Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Curso de Capacitação em Psicologia do Desenvolvimento Infantil – Orientação para Pais e Educadores Se ainda não adquiriu o CERTIFICADO de 180 HORAS pelo valor promocional de R$ 57,00. Clique no link abaixo e adquira! https://bit.ly/2UashH2 https://bit.ly/2UashH2 Sumário 1. Psicologia do Desenvolvimento ......................................................................................... 3 1.2 Qualidade de Vida no Desenvolvimento Humano ...................................................... 4 1.3 Diferença Entre os Conceitos ..................................................................................... 5 1.4 Para que serve o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)? .................................... 6 1.5 Três Dimensões do IDH .............................................................................................. 7 1.6 Ranking do IDH .......................................................................................................... 8 2 O Desenvolvimento Infantil .................................................................................................. 10 3 Fases do Desenvolvimento Humano ..................................................................................... 16 3.1 Período Sensório Motor (0 a 2 anos) ........................................................................ 16 3.2 Período Pré-Operatório (2 a 7 anos)......................................................................... 21 3.3 Período das Operações Concretas (7 a 12 anos) ....................................................... 25 3.4 Período das Operações Formais (12 anos em diante) ............................................... 29 4 O Papel dos Pais no Desenvolvimento Infantil ...................................................................... 33 4.1 Ser Criança .................................................................................................................... 33 4.2 Separação dos Pais / Novas Famílias .............................................................................. 38 4.3 Filho Único .................................................................................................................... 40 4.4 Stress Infantil ................................................................................................................ 42 4.5 Reconhecendo Quando a Criança Precisa de Ajuda ........................................................ 48 5 O Papel dos Educadores do Desenvolvimento Infantil .......................................................... 51 5.1 A Importância do Brincar ............................................................................................... 55 5.2 Dificuldades de Aprendizagem ...................................................................................... 57 5.3 Como Utilizar Livros e Histórias no Processo Educativo .................................................. 60 5.4 Relação Família X Escola na Educação Infantil ................................................................ 68 6 Conclusões Finais ................................................................................................................. 70 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 72 1. Psicologia do Desenvolvimento Como todos sabemos, a psicologia do desenvolvimento é o estudo científico das mudanças de comportamento relacionadas à idade durante a vida de uma pessoa. A psicologia do Desenvolvimento pretende explicar de que maneiras importantes as crianças mudam no decorrer do tempo e como essas mudanças podem ser descritas e compreendidas. Representa uma abordagem para a compreensão da criança e do adolescente através da descrição e exploração das mudanças psicológicas que as crianças/adolescentes sofrem no decorrer do tempo. Para Baggio (1980): ‘’O que interessa à Psicologia do Desenvolvimento são as mudanças de comportamento que ocorrem não em função do tempo, mas em função de processos intra-organísmicos (internos) e de eventos ambientais que ocorram dentro da determinada faixa do tempo’’ (p.22) A psicologia do desenvolvimento é o campo da psicologia que se ocupa do desenvolvimento individual, estudando os seus vários estágios e os processos e características de cada um. Esses são alguns dos conceitos que vemos e encontramos mundo afora a respeito da Psicologia do Desenvolvimento, é importante salientar que o ser humano está sempre em constante evolução. Percebemos isso ao ver que nossas avós tinham muitas vezes seus filhos em casa, com a ajuda de uma mulher experiente em partos, e várias mulheres ao redor para ajudar no que fosse preciso. Hoje em dia, as mulheres têm hospitais, obstetras, enfermeiras, doulas, anestesistas, fotógrafos e por aí vai. A verdade é que o campo do desenvolvimento humano nunca para de mudar, sendo assim necessário a verdadeira continuidade dos estudos em relação ao mesmo. Piaget afirmava que desde que um bebê nasce, ele já é inteligente. Isso porque esse sujeito (chamado sujeito epistêmico) precisa aprender a interagir com o mundo físico ou cultural. Não só precisa, como vai, inevitavelmente. Por exemplo, o bebê aprende a sugar o leite da mãe porque percebe com o passar dos dias que, tomando aquela ação, saciará a fome. Com essa frase Piaget está dizendo: somos humanos biológicos por natureza, pensamos e agimos para, enfim, interagir socialmente com o nosso meio. Ou seja, criamos esquemas mentais que resultam em atitudes físicas que nos tornam capazes de viver, aprender, assimilar e alterar tudo o que nos rodeia. Para começar essa jornada, temos que voltar lá atrás, quando sua professora conceituava o desenvolvimento humano em sala de aula. Talvez você não lembre bem dessa época, mas não é difícil refrescar a memória. Em resumo, desenvolvimento humano é o processo de ampliação das liberdades das pessoas. Faz uma relação com as capacidades e as com a oportunidades que cada um tem a seu dispor, para que todos possam escolher a vida que desejam ter. Esse processo inclui dinâmicas sociais, econômicas, políticas e ambientais necessárias para garantir uma variedade de oportunidades para todos, assim como o ambiente ideal para que cada indivíduo exerça, na plenitude, o seu potencial. Logo, o desenvolvimento humano deve ser centrado nas pessoas e na melhoria do seu bem-estar. Por isso, é entendido não como o acúmulo de bens e o aumento da conta bancária, mas como a ampliação de possibilidades das escolhas e da liberdade de decidir. A partir desse viés, a renda e a riqueza não são fins em si mesmas, mas meios para que as pessoas possam viver da melhor forma possível, de acordo com o que desejam. 1.2 Qualidade de Vida no Desenvolvimento Humano Alcançar um desenvolvimento humano satisfatório à população implica em um povo mais feliz e realizado. Por outro lado, somente o crescimento econômico de uma sociedade não se reflete, automaticamente, na sua melhor qualidade de vida. Muitas vezes, o que se observa é o oposto disso: o reforço das desigualdades. Qual o caminho, então? Onde desenvolvimento humano e qualidade de vida se cruzam? É preciso que uma possível ascensão seja transformada em conquistas concretas para as pessoas. Entre elas, podemos citar: • Crianças mais saudáveis • Educação universal e de qualidade • Ampliação da participação política dos cidadãos • Preservação ambiental • Equilíbrio da renda e das oportunidades entre todos os indivíduos • Maior liberdade de expressão Assim, ao colocar as pessoas no centro da análise do bem-estar, a abordagem do desenvolvimento humano redefine a maneira como se é pensado e como se lida com o crescimento – internacional, nacional e localmente. 1.3 Diferença Entre os Conceitos Apesarde serem tratados basicamente como sinônimos, os conceitos de desenvolvimento humano e de qualidade de vida têm suas peculiaridades – a começar por suas definições. Enquanto o primeiro foi cunhado em 1990 – como veremos mais à frente -, o segundo foi criado pelo economista J.K. Galbraith bem antes disso, em 1958. Na ocasião, ele buscava veicular uma visão diferente das prioridades e efeitos dos objetivos econômicos de tipo quantitativo. Segundo Galbraith, as metas político-econômicas e sociais deveriam focar na melhoria em termos qualitativos das condições de vida dos homens. Isso só seria possível através do desenvolvimento da infraestrutura social, ligado à diminuição da desigualdade e à defesa e conservação do meio ambiente, por exemplo. https://www.sbcoaching.com.br/blog/flora-victoria/bem-estar-subjetivo-como-a-interpretacao-da-realidade-interfere-na-nossa-felicidade/ https://www.biografiasyvidas.com/biografia/g/galbraith.htm Outra diferença fundamental está na forma como eles são medidos através de seus indicadores. A qualidade de vida é determinada a partir de um questionário elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O documento leva em conta as especificidades dos grupos sociais de diferentes países e culturas. As perguntas são compostas por seis domínios centrais: o físico, o psicológico, o do nível de independência, o das relações sociais, o do meio ambiente e o dos aspectos religiosos. Já o desenvolvimento humano, como será mostrado no próximo tópico, é medido pelo IDH. 1.4 Para que serve o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)? Com o objetivo de trazer maior materialidade à medição do desenvolvimento humano, foi criado um indicador. Apresentado em 1990 junto com o conceito de desenvolvimento humano, no primeiro Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o IDH foi idealizado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, com a colaboração do economista Amartya Sen. O índice passou a ser adotado como medida do grau de desenvolvimento humano de um país, em alternativa ao Produto Interno Bruto (PIB) – hegemônico até aquele período. Mais simples, de fácil compreensão e, ao mesmo tempo, mais abrangente, o IDH foi aos poucos ganhando adeptos e, com eles, repercussão mundial. O medidor reúne três dos requisitos mais importantes para a expansão das liberdades das pessoas: saúde, educação e renda. Mais à frente, você verá com mais detalhes esses três requisitos. https://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Mundial_da_Sa%C3%BAde https://pt.wikipedia.org/wiki/Mahbub_ul_Haq https://pt.wikipedia.org/wiki/Amartya_Sen http://g1.globo.com/economia/pib-o-que-e/platb/ Apesar de amplificar a maneira de aferir o desenvolvimento humano, vale um alerta: o IDH não mede a representação da felicidade das pessoas, como seria de se supor. Tampouco indica o melhor lugar no mundo para se viver. Democracia, participação, equidade e sustentabilidade são alguns dos muitos aspectos que não são contemplados na mensuração do índice. 