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JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS PROFESSORA Dra. Paula Marçal Natali 2 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Coordenador(a) de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva, Designer Educacional Lilian Vespa, Qualidade Textual Hellyery Agda, Revisão Textual Cíntia Prezoto Ferreira, Ilustração Bruno Pardinho, Fotos Shutterstock. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; NATALI, Paula Marçal. Jogos Brinquedos e Brincadeiras. Paula Marçal Natali. Maringá - PR.:UniCesumar, 2018. 176 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Jogos e Brincadeiras . 2. Educação. 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0946-0 CDD - 22ª Ed. 701.1 CIP - NBR 12899 - AACR/2 NEAD Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Minco�, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas, Supervisão de Produção de Conteúdo Nádila Toledo. Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar almeja ser reconhecida como uma instituição universitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação continuada. Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. boas-vindas Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência 6 autora 6 Professora Doutora Paula Marçal Natali Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2016). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/2009). Especialista em Políticas Sociais para Infância e Adolescência pela UniversidadeEstadual de Maringá (UEM/2006). Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2003). Atualmente, é professora da Universidade Estadual de Maringá, no Campus Regional do Vale do Ivaí, no curso de Educação Física. Mem- bro da equipe coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudos, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente PCA/UEM. Atua principalmente com os temas dos direitos das crianças, educação social e cultura lúdica. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3738805977157385> apresentação Prezado(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)! Este material foi elaborado para potencializar sua aprendizagem a respeito do conteúdo Jogos, Brinquedos e Brincadeiras, objetivan- do aprimorar sua formação em direção a se constituir como professor(a)/profissional de Educação Física. Neste livro, partimos da compreensão de que a linguagem dos jogos, brinquedos e brincadeiras são parte da cultura, especialmente da infantil, e compõem o repertório de aprendizagens pertinentes à ação da Educação Física em diversos âmbitos, como o escolar, o do lazer, o da saúde, entre outros. Sendo esta lingua- gem fruto da cultura em que se vive e que se obtém por meio de aprendizagens, afirmamos a necessidade de considerar como princípios para a ação educativa com os jogos, brinquedos e brincadeiras o respeito e o conhecimento profundo da realidade em que se atua. Reconhecendo o jogo, a brincadeira e o brinquedo como cultura lúdica, o nosso material está organizado em cinco seções, que contemplam as temáticas a seguir. Na primeira unidade, desenvolvemos questões pertinentes à trajetória histórica do jogo, da brinca- deira e do brinquedo estabelecendo relações com o contexto social de cada período trabalhado. Apresen- tamos, também, as principais concepções e conceitos pertinentes a estes conteúdos. Posteriormente, trataremos da linguagem dos jo- gos, brinquedos e brincadeiras no campo educacio- nal refletindo sobre o conteúdo na educação física, o recreio como possível espaço da ludicidade e da coletividade e o âmbito do brincar da criança e do adolescente como direito garantido na legislação. Na terceira unidade, trabalharemos as caracterís- ticas e classificações pertinentes às brincadeiras e aos jogos, estabelecendo relações com os meandros cons- titutivos da sociedade contemporânea considerando que aprender sobre a diversidade de brincadeiras e jogos contribui para a expansão de nosso repertório para atuação na educação. A quarta unidade trata mais especificamente do brinquedo, discutiremos suas relações na atualidade destacando o consumo, os brinquedos industrializa- dos e tecnológicos e a ressignificação dos brinquedos pelas crianças. Apresentaremos uma classificação a respeito dos brinquedos e desenvolver conhecimentos pertinentes ao trabalho do(a) educador(a) na brin- quedoteca. Nossa última etapa de estudo consiste na reflexão a respeito de diferentes infâncias na atualidade, e a rique- za de cultura lúdica que estas produzem e vivenciam. Explicitamos também elementos de algumas atividades sistematizadas com jogos, brinquedos e brincadeiras visando a ampliação do repertório de possibilidades de atuação do(a) educador(a) com esta linguagem. Este material foi desenvolvido para que sua for- mação seja enriquecida pelo conteúdo dos jogos, brin- quedos e brincadeiras, vivenciado de diversas formas por todos nós, em algum momento de nossa vida seja na escola, na comunidade ou na família. Diante da multiplicidade e diversidade de elemen- tos relacionados à cultura lúdica, temos o privilégio, como professores(as)/profissionais de Educação Física, de ter o jogo, a brincadeira e o brinquedo como objetos de estudo, pesquisa e trabalho em nosso cotidiano. Este curso visa a aprimorar esta ação educativa. Vamos ao nosso curso? JOGOS BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Paula Marçal Natali sumário UNIDADE I FUNDAMENTOS DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 14 Percursos Históricos dos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras 24 Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Questões Conceituais 40 Considerações Finais 44 Referências 46 Gabarito UNIDADE II JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 52 Jogos, Brinquedos e Brincadeiras nas Aulas de Educação Física 58 Jogos, Brinquedos e Brincadeiras nas Aulas de Educação Física 64 O Recreio e Suas Relações Com Jogos, Brin- quedos e Brincadeiras 70 Considerações Finais 75 Referências 77 Gabarito UNIDADE III JOGOS E BRINCADEIRAS: ASPECTOS FUNCIONAIS 82 Características dos Jogos e Brincadeiras: Questões Atuais 90 Características e Classifi cações dos Jogos e Brincadeiras 100 Considerações Finais 105 Referências 108 Gabarito UNIDADE IV O BRINQUEDO E A EDUCAÇÃO 114 O Brinquedo e as Relações Estabelecidas na Atualidade 122 Classifi cações dos Brinquedos 128 Brinquedoteca: O Espaço do Brinquedo e do Brincar 135 Considerações Finais 139 Referências 141 Gabarito UNIDADE V JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: DIFERENTES INFÂNCIAS, CONTEXTOS E INTERVENÇÕES 146 Infâncias, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Cenários de Diversidade 158 Intervenções com Jogos, Brinquedos e Brin- cadeiras: Cenário de Diversas Possibilidades e Sistematizações 163 Considerações Finais 169 Referências 170 Gabarito 171 Conclusão Geral Professora Dr.ª Paula Marçal Natali Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Percursos históricos dos jogos, brinquedos e brincadeiras • Jogos, brinquedos e brincadeiras: questões conceituais Objetivos de Aprendizagem • Elucidar a constituição histórica dos conteúdos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras relacionando com seu sentido educativo. • Compreender os principais conceitos e defi nições dos conteúdos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras na produção do conhecimento da área. FUNDAMENTOS DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS unidade I INTRODUÇÃO Quando pensamos sobre o brincar e o jogar, na maioria das ve-zes, vem em nossa cabeça a imagem de crianças ou adolescentes alegres e saudáveis desenvolvendo esta linguagem. Esta cons- trução do pensamento é influenciada pelo que vivenciamos como seres que em alguma fase da vida tivemos contato com o brincar, seja na escola, na comunidade em que crescemos ou em nossa família. Em geral, essa atividade está relacionada com a infância e, de uma for- ma ou de outra, passamos por esta experiência em nossa vida. Entretan- to, em nossa jornada de aprendizagem, vamos compreender que jogar e brincar não são atividades apenas da infância, elas podem estar presentes em todas as fases da vida e em inúmeras manifestações. São expressões da vida e parte da cultura da humanidade. Estão presentes em nossa história. Estas linguagens são fruto de inúmeros processos históricos e sociais que foram conferindo, ao brincar e ao jogar, características importantes que estudaremos aqui. É imprescindível que o(a) professor(a) de Educa- ção Física em formação aprenda as bases constituintes dos jogos, brin- quedos e brincadeiras, pois estes são pilares para nossa atuação, tanto na escola quanto em ambientes não escolares. Iniciaremos pela conformação histórica do jogar, do brincar e do brinquedo, buscando subsídios e referências para a sua apreensão na atu- alidade. Iremos contextualizar no tempo histórico de que forma o jogo, a brincadeira e o brinquedo foram constituindo-se e sua relação com a organização social vigente em cada período. Na segunda parte desta unidade, elucidaremos os principais concei- tos e debates sobre concepções dos jogos, brinquedos e brincadeiras de- senvolvidos por pesquisadores de diferentes áreas. Este será nosso ponto de partida de estudo para compreendermos os meandros deste fenômeno cultural. Vamos aprender sobre as relações conceituais e históricas dos jogos, brinquedos e brincadeiras na ação educativa dos(as) professores(as)/profissionais de Educação Física. 