidade. A descrição detalhada da vida desses primitivos e tudo mais relacionado aos seus modos de existência, passam a constituir as matérias de etnologia comparada, biologia, psicologia, economia, história e política nas grandes universidades europeias. O projeto totalizador da Antropologia, sustentáculo filosófico dos Impérios Europeus, instruiu as sucessivas gerações de uni- versitários – que ansiavam por respostas cientificas a questiona- mentos que antes eram respondidos por metafísicas religiosas, pela literatura fantástica ou por sistemas filosóficos abstratos. O trabalho antropológico, que informou continuamente o novo império mundial, não conseguiu esconder o impacto negativo das dominações territo- riais. Além disso, a publicação dos estudos eruditos sobre as “sociedades primi- tivas” suscitou crítica e contraposição ativa às políticas imperiais da Europa, por parte de segmentos mais intelectualizados e críticos dos principais países. 1.3 Refundações na educação etnográfica do olhar Bastariam apenas duas décadas desde o fortalecimento do Imperialismo oitocentista para que toda a geração de “pais fundadores” da Antropologia fosse denunciada e criticada por seus mais proeminentes alunos. Já na virada do século XX, isso ficou bem claro na atuação de brilhantes pensadores e etnógra- fos como Franz Boas e Bronislaw Malinowski, que constituíram o fundamento de uma nova e disputada forma de ver e anunciar a experiência humana. 1.3.1 O nativo e o fim da divisão do trabalho antropológico Há um detalhe sobre o movimento geral da antropologia do século XIX que não podemos deixar passar despercebido. Trata-se do fato de que o olhar – 33 – Sociologia e Antropologia para a Educação sobre o outro, “incivilizado, primitivo, atrasado”, era, basicamente, moldado por uma espécie de divisão social do trabalho11 antropológico. Assim, aquele que escrevia os grandes tratados de Antropologia não necessariamente era aquele que coletava as informações diretamente no campo pesquisado: aquele que coletava as informações em campo, geralmente através de fotos e a aplica- ção de inquéritos intermináveis, não precisava ser o mesmo profissional con- tratado para sistematizar e preparar os dados coletados em campo para serem enviados ao antropólogo. Dessa forma, a Antropologia surgiu como uma dis- ciplina rigorosamente assentada em uma sociedade industrial. Então, passou a haver três nomenclaturas, três profissões e três status: o antropólogo trabalhava em seu gabinete; o etnólogo, em seu escritório; e o etnógrafo, com sua pran- cheta, papel, caneta e uma máquina de fotografia pendurada a tiracolo. O ofício do antropólogo era o de maior prestígio, pois representava o trabalho final, geralmente assinado pelo chefe de uma pesquisa. Mas havia outros postos de trabalhos associados à atividade fim da Antropologia. Em uma dimensão imediata, vinculada com a pesquisa direta de dados, estava o etnógrafo, pessoa responsável pela aplicação em campo dos questioná- rios produzidos a priori na Europa. A aplicação de infindáveis inquéritos, porém, produzia absurdos na deturpação dos contatos entre europeus e nativos (selvagens ou primitivos). Não raro, ficava encarregado disso um pesquisador local, um fun- cionário de baixa patente, pago para ajudar na administração de uma colônia e dar conta de produzir informações sistematizadas sobre a cultura local. O mesmo se pode dizer do trabalho de organização e sistematização das informações coletadas. Para isso, entrava em cena o etnólogo, ou o técnico de gabinete local, que geralmente fazia seu trabalho, ainda que no mesmo campo de coleta de dados, mas totalmente desconectado da necessidade de abordar qualitativamente os dados dos inquéritos. O etnólogo, como um organizador de dados, era o responsável por produzir dados estatísticos para o antropólogo chefe escrever a “verdadeira” história de uma civilização. Sir James Frazer e o seu monumental O Ramo de Ouro (1890-1915), obra publicada em treze volumes e admirada por socialistas, anarquistas e aris- 11 Divisão social do trabalho é o processo de crescente particularização da produção de mer- cadorias. A especialização técnica e a segmentação profissional na indústria ou no comércio é o melhor exemplo. – 34 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação tocratas burgueses, talvez seja o melhor exemplo dessa circunstância