1.5 Três Dimensões do IDH Como vimos anteriormente, o IDH reúne três requisitos básicos. Veja a seguir, de forma mais detalhada, cada uma de suas dimensões: 1. SAÚDE Ter uma vida longa e saudável é peça chave para que seja plena. A promoção do desenvolvimento humano requer que sejam ampliadas as oportunidades que as pessoas têm de evitar a morte prematura, elevando a expectativa de vida. Mas mais do que isso, é preciso que seja garantido um ambiente saudável, com acesso à saúde de qualidade, tanto física quanto mental. 2. Educação Um dos pontos fundamentais desse item é manter taxas baixas de analfabetismo e promover o desenvolvimento da capacidade de interpretação de texto, além da resolução de problemas simples de matemática. O acesso ao conhecimento é um determinante crítico para o bem-estar e é essencial para o exercício das liberdades individuais, da autonomia e da autoestima. Afinal, como esperar que uma pessoa possa buscar o melhor para o seu futuro sem ter o domínio de informações básicas? E como viver com qualidade em condições de inferioridade? https://www.sbcoaching.com.br/blog/colaboradores/tao-desejada-felicidade/ http://agenciabrasil.ebc.com.br/pesquisa-e-inovacao/noticia/2017-12/expectativa-de-vida-do-brasileiro-e-de-758-anos-diz-ibge https://www.sbcoaching.com.br/blog/comportamento/como-anda-sua-autoestima-trabalho/ Educação constrói confiança, confere dignidade, amplia os horizontes e as perspectivas de vida. 3. Renda A renda é essencial para que as pessoas tenham acesso a necessidades básicas, tais como água, comida e moradia. Mas também para que possam ir além, rumo a uma vida de escolhas genuínas e exercício de liberdades. Ela também é o meio para uma série de fins, lembrando que a sua ausência pode limitar as oportunidades de vida. 1.6 Ranking do IDH A partir de levantamentos que consideram justamente os três quesitos que acabamos de detalhar, o IDH monta o seu ranking global. Quanto mais perto de 1 estiver o valor do país, maior será o seu índice de desenvolvimento humano. No último relatório, divulgado em 2017, a Noruega (0,949) foi a primeira colocada do indicador. Completam o top 10 outros cinco países da Europa (Suíça, Dinamarca, Holanda, Alemanha e Irlanda), dois da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), um da Ásia (Cingapura) e dois da América do Norte (Estados Unidos e Canadá) – estes últimos empatados em 10º lugar O primeiro país da América do Sul a aparecer no índice é o Chile (0,847), em 38º lugar. Eles são seguidos pela Argentina, que ocupa a 45ª posição (0,827) e pelo Uruguai, na 54ª (0,795). O próximo sul-americano da lista é a Venezuela, que ficou em 71º lugar (0,767) Não está sentindo falta de alguém? Sim, o Brasil. A sua posição é a de número 79, com 0,754 de valor agregado. Na confortável, portanto. Fora dos 50 melhores, o desenvolvimento humano por aqui é considerado de nível médio. https://www.sbcoaching.com.br/blog/atinja-objetivos/confie-em-voce/ Saindo um pouco do âmbito da geografia humana e deixando de lado os conceitos aprendidos na escola e relembrados aqui, vamos continuar falando de desenvolvimento humano. Mas, agora, sob a ótica de outra ciência: a psicologia. A psicologia do desenvolvimento humano é uma área de conhecimento que tem por objetivo analisar e compreender como os processos físicos e psicológicos se desenvolvem em cada etapa do crescimento humano. A melhoria física, cognitiva, social, afetiva e psicológica tem princípio na concepção e fecundação do óvulo e continua durante todas as fases da vida de um indivíduo. O fim só acontece com a chegada da morte. Por isso, para que se considere o desenvolvimento de uma pessoa, é imprescindível integrar várias áreas de conhecimento. Entre elas, educação, biologia, sociologia, antropologia e medicina. Juntas, podem dar um diagnóstico comportamental sobre ela. https://www.sbcoaching.com.br/blog/tudo-sobre-coaching/dicas-crescimento-pessoal-e-profissional/ 2 O Desenvolvimento Infantil A psicologia do desenvolvimento humano foi proposta pelo suíço Jean Piaget. Nascido em 1896, ele se interessou desde muito cedo por história natural, filosofia, mente humana, religião e outros diversos assuntos relacionados ao nosso tema central. Mas foi a partir de uma observação cotidiana que Piaget começou a estudar mais a fundo o assunto. Ao prestar atenção em suas filhas e em outras crianças, constatou que elas não se comportavam e raciocinavam como os adultos. Isso o instigou e fez com que ele começasse a estudar as mudanças de comportamento de uma pessoa ao longo de sua vida e as diferentes fases pelas quais ela passa. Foi então que o psicólogo passou a caracterizar atitudes a partir de faixas etárias. Vamos avançar no assunto no próximo tópico. O desenvolvimento infantil éum processo de aprendizado pelos quais as crianças passam para adquirir e aprimorar diversas capacidades de âmbito cognitivo, motor, emocional e social. Ao conquistar determinadas capacidades, a criança passa a apresentar certos comportamentos e ações (como, por exemplo, dizer a primeira palavra, dar os primeiros passos, etc.) que são esperados a partir de determinada idade. O desenvolvimento infantil acaba por ser um conjunto de aprendizados que, pouco a pouco, vai tornando a criança cada vez mais independente e autônoma. Durante o processo de desenvolvimento, a criança evolui em diferentes aspectos de sua formação. A evolução não se dá somente no crescimento físico da criança, mas também na sua parte cognitiva e social, dentre outras. Segundo Piaget, as mudanças estão relacionadas à formação da identidade de um indivíduo, ao seu entendimento, habilidades físicas e https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Piaget https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Piaget https://www.sbcoaching.com.br/blog/qualidade-de-vida/mudancas-de-comportamento/ https://www.sbcoaching.com.br/blog/qualidade-de-vida/mudancas-de-comportamento/ intelectuais, percepção de conceitos, desenvolvimento dos aspectos emocionais e sociais, entre outros. Pode-se dizer que o "sujeito epistêmico" protagoniza o papel central do modelo piagetiano, pois a grande preocupação da teoria é desvendar os mecanismos processuais do pensamento do homem, desde o início da sua vida até a idade adulta. Nesse sentido, a compreensão dos mecanismos de constituição do conhecimento, na concepção de Piaget, equivale à compreensão dos mecanismos envolvidos na formação do pensamento lógico, matemático. Como lembra La Taille (1992:17), "(...) a lógica representa para Piaget a forma final do equilíbrio das ações. Ela é 'um sistema de operações, isto é, de ações que se tornaram reversíveis e passíveis de serem compostas entre si'". Precipuamente, portanto, no método psicogenético, o 'status' da lógica matemática perfaz o enigma básico a ser desvendado. O maior problema, nesse sentido, concentra-se na busca de respostas pertinentes para uma questão fulcral: "Como os homens constróem o conhecimento?" (La Taille). Imbricam-se nessa questão, naturalmente, outras indagações afins, quer sejam: como é que a lógica passa do nível elementar para o nível superior? Como se dá o processo de elaboração das idéias? Como a elaboração do conhecimento influencia a adaptação à realidade? Etc. Procurando soluções para esse problema central, Piaget sustenta que a gênese do conhecimento está no próprio sujeito, ou seja, o pensamento lógico não é inato ou tampouco externo ao organismo mas é fundamentalmente construído na interação homem-objeto. Quer dizer, o desenvolvimento da filogenia humana se dá através de um mecanismo auto-regulatório que tem como base um 'kit' de condições biológicas (inatas portanto), que é ativado pela ação e interação do organismo com o meio ambiente - físico e social (Rappaport). Tanto a experiência sensorial quanto o raciocínio são fundantes do processo de constituição da inteligência, ou do pensamento lógico do homem. Está implícito nessa ótica de Piaget que o homem é possuidor de uma estrutura biológica que o possibilita desenvolver o mental, no entanto, esse fato per se não assegura o desencadeamento de fatores que propiciarão o seu desenvolvimento, haja vista que este só acontecerá a partir da interação do sujeito com o objeto a conhecer. Por sua vez, a relação com o objeto, embora essencial, da mesma forma também não é uma condição suficiente ao desenvolvimento cognitivo humano, uma vez que para tanto é preciso, ainda, o exercício do raciocínio. Por assim dizer, a elaboração do pensamento lógico demanda um processo interno de reflexão. Tais aspectos deixam à mostra que, ao tentar descrever a origem da constituição