14 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Prezado(a) aluno(a), compreender a brincadeira, o jogo e o brinquedo em sua constituiçãohistóri- ca significa que partimos da premissa de que estes se modificam com o tempo, com seus lugares e suas características e se estruturam conforme a humani- dade constrói sua trajetória. Estas manifestações humanas modificam-se e adaptam-se conforme o local e tempo em que se de- senvolvem, as condições materiais dadas, a cultura ali produzida e vivenciada. Por exemplo, refletir a respeito do brincar de crianças com direitos viola- dos e que estão em situação de exploração do tra- balho, como fez Silva (2003), nos mostra uma re- alidade com características próprias, fruto de uma organização social desigual, que influencia e deter- mina a vida dessas crianças. São incontáveis os ar- ranjos históricos, sociais e políticos que determinam as formas de expressão humana. O que não se altera, caro(a) aluno(a), é que o jogo e a brincadeira são manifestações que o homem utiliza para se expres- sar no decorrer da história. Podemos afirmar que o brincar, especialmente com o brinquedo, tem em sua estruturação carac- terísticas do mundo adulto e, muitas vezes, dos ele- mentos congruentes à organização do trabalho adul- to. Elkonin (1998) afirma que é muito difícil estudar as transformações históricas do brinquedo e que este tem sua “[...] história organicamente vinculada Percursos Históricos dos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras EDUCAÇÃO FÍSICA 15 à da mudança de lugar da criança na sociedade e não pode compreender-se fora dessa história” (ELKO- NIN, 1998, p. 47). Assim, para aprendermos aqui sobre os mean- dros históricos do brinquedo, do brincar e do jogar, vamos trilhar também o lugar da criança na história. A história do brinquedo, do jogo e da brincadei- ra é tão antiga quanto possamos ter acesso ao regis- tro da história da humanidade. Se tivermos acesso a museus, podemos identificar objetos que são con- siderados brinquedos de tempos longínquos, como piões, bonecas e bolas, o que nos mostra que muitas manifestações desta natureza se mantêm nos tem- pos e são transmitidas entre os pares. Kishimoto (1995) remonta à Antiguidade o re- gistro do homem e do brincar, apesar de ainda não ser reconhecida como uma linguagem apropriada para o ensino da leitura e do cálculo. A autora nos conta que Platão exaltava o valor da aprendizagem a partir do brincar, em detrimento da utilização da violência neste processo. Aristóteles nos diz so- bre a possibilidade de ensinar às crianças peque- nas, por meio de jogos, as atividades e ocupações dos adultos, consideradas mais sérias que as típi- cas infantis. Philippe Ariès (1981), um pioneiro nos estudos sobre as concepções de infância, desenvolve em sua obra os elementos que nos contam sobre a infância 16 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS e seu brincar. Diversos autores utilizam a obra des- te historiador francês como base para tratar dos jo- gos, das brincadeiras e dos brinquedos através dos séculos. Ariès desenvolve seus estudos a partir de diversos documentos da Idade Média e Moderna, especialmente o contexto da França neste período, destacando a utilização de quadros e gravuras em suas pesquisas (CAMPOS, 2012). O autor não só parte da história das crianças e nos conta sobre o brincar no século XVII com a história de uma criança da corte (que futuramente se tornaria o Rei Luís XIII), mas também trata-se da história de outras crianças, pois, nesse período, ainda não havia uma diferença tão marcada, como posteriormente, entre as brincadeiras das crianças bastardas, nobres e as brincadeiras que envolvessem adultos. Uma das principais atividades destinadas aos petizes era a aprendizagem da dança e da música, e a precocidade no ensino dessas expressões artísticas, segundo Ariès (1981, p. 69), “[...] explica a frequ- ência entre as famílias de profissionais, daquilo que hoje chamaríamos de criança-prodígio, como o pe- queno Mozart”. Isso nos leva, caro(a) aluno(a), ao reforço do entendimento de que as expressões hu- manas são frutos não apenas de fatores biológicos, que poderíamos chamar de aptidões naturais, mas também de fatores culturais; neste caso, um estímulo desde criança à aprendizagem da música e da dança. Muitas são as atividades lúdicas relatadas por Ariès (1981), como: jogos de malha, raquetes, xa- drez, jogos de imitação, de rima, jogos de carta, prática de arco e jogos de salão. Sobre os brinque- dos, narra atividades com miniaturas de diversos objetos, bonecas, cavalos de pau, catavento, pião e atividades com recortes. A eclosão do movimento científico diversifica os jogos, que passam a incluir as inovações científicas no século XVIII. A publicação da Enciclopédia (livro com diversos textos que re- tratavam as produções científicas e artísticas do século XVIII) favorece o aparecimento de novos jogos. Preceptores da época utilizam as imagens publicadas na Enciclopédia para criar jogos destinados à educação dos príncipes e nobres. Em 1781, Madame de Genlis constrói um laboratório de química com a finalidade de educar os filhos de Philippe Egalité, base- ando-se em uma metodologia lúdica. O clima de efervescência científica e as descobertas divulgadas pela Enciclopédia favorecem a pu- blicação de inúmeras obras, que valorizam o aprendizado das ciências por intermédio de novas metodologias. Fonte: Kishimoto (1995, p. 41). SAIBA MAIS Figura 1 - Futebol, 1935, Portinari. Óleo sobre tela 97x130 cm Fonte: Literatura na Arquibancada (2012, on-line)1. EDUCAÇÃO FÍSICA 17 Crianças e adultos participavam das mesmas fes- tas e celebrações, por vezes, tinham atividades vi- venciadas separadamente, como a leitura. Porém, de modo geral, todos “[...] participam das grandes festividades coletivas que eram as festas religiosas e sazonais: o Natal, a festa de maio, São João...” (ARIÈS, 1981, p. 73). Tomando como exemplo a educação de uma criança nobre – que não representa a totalidade da cultura lúdica infantil no período, mas nos fornece dados importantes sobre ela –, destacamos que, por volta dos sete anos, alguns elementos da vida dos pe- quenos modificavam-se e eles passavam a dedicar-se a atividades mais próximas ainda da vida adulta: Um pouco mais de bonecas e de brinquedos alemães antes dos sete anos, um pouco mais de caça, cavalos, armas e talvez teatro após essa idade: a mudança se faz insensivelmente nessa longa sequência de divertimentos que a crian- ça toma emprestada dos adultos ou divide com eles (ARIÈS, 1981, p. 72). Esta idade das crianças era marcada por mudanças em suas atividades, que eram recomendadas pela literatura educacional e moralista do período. As orientações afirmavam que esta seria a idade ideal para o início dos estudos e do trabalho. É muito im- portante esclarecermos um traço que caracteriza o jogar e brincar neste período da história: crianças, adolescentes e adultos compartilhavam essas vivên- cias, não havia um limite tão claro, como temos ago- ra, entre atividades mais apropriadas para a infân- cia e as mais apropriadas para os adultos no que se referia à ludicidade. Até o início do século XVII, a diferença no brincar era mais explícita quando tra- tava-se de crianças pequenas, menores de seis anos e não entre crianças maiores ou adultos. As crianças menores tinham brincadeiras mais características e, por volta dos quatro anos, já pas- savam a desenvolver suas brincadeiras mais relacio- nadas ao mundo adulto, podendo vivenciá-las com os adultos ou apenas entre os grupos de crianças. De acordo com Ariès, este cenário é possível de nos ser revelado, pois, da Idade Média até o século XVIII, era corriqueiro, nas obras de arte, serem retratadas cenas de jogos, o que nos mostra o “[...] índice do lugar ocupado pelo divertimento na vida social do Ancien Régime” (ARIÈS, 1981, p. 77). Da produção de Ariès sobre a infância: “Esse tipo de explicação, que abarca gran- des períodos históricos (Idade Média e Idade Moderna), ou todo um continente (Europa), corre o risco de deixar escapar os detalhes e as particularidadeslocais. [...] estudos pos- teriores demonstraram a ocorrência de um sentimento de infância na Itália bastante dife- rente, em termos cronológicos, da França de Ariès [...] a tese original de que o sentimento de