comum à época do surgimento da Antropologia como ciência social, em fins do século XIX. O professor Frazer pretendeu abarcar nada menos que a totalidade da vida cultural e simbólica da realeza sagrada em geral localizada em diversas culturas, de diversas regiões. O fato de nunca ter visitado qualquer civiliza- ção estudada para realizar estudos originais de campo provocou contínuas reflexões por parte de simpatizantes e antipatizantes da obra desse importante estudioso (FEDOSSEIEV, 2007, pp. 68-70). A divisão social do trabalho do antropólogo fez com que novas gera- ções de estudiosos da cultura despertassem para os perigos da profissão que tanto os encantava. A perspectiva evolucionista centrava-se exageradamente na ideia de “atraso” do povo primitivo em relação à primazia da elevação das sociedades ditas civilizadas. Ainda assim, tal “atraso” não desconectaria os povos primiti- vos da humanidade. Ao contrário, os povos primitivos passariam a ser vistos como elos ancestrais da humanidade. A gratidão dos europeus por esses povos foi demonstrada ao clássico modo do paternalismo imperial. Uma vez descobertos os elos ancestrais que explicariam por que as coisas aconteceram de determinada forma, algum tipo de recompensa deveria ser dada a esses povos primitivos colaboradores. E a melhor forma de fazê-lo seria acelerando o seu processo de evolução. Para isso, tão bons tutores não somavam esforços para ensinar aos nativos de qual- quer possessão os modos de um civilizado. Saiba mais Podemos ver, em Tarzan e Mogli, exemplos de mitos que expressam o sucesso da salvação do selvagem da sua condição de bestiário. Vemos, através das histórias desses personagens, a pedagogia evolucionista escancarada em sua plena manifestação “antropo-euro-cêntrica”. A heroicidade desses personagens não dissolve, contudo,a percepção de que são “selvagens” e “primitivos” em sua essência. – 35 – Sociologia e Antropologia para a Educação Lembremo-nos de que a abordagem do primitivismo, tão cara à antro- pologia, tinha base evolucionista comum a quaisquer outras ciências sociais e humanas tão novas quanto a própria antropologia. Alguém como o psicólogo francês Gustave Le bon (1841-1931), ou mesmo o psicanalista austríaco Sig- mund Freud (1856-1939), podia formular teses evolucionistas sobre a psico- logia das massas sustentando “cientificamente” que as multidões são instáveis, superficiais, exageradas e efêmeras (CONSOLIM, 2004, pp. 6-8). Laplantine (2007, p. 71), com justiça, nos recorda que não devemos julgar os evolucionistas pela sua mentalidade mais ou menos conservadora. Nem devemos julgar se suas teses ajudaram a consolidar os sistemas de domi- nação imperial colonialista do século XIX. A teoria evolucionista era voga naquela época e causou grande impacto em amplos círculos de intelectuais, como já nos referimos anteriormente. Nem todos os autores que produziram obras importantes sobre culturas exógenas à Europa eram antropólogos de fato, muitos eram juristas, outros médicos ou geógrafos. O fato a ser notado é que o contexto histórico em que se inseriram lhes permitiu fazer o que fizeram. E os seus sentimentos de contribuição à grande mãe Europa e à humanidade foram, muitas vezes, justificados pelo modo fes- tivo e honroso como eram tratados tais teóricos. Seus compromissos civis e aristocráticos lhes permitiam atuar com a sincera determinação de coletar, sis- tematizar e formular teses universalistas, confirmadas por vínculos aprioristas, ou seja, teses, e não hipóteses, formuladas como verdade antes das pesquisas práticas que deveriam validá-las. Isso significa afirmar que a confiança na inter- pretação dos elos perdidos da humanidade dependeria mais da destreza intelec- tual do chefe da pesquisa do que da qualidade do material coletado em campo. 