do pensamento lógico, Piaget focaliza o processo interno dessa construção. Simplificando ao máximo, o desenvolvimento humano, no modelo piagetiano, é explicado segundo o pressuposto de que existe uma conjuntura de relações interdependentes entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer. Esses fatores que são complementares envolvem mecanismos bastante complexos e intrincados que englobam o entrelaçamento de fatores que são complementares, tais como: o processo de maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e, sobretudo, a equilibração do organismo ao meio. O conceito de equilibração torna-se especialmente marcante na teoria de Piaget pois ele representa o fundamento que explica todo o processo do desenvolvimento humano. Trata-se de um fenômeno que tem, em sua essência, um caráter universal, já que é de igual ocorrência para todos os indivíduos da espécie humana mas que pode sofrer variações em função de conteúdos culturais do meio em que o indivíduo está inserido. Nessa linha de raciocínio, o trabalho de Piaget leva em conta a atuação de 2 elementos básicos ao desenvolvimento humano: os fatores invariantes e os fatores variantes. (a) Os fatores invariantes: Piaget postula que, ao nascer, o indivíduo recebe como herança uma série de estruturas biológicas - sensoriais e neurológicas - que permanecem constantes ao longo da sua vida. São essas estruturas biológicas que irão predispor o surgimento de certas estruturas mentais. Em vista disso, na linha piagetiana, considera-se que o indivíduo carrega consigo duas marcas inatas que são a tendência natural à organização e à adaptação, significando entender, portanto, que, em última instância, o 'motor' do comportamento do homem é inerente ao ser. (b) Os fatores variantes: são representados pelo conceito de esquema que constitui a unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo piagetiano, sendo um elemento que se tranforma no processo de interação com o meio, visando à adaptação do indivíduo ao real que o circunda. Com isso, a teoria psicogenética deixa à mostra que a inteligência não é herdada, mas sim que ela é construída no processo interativo entre o homem e o meio ambiente (físico e social) em que ele estiver inserido. Em síntese, pode-se dizer que, para Piaget, o equilíbrio é o norte que o organismo almeja mas que paradoxalmente nunca alcança (La Taille.), haja vista que no processo de interação podem ocorrer desajustes do meio ambiente que rompem com o estado de equilíbrio do organismo, eliciando esforços para que a adaptação se restabeleça. Essa busca do organismo por novas formas de adaptação envolvem dois mecanismos que apesar de distintos são indissociáveis e que se complementam: a assimilação e a acomodação. (a) A assimilação consiste na tentativa do indivíduo em solucionar uma determinada situação a partir da estrutura cognitiva que ele possui naquele momento específico da sua existência. Representa um processo contínuo na medida em que o indivíduo está em constante atividade de interpretação da realidade que o rodeia e, consequentemente, tendo que se adaptar a ela. Como o processo de assimilação representa sempre uma tentativa de integração de aspectos experienciais aos esquemas previamente estruturados, ao entrar em contato com o objeto do conhecimento o indivíduo busca retirar dele as informações que lhe interessam deixando outras que não lhe são tão importantes (La Taille), visando sempre a restabelecer a equilibração do organismo. (b) A acomodação, por sua vez, consiste na capacidade de modificação da estrutura mental antiga para dar conta de dominar um novo objeto do conhecimento. Quer dizer, a acomodação representa "o momento da ação do objeto sobre o sujeito" (Freitas) emergindo, portanto, como o elemento complementar das interações sujeito-objeto. Em síntese, toda experiência é assimilada a uma estrutura de idéias já existentes (esquemas) podendo provocar uma transformação nesses esquemas, ou seja, gerando um processode acomodação. Como observa Rappaport (1981:56), Os processos de assimilação e acomodação são complementares e acham-se presentes durante toda a vida do indivíduo e permitem um estado de adaptação intelectual (...) É muito difícil, se não impossível, imaginar uma situação em que possa ocorrer assimilação sem acomodação, pois dificilmente um objeto é igual a outro já conhecido, ou uma situação é exatamente igual a outra. Vê-se nessa idéia de "equilibração" de Piaget a marca da sua formação como Biólogo que o levou a traçar um paralelo entre a evolução biológica da espécie e as construções cognitivas. Tal processo pode ser representado pelo seguinte quadro: Dessa perspectiva, o processo de equilibração pode ser definido como um mecanismo de organização de estruturas cognitivas em um sistema coerente que visa a levar o indivíduo a construção de uma forma de adaptação à realidade. Haja vista que o "objeto nunca se deixa compreender totalmente" (La Taille), o conceito de equilibração sugere algo móvel e dinâmico, na medida em que a constituição do conhecimento coloca o indivíduo frente a conflitos cognitivos constantes que movimentam o organismo no sentido de resolvê-los. Em última instância, a concepção do desenvolvimento humano, na linha piagetiana, deixa ver que é no contato com o mundo que a matéria bruta do conhecimento é 'arrecadada', pois que é no processo de construções sucessivas resultantes da relação sujeito-objeto que o indivíduo vai formar o pensamento lógico. É bom considerar, ainda, que, na medida em que toda experiência leva em graus diferentes a um processo de assimilação e acomodação, trata-se de entender que o mundo das idéias, da cognição, é um mundo inferencial. Para avançar no desenvolvimento é preciso que o ambiente promova condições para transformações cognitivas, é necessário que se estabeleça um conflito cognitivo que demande um esforço do indivíduo para superá-lo a fim de que o equilíbrio do organismo seja restabelecido, e assim sucessivamente. No entanto, esse processo de transformação vai depender sempre de como o indivíduo vai elaborar e assimilar as suas interações com o meio, isso porque a visada conquista da equilibração do organismo reflete as elaborações possibilitadas pelos níveis de desenvolvimento cognitivo que o organismo detém nos diversos estágios da sua vida. Para ele, essas mudanças são adquiridas em determinadas fases da vida e as alterações são divididas em quatro estágios do desenvolvimento humano. 3 Fases do Desenvolvimento Humano Cada uma dessas fases é caracterizada por formas diferentes de organização mental que possibilitam as diferentes maneiras do indivíduo relacionar-se com a realidade que o rodeia (Coll e Gillièron, 1987). De uma forma geral, todos os indivíduos vivenciam essas 4 fases na mesma seqüência, porém o início e o término de cada uma delas pode sofrer variações em função das características da estrutura biológica de cada indivíduo e da riqueza (ou não) dos estímulos proporcionados pelo meio ambiente em que ele estiver inserido. Por isso mesmo é que "a divisão nessas faixas etárias é uma referência, e não uma norma rígida", conforme lembra Furtado. Abordaremos, a seguir, sem entrar em uma descrição detalhada, as principais características de cada um desses períodos. 3.1 Período Sensório Motor (0 a 2 anos) A criança adquire controle motor, percepção das coisas, cria laços afetivos e começa a demonstrar os primeiros movimentos e reflexos. Por se tratar de um estágio anterior à linguagem, ela ainda controla suas ações somente por meio de informações sensoriais. Segundo La Taille (2003), Piaget usa a expressão "a passagem do caos ao cosmo" para traduzir o que o estudo sobre a construção do real descreve e explica. De acordo com a tese piagetiana, "a criança nasce em um universo para ela caótico, habitado por objetos evanescentes (que desapareceriam uma vez fora do campo da percepção), com tempo e espaço subjetivamente sentidos, e causalidade reduzida ao poder das ações, em uma forma de onipotência". No recém nascido, portanto, as funções mentais limitam-se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos. Assim sendo, o universo que circunda a criança é conquistado mediante a percepção e os movimentos (como a sucção, o movimento dos olhos, por exemplo). Progressivamente, a criança vai aperfeiçoando tais movimentos reflexos e adquirindo habilidades e chega ao final do período sensório-motor já se concebendo dentro de um cosmo "com objetos, tempo, espaço, causalidade objetivados e solidários, entre os quais situa a si mesma como um objeto específico, agente e paciente dos eventos que nele ocorrem". Nesse período, os bebês desenvolvem a capacidade de reconhecer a existência de um mundo externo a eles, tendo autonomia para explorá-lo e construir sua percepção de mundo. Passam a agir não mais apenas por reflexo, mas direcionam seus comportamentos tendo objetivos a alcançar. É subdividido em 6 subestágios: 1ª subestágio: Vai do nascimento até aproximadamente 1 mês e meio de vida. Os reflexos inatos, ao serem exercitados, vão sendo controlados e coordenados pelos neonatos. Os autores Cole & Cole (2003) citam que Piaget acreditava que os reflexos presentes no nascimento proporcionavam a conexão inicial entre os bebês e seus ambientes. Contudo, esses reflexos iniciais não acrescentavam nada de novo ao desenvolvimento, pois sofrem muito pouca acomodação. Assim, eles refletem os limites provenientes de nossa herança genética. Segundo Piaget (1977, apud COLE & COLE, 2003) “poder-se-ia dizer que a lei básica da atividade psicológica desde o nascimento é a busca pela manutenção ou repetição de estados de consciência interessantes“ o que consistiria, então, numa primeira evidência de desenvolvimento cognitivo. Essas relações circulares nos meses iniciais de vida propiciam o desenvolvimento tanto da diferenciação, que se refere à capacidade do bebê de diferenciar objetos (como quando aprendem que certos objetos podem ser sugados, e outros não), quanto da integração, característica do bebê que permite uma coordenação com as duas mãos como quando seguram um brinquedo com uma mão, e o braço da mãe com a outra. (COLE & COLE, 2003) Nos primeiros meses de vida, o bebê não possui a capacidade de entender a permanência do objeto, que é a capacidade de assimilar que objetos continuam a existir mesmo quando não estão no campo visual da criança ou quando não podem ser manipulados por ela. Em A construção do real pela criança (1996), Piaget descreve que, inicialmente, no conjunto das impressões que a criança tem de mundo, ela reconhece e distingue certos grupos estáveis, denominados de quadros. Quando não percebe um objeto ou pessoa nesse quadro, a criança ainda não tem maturidade para entender que os objetos continuam a existir, mesmo quando não estão presentes. 