infância que hoje reconhecemos como nosso se desenvolveu primeiramente entre os grupos europeus privilegiados socialmente (nobreza e burguesia) para depois se dissemi- nar entre as classes populares, deve muito aos documentos com os quais esse historiador trabalhou. Boa parte deles, produzidos pelos grupos privilegiados e para os grupos privile- giados [...]” (CAMPOS, 2012, p. 280). Existem outras possibilidades analíticas sobre a história da infância, apresentamos uma das leituras disponíveis, não pretendo que ela seja única. Fonte: Campos (2012, p. 280). SAIBA MAIS 18 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O que você pensaria, hoje, como futuro(a) pro- fessor(a)/profissional, se alguém afirmasse que as crianças com quais você trabalha apostam dinhei- ro em seus jogos? Possivelmente, entenderia como uma atividade inapropriada para crianças. Entretan- to, até o século XVII e início do XVIII, essa ação era completamente corriqueira, da mesma forma que se tem registros de adultos brincando entre eles e as crianças em uma forma de cabra-cega. Fazia parte do cotidiano que crianças apostassem e participas- sem dos chamados jogos de azar, que [...] não provocavam nenhuma reprovação mo- ral, não havia razão para proibi-los às crianças: daí as inúmeras cenas de crianças jogando car- tas, dados, gamão etc., que a arte conservou até nossos dias (ARIÈS, 1981, p. 89). Sendo assim, como, na atualidade, podemos ter a noção de que estes jogos de azar não são próprios para as crianças e que brincar de cabra-cega não é uma atividade própria da vida adulta? Podemos ex- plicar a mudança deste pensamento pela modifica- ção no sentido de infância e educação que começa a se constituir especialmente a partir da orientação do âmbito religioso, e os preceitos da organização social em formação, os princípios da Modernidade. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, porém, es- tabeleceu-se um compromisso que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, funda- mentalmente diferente da atitude antiga. Esse compromisso nos interessa aqui porque é tam- bém um testemunho de um novo sentimento da infância: uma preocupação, antes desconhe- cida, de preservar sua moralidade e também de educá-la, proibindo-lhe os jogos então clas- sificados como maus, e recomendando-lhe os jogos então reconhecidos como bons (ARIÈS, 1981, p. 92). Assim, caro(a) aluno(a), em nome da constituição moderna de educação em busca de um comportamen- to moralmente aceito e de uma infância que necessita- va de educação – que é a base da educação vigente até hoje –, inicia-se um processo de regulação mais rígida dos comportamentos em relação ao jogo e a brinca- deira. As atividades lúdicas e coletivas têm diminuído sua importância na vida comunitária, sendo denotada a elas uma importância secundária, ao ponto de pas- sarem a ser mais características de uma fase da vida: a infância. Neste contexto, insere-se a atividade que passa a ter mais valor na vida dos adultos, o trabalho. Os considerados jogos de azar são, ainda, desenvol- vidos nos dias de hoje, não sem deixar de lado o enten- dimento de que são jogos potencialmente perigosos. Essa noção de imoralidade, segundo Ariès, foi sendo moldada e modificada na forma de desenvolver esses jogos, diminuindo o papel do azar, da aposta a dinheiro e valorizando o aspecto do desenvolvimento intelectual do jogador, como no caso dos jogos de xadrez e cartas. De acordo com o autor, outra atividade que teve seu paradigma de desenvolvimento modificado jun- to às novas exigências ao homem que se constitui como moderno foi a dança. Tanto a dança quanto os jogos de azar eram expressões lúdicas e comu- nitárias, desenvolvidas por crianças e adultos, que tiveram suas manifestações alteradas com o tempo. Entretanto, à dança não foi empregado o sentido de proibição e de julgamento moral como aos jogos de azar que acabamos de relatar. Na Idade Média, os próprios religiosos dança- vam em comemorações e celebrações, pois a dança tinha uma conotação de integração, não sexual e de encontro entre pares do sexo oposto. É importante destacarmos a diferença entre as normas que pas- sam a valer para a dança e os jogos de azar, pois, assim, podemos aprender sobre EDUCAÇÃO FÍSICA 19 [...] a indiferença da sociedade antiga com rela- ção à moralidade dos divertimentos. Por outro lado, porém, ele permite avaliar melhor o rigor da intolerância das elites reformadoras (ARIÈS, 1981, p. 89). Sendo assim, até aqui explicitamos o processo de valoração dos jogos, dança, música e brincadeiras na vida comunitária, e como tinham papel de des- taque no cotidiano das pessoas. Com o advento da Idade Média e um aumento do sentido de privação e regulação de muitas expressões da vida do homem, o jogo e a brincadeira, que estudamos neste tópi- co, passaram a ter seu desenvolvimento orientados por um novo paradigma de moralidade, a partir do entendimento de que os impulsos gerados por esta prática deveriam ser controlados para que os ho- mens fossem mais obedientes e educados. [...] essa paixão que agitava todas as idades e todas as condições, a Igreja opôs uma reprova- ção absoluta. Ao lado da Igreja, colocaram-se também alguns leigos apaixonados pelo rigor e pela ordem, que se esforçavam para domar uma massa ainda selvagem e para civilizar costumes ainda primitivos. A Igreja medieval também condenava o jogo sob todas as suas formas, sem exceção nem reservas, e particularmente nas comunidades de clérigos bolsistas que deram origem aos colégios e às universidades do An- cien Régime (ARIÈS, 1981, p. 92). Diante de tantas proibições e regulações da Idade Mé- dia, como a constituição do Renascimento, emergem outras concepções pedagógicas. Baseado no fato de que a felicidade é importante e o corpo não é apenas fon- te de pecado e objeto de castigos, o jogo volta à cena. Jogar volta a ser incorporado ao cotidiano dos jovens como uma tendência natural (KISHIMOTO, 1995). De acordo com a autora, atividades que foram condenadas como ruins na Idade Média, especial- mente as relacionadas aos exercícios físicos, como exercícios de barra, corridas, jogos de bola - pare- cidos com o futebol e o golfe -, voltam aos poucos a serem praticados com o Renascimento. Podemos afirmar que a atitude radical de proibi- ção do jogar e do brincar, instituída na Idade Média, não foi atendida em absoluto e foi perdendo força ao longo do século XVII. Segundo Ariès, essa diminui- ção foi ocorrendo especialmente sob influência de um grupo da própria Igreja, os jesuítas, que destaca- vam o potencial educativo dos jogos. É importante apontarmos que, nos colégios jesuítas, os jogos eram desenvolvidos com o sentido de educar, de empregar à expressão humana do jogar uma funcionalidade, jogar com fim de educar. Os padres com a função de educar compreende- ram que não era possível inibir totalmente o dese- jo pelo jogar, pelo brincar. Desta forma, passaram, então, a permiti-lo desde que o controle de seu de- senvolvimento fosse realizado pelas autoridades das escolas. Assim, o jogo dentro das escolas passou a ser admitido, com a condição de que fossem reco- mendados alguns tipos de jogos reconhecidos como bons e que passassem pelo crivo e regulamentação para que ocorressem de forma disciplinada. Neste novo paradigma, o jogo constitui-se como um meio de educar as pessoas. Podemos compreender que atividades, até en- tão condenadas como imorais pelos afoitos mora- listas do período, começaram a ser admitidas em uma nova roupagem e sentido com mais rigor e disciplina: 20 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Reconhecemos as salas de aula, a biblioteca, mas também a aula de dança, e o jogo da péla e de bola. Um sentimento novo, portanto, apareceu: a educação adotouos jogos que até então havia proscrito ou tolerado como um mal menor. Os jesuítas editaram em latim tratados de ginástica que forneciam as regras dos jogos recomenda- dos. Admitiu-se cada vez mais a necessidade dos exercícios físicos (ARIÈS, 1981, p. 95). Podemos perceber que, neste momento da história do conteúdo que estamos estudando, os jogos pas- sam a ter um status de conhecimento, de aprendiza- gem e têm mais valoração na nova organização so- cial: ensinar e suprir as necessidades educativas dos jovens. Os tratados educacionais que orientam a boa educação do período contêm orientações a respeito de exercícios físicos e jogos indicados para os jovens em formação. Na relação entre educação e jogos, no fim do século XVIII, foi atrelada uma função importante: preparar os corpos e os espíritos dos jovens para as guerras, para constituir-se como um bom de- fensor da nação e de trabalhador de excelência, eficiente para contribuir com a força de trabalho desta nação. Os exercícios físicos, os jogos e o que passou a ser chamado de Educação Física foram compreendidos e utilizados como uma maneira eficiente para forjar o corpo do combatente e