1.3.2 A aventura da Antropologia funcionalista A chave que abriu a Antropologia para o estudo de uma determinada cul- tura a partir de suas próprias bases estava nas mãos de Franz Boas (1858-1942), um americano de origem alemã, e de Bronislaw Malinowski (1884-1942), um polonês radicado na Inglaterra. As posturas desses pesquisadores foram inversas às de seus professores. O primeiro procedimento que realizaram, ainda que não intencionalmente, foi acabar com a divisão social das tarefas em Antropologia, que antes colocava o – 36 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação antropólogo em gabinetes confortáveis na Europa, completamente separado dos etnólogos e etnógrafos. Com esses pesquisadores, tal separação foi abolida. Para eles, seria uma obrigação moral do antropólogo realizar as três tarefas: ele próprio deveria coletar as informações, tratá-las e traduzi-las em contextos analíticos mais elevados. Assim, aquele que escolhesse fazer antro- pologia deveria ser também o etnólogo e o etnógrafo. É interessante notar que, ao assumir tal postura profissional e científica, o antropólogo estaria se comprometendo com uma mudança radical de procedimentos que ia muito além e mais fundo do que tal fusão sugere. Em campo, dizia Malinowski, o antropólogo não deve mais tratar os habitantes pesquisados como selvagens ou primitivos, mas como anciões que receberiam os antropólogos como visi- tantes temporários (LAPLANTINE, 2007, pp. 75-76). A antropologia estava sendo convidada a deixar o gabinete e, literal- mente, se transformar em uma atividade ao “ar livre”. Os “selvagens” ou “primitivos” não mais seriam interpretados por funcionários do Império Bri- tânico e registrados no idioma do império, mas escutados na sua própria língua ou idioma por etnógrafos que falassem a sua língua e vivessem o mais próximo de seus modos de vida cotidianos. Passar um bom tempo, geralmente meses ou anos, entre os habitantes pesquisados tornou-se praticamente uma regra de conduta para essa Antro- pologia totalmente renovada. Tal olhar antropológico aplicado à educação, certamente, resultaria em notável alteração no modo como jovens e crianças poderiam ser vistos e trabalhados fora e dentro de sala de aula. Cada criança seria reconhecida em sua nativi- dade que, de dentro de sua microssociedade, a sala de aula, teria a autoridade legítima de manter em seus domínios um convidado muito educado e agradecido – o professor. A antropologia, na sua etapa anterior, era evolucionista de um modo que refletia em suas bases a mesma atmosfera evolucionista que perpassava – 37 – Sociologia e Antropologia para a Educação praticamente todos os domínios de produção de conhecimento na Europa em fins do século XIX. O lugar da criança e do jovem, nessa abordagem evolucionista, era simi- lar, como já mostramos, ao modo como os “primitivos” ou as multidões eram, geralmente, retratados: como seres imaturos, que deveriam ser tutelados e conduzidos ao caminho do desenvolvimento e da aprendizagem por sistemas de saberes, notadamente masculinizados e autoritários. Com Malinowski, Boas, Rivers, Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard e outros da mesma geração, a atmosfera metodológica passava pela aplicação do funcionalismo em todos os campos de conhecimento das ciências sociais e humanas e, evidentemente, na educação. O funcionalismo foi uma abordagem que privilegiava a compreensão da totalidade de um campo de pesquisa que se realizava a partir do estudo das funções sociais existentes. Entender a função social do parentesco, dos rituais, do direito indígena, por exemplo, resultaria em uma preocupação, por parte do antropó- logo, em estudar a fundo a lógica de operação interna de um sistema, e não mais estudá-lo para tão somente reforçar preconceitos e validar teses aprioristas. Dentro do contexto educacional, uma abordagem funciona- lista tenderia a constituir pedagogias fundadas em um com- prometimento dos professores e funcionários de uma escola com as classes de alunos, tendo por referencial o respeito pela visão de mundo desses sujeitos. Em relação ao aprio- rismo, determinismo e geneticismo evolucionistas, encon- tramos, no funcionalismo da primeira metade do século XX, um salto, uma verdadeira transformação reveladora, mais aberta, mais isenta de julgamentos, mais circunstancial, mais orgânica e integradora e mais atenta aos sujeitos pesquisados. Ainda assim, o funcionalismo foi uma corrente tão datada e criticada quanto o evolucionaismo. – 38 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação 1.3.3 O olhar etnográfico de Franz Boas O professor Franz Boas apresentava uma particularidade: era um homem de campo, um etnógrafo no sentido clássico do termo, mais do que um antropólogo. Preferiu viver entre os nati- vos do que se beneficiar do prestígio da academia. Boas publicou alguns importantes livros, como A Mente do Homem Primitivo (1911), Antro- pologia da