2º subestágio: vai de aproximadamente 1 mês e meio até 4 meses. Nesse subestágio, a criança, depois de executar por acaso uma ação que provoca uma satisfação, passa a repetir essa mesma ação repetidas vezes, o que é chamado de reação circular. Durante esses primeiros meses de vida, em que o objeto de manipulação é o próprio corpo do bebê, esse comportamento é chamado de reação circular primária (como quando a criança suga o polegar, primeiro num movimento aleatório, e depois repete essa ação, em vista da satisfação que gera na criança). É nessa etapa que os bebês também começam a atentar para os sons, demonstrando capacidade de coordenar diferentes tipos de informações sensoriais, como visão e audição, e a coordenar seu universo visual com o tátil. Piaget (apud PAPALIA et al, 2006) afirma que, através da coordenação de informações visuais e motoras, os bebê vão desenvolvendo o conhecimento sobre o meio que o cerca, objetos e espaço, vendo os resultados desuas próprias ações. Primeiramente, esse conhecimento limita-se àquilo que está ao seu alcance. Com a chegada da autolocomoção, aí sim os bebês poderão se aproximar de um objeto, para então avaliá-lo e comparar sua localização com a de outros objetos. 3º subestágio: vai de 4 a 8 meses. É durante esse período que as reações circulares do bebê passam a ser secundárias, ou seja, o foco da ação é externo ao bebê, como quando a criança descobre um brinquedo e o utiliza para brincar. Nessa fase os bebês dirigem sua atenção ao mundo externo, tanto aos objetos quanto para os resultados de suas ações. As reações circulares secundárias também são aplicadas às vocalizações, em que o bebê emite sons que são selecionados pelos pais, ao reforçarem a emissão dessas vocalizações. Cole & Cole (2003) citam que essa mudança de reações circulares primárias para secundárias indicou a Piaget que os bebês estão começando a entender que os objetos são mais do que extensões de suas próprias ações. Mas não possuem ainda noção definida do espaço à sua volta, descobrindo o mundo muitas vezes em ações acidentais. 4º subestágio: Vai aproximadamente de 8 a 12 meses. Nessa fase, há um desenvolvimento na coordenação das reações circulares secundárias. Assim, o bebê já possui maior controle sobre a manipulação do meio externo, e conduz ações voltadas a um objetivo, ou seja, tem intencionalidade em seus atos. As crianças então conseguem coordenar esquemas elementares para conseguir algo que eles querem. É nesse período que a criança desenvolve melhor a noção de permanência do objeto, procurando ativamente objetos desaparecidos, por exemplo, utilizando da preensão para afastar algum objeto que esteja escondendo aquilo que o bebê quer. Cole & Cole (2003) escrevem que Piaget defendia que até o subestágio 4, os bebês são totalmente desprovidos da permanência do objeto e por isso não podem manter na mente objetos ausentes. Consequentemente eles experimentam o mundo dos objetos como um fluxo de quadros descontínuos, que estão sendo constantemente aniquilados e reanimados. A criança, aqui, já é capaz de comportar-se deliberadamente, dotada de intencionalidade, e desenvolvem essa capacidade à medida que vão coordenando esquemas previamente aprendidos e a usar comportamentos anteriormente aprendidos para atingir seus objetivos (como engatinhar pela sala para pegar um brinquedo), podendo inclusive antecipar acontecimentos. (PAPALIA et al, 2006). 5º subestágio: ocorre entre 12 a 18 meses, aproximadamente. Nessa fase, os bebês apresentam reações circulares terciárias, em que testam ações a fim de obter resultados parecidos, ao invés de apenas repetir movimentos que trouxeram satisfação. Há uma interação das reações primária e secundária, existindo então um foco nos objetos e no próprio corpo. Cole & Cole (2003) diferenciam as reações circulares terciárias das secundárias por conta do caráter de tentativa e erro da primeira, enquanto as reações circulares secundárias envolvem apenas esquemas anteriormente adquiridos. Nesse período há o início do desenvolvimento do pensamento simbólico, em que a criança realiza imagens mentais, ou seja, a capacidade de representar simbolicamente uma realidade mentalmente. 6º subestágio: último estágio, o das representações, que vai de 18 a 24 meses. Há o domínio da permanência do objeto, ou seja, há representação dos objetos ausentes e de seus deslocamentos. A representação, ou seja, a capacidade de representar mentalmente objetos e ações na memória, principalmente através de símbolos (incluindo os numerais), significa dizer que os bebês conseguem representar o mundo para si mesmos, envolvendo-se, portanto, em ações mentais reais. (COLE & COLE, 2003; PAPALIA et al, 2006) Os autores afirmam, também, que a capacidade de manipular símbolos proporciona à criança ampliar suas percepções e experiências, não estando mais limitadas a experiências imediatas, apenas ao seu alcance. Elas já são capazes de imitação diferida, ou seja, reproduzir uma ação mesmo quando não está mais à sua frente. Surge o “faz de conta”, pensam antes de agir, têm compreensão de causa e efeito, podendo então resolver problemas. Esse subestágio é uma transição para o estágio pré-operacional da segunda infância. O ponto final do desenvolvimento sensório-motor é a capacidade de retratar o mundo mentalmente e pensar sobre ele sem ter de recorrer à tentativa e erro. 3.2 Período Pré-Operatório (2 a 7 anos) Além de aprimorar os comportamentos anteriores, a criança começa a usar a linguagem, os símbolos e desenvolve a fala e habilidades físicas. No entanto, ela ainda não é capaz de realizar operações concretas. Percepções como se colocar no lugar do outro e ter empatia não surgiram e, por conta disso, o egocentrismo infantil é predominante. É o período onde surge a função dos sistemas de significação que permite o surgimento da linguagem. Podendo criar imagens mentais na ausência do objeto ou da ação, é o período do faz de conta, no jogo simbólico com a capacidade de formar imagens mentais transformar o objeto em outro que lhe traga prazer, satisfação, como por exemplo, brincar com uma caixa fazendo de conta que é um carrinho ou com uma escova de cabelo fazendo de conta que é um microfone. É também o período que a criança dá alma aos objetos (“O meu carrinho está dormindo”, “a minha boneca está comendo comidinha”). A linguagem está em nível de monólogo coletivo, ou seja, todas falam ao mesmo tempo sem fazer relações com a fala das outras, ou seja, dizem frases que não tem relação com a frase que a outra está dizendo. Daí a idéia de fala egocêntrica ou centralizada, conversa consigo mesmo, sem ter interação comunicativa, pois não há preocupação com o interlocutor. Esse pensamento continua centrado no seu próprio ponto de vista quando a linguagem não mantém uma conversação longa, mas já é capaz de adaptar sua resposta às palavras do companheiro. Para Piaget, o que marca a passagem do período sensório-motor para o pré-operatório é o aparecimento da função simbólica ou semiótica, ou seja, é a emergência da linguagem. Nessa concepção, a inteligência é anterior à emergência da linguagem e por isso mesmo "não se pode atribuir à linguagem a origem da lógica, que constitui o núcleo do pensamento racional" (Coll e Gillièron, op.cit.). Na linha piagetiana, desse modo, a linguagem é considerada como uma condição necessária mas não suficiente ao desenvolvimento, pois existe um trabalho de reorganização da ação cognitiva que não é dado pela linguagem, conforme alerta La Taille (1992). Em uma palavra, isso implica entender que o desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência. Todavia, conforme demonstram as pesquisas psicogenéticas (La Taille, op.cit.; Furtado, op.cit., etc.), a emergência da linguagem acarreta modificações importantes em aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança, uma vez que ela possibilita as interações interindividuais e fornece, principalmente, a capacidade de trabalhar com representações para atribuir significados à realidade. Tanto é assim, que a aceleração do alcance do pensamento neste estágio do desenvolvimento, é atribuída, em grande parte, às possibilidades de contatos interindividuais fornecidos pela linguagem. Contudo, embora o alcance do pensamento apresente transformações importantes, ele caracteriza-se, ainda, pelo egocentrismo, uma vez que a criança não concebe uma realidade da qual não faça parte, devido à ausência de esquemas conceituais e da lógica. Para citar um exemplo pessoal relacionado à questão, lembro-me muito bem que me chamava à atenção o fato de, nessa faixa etária, o