do jovem trabalhador. Assim, caro(a) aluno(a), temos um cenário de distanciamento do caráter lúdico e de produção de sentidos que deveriam estar atrelados às expressões do jogar e do brincar, que são as bases e fundamen- tos desta expressão. Temos em detrimento dessas ca- racterísticas uma funcionalidade empregada ao jogo de preparação do corpo e do espírito para o combate e para o trabalho. Assim, sob as influências sucessivas dos pedago- gos humanistas, dos médicos do Iluminismo e dos primeiros nacionalistas, passamos dos jogos violentos e suspeitos da tradição antiga à ginás- tica e ao treinamento militar, das pancadarias populares aos clubes de ginástica. Essa evolução foi comandada pela preocupação com a moral, a saúde e o bem comum (ARIÈS, 1981, p. 95). Paralela a essa especialização dos jogos atrelados à função de treinamento educativo, temos também, no desenvolvimento da história dos jogos, brinca- deiras e brinquedos, a realocação do sentido do jogo relacionado à idade das pessoas e da condição social que elas têm. Como já afirmamos, na Idade Média, esta distin- ção entre classes e idades no que se referia aos jogos era muito sutil. Segundo Ariès, uma das poucas dis- tinções marcadas era em relação à prática dos jogos de cavalaria, que era reservada aos cavaleiros e aos adultos, sendo proibidos aos plebeus e aos petizes, mesmo que fossem nobres. Ariès afirma que este é um dos fatos que mar- cam, pela primeira vez, o hábito de proibir crianças e plebeus de participar de jogos coletivos. Esta di- visão social do hábito de jogar ocorre no contexto da constituição do entendimento de que a infância deve ser educada e que nobres e plebeus não devem partilhar dos mesmos hábitos. Entretanto, esta divisão entre nobres e plebeus em diversas atividades cotidianas não se constituiria como uma realidade por completo até que a função social dos nobres acabasse e tivéssemos a ascensão da [...] burguesia, no século XVIII. No século XVI e no início do século XVII, numerosos docu- mentos iconográficos comprovam a mistura das classes sociais durante as festas sazonais (ARIÈS, 1981, p. 98). EDUCAÇÃO FÍSICA 21 As festas sazonais são realizadas em determinadas épocas do ano, podendo estar relacionadas ao calen- dário da agricultura ou religioso, como Natal, Festas de Reis, Terça-feira gorda. Há registros de diferentes idades e classes reunidas nestas festividades em tor- no de música, danças e jogos, como arremesso da barra, lutas, corridas e competições de saltos. Na sociedade antiga, o trabalho não ocupava tanto tempo do dia, nem tinha tanta impor- tância na opinião comum: não tinha o valor existencial que lhe atribuímos há pouco mais de um século. Mal podemos dizer que tivesse o mesmo sentido. Por outro lado, os jogos e os divertimentos estendiam-se muito além dos momentos furtivos que lhes dedicamos: forma- vam um dos principais meios de que dispunha uma sociedade para estreitar seus laços coleti- vos, para se sentir unida (ARIÈS, 1981, p. 79). A divisão social das classes e o valor do trabalho constituem-se como centrais com o advento da bur- guesia. Neste contexto, no âmbito que estamos estu- dando, o brincar e jogar entre crianças e adultos não pode mais ocorrer da mesma forma e a separação entre estes grupos fica mais evidente no desenvolvi- mento da cultura lúdica. Sobre os jogos praticados por adultos e a evolu- ção para serem jogos típicos do repertório infantil, Ariès (1981) nos ilustra com muitos exemplos, entre eles o arco, que na Idade Média não era um utensí- lio de crianças pequenas e sim de crianças maiores - que atualmente chamamos de adolescentes -, que aparecem em registros utilizando o artefato em di- versas situações, inclusive em danças. Entretanto, no fim do século XVII, o arco começa a ser retratado nas mãos de crianças cada vez menores, até o seu desaparecimento como brinquedo predominante. O autor relaciona essa diminuição da brincadeira com arco entre as crianças ao fato de que, para a brinca- deira existir, é preciso estabelecer uma relação entre o brincar da criança e a atividade do adulto, que há muito, no caso do arco (com exceção da expressão esportiva), não ocorre cotidianamente. Podemos indagar a respeito do que move estas alterações no curso de apropriação e desenvolvimen- to do jogo, do brinquedo e da brincadeira, e como afirmamos no início deste tópico, são os fenômenos sociais e a forma de organização social vigente. Philipe Ariès nos brinda com uma análise extensa sobre o brincar e a concepção de infância e educação da sociedade antiga, passando pela Idade Média e che- gando à modernidade, dentro dos padrões e população que ele dedicou-se a estudar, a francesa. Iniciamos com uma análise que, entre crianças e adultos, e em todas as classes, os jogos e brincadeiras eram muito semelhan- tes. Ele destaca que, gradativamente no desenvolvi- mento histórico, os adultos das classes mais abastadas vão abandonando os jogos e estes se mantêm entre as pessoas mais pobres e as crianças das classes ricas: É verdade que na Inglaterra os fidalgos não abandonaram, como na França, os velhos jogos, mas transformaram-os, e foi sob formas moder- nas e irreconhecíveis que esses jogos foram ado- tados pela burguesia e pelo “esporte” do século XIX. É notável que a antiga comunidade dos jo- gos se tenha rompido ao mesmo tempo entre as crianças e os adultos e entre o povo e a burgue- sia. Essa coincidência nos permite entrever des- de já uma relação entre o sentimento da infância e o sentimento de classe (ARIÈS, 1981, p. 105). A infância e o seu desenvolvimento atrelado ao brincar passam a ser alvo de estudos, destacando-se fortemente, a partir das pesquisas de Rousseau, no século XVIII - em sua obra Emílio -, uma educação que deve corresponder as características infantis. 22 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Posteriormente, temos a ascensão, no século XIX, dos estudos da psicologia infantil, que procuraram entender as representações infantis e o brincar. In- fluenciando inúmeras teorias e reflexões sobre o en- sinar e a infância, podemos destacar os estudos de Piaget e Vygotsky, entre outros pesquisadores. Neste contexto, desenvolvendo debates sobre a infância e o brincar, temos, ainda, pesquisas que con- sideram o brincar como uma construção cultural e que sofre a influência do contexto histórico e cultural para a constituição de suas formas, significados e des- dobramentos na sociedade. Esta forma de compreen- der a linguagem lúdica, segundo Kishimoto (1995, p. 41), “[...] faz emergir a valorização dos brinquedos e brincadeiras tradicionais como nova fonte de conhe- cimento e de desenvolvimento infantil”. Temos a as- censão de jogos e brincadeiras com fins pedagógicos, como os jogos históricos, científicos e educativos.Dentro do desenvolvimento da história que con- tamos aqui sobre o brincar e o jogar, temos que des- tacar a trajetória dos brinquedos. A expansão dos brinquedos está atrelada - assim como o brincar e o jogar - à forma de organização social e econômica vigente. A história do brinquedo, no contexto do sé- culo XIX e XX, está fortemente relacionada à busca pela expansão do capital e do comércio europeu. Walter Benjamin nos conta que, antes do século XIX, os brinquedos não eram fabricados por especia- listas nesta produção, eles eram construídos com mate- riais nobres, como madeira e estanho, feitos de maneira artesanal. Isto conferia ao brinquedo uma característi- ca única, construído por profissionais de outras áreas, [...] assim como se podiam encontrar animais talhados em madeira com o marceneiro, assim também soldadinhos de chumbo com o cal- deireiro, figuras de doce com o confeiteiro [...] (BENJAMIN, 2002, p. 90). Figura 2 - Meninos no balanço, 1960, Portinari. Óleo sobre tela 61x49 cm Fonte: Museu da infância ([2017], on-line)2. Por outro lado, na constituição de um comércio mais organizado, existia a figura do exportador de brinquedos, que reunia, inicialmente em Nurem- berg, os brinquedos originários das manufaturas e das indústrias domésticas e os distribuía no comér- cio pequeno. Esta forma de comércio impulsionou a fabricação de objetos menores, para decoração das casas e admiração de crianças e adultos pelas minia- turas (BENJAMIN, 2002). EDUCAÇÃO FÍSICA 23 Na segunda metade do século XIX, com o obje- tivo de atender à nova forma de escala de produção, houve a diminuição da produção dos brinquedos pequenos para a produção de brinquedos maiores, com menos detalhes, com materiais e formas mais padronizadas. Os brinquedos, então, são produzidos e têm sua disseminação estimulada pela associação entre brincar e instruir, ressaltando a funcionalidade deste objeto nos jogos pedagógicos. muitas vezes, em nome de construir um imaginário adaptado ao modo de produção capitalista, retiram das crianças a verdadeira potencialidade da criativi- dade, coletividade, ludicidade e da educação. Movidos pelo