Vida Moderna (1928) e Raça, Lin- guagem e Cultura (1940). No entanto, escrever livros não era o seu objetivo final. Como etnó- grafo, gostava mesmo era da pesquisa em campo – Boas estava profundamente comprometido com a demonstração da importância de se pes- quisarem microssociedades como totalidades. Outra peculiaridade do pensamento e método de Franz Boas está relacio- nada à sua preocupação em não permitir que o olhar da metrópole invadisse ou maculasse a qualidade da cultura nativa que fosse pesquisada. Assim, o antro- pólogo, durante o estágio de trabalho de campo, deveria cortar completamente a sua comunicação com a Europa ou os Estados Unidos, produzindo, desse modo, um efeito de isolamento e purificação das “contaminações” decorrentes dos vícios do “mundo civilizado” (LAPLANTINE, 2007, pp. 78-79). Como frisamos antes, falar, comer e pensar como o nativo do lugar era uma preocupaçãodas mais caras para essa geração de antropólogos. O pro- fessor Boas era meticuloso e possuía muitos assistentes para o trabalho de etnografia e de etnologia. Como o professor Franz Boas gostava de colecio- nar, classificar e arquivar artefatos materiais e imateriais da cultura em que estivesse inserido, era necessário que tivesse uma equipe grande com a qual pudesse contar para dar conta da tarefa. O Professor Franz Boas possuía arquivos que continham extensas coleções. Sua esperança, ao usar esse procedimento, passava pela crença de que, se houvesse uma dizimação da humanidade, por exemplo, a reconstituição fiel de culturas humanas poderia ser feita a partir da correta reorganização dos artefatos que com- poriam a totalidade de uma microssociedade (PEREIRA, 2011, pp. 104-105). Franz Boas – 39 – Sociologia e Antropologia para a Educação 1.3.4 Malinowski e o aprendizado radical com o nativo A meticulosidade do professor Franz Boas suscitou críticas por parte de colegas de profissão. Por exemplo, o antropólogo social polonês Bronislaw Malinowski con- siderava um exagero tamanha criteriosi- dade de coleta de dados. Para Malinowski, era suficiente localizar, em meio à cultura pesquisada, um elo comum a que todas as outras estruturas e fenômenos culturais pudessem estar associadas. Com Malino- wski, consolidava-se o funcionalismo antro- pológico feito sob bases de minuciosa pes- quisa etnográfica. Malinowski foi quem radicalizou a experiência de ruptura entre a metrópole e as colônias. Sua expectativa, durante duas longas passagens pelas ilhas Trobriand, na Melanésia Central, era conhecer a mente do nativo para descobrir em profundidade o modo como o outro pensava (MALINOWSKI, 1978, pp. 16-19). E por isso, melhor do que qualquer um de sua geração, esforçou-se em apreender seus sistemas de crenças e comunicação no cotidiano da pesquisa de campo a partir dessas habilidades de viver em meio a tribo ou comu- nidade, tendo como suporte o compartilhamento do mesmo idioma e da pesquisa não comparada. Para Malinowski, não importava a história de uma tribo, mas sua condição no momento em que estava sendo pesquisada. Esse detalhe metodológico, anunciado no prefácio de sua obra magna Os Argo- nautas do Pacífico Ocidental (1922), arrasaria de vez as gastas teses evo- lucionistas que relacionavam o atraso das sociedades primitivas a um tipo de incompetência genética ou adaptativa que as impossibilitava de seguir o ritmo das sociedades civilizadas. O historicismo evolucionista, que subjugava as complexas culturas humanas espalhadas pelo globo, não resistiu à análise funcionalista de Malinowski. Os Argonautas do Pacífico Ocidental foi a obra em que o método mali- nowskiano apareceu em seu maior esplendor. O etnógrafo polonês utilizou um Bronislaw Malinowski – 40 – Fundamentos Socioantropológicos da Educação fenômeno econômico e social, o Kula, para explicar a totalidade da vida cultural dos trobriandeses. O Kula, detectou Malinowski, era o evento mais importante dos habitantes das ilhas Trobriand, a ponto de tudo naquelas sociedades refletir os preparativos para esse grande ritual anual de trocas, inclusive as relações de parentesco, as relações de dominação e de reprodução cultural. A radicalidade metodológica de Malinowski aplicada à Educação nos sugeriria um maior isolamento entre o centro da investigação (no caso, a sala de aula ou a escola) e o seu entorno (o Estado). Malinowski tenderia a investigar o modo