meu filho dizer coisas do tipo "o meu carro do meu pai", sugerindo, portanto, o egocentrismo característico desta fase do desenvolvimento. Assim, neste estágio, emboraa criança apresente a capacidade de atuar de forma lógica e coerente (em função da aquisição de esquemas sensoriais- motores na fase anterior) ela apresentará, paradoxalmente, um entendimento da realidade desequilibrado (em função da ausência de esquemas conceituais), conforme salienta Rappaport (op.cit.). Um dos fatos marcantes da primeira infância remete-se ao surgimento da linguagem. A partir dela a criança apropria-se da expressão verbal mais eficaz em sua comunicação. É o estágio da inteligência simbólica. A criança terá, a partir desta fase, a capacidade de narrar fatos, representar situações já vividas ou futuras e interagir socialmente com instrumentos comunicativos mais esquematizados. Esse período possui, de acordo com Goulart (1987, p. 23), subdivisões: • De 2 a 4 anos: aparecimento da função simbólica por meio da linguagem, do jogo e da imitação. A criança constrói conceitos a partir das experiências visuais concretas. • De 4 a 5 anos e meio: ela “calcula” sua realidade por meio de perguntas sucintamente elaboradas: Onde? Como? Por quê? E suas respectivas respostas. É o início da famosa fase dos “PORQUÊS”! Dessa forma, ela inicia a construção de significados do que se passa ao redor, de situações e fenômenos a serem compreendidos. É um período rico em descobertas, em relação à etapa anterior, podendo-se observar que a criança apresenta traços marcantes e peculiares. • De 5 anos e meio a 7 anos de idade: a criança elabora e organiza seu mundo por intermédio de esquemas padrões de respostas para eventos que ainda não possui subsídios para compreender e explicar. O egocentrismo é visualizado pelo aparecimento do “animismo”, “artificialismo” e “finalismo”. O animismo caracteriza-se pela tendência da criança de dar vida, animar objetos, astros da natureza e os próprios componentes da natureza em geral. Habitualmente aparece um solzinho ou uma casa desenhada, portando um par de olhos, boca, nariz... Podemos observar também sua manifestação quando algum objeto machuca a criança e esta passa a culpá-lo pelo seu feito. Nesta fase os objetos possuem ânimo e intenção para a criança, e esta lógica se configura de acordo com a utilidade do objeto ou ser: “a lâmpada que acende, o forno que esquenta, a lua que dá claridade” (Piaget, 1997, p. 31), ou seja, a vida dada é em função de algo feito por estes objetos, significando “claramente” que eles possuem vida tanto quanto os humanos, visto que executam funções, tanto quanto estes. O artificialismo, por sua vez, é a propensão da criança em atribuir a um personagem humano a origem de tudo, como a origem natural dos elementos da natureza, que os adultos direcionam para a imagem do “Papai do Céu”. O finalismo é a fase caracterizada pela tendência que a criança possui de direcionar os eventos e explicá-los a partir de sua existência. Ou seja, os objetos e pessoas existentes em determinadas situações têm a finalidade de servi-la. A cada avanço maturacional, suas perguntas elaboradas se aprimoram e tornam-se mais complexas, de acordo com a melhor compreensão do que ocorre ao seu redor. Na fase pré-escolar, a criança ainda não discrimina os detalhes, as “miudezas” dos fatos e acontecimentos. Assim, torna-se fácil ser levada a acreditar apenas no que enxerga, nas evidências aparentes. É nesta fase que usamos a experiência de mostrar para a criança algum conteúdo (em mesma quantidade) em recipientes ou formas diferentes. A criança, ao ser questionada da possibilidade do conteúdo ter a mesma quantidade em recipientes diferentes, lança uma resposta negativa, baseada na sua experiência visual. 3.3 Período das Operações Concretas (7 a 12 anos) Ocorre o aprimoramento das habilidades anteriores e também o desenvolvimento da capacidade de raciocinar e de decidir algumas questões mais simples. Fase marcada pelo aprimoramento do pensamento. Ou seja, a criança começa a raciocinar de forma lógica, a solucionar problemas e a dominar tempo e números. A conversação torna-se possível (já é uma linguagem socializada), pois a fala egocêntrica desaparece devido o desejo de trabalhar com os outros (idade escolar), sem que no entanto possam discutir diferentes pontos de vista para que cheguem a uma conclusão comum. A criança continua bastante egocêntrica, ainda tem dificuldade de se colocar no lugar do outro. E a predominância do pensamento está vinculado mais acomodações do que as assimilações. Neste período o egocentrismo intelectual e social (incapacidade de se colocar no ponto de vista de outros) que caracteriza a fase anterior dá lugar à emergência da capacidade da criança de estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes (próprios e de outrem ) e de integrá-los de modo lógico e coerente (Rappaport, op.cit.). Um outro aspecto importante neste estágio refere-se ao aparecimento da capacidade da criança de interiorizar as ações, ou seja, ela começa a realizar operações mentalmente e não mais apenas através de ações físicas típicas da inteligência sensório-motor (se lhe perguntarem, por exemplo, qual é a vareta maior, entre várias, ela será capaz de responder acertadamente comparando-as mediante a ação mental, ou seja, sem precisar medi-las usando a ação física). Contudo, embora a criança consiga raciocinar de forma coerente, tanto os esquemas conceituais como as ações executadas mentalmente se referem, nesta fase, a objetos ou situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma concreta. Além disso, conforme pontua La Taille (1992:17) se no período pré- operatório a criança ainda não havia adquirido a capacidade de reversibilidade, i.e., "a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos (por exemplo, a ausência de conservação da quantidade quando se transvaza o conteúdo de um copo A para outro B, de diâmetro menor)", tal reversibilidade será construída ao longo dos estágios operatório concreto e formal. Operar significa, portanto, lidar com relações de classe, série, espaço, tempo, causalidade, número e outras. Consequentemente é no nível das operações concretas que o pensamento não se prende mais aos estados privados do objeto, segue o ritmo das transformações, coordena pontos de vistas distintos. Nesse momento é quando se constituem os grupos e agrupamentos caracterizados pela composição transitiva, reversibilidade, associatividade, identidade e tautologia ou interação numérica. Neste estágio, o grande progresso está, exatamente, na conquista das operações, ou seja, das relações mentais, cuja reversibilidade e flexibilidade garantem à criança a compreensão lógica das situações vivenciadas. Ao se confrontarem variadas atividades intrínsecas à leitura e escrita com as características dos estágios de desenvolvimento cognitivo revela-se então que as atividades, exigidas pela leitura e escrita, envolvem esquemas correspondentes aos que caracterizam o estágio das operações concretas (MICOTTI, 1980). De acordo com Jean Piaget, a descrição em termos gerais do desenvolvimento das relações entre indivíduo e meio, revela que na fase das operações concretas, embora ainda não se tenha completado, independentemente da ação, o equilíbrio operatório, as operações lógico- aritméticas e infralógicas se agrupam em sistemas de conjunto das transformações e realizar as atividades perceptivas, bem como outras atividades, em nível, a representação possibilita à criança aprender o conjunto das transformações e realizar as atividades perceptivas, bem como outras atividades, em nível de coordenação de pontos de vista. Para Piaget, há três tipos de conhecimentos: o conhecimento físico, social e o conhecimento lógico-matemático. O conhecimento físico social é fruto das convenções criadas pelas pessoas. As palavras um, dois, três, são exemplosde conhecimento social. Para a criança adquirir esse tipo de conhecimento, é indispensável que conviva com outras pessoas. No entanto, essa convivência só não é suficiente para que a criança adquira o conhecimento social, já que este requer uma estrutura lógica-matemática para assimilação e organização. O conhecimento físico é o conhecimento das propriedades físicas dos objetos (a cor, a forma, etc.), que podem ser percebidas empiricamente através da observação. Há ausência do conhecimento racial. Na abordagem piagetiana a experiência lógico-matemática é explicada fundamente pela ação do sujeito sobre os objetos. Dessa ação também se originam as descobertas das propriedades nelas envolvidas. Na experiência lógica matemática, encontramos dois tipos de abstração: a abstração pseudo-empírica e a abstração reflexionante. A abstração pseudo-empírica caracteriza-se pela ação do sujeito sobre os objetos nos quais a ação mental do indivíduo introduz propriedades. Segundo Piaget, a abstração que realmente dá conta da gênese do conhecimento matemático é a abstração reflexionante, que envolve a construção de uma relação entre objetos, relação essa que só existe na mente das pessoas. Essa é a abstração utilizada pelos indivíduos na resolução de problemas ou nas questões relativas à adaptação. Então, a abstração empírica é utilizada na aquisição do conhecimento físico pela criança, enquanto que a abstração reflexionante é utilizada na aquisição do conhecimento lógico-matemático. A estrutura lógico-matemático é necessária para a abstração empírica porque as crianças não poderiam ler fatos da realidade externa se eles não tivessem nenhuma relação com o conhecimento de uma forma organizada. Inversamente, não poderia construir o conhecimento lógico-matemático sem o conhecimento físico, já que aquele tem ser primeiro momento na realidade física, ao experimentar formar relações a partir de percepções empíricas. Assim, no conhecimento lógico-matemático, há uma abstração a partir das relações: perto, maior, etc. Por isso, dá importância especial à matemática para a aquisição de qualquer conteúdo, incluindo a alfabetização: agrupar, reunir, separar. Então, a matemática é a forma pela qual a inteligência aborda o mundo. Por isso, devemos proporcionar tantas atividades quantas possíveis para estimular esse processo. Tais progressos do pensamento operacional concreto trazem, também, as suas limitações, se comparadas ao estágio que lhe segue das operações formais. Assim, a criança, nesse estágio, necessita do referencial da experiência, do que pode ser observado e manipulado, para construir a sua compreensão lógica da realidade. Nesse sentido, os conceitos teóricos, que não puderam ser integrados a esses referenciais, ficarão, no pensamento infantil, apenas como informações memorizadas, sem nenhuma garantia de permanência como resultado de um conhecimento construído. 