intuito de alavancar sempre a di- nâmica do consumo - não são poucos os exemplos de quando a criança conquista um brinquedo visto em uma propaganda e logo deseja outro -, os brin- quedos e brincadeiras são constituídos como um elemento chave para nutrir este mercado. Entretan- to, reivindicamos aqui uma história destes elemen- tos como construções humanas e formas de expres- são durante as diferentes épocas. Sobre sua composição, passam a ficar mais adapta- dos aos gostos da criança, que é reconhecida como uma consumidora em formação. Os materiais uti- lizados são mais diversificados que anteriormente, produzidos em larga escala e com restrições relacio- nadas à segurança que o objeto oferece (KISHIMO- TO, 1995). A história do brinquedo e do brincar, nos sé- culos XV ao XIX, passa a estar atrelada à lógica mercantil, no intuito de moldar o consumo destes bens. Contudo, então, devemos negar a apropriação dos brinquedos neste contexto capitalista? Arruda (2011) explicita que não, mas que precisamos ter a dimensão de que estes brinquedos industrializados, É necessário debater sobre os efeitos da mídia relacionada aos jogos, brinquedos e brincadeiras em nosso país, com crianças, adolescentes, pais, professores e instâncias que regulam o entretenimento. REFLITA A ação educativa do(a) professor(a)/profissional de Educação Física que atua com estes conteúdos deve sempre considerar a constituição histórica dos jogos, brinquedos e brincadeiras. Esta compreensão histó- rica orienta e dá sentido às práticas e ações lúdicas que vivenciamos nos dias atuais. Saber a origem his- tórica destes elementos deve nos nutrir de mais ele- mentos para, como professores(as) junto às crianças, sermos pontos de resistência e ensinar e estimular a vivência de jogos, brinquedos e brincadeiras distan- ciados, com valor simbólico de consumo. 24 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Prezado(a) aluno(a), neste item vamos nos dedicar a uma tarefa difícil: quando tratarmos da linguagem dos jogos, brincadeiras e brinquedos, buscaremos eluci- dar compreensões conceituais desses fenômenos. Vamos a um exemplo: amigos estão em uma quadra brincando de queimada; o jogo tem regras; há um objeto que é a bola. Eles se divertem, mas competem entre si para ver qual time queima mais rápido os oponentes (Figura 4). Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Questões Conceituais Figura 3 - Crianças brincando de roda, 1872, Hans Tomas. Óleo sobre tela 115x161 cm. Fonte: Rafael Faversani (2013, on-line)3. EDUCAÇÃO FÍSICA 25 Temos uma situação corriqueira explicada com a utilização de termos que se entrecruzam: a brinca- deira e o jogo. Com o uso de um objeto, a bola, que pode, ou não, ser considerada um brinquedo, dependendo da situação em que for utilizada. Esta é apenas uma ocorrência que demons- tra a complexidade destes termos, suas inúmeras formas de interpretação e a complexidade destas formas de expressão. Poderíamos, ainda, debater a nomenclatura utilizada para explicar a brinca- deira, a queimada, que em muitos lugares pode ser chamada de queima, caçador, bola queimada, carimbada. Seria possível debater sobre este jogo ocorrendo no recreio da escola, qual tipo de bola mais adequada, como eles delimitam o espaço para jogar, quem definiu as regras da brincadeira. Isto é, temos uma infinidade de questionamentos pos- síveis a partir de uma expressão da vida humana, de um momento de organização coletiva, como o explicado anteriormente. Chega João e pergunta: na próxima rodada pos- so brincar? Eles respondem: sim, mas você sabe jo- gar? Ele responde: sim! Figura 4 - Jogo de queimada Desta forma, vamos explicitar aqui elementos a respeito do jogo, da brincadeira e do brinquedo sem a pretensão de fechar, em apenas uma possibilidade, seus conceitos. Com esta colocação, pretendemos não reduzir suas inúmeras possibilidades conceitu- ais e contribuições realizadas por diversos pesquisa- dores que se dedicaram a estudar a área. Em geral, estas manifestações estão relacionadas à infância em nosso imaginário. Podemos compre- ender uma das facetas desta questão quando relem- bramos que ao jogo e à brincadeira, na modernida- de, foi dado um sentido de expressão pouco sério ou importante na organização da sociedade em detri- mento do trabalho. Assim, a etapa da vida em que mais identificamos o desenvolvimento do jogar e do brincar na atualidade realmente é a infância, entre- tanto, esta não é (ou não deveria ser) uma expressão única desta fase de desenvolvimento da vida. Em muitas línguas, o conceito de jogo e brinca- deira é utilizado no mesmo sentido. Assim, quando pretendemos debater sobre este conceito, precisamos atentar para esta questão e destacar o “lugar” de que estamos tratando o conceito. Temos inúmeras pes- quisas que tratam destas linguagens em muitas áreas, como na psicologia, antropologia, sociologia, filoso- fia e, ainda assim, dentro destas áreas, com matrizes teóricas diversas, como o funcionalismo, materialis- mo histórico dialético, fenomenologia, entre outras. SOBRE O JOGO Começaremos nossa busca conceitual tratando so- bre o jogo e os conceitos mais debatidos e utilizados no campo educacional, especialmente nos estudos referentes à Educação Física. Partiremos aqui das contribuições de Tizuko Morchida Kishimoto, João Batista Freire, Johan Huizinga, Roger Caillois e Da- 26 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS niil Elkonin. Alertamos que trataremos de questões pontuais a respeito desses teorias, mas que serão mais bem debatidas no desenvolvimento da nossa disciplina e que, para um necessário aprofundamen- to, exigirão de você leituras dos próprios autores aqui citados. Segundo Paíva (2005), a palavra jogo pode ser uti- lizada com vários sentidos e o autor exemplifica que ela pode ser utilizada para nomear desde elementosque combinam entre si, como jogos de copos, até uma ação, como jogar cartas. Diante desta diversidade de significados, o autor nos diz que “Para palpar a espes- sura de tal universo de significados, há que somar ao uso do termo em forma direta o emprego em forma indireta ou figurada” (PAIVA, 2005, p. 248). Brunhs (1996) explicita que, para considerar- mos uma atividade como jogo, devemos, pelo me- nos, considerar cinco critérios para esta reflexão. O primeiro critério exposto pela pesquisadora trata do aspecto desinteressado do jogo, que pode ser questionado, pois durante seu desenvolvimento há muita preocupação e interesse dos participantes em torno de diversos elementos, por exemplo: as regras, as conquistas, vitória e derrota no jogo. O caráter de seriedade distancia-se do que seria sério na lógica do consumo. O jogo apresenta relações considera- das sérias, pelo menos naquele momento, para os envolvidos no jogar. O segundo critério que temos que levar em con- sideração, para Brunhs (1996), é a relação entre jogo e prazer. Muitas possibilidades e vivências de jogo podem resultar em prazer, assim como outras que não envolvem o jogar e que resultam neste sentimen- to. Entretanto, para a autora, esta não é uma certeza em todas as situações de jogo. O jogo pode provocar sentimentos desagradáveis, frustrações, assim como outras atividades desenvolvidas pelos homens. A desorganização é outro elemento atribuído com frequência ao jogo. Esta característica pode ser desta- cada por uma pessoa que observa superficialmente a situação de jogo e presencia a agitação, barulho e mo- vimentação. No entanto, nesta vivência, estão implica- dos diversos elementos organizacionais para que ocor- ra o jogo. Brunhs (1996) aponta que nestas situações de identificação de desorganização, quando um adulto pretende corrigir a situação impondo mais ordem, [...] a quebra da espontaneidade é nítida e os movimentos antes soltos e dinâmicos, preen- chendo um espaço determinado, tornam-se “presos”, com a mobilidade reduzida, assim ocorrendo também com a dinamicidade (BRU- NHS, 1996, p. 29). Este tipo de intervenção buscando uma ordem, mui- tas vezes, não atenta para as regras já estabelecidas e a organização própria daquela ação. O quarto critério que temos que considerar é a afirmação de que o jogo é espontâneo. Este critério origina-se na diferenciação que alguns fazem entre: [...] “jogos superiores”, constituídos através da ciência e da arte, e os “não-superiores”, aqueles simples e puros. Tal postura conduziria a um polo de atividades controladas pela sociedade e pela realidade, e outro de atividades verdadei- ramente espontâneas porque não-controladas (BRUNHS, 1996, p. 30). Brunhs (1996) aponta como último critério, comu- mente utilizado na constituição do debate conceitual sobre o jogo, o da libertação dos conflitos, que estaria relacionado, na situação de jogo, à supressão e resolu- ção naquela ação de possíveis problemas ou conflitos. Este entendimento é muito utilizado em técnicas de ludoterapia na psicologia: EDUCAÇÃO FÍSICA 27 Nessa