como as relações de ensino e aprendizagem se estabeleceriam desde uma de suas formações simbólicas principais. Por exemplo, como a comunidade escolar ou as crianças em uma sala de aula se relacionam a partir do momento mais importante do ano escolar. Supondo que sejam as férias de final de ciclo, o professor Malinowski estudaria, na linguagem da escola, o amplo conjuno de rituais e processos simbólicos que surgiriam tendo por base os preparativos para esse evento significativo. Eis o funcionalismo etnográfico de Malinowski em uma conexão com um sugerido campo de pesquisa em Educação. Síntese Neste capítulo, realizamos algumas aproximações entre o pensamento socioantropológico dos clássicos e o campo da Educação. Ao tratarmos dos grandes temas que atravessaram o século XIX e o início do século XX, estu- damos temas que foram decisivos para a instalação de uma sociedade do tipo industrial como a nossa. Procuramos deixar evidente que as principais teorias sociológicas e antropológicas reproduziram e alimentaram um amplo conjunto de compre- ensões sociais, políticas e culturais. O evolucionismo e o materialismo foram concepções filosóficas e científicas experienciadas e discutidas por pratica- mente todos as novas ciências da sociedade, inclusive a própria Educação. No final do século XIX, o centro das novas concepções científicas sobre a sociedade ainda era o homem, como indivíduo e como humanidade. No entanto, a partir do início do século XX, uma profunda crença na diferença entre esses homens os manteve, em uma perspectiva, na condição de civili- zados, desenvolvidos, evoluídos e, em outra, na condição de bárbaros, invo- – 41 – Sociologia e Antropologia para a Educação luídos, inadaptados. Esse homem que se via como civilizado e bárbaro ao mesmo tempo procurou de todos os modos possíveis sustentar o seu plano de positividade e de poder através de variadas práticas de dominação. A racio- nalidade teológica e as monarquias foram trocadas pela razão de Estado e pela ciência. As antigas oficinas e o sistema medieval de produção, o domus12, foram trocados pela indústria e pela fábrica como modelo de organização social e institucional. O século XIX, momento em que foram instituídos os fundamentos “científicos” para explicar a própria humanidade, foi o tempo em que nos manifestamos mais voraz e competitivamente sobre a face da terra. Contudo, o mundo ocidental, desesperado pela defesa da visão masculina sobre todas as coisas, não conseguiu sustentar tal projeto. Através das visões trazidas por etnógrafos como Boas e Malinowski, e por sociólogos como Marx, Durkheim e Weber, parte da humanidade, reduzida aos interesses do capital econômico e ao auto-centramento individualista, teve a oportunidade de experimentar sua própria auto-compreensão e formular ações de enfrentamento e libera- ção. O resultado desse clamor não tardaria a lançar pistas. O século vinte foi o palco desses anseios de liberação e as guerras e revoluções a sua violenta manifestação estética. 12 Domus é a denominação greco-romano para um tipo de residência comum que abriga- va moradia, hospedaria e pequenos comércios e oficinas. Fórmula resistente de organização econômico-social pré-industrial que predominou até meados do século dezoito. 2 Sociedade de massas, educação e contracultura na era pós-colonial Neste capitulo, abordaremos os temas do governo das mas- sas, da indústria cultural e da educação crítica surgidos na segunda metade do século XX em decorrência da forte mudança de menta- lidade na cultura ocidental. Pretendemos nos aproximar desse enfo- que através da discussão do modo como foi possível surgir uma filosofia moral e científica que procurou justificar o controle da multidão (diga-se dos pobres) no século XVIII. Veremos como foi possível surgir uma política de Estado racista no século XIX e um governo totalitário e genocida no século XX. Prosseguiremos neste capítulo com a análise do surgimento da indústria cultural de consumo de massas, como parte da estratégia de Estados nacionais para controlar e educar a sua população interna, bem como discutiremos as pretensões das nações que saíram vitorio- sas da segunda guerra mundial (1939-1945), que justificaram a cria- ção de organismos supranacionais, como a o ONU e a UNESCO. – 44 – Fundamentos Socioantropológicos
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