3.4 Período das Operações Formais (12 anos em diante) A última fase. Nela, capacidades e competências estão totalmente desenvolvidas. Nesse período, a pessoa consegue dominar o pensamento lógico, agregar valores morais a sua conduta, além de iniciar a transição do pensamento para o modo adulto e tomar decisões mais complexas. Corresponde ao nível do pensamento hipotético-dedutivo que é o auge do desenvolvimento da inteligência. A partir desta estrutura de pensamento é possível o diálogo, que permite que a linguagem se dê á nível de discussão para chegar a uma conclusão. Aos 12 anos a criança já possui a capacidade de compreender situações abstratas e experiências de outras pessoas. Mesmo que a própria criança jamais tenha vivido determinada experiência e nem mesmo nada parecido, ela passa a ter a capacidade de compreender através de situações vividas por outros, ou seja, a compreender situações abstratas. O pré-adolescente também já é capaz de criar situações hipotéticas, teorias e possibilidades e de começar a se tornar um ser autônomo. É uma fase de transição, de criar ideias e hipóteses do pensamento. A linguagem tem um papel fundamental para se comunicar. Nesta fase a criança, ampliando as capacidades conquistadas na fase anterior, já consegue raciocinar sobre hipóteses na medida em que ela é capaz de formar esquemas conceituais abstratos e através deles executar operações mentais dentro de princípios da lógica formal. Com isso, conforme aponta Rappaport (op.cit.:74) a criança adquire "capacidade de criticar os sistemas sociais e propor novos códigos de conduta: discute valores morais de seus pais e contrói os seus próprios (adquirindo, portanto, autonomia)". De acordo com a tese piagetiana, ao atingir esta fase, o indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio, ou seja, ele consegue alcançar o padrão intelectual que persistirá durante a idade adulta. Isso não quer dizer que ocorra uma estagnação das funções cognitivas, a partir do ápice adquirido na adolescência, como enfatiza Rappaport (op.cit.:63), "esta será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo adulto. Seu desenvolvimento posterior consistirá numa ampliação de conhecimentos tanto em extensão como em profundidade, mas não na aquisição de novos modos de funcionamento mental". Cabe-nos problematizar as considerações anteriores de Rappaport, a partir da seguinte reflexão: resultados de pesquisas* têm indicado que adultos "pouco-letrados/escolarizados" apresentam modo de funcionamento cognitivo "balizado pelas informações provenientes de dados perceptuais, do contexto concreto e da experiência pessoal" (Oliveira, 2001a:148). De acordo com os pressupostos da teoria de Piaget, tais adultos estariam, portanto, no estágio operatório-concreto, ou seja, não teriam alcançado, ainda, o estágio final do desenvolvimento que caracteriza o funcionamento do adulto (lógico-formal). Como é que tais adultos (operatório-concreto) poderiam, ainda, adquirir condições de ampliar e aprofundar conhecimentos (lógico-formal) se não lhes é reservada, de acordo com a respectiva teoria, a capacidade de desenvolver "novos modos de funcionamento mental"? - aliás, de acordo com a teoria, não dependeria do desenvolvimento da estrutura cognitiva a capacidade de desenvolver o pensamento descontextualizado? Bem, retomando a nossa discussão, vale ressaltar, ainda, que, para Piaget, existe um desenvolvimento da moral que ocorre por etapas, de acordo com os estágios do desenvolvimento humano. Para Piaget (1977 apud La Taille 1992:21), "toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas regras". Isso porque Piaget entende que nos jogos coletivos as relações interindividuais são regidas por normas que, apesar de herdadas culturalmente, podem ser modificadas consensualmente entre os jogadores, sendo que o dever de 'respeitá-las' implica a moral por envolver questões de justiça e honestidade. Assim sendo, Piaget argumenta que o desenvolvimento da moral abrange 3 fases: (a) anomia (crianças até 5 anos), em que a moral não se coloca, ou seja, as regras são seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal e sim pelo sentido de hábito, de dever; (b) heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade), em que a moral é = a autoridade, ou seja, as regras não correpondem a um acordo mútuo firmado https://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm#_ftn2 entre os jogadores, mas sim como algo imposto pela tradição e, portanto, imutável; (c) autonomia, corresponde ao último estágio do desenvolvimento da moral, em que há a legitimação das regras e a criança pensa a moral pela reciprocidade, quer seja o respeito a regras é entendido como decorrente de acordos mútuos entre os jogadores, sendo que cada um deles consegue conceber a si próprio como possível'legislador' em regime de cooperação entre todos os membros do grupo. Para Piaget, a própria moral pressupõe inteligência, haja vista que as relações entre moral x inteligência têm a mesma lógica atribuída às relações inteligência x linguagem. Quer dizer, a inteligência é uma condição necessária, porém não suficiente ao desenvolvimento da moral. Nesse sentido, a moralidade implica pensar o racional, em 3 dimensões: a) regras: que são formulações verbais concretas, explícitas (como os 10 Mandamentos, por exemplo); b) princípios: que representam o espírito das regras (amai-vos uns aos outros, por exemplo); c) valores: que dão respostas aos deveres e aos sentidos da vida, permitindo entender de onde são derivados os princípios das regras a serem seguidas. Assim sendo, as relações interindividuais que são regidas por regras envolvem, por sua vez, relações de coação - que corresponde à noção de dever; e de cooperação - que pressupõe a noção de articulação de operações de dois ou mais sujeitos, envolvendo não apenas a noção de 'dever' mas a de 'querer' fazer. Vemos, portanto, que uma das peculiaridades do modelo piagetiano consiste em que o papel das relações interindividuais no processo evolutivo do homem é focalizado sob a perspectiva da ética (La Taille, 1992). Isso implica entender que "o desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício da cooperação, mas não condição suficiente, pois uma postura ética deverá completar o quadro" (idem p. 21). É importante frisar que os pressupostos do construtivismo piagetiano descritos em, aproximadamente, 70 livros, centenas de artigos e milhares de experimentos práticos precisam ser considerado como objeto de reflexão, de discussão e mesmo de experimentação. A complexidade desta teoria requer que ela seja estudada com atenção e cuidado, particularmente se o que se pretende é empregá-la como base teórica para fundamentar a prática pedagógica. Os diversos experimentos de Piaget e seus colaboradores mostram que o adolescente raciocina sobre proposições e, por isso, mesmo, extrapola o real na direção do possível. A inteligência dispensa a inferência do real e cria um mundo de significações que vão para além dele. Ocorre uma ampliação sem precedente do espaço e do tempo. A mudança cognitiva estrutural é profunda e é, em sua raiz, lógico- matemática. Não importa a dimensão dessa mudança, “no fundo de todas as dimensões do ser humano, reside uma dimensão fundamental, a dimensão lógico-matemática. Isso equivale a dizer que o ser humano é radicalmente lógicomatemático” (Becker, 1999, p. 45). A afetividade constitui o elemento propulsor das ações. É ela que atribui valor às ações. No entanto, a afetividade em si não é sufi ciente; é preciso a intervenção do raciocínio lógico, ou seja, é preciso que os meios cognitivos necessários sejam ativados para que as ações se efetivem a contento. Embora Piaget não tenha elaborado uma proposta pedagógica, a explicação que oferece para o mecanismo operatório do pensamento do adolescente é, sufi cientemente, rica para ser fonte de reflexão sobre a prática pedagógica. Compreender este mecanismo e aliá-lo à afetividade parece ser um caminho promissor. 4 O Papel dos Pais no Desenvolvimento Infantil Os processos que marcam a vida das pessoas são frutos de sua herança genética e de suas vivências. As primeiras relações de uma pessoa começam no ambiente familiar, e seguem no ambiente escolar, tornando-se referência primordial e fator decisivo para a saúde mental e qualidade das relações que o indivíduo vai estabelecer ao longo da vida. Não existe um manual definitivo, uma regra infalível para educar uma criança, para garantir a ela seu bem estar psíquico e equilíbrio emocional, porque diversas são as variáveis envolvidas. Porém, conhecer o processo de desenvolvimento infantil, os processos psicológicos envolvidos em suas primeiras relações com o mundo, e o que a psicologia moderna pode ajudar neste entendimento, certamente fará com que tenhamos um parâmetro, um mapa, por onde caminhar. 