perspectiva, na área do jogo, a criança utilizaria seu domínio sobre os objetos, organi- zando-os de tal forma, supondo-se proprietária dos destinos da viola, transformando passivi- dade em atividade (BRUNHS, 1996, p. 30). Tendo isso em vista, o jogo precisa ser problematizado em sua dimensão de significação individual e coletiva. Diante dos critérios que precisamos levar em consideração na análise conceitual de um jogo, podemos agora elucidar para você, prezado(a) alu- no(a), alguns elementos conceituais sobre o jogo. Para Johan Huizinga, autor da obra clássica Homo Ludens, o jogo é parte constituinte da cultura do homem. Entretanto, para o autor, o jogo é ante- rior à própria cultura e essa afirmação dá-se devido ao fato de que até os animais brincam, ou seja, eles não dependeram do homem para que sua atividade lúdica fosse desenvolvida. O jogo não é um fenômeno apenas fisiológico ou psicológico, ele ultrapassa essas esferas. Para Hui- zinga, o jogo tem: [...] uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se expli- ca nada chamando “instinto” ao princípio ativo que constitui a essência do jogo; chamar-lhe “es- pírito” ou “vontade” seria dizer demasiado. Seja qual for a maneira como o considerem, o sim- ples fato de o jogo encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material em sua própria essência (HUIZINGA, 2000, p. 4). O autor explicita que algumas teorias que buscaram explicar o jogo - especialmente as de base fisioló- gica e psicológica - incorrem no mesmo princípio de atrelar ao jogo um sentido externo a ele mesmo. Buscam conceituar o jogo relacionado a uma finali- dade biológica, distanciando-se do real entendimen- to de jogo com sentido em si. Elementos como intensidade e poder de fascinação pelo jogo não podem ser mensurados a partir de análi- ses quantitativas e biológicas. Assim, podemos afirmar que realizar apenas estas inferências sobre o fenômeno do jogar não contempla sua compreensão, pois é “[...] nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a característi- ca primordial do jogo” (HUIZINGA, 2000, p. 6). O jogo está relacionado a nossa esfera irracional, “Se brincamos e jogamos, e temos consciência disso, é porque somos mais do que simples seres racionais, pois o jogo é irracional” (HUIZINGA, 2000, p. 7). O jogo também é considerado uma atividade vo- luntária que nos dispomos a realizar e também ca- racteriza-se pela liberdade. Para o autor, [...] o jogo não é vida ‘corrente’ nem vida ‘real’. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria (HUIZINGA, 2000, p. 10). Assim, o homem tem total noção de quando reali- za uma ação por estar brincando ou quando é uma ação da vida “real”. Entretanto, este entendimento de que a situação do jogo “é de mentira” ou de “faz de conta” não o limita a não ser sério. O jogo tem muita relevância para seu executor e a possibilidade de jogar pode ser uma experiência muito intensa, ao ponto de que, para Huizinga (2000, p. 10), “Todo jogo é capaz, a qual- quer momento, de absorver inteiramente o jogador”. O jogo em seu caráter desinteressado caracteri- za-se pelo fato de ser exterior à vida comum, como uma atividade temporária, um intervalo e “tem uma finalidade autônoma e se realiza tendo em vista uma 28 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS satisfação que consiste nessa própria realização” (HUIZINGA, 2000, p. 10). Contudo, considerando todas suas facetas, o jogo passa a ser um elemento da vida, [...] toma-se uma necessidade tanto para o in- divíduo, como função vital, quanto para a so- ciedade, devido ao sentido que encerra, à sua significação, a seu valor expressivo, a suas asso- ciações espirituais e sociais, em resumo, como função cultural (HUIZINGA, 2000, p. 11). Para Huizinga, esse é o cerne da conceituação de jogo como um fenômeno cultural. Outra referência importante quando tratamos de jo- gos é Roger Caillois, antropólogo e ensaísta francês que desenvolve teorias sobre o homem, o jogo, o lú- dico, o profano e o sagrado, o mito, o ritual, a festa e as diferentes culturas. No livro Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem, de 1967, estrutura uma im- portante contribuição na nossa área a respeito dos jogos (LARA; PIMENTEL, 2006). Para Caillois, inúmeras atividades são atribuí- das à nomenclatura jogo, como os de destreza, de azar, ao ar livre, de paciência, entre outros. O jogo, no entendimento do autor, está atrelado a inúme- ras características, como a diversão, a atmosfera de descontração, facilidade, riso ou liberdade, distanciamento da seriedade e das consequências que pode ter na vidareal. O jogo nesta concepção é oposto ao trabalho e à produção, constitui-se como estéril. Todas estas características conferem, segun- do Caillois, um de seus eixos mais importantes: a gratuidade. A gratuidade que entramos para jo- gar é seu cerne, que permite que nos entreguemos ao jogo com indiferença, distanciando-o do que seriam atividades produtivas, como o trabalho. Neste sentido, prezado(a) aluno(a), quando nos dispomos a jogar [...] cada um de nós se convence de que o jogo não passa de uma fantasia agradável e de uma vã distração, quaisquer que sejam o cuidado que nele se ponha, as faculdades que nele se mobili- zem, o rigor que ele exija (CAILLOIS, 1967, p. 9). Caillois também designa as diversas possibilidades do jogo e que este basicamente pode ser chamado assim, entre outras proposições, pois têm definido se é ou não um jogo a partir do estabelecimento de Considerações de Roger Caillois à obra de Johan Huizinga: “Cabe à Huizinga a [...] honra de ter analisado magistralmente numerosas características fundamentais do jogo e de ter demonstrado a importância do seu papel no próprio desen- volvimento civilizacional. [...] mas se descobre o jogo onde, antes dele, ninguém soube reco- nhecer a presença ou a sua influência, omite deliberadamente a descrição e a classificação dos próprios jogos, como se todos respondes- sem às mesmas necessidades e exprimissem, de forma indiferente, a mesma atitude psico- lógica. A sua obra não é um estudo dos jogos, mas uma pesquisa sobre a fecundidade do espírito de jogo no domínio da cultura. [...] a parte da definição de Huizinga que apresenta o jogo como uma acção destituída de qualquer interesse material exclui pura e simplesmente as apostas e os jogos de azar. [...] para o bem ou para o mal, ocupam precisamente uma parte importante na economia e na vida quo- tidiana de diversos povos. Fonte: Caillois (1967, p. 23–24). SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 29 um agrupamento de regras e normas que não po- dem ser quebradas. Se as regras forem quebradas, fundamentalmente o próprio jogo acaba. E o que faz a regra ser imposta no ato do jogo? O próprio desejo de jogar, de respeitar as regras da atividade, de en- trar em acordo voluntariamente. Outro traço que caracteriza o jogo, para o au- tor, é que ele estimula qualquer capacidade huma- na, seja ela física, seja intelectual. Este estímulo é possível, pois pode tornar mais acessível e fácil, por meio do prazer e obstinação que o jogo proporcio- na, o que poderia a princípio ser considerado difí- cil ou inacessível para quem joga. Exemplifica que o jogo competitivo, por exemplo, leva ao desporto; que os jogos de azar e de combinação serviram de base para muitos “[...] desenvolvimentos matemá- ticos, de cálculos de probabilidades à topologia” (CAILLOIS, 1967, p. 15). Sobre as contribuições do jogo, Caillois aponta que este é muito fecundo para o desenvolvimen- to cultural, como também ao desenvolvimento de cada indivíduo, e nos conta que os estudos da psicologia detectaram este potencial: “[...] reco- nhecem-lhes um papel vital na história da auto-a- firmação da criança e na formação de sua persona- lidade” (CAILLOIS, 1967, p. 15). O jogo, na teoria desenvolvida por Caillois, não prepara o sujeito para o trabalho que desen- volverá na vida adulta, ele é apenas, aparentemente, uma experimentação do trabalho. O jogo introduz a pessoa na sua vida de maneira geral, no todo, levando-o a desenvolver capacidades frente às di- ficuldades da vida, não para preparar o indivíduo para uma profissão definida. Assim, uma criança que brinca de ser professora e se posiciona em fren- te a seus amigos para ministrar uma aula não vai, necessariamente, ser professora. Para Caillois (1967, p. 16), O jogo supõe, sem dúvida a vontade de ganhar, pela utilização plena dos recursos e pela exclu- são das jogadas proibidas. Mas exige mais: é preciso ser cortês para com o adversário, dar- -lhe confiança, por princípio, e combatê-lo sem animosidade. É preciso aceitar antecipadamen- te uma eventual derrota, o azar ou a fatalidade, admitir a derrota sem cólera nem desespero. Desta forma, o jogo nos convida a desenvolver o au- todomínio relatado acima, pressupõe que, para ser um jogador, precisamos compreender estes acordos. Se ocorrer a derrota, pode ser realizada