4.1 Ser Criança A infância, segundo Calligaris (2000), é uma invenção da modernidade, que surgiu na nossa cultura a partir do século XIII e se afirmou no final do século XVIII. A idéia de infância passou por várias etapas, segundo Postman (1999), desde não ter uma palavra para definí-la até a descrição detalhada de suas características. O fato que está ocorrendo com a noção de infância, não propriamente pelo seu desaparecimento, mas pela mudança das referências usadas para conceituá-la. Assim, o autor aponta para uma crise no conceito de infância. O pesquisador francês Philippe Ariès, em sua obra História Social da Criança e da Família, publicada em 1960, fala que o conceito que se tem da infância foi sendo historicamente construído. A criança, por muito tempo, não foi vista como um ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias, mas sim, como um adulto em miniatura, na maneira de vestir-se, na participação ativa em reuniões, festas e danças. Os adultos se relacionavam com as crianças sem discriminações, falavam vulgaridades, realizavam brincadeiras grosseiras. A primeira idade é a infância, que planta os dentes, e essa idade começa quando nasce, durando até os sete anos. “Nessa idade aquilo que nasce é chamado de enfant (criança), que quer dizer não falante, pois, nessa idade a pessoa não pode falar bem e nem formar perfeitamente suas palavras” (ARIÈS, 1981, p. 36). Ariès (1978) ainda comenta sobre a duração da infância, para ele, a infância era reduzida ao seu aspecto mais frágil, “enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada ao mundo dos adultos” (p.10). Os adultos são porta vozes quando se diz respeito à infância, ou seja, a concepção de infância é aprendida a partir das construções feitas pelos adultos, assim muitas vezes as crianças não podem expressar-se, defender-se ou falar sobre si mesmas. Mrech (2003) argumenta que em toda a tradição desde a literatura, passando pela arte, até os dias atuais, apenas o comportamento social da criança é levado em conta, estudado e descrito. A mesma autora comenta que um dos problemas mais sérios da chamada psicanálise com crianças, é resgatar com toda autenticidade a palavra e o brincar da criança, através da sua fala e da sua palavra. Para que seja resgatado o infantil e a criança é necessário que os adultos fiquem atentos a alguns esclarecimentos básicos (MRECH, 2003): • Especificidade da noção de infantil: antes do século XVII, a criança era vista como um adulto em miniatura. São adultos que falam da sua infância e não a criança falando. “A criança tem sido confundida com uma concepção de infância ou de infantil apresentada pelos pesquisadores” (p.107). • Reduzido a uma mera etapa do desenvolvimento humano: cada indivíduo se constitui conforme sua experiência vivida. “Como se bastasse saber as https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/psicanalise-com-criancas etapas do desenvolvimento infantil, para saber como se dá o processo de construção do infantil” (p.107). • Processo de desenvolvimento linear e único: este tido como comum a todas as crianças e culturas. “O corpo humano em toda a sua complexidade ainda não foi simbolizado em relação aos referenciais individuais e sociais. A psicossomática revela estes impasses” (p.107). • Sexualidade humana: está reduzida a questões físicas, naturais e pré- determinada. A psicanálise trouxe à tona as dificuldades do sujeito em assumir seu sexo. • Palavra à criança: os adultos acham que as crianças não sabem se explicar muito bem, porque não tem vocabulário suficiente para argumentar, colocando- a em posição de não saber, reduzindo-a na tentativa dededuzir como ela age e pensa. “A psicanálise enfatiza a importância de se passar a palavra à criança, para que ela nos diga quem ela é e como pensa” (p.108). A criança internaliza a palavra dos adultos que convivem com ela, acreditando na imagem que eles fazem dela. Só que cada criança tem a sua singularidade o seu modo de se estruturar como sujeito do inconsciente. Assim como os adultos costumam acreditar que a sua imagem a respeito da criança é a própria criança. [...] eles acabam por confundir a imagem da criança universal trazida pelas teorias com a criança particular [...] tomam as ações da criança como tendo um só direcionamento, um só sentido, uma só intencionalidade: aqueles que eles atribuem (MRECH, 2005, p.109). As crianças também se referenciam com outros contatos - televisão, internet, amigos tanto no contato pessoal como em meios de comunicação, como por pessoas que atribuem significantes para o seu desenvolvimento como sujeito, e sua estrutura. Isto demonstra o quanto ainda a criança não foi percebida em sua singularidade. “A palavra da criança precisa ser resgatada. Para que ela deixe de ser objeto dos desejos e necessidades dos adultos, para se investigar como ela pensa, sente, percebe o mundo a sua volta” (MRECH, 2003, p.109). https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/o-inconsciente Se déssemos voz à criança seria possível que ela relatasse situações que envolvem sentimentos e sensações diferentes da perspectiva do adulto, como momentos de alegria, dando direito a serem respeitadas, como também ouvir histórias tristes, atos de injustiça, violência, desamparo, enfim, a tudo que a criança está exposta. Mrech (2003) comenta que não basta saber como as imagens, os sentidos, as significações são construídas, é preciso saber como a criança constrói e tece estes objetos interiormente, ao mesmo tempo que é tecida pela linguagem e pela fala, a sua matriz simbólica, porque estas constituirão o sujeito. Partindo do pensamento de Mrech (2003, p. 17), “como fazer então para acessar aos outros reais, aos outros concretos?” É procurar ouvir as crianças, sem nos colocar em uma posição de defesa como a escuta prévia, para que possamos perceber e resgatar os ideais que colocamos no Outro, pois, caso nós não estivermos interagindo com o Outro concreto, mas com nós mesmos, não poderemos saber o que realmente o Outro necessita. Deixar o mundo imaginário com sacrifício em proveito ao mundo racional é algo doloroso e real, fazendo parte da castração humana. “a criança reproduz o ciclo da humanidade desde as origens: ela crê na razão mágica ao passo que nós submetemos às leis da ciência que explica tudo de modo racional” (DOLTO, 2005, p. 34). Neste contexto, como a criança se vê? O que é para ela ser uma criança em um mundo onde a partir do momento que se sai do colo – bebê - e começa a andar, não pode ser e ter comportamentos de criança? “Como repensar a infância e seus problemas na complexidade do mundo atual?” (LEVIN, 2007, p.9). Segundo Levin (2007, p.11), o mundo da criança mudou como também, as expectativas e exigências sobre ela e para com ela aumentaram. Os tipos de brinquedos são outros, “as crianças da atualidade têm outro jeito de brincar, imaginar, sofrer, pensar e construir sua realidade infantil. Para a mesma autora essas experiências infantis estruturam- se de maneira diferente que em qualquer outra época, “hoje, o fascínio e a sedução exercidos pela imagem estão em posição central” (LEVIN,2007, p.11). A mesma autora comenta que as representações não se sustentam mais no objeto externo, e sim na nova realidade computadorizada, informatizada e digitalizada. A realidade artificial, as imagens dominam as crianças que acreditam no oposto, levando-as a uma experiência solitária e individual. Ao se identificarem com a imagem, banalizam o sofrimento, a violência, o perigo, o horror, a dor, a morte, a sexualidade, o pudor, o amor. Existe o perigo do uso incorreto da tela consumir o elemento infantil, fazendo com que se distorça a experiência corporal. Nas palavras de Levin (2007, p.15): Não se trata de julgar, acusar, desconhecer ou dispensar os avanços científicos, tecnológicos, informáticos, digitais. Longe disso, pois eles são necessários, até imprescindíveis, para a criação e a descoberta do universo cênico da meninice. A questão é situar o desenvolvimento atual em função das necessidades, dos desejos e problemas que as crianças nos apresentam, em lugar do contrário, isto é, que o impulso, a imaginação, o pensamento e as experiências infantis fiquem condicionadas à própria evolução e reprodução tecnológica, como tem acontecido até agora. Ao decorrer do trabalho, abordaremos temas que consideramos relevantes em relação à infância, como foi e ainda é tratada a criança durante as décadas, chegando à atualidade da infância, de alguns aspectos da experiência contemporânea na qual as crianças estão inseridas “mantendo um relacionamento vivo, de transformação, de ruptura, que nos permita refletir não só a respeito do valor estruturante do acontecimento infantil, mas também sobre este modo original de pensamento que não deixa de nos indagar” (LEVIN, 2007, p.9). 