uma nova jogada, o jogo pode recomeçar e, em um novo jogo, existe a oportunidade de aperfeiçoar sua performance ao invés de desanimar frente ao jogo. A lei do jogo, para o autor, implica acolher uma derrota como um contratempo e a vitória sem excessiva vaidade, valorizando como se joga em detrimento da vitória em si e mais importante que o que se aposta. Esta lei que recusa a mesqui- nhez e o ódio é “praticar um ato de civilização” (CAILLOIS, 1967, p. 17). Caillois afirma que O jogo assenta indubitavelmente no prazer de vencer o obstáculo, mas um obstáculo arbitrá- rio, quase fictício, feito à medida do jogador e por ele aceite. A realidade não tem estas aten- ções (CAILLOIS, 1967, p. 18). Deste modo, o jogar é colocado com transposições a serem superadas, mas estas são quase inventadas, com um traço importante: as regras são aceitas pelas partes que compõem o jogo para que este se desenvolva. Destarte, o autor nos aponta, prezado(a) alu- no(a), que o jogo caracteriza-se por ser “[...] uma atividade livre e voluntária, fonte de alegria e diver- 30 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS timento. Um jogo em que fôssemos forçados a par- ticipar deixaria imediatamente de ser jogo” (CAIL- LOIS, 1967, p. 26). Se o jogo fosse realizado de forma coercitiva, ou apenas recomendado, perderia sua essencialida- de. Quando nos impõem que façamos algo, temos a necessidade de nos livrarmos rapidamente daquela tarefa e se assim for no jogo, para Caillois, perde-se uma de suas principais características: a liberdade de escolha, de se entregar livremente àquela atividade por puro prazer. O jogo, para o autor, também ocorre em um de- terminado tempo e espaço. Desenvolvendo-se como uma atividade separada do restante da vida dos in- divíduos. Por exemplo, em relação ao espaço, se uma bola sai da área determinada para se jogar peteca em duplas (espaço), o jogo é paralisado (tempo) e são aplicadas as penalidades determinadas, então o jogo é retomado no local determinado (espaço) e tem sua duração determinada por algum sinal, como um apito (tempo). Assim, Caillois (1967, p. 29) nos apresenta as principais características do jogo em seis elementos: 1-Livre: uma vez que, se o jogador fosse a ele obrigado, o jogo perderia de imediato a sua natureza de diversão atraente e alegre; 2-De- limitada: circunscrita a limites de espaço e de tempo, rigorosa e previamente estabelecidos; 3-Incerta: já que o seu desenrolar não pode ser determinado nem o resultado obtido pre- viamente, e já que é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador uma certa liberdade na necessidade de inventar; 4-Improdutiva: por- que não gera bens, nem riquezas nem elemen- tos novos de espécie alguma; e, salvo alteração de propriedade no interior do círculo dos jo- gadores, conduz a uma situação idêntica à do início da partida. 5-Regulamentada: sujeita a convenções que suspendem as leis normais e que instauram momentaneamente uma legisla- ção nova, a única que conta; 6-Fictícia: acom- panhada de uma consciência específica de uma realidade outra, ou de franca irrealidade em re- lação à vida normal. O autor expõe que a característica de ser regulamen- tada e fictícia é contraditória e quase mutuamente excludente. O jogo é, anteriormente ao seu desen- volvimento, ou regulamentado ou fictício, consti- tuindo, para Caillois, como pontos incongruentes. Prezado(a) aluno(a), frente a estes conceitos elementares do jogo, baseados na contribuição de Roger Caillois, podemos destacar que o jogo não se forja apenas de uma maneira. Suas características são fruto de inúmeras combinações, nos permitindo afirmar que não é umfenômeno simples, pois é com- posto de inúmeros determinantes desde sua origem. Na busca pela conceituação de jogo, temos tam- bém a construção desenvolvida na Teoria Histórico- -Cultural, que discute o desenvolvimento humano, e neste processo também o jogo e a brincadeira. Uma das contribuições mais expressivas da área para a compreensão do jogo é desenvolvida por Daniil B. Elkonin, psicólogo, que estudou especialmente a educação escolar infantil e escreveu, entre outras obras, a Psicologia do Jogo. O autor trata da linguagem do jogo apoiado nos estudos e pesquisas de Lev Semenovitch Vygotsky, que assim como Elkonin, era psicólogo. Os estudos eram relacionados à brincadeira e ao desenvolvimen- to das crianças. Tratavam também de disseminar a compreensão da necessidade de superarmos concep- ções que naturalizam essa linguagem humana e que o jogo e a brincadeira são construções histórico-sociais. EDUCAÇÃO FÍSICA 31 Elkonin (1998, p. 19) explica que o jogo “[...] é uma atividade em que se reconstroem, sem fins uti- litários diretos as relações sociais”. Compreendendo que o jogo é a reconstrução de uma atividade relacio- nada à vida social, tarefas e normas destas relações. O autor assinala que existe uma afinidade entre o jogo e a arte. Na modernidade, não existem cons- tituições evoluídas de jogo entre os adultos, elas fo- ram substituídas pelas inúmeras formas de arte ou pelos diferentes esportes. Por outro lado, na infân- cia, o jogo de papéis persiste, ocorre nas mais diver- sas esferas na contemporaneidade. O jogo protagonizado [...] nasce no decorrer do desenvolvimento his- tórico da sociedade como resultado da mudan- ça de lugar da criança no sistema de relações sociais. Por conseguinte, é de origem e natureza sociais (ELKONIN, 1998, p. 80). A sua origem não tem relação com o instinto e na- tureza humana e sim com condições concretas que a criança vive. Marcolino et al. (2014), apoiados na teoria de- senvolvida por Elkonin, nos explicitam que a cons- tituição do jogo protagonizado pode ser explicado desde as sociedades primitivas, nas quais não havia ainda uma organização do modo de produção com complexificação das ferramentas, portanto, as crian- ças estavam inseridas no processo produtivo sem uma necessária habilidade prévia (processo de en- sinagem) junto com seus pais. Nos níveis interme- diários de evolução dos instrumentos de trabalho, estas ferramentas ficaram mais elaboradas, fazendo com que as crianças aprendessem algo sobre como manejar estes instrumentos. Com a constituição da indústria, fica mais difí- cil a inserção da criança no trabalho, tendo que ser feita com pessoas mais velhas a entrada no processo produtivo. Sendo assim, o jogo de papéis ou prota- gonizado nasce junto a [...] nova posição so cial da criança: como não pode ser inserida na sociedade através de uma atividade diretamente útil, ela reconstitui, por meio do jogo, esferas da vida adulta que não lhe estão dire tamente acessíveis (MARCOLINO et al., 2014, p. 98). A origem do jogo protagonizado está então pautada na aprendizagem nas relações sociais e na mediação educativa entre o adulto e a criança. Marcolino et al. (2014, p. 99), exemplificam que: As ações aprendidas na atividade com os adul- tos tornam-se lúdicas quando a criança trans- fere o uso de um objeto aprendido em uma ação para outras ações. Por exemplo: a criança aprende a pentear o cabelo com pente e passa a pentear as bonecas, e em outros casos pode usar uma régua para pentear a boneca. Os papéis que as crianças assumem nos jogos são o cerne destes, o que deve ser observado na evolução do jogo. Com diferentes idades, a criança compreende, se relaciona e desempenha diferentes papéis na situa- ção de jogo. O jogo tem como eixo central as relações humanas e não os objetos, pois são as relações com o adulto que motivam o jogo em si e não o artefato que a criança tem acesso (MARCOLINO et al., 2014). Sendo assim, a criança pode desenvolver o jogo sem o objeto em si e representar o papel. Por exem- plo, ela quer brincar de piloto de corrida de carros; não tendo um carrinho de brinquedo para pilotar, ela pode sentar em uma cadeira e fazer uma tampa de panela de volante para desempenhar o papel de piloto e brincar de corrida. 