4.2 Separação dos Pais / Novas Famílias Muitas são as famílias que se deparam com a realidade de uma separação que culmina em divórcio, enfrentando desafios que os adultos e crianças experienciam de forma diferente. São recorrentes os conflitos entre os adultos, a disputa ou o afastamento dos filhos, provocando momentos de mal-estar nestes, na família alargada e respetivos amigos. Mas existem cada vez mais casais preocupados, e que, perante a situação de divórcio, tentam minimizar as consequências nos filhos, abordando o assunto com estes, mantendo laços de afeto e de proximidade, minimizando os conflitos. Existe consenso na literatura de que as crianças de pais divorciados apresentam um risco maior para o desenvolvimento de problemas psicológicos, comportamentais, sociais e escolares. A adaptação das crianças a este processo depende de vários fatores, nomeadamente da quantidade e qualidade do contato com a figura parental que saiu de casa, do ajustamento psicológico das crianças, da capacidade de cuidado da figura parental que fica em casa, do nível de conflito entre os pais após a separação ou o divórcio, das dificuldades sócio-económicas e dos elementos stressores que incidiram sobre a vida familiar. Deixamos algumas sugestões práticas para os pais ajudarem os filhos a lidarem de forma mais saudável com o acontecimento do divórcio: • No momento de anunciar a decisão do divórcio ao seu filho, é importante que o discurso seja adequado à idade do mesmo, assim como a presença de ambos os pais, tendo em mente que nesse momento o mais importante é o bem- estar da criança, pelo que não devem entrar em discórdia; – Explique ao seu filho que a rutura dos pais não vai alterar a relação que têm com ele, e que apesar de surgirem mudanças em casa, vão continuar a estar presentes, ainda que as promessas devam ser geridas de acordo com o que cada figura parental se pode responsabilizar; – O seu filho poderá demorar algum tempo até conseguir perceber esta nova situação e a integrá-la no dia a dia, respeite o seu tempo; – Mais tarde, quando possível, deverá ser explicado ao seu filho onde vai morar o progenitor que sai de casa e combinar próximos encontros; – Proporcione um ambiente de liberdade no qual o seu filho possa exprimir as emoções e preocupações, incentive a expressão deste, aceitando-o, mantendo a calma e demonstrando compreender o que está a sentir; – Evite que o seu filho se sinta culpado pela situação de divórcio, ajude-o a desconstruir esta ideia, uma vez que se trata de uma decisão do casal; – Proporcione um ambiente de respeito, evitando que o seu filho crie uma visão negativa sobrea outra figura parental; – Não peça ao seu filho que tome partido de um dos pais, é crucial que ele sinta que pode contar com ambos, ainda que separados; – Sempre que possível, demonstre ao seu filho que a separação não vai mudar o amor que sente por ele; – Evite a competição com o outro progenitor, agindo de forma apropriada, sem recurso a presentes; – Mantenha as rotinas e as regras do seu filho o mais possível e permita que o contato com a figura parental que saiu de casa aconteça sempre que ambos desejarem; – No caso de existir família alargada e relações de proximidade e de afeto, permita que o seu filho as mantenha; – Informe o professor do seu filho da situação de divórcio, para que, caso surjam mudanças de comportamento, possa estar atento e intervir atempadamente. O divórcio pode ser um longo e complexo processo, envolvendo múltiplas mudanças, em que é necessário que todos os elementos respeitem o tempo de cada um, até que todos os ajustamentos familiares tenham ocorrido. A procura de um psicoterapeuta para ajudar o seu filho a lidar com esta situação adversa é uma decisão que o ajudará a lidar com sentimentos de insegurança e a aprender a gerir a nova situação familiar. 4.3 Filho Único A família é a única instituição social que permanece sólida ao longo de todo o processo de evolução histórica, entretanto, a dinâmica interna familiar e a maneira de educar os filhos mudou muito nas últimas décadas. Famílias nucleares numerosas foram substituídas por famílias cada vez menores. Antigamente a função mais importante da mulher era ter e criar filhos e para isso contava com a orientação e ajuda da própria mãe, sogra, avó, tia e toda a linhagem feminina da família. Atualmente, as mulheres se inseriram no mercado de trabalho, já não contam com muitas ajudas e ambos os pais assumem o quotidiano da casa e o cuidar dos filhos. Mães e pais têm carreiras, ambições profissionais e a falta de ajuda objetiva para cuidar e os altos custos financeiros relativos à criação e à educação de uma criança, levam, cada vez mais, os casais à opção do “filho único”. Nem sempre esta é uma decisão tranquila. Ainda existe o preconceito que uma criança precisa de irmão e os pais, ao escolherem ter só um filho, costumam conviver com sentimentos de culpa, julgam-se egoístas e procuram, muitas vezes, compensar o filho com mimos excessivos e superproteção. Criança necessita de mimos e cuidados, mas o excesso e a superproteção constituem um risco para o seu desenvolvimento e poderá levar a uma estruturação frágil da sua personalidade. Para proporcionar ao filho um crescimento saudável, os pais devem estar atentos e impor limites na medida do necessário, com o cuidado para não satisfazer sempre todos os seus desejos, pois também é importante que o filho aprenda a lidar com a frustração. O problema de um filho único crescer sem irmãos é que todas as expectativas e as exigências familiares estarão postas sobre ele. Os pais projetam nele suas próprias ilusões e, por vezes, lhe exigem dar o melhor de si, o que poderá fazer com que ele cresça com ideias de vencedor ou sofra os medos e erros dos pais. O conceito de filho único, muitas vezes, está associado com a extrema proteção e com a má educação. O filho único tem a fama de ser o centro do universo, egoísta, caprichoso, mal-educado e rebelde e com dificuldades de adaptação para integrar-se num grupo. Tem algumas características como: apego excessivo aos pais, exigir atenção imediata, conviver excessivamente com adultos e qualidades como saber se entreter sozinho e viver uma carga menor de ansiedade, por não ter que disputar o espaço nem a atenção dos seus pais com outros irmãos. O filho único terá sempre algumas características de personalidade peculiares relacionadas com a sua qualidade de filho único, mas o importante é que tenha espaço para crescer independente dos pais, que possa socializar e estar em contato com outras crianças para conviver com pessoas de sua própria idade. Se os pais tiverem essa consciência e proporcionarem ao filho essa diversidade de experiências, sem confiná-lo ao convívio com os adultos, o filho único será tão feliz e saudável como qualquer outra criança. O amor, o equilíbrio na educação, sem exageros de superproteção, num ambiente rico em estímulos e sentimentos positivos, com valores e regras, permitem um desenvolvimento saudável da criança e um crescimento com uma boa autoestima, responsabilidade e abertura para o mundo. 4.4 Stress Infantil Natação, inglês, equitação, tênis, futebol. É cada vez mais comum encontrar crianças que mal saíram da pré-escola e já cumprem agendas de “miniexecutivo”, com compromissos que se estendem ao longo do dia. A intenção dos pais ao submeter os filhos a essas rotinas é torná-los adultos superpreparados para o competitivo mundo moderno. O preço que se paga por tanto esforço, porém, pode ser alto. Ainda pequenas, essas crianças passam a apresentar um problema de gente grande, o estresse. “É uma troca que não vale a pena”, afirma o psicoterapeuta João Figueiró, um dos fundadores do Instituto Zero a Seis, instituição especializada na atenção à primeira infância. “Frequentemente essa rotina impõe à criança um sentimento de incompetência, pois lhe são atribuídas tarefas para as quais ela não está neurologicamente capacitada.” Como uma bomba-relógio prestes a explodir, o estresse infantil tem ganhado status de problema de saúde pública. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Academia Americana de Pediatria publicou, em dezembro, novas diretrizes para ajudar os médicos a identificar e tratar esse mal. O risco dessa exposição, alertam os cientistas, são danos que vão bem além da infância, como a propensão a doenças coronarianas, diabetes, uso de drogas e depressão. Dos poucos estudos brasileiros sobre estresse infantil, se destaca um levantamento realizado pela pesquisadora Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR). A pesquisa, feita com 220 crianças entre 7 e 12 anos nas cidades de Porto Alegre e São Paulo, revelou que oito a cada dez casos em que os pais buscam ajuda profissional para seus filhos por causa de alterações de comportamento têm sua origem no estresse. “O estresse é uma reação natural do nosso corpo, o problema é esse estímulo atingir níveis muitos altos ou se prolongar por longos períodos”, diz Ana Maria. Para ajudar pais e profissionais de saúde a identificar quando há risco, cientistas do Centro de Desenvolvimento da Criança da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, propuseram uma divisão: o estresse positivo, aquele em que há pouca elevação dos hormônios e por pouco tempo; o tolerável, caracterizado pela reação temporária e que pode ser contornada quando a criança recebe ajuda; e o tóxico, o que deve ser combatido, ligado à estimulação prolongada do organismo, sem que a criança tenha alguém que a ajude a lidar com a situação. “A origem pode estar em episódios corriqueiros que gerem frustração ou aflição frequentemente, como brigas na escola ou com familiares, ou em situações únicas, mas com impacto muito grande, como a morte inesperada de alguém próximo, abuso sexual ou acidente”, esclarece Christian Kristensen, coordenador do programa de pós-graduação em psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Quando exposto a quantidades muito grandes dos hormônios do estresse, o organismo sofre uma espécie de intoxicação. Cai a imunidade, deixando a pessoa mais exposta a infecções, há uma interferência nos hormônios do crescimento e até mesmo o amadurecimento de partes essenciais do cérebro, como o córtex pré-frontal, é afetado. “Essa região é responsável pelo controle das funções cognitivas, como a capacidade de moderar a impulsividade e a tomada de decisões”,
Compartilhar