32 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Elkonin (1998) também afirma que o jogo pressu- põe uma ação lúdica abreviada e sintética. O que significa isso? Que a criança, quando reproduz uma situação no jogo, não a desenvolve em todos seus passos e características, ela se apropria de elementos que compreende e desenvolve a ação lúdica. O que é mais relevante neste processo é que to- dos os envolvidos compreendam o sentido do jogo protagonizado. Assim, no desenvolvimento do jogo de papéis, a criança reestrutura seu pensamento e estabelece seu desenvolvimento psíquico e sua per- sonalidade (MARCOLINO et al., 2014). Destarte, Elkonin (1998) discute e faz suas pro- posições sobre o jogo a partir de uma categoria cen- tral, o trabalho. A relação adulto-criança sustenta o que vai gerar o conteúdo e forma do jogo protagoni- zado. Ele constitui-se imbricado com a realidade em que dá-se o jogo, o contexto em que a criança que joga está inserida. Desta forma, o conceito de jogo protagonizado não pode ser compreendido distante ou desconsiderando a realidade. Prezado(a) aluno(a), temos inúmeras contribui- ções sobre a conceituação dos jogos. Como o enten- dimento do educador brasileiro João Batista Freire; de Jean Piaget, psicólogo suíço; de Henry Wallon, psicólogo e médico francês, dentre tantos outros que podemos citar que se dedicaram a refletir sobre esta forma de expressão humana. Esta abordagem realizada na disciplina, com três principais contribuições tão díspares uma das outras, a saber, de Johan Huizinga, Roger Caillois e Daniil Elkonin, deve ser entendida por você como um estímulo para que busque outras referências neste vasto universo do jogo. SOBRE A BRINCADEIRA Assim como afirmamos no início desta unidade, não existe uma separação tão estanque como reali- zamos aqui entre o jogo, a brincadeira e o brinquedo e nos organizamos assim para um melhor processo de aprendizagem. Iremos nos debruçar sobre algu- mas especificidades do brincar, considerando que muitos conceitos trabalhados anteriormente sobre o jogo correspondem também ao brincar. Se pudéssemos apontar uma diferença entre jogo e brincadeira - que é destacada por diversos pesquisadores da área -, seria o fato de a brincadei- ra ter regras menos complexas e estruturadas que o jogo. Os jogos, para os autores que apontam esta di- visão, têm na sua organização regras estabelecidas e formas mais sistematizadas a serem praticadas em detrimento da brincadeira. Por exemplo, brincar de “veterinário” pode ter regras modificadas e definidas na hora, se assim os participantes quiserem; se observarmos um jogo de três-corta (jogo que, em círculo, os participan- tes jogam a bola de voleibol e no terceiro toque o EDUCAÇÃO FÍSICA 33 jogador corta com a bola objetivando “queimar” algum adversário e eliminá-lo do jogo), existe uma complexidade maior nas regras e que foram acordadas entre os participantes antes, senão o jogo não iniciaria. Contudo, esta diferenciação entre jogo e brin- cadeira aqui, em nosso processo de aprendizagem, é secundária. Consideramos que ela reduz estas ex- pressões humanas e classifica algo que tem sua ri- queza justamente pautada na diversidade. Possivel- mente, este jogo que acabamos de exemplificar pode ter outra nomenclatura em um local distinto, pode ter suas regras modificadas, pode não ser jogado com o material que citamos, entre outros elementos. Quanto à brincadeira de veterinário, os brincantes podem definir várias regras e normas para a brinca- deira ser desenvolvida. Vamos nos atentar aqui a debater a partir do que já aprendemos sobre o conceito de jogo, ele- mentos que nos enriqueçam como professores(as)/ profissionaisem formação, para a compreensão da cultura lúdica da criança. Debortoli (2004), a partir da multiplicidade que é própria da brincadeira, a define como: Uma das formas mais sutis e sofisticadas de partilha de regras, por mais tácitas que se- jam. Uma brincadeira entrecruza histórias, tempos e espaços. Não se brinca apenas com um objeto. Brinca-se com uma memória coletiva que muitas vezes transcende quem brinca e o próprio momento da brincadeira: objetos, tempos, substâncias, regiões, épocas, cidades, países, estações do ano, rituais, os mais amplos e ricos contextos humanos. Pre- firo dizer que toda brincadeira consiste num jogo, no sentido mais pleno da construção de regras e instauração de uma dinâmica coleti- va de significação de suas relações (DEBOR- TOLI, 2004, p.20). Assim, a linguagem da brincadeira caracteriza-se por uma expressão que é fruto de elementos advin- dos das relações humanas às quais o brincante tem acesso. Não está relacionada a um determinado lo- cal ou tempo, ela pode dar-se em inúmeras situações e contextos. O brincar que se observa tem em si elementos atuais, representa as marcas da sociedade em que está ocorrendo. No mundo contemporâneo, com ca- racterísticas de prazer imediato, consumo, rapidez, relações superficiais e descartáveis, a brincadeira pode ser utilizada como instrumento para moldar comportamentos dos brincantes. Ela pode ser utili- zada como ferramenta que reproduz este sentido de sociedade e não a característica da brincadeira em si como expressão de criação e produção do mundo (DEBORTOLI, 2004). O brincar, assim como afirmamos em algumas pro- posições sobre o jogo, tem ligação expressa na e com a realidade. No brincar ocorre a reconstrução da realida- de e durante esta atividade a criança formula hipóteses, [...] Num espaço à margem da vida comum, obedecendo a regras criadas pelos sujeitos brincantes diante das situações inesperadas que vão surgindo, as crianças brincam com o senti- do da realidade mudando-o, transformando-o (SILVA, 2004, p. 26). Desvelando o potencial imaginativo e criador do brin- car é que destacamos como seu elemento constitutivo. É imprescindível que adultos, especialmente os(as) professores(as)/profissionais, compreendam as imensas possibilidades da brincadeira, em que um fato pode ser rapidamente modificado e ter todo o curso da brincadeira transformado. O brincar pode nos ensinar que é possível imaginar e criar ou- tras formas de existência e resistência. 34 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Como podemos observar isso? Se as crianças precisam de algo para complementar sua brincadei- ra, como incluir mais alguém na atividade, logo se organizam para isso: brincando de posto de gasoli- na, crianças têm diversas funções, mais uma criança chega e pede para ser incluída. E se os outros que- rem sua participação? Rapidamente, as crianças in- ventam mais uma bomba de gasolina para o novo brincante abastecer o carro. Questão resolvida. Desta forma, o brincar promove inúmeras formas [...] de produção dos sentidos, de nossa história e de nossa humanidade: se a história foi assim, ela pode ser diferente; podemos vivê-la, partilhá-la, experimentá-la de formas diferentes, sobretudo imponderáveis (DEBORTOLI, 2004, p. 24). Vygotsky (1991) nos apresenta a brincadeira como uma possibilidade de compreender e assimilar o mundo pela criança brincante. Na brincadeira, a criança enfrenta desafios e conflitos e nestas situa- ções vai desenvolvendo a capacidade de aprender e assimilar as normas da sociedade. Assim, a brincadeira, para o psicólogo, contribui como mediadora do processo de desenvolvimento infantil. Na brincadeira, a criança experimenta, imi- ta e aprende sobre situações que vão além do seu co- tidiano. Ela avança em outros territórios que ainda não pode vivenciar na infância, cria papéis e formu- la estratégias de como lidar com as situações geradas por aquela atividade. Podemos exemplificar com uma criança brin- cando de astronauta e vivenciando uma chuva de meteoros em sua espaçonave, tendo que lidar com as adversidades provocadas pela chuva. O potencial criativo da brincadeira é impulso para desvendar, tomar decisões e agir sobre as vivências construídas na situação de brincadeira. Estamos até agora tratando da brincadeira em si. Discutimos com você, prezado(a) aluno(a), signifi- cados e desdobramentos da brincadeira com seu sig- nificado nela mesma. Entretanto, esse não é o senti- do atrelado, muitas vezes, à brincadeira. Em geral, para a brincadeira ser reconhecida como importante na sociedade, ela tem seu significado relacionado a outro fator, um elemento externo. Neste sentido, para Debortoli (2004), a brinca- deira, para ter importância, precisa erroneamente, especialmente na visão do adulto, estar atrelada a algo sério e de valor, como com conteúdos ou habi- lidades. Desta forma, justifica-se a ocorrência delas em ambientes educacionais, por exemplo. Dizer que o brincar e a brincadeira são coisas sé- rias reforça uma tentativa de dar um estatuto de importância a partir da referência daquilo que o olhar adulto considera importante, como o trabalho e a ciência; ou outros conhecimentos, como a matemática, a leitura e a escrita, ou com- portamentos disciplinados e considerados como adequados. O brincar, assim, adquire importân- cia por subsidiar outras aprendizagens, mas não por seus temas, linguagem, tensões e suas rela- ções específicas (DEBORTOLI, 2004, p. 23). EDUCAÇÃO FÍSICA 35 Os significados, historicidade e sentidos da brinca- deira precisam ser mais bem compreendidos pelo mundo adulto. Esta busca desenfreada por dar um significado externo à brincadeira do que a ela mes- ma é motivada por uma lógica de que, para valer a pena, uma situação deve gerar um produto imediato. Por exemplo, considere que as crianças brin- quem de amarelinha, mas que devem resolver equações matemáticas para avançarem na brinca- deira. Um adulto poderia olhar a situação e dizer: isso sim é uma brincadeira boa para a criança, esta brincadeira se justifica na escola. Enquanto em ou- tra situação, se as crianças brincarem de amareli- nha com sua própria organização, sem elementos exteriores (por exemplo, as equações matemáticas), podem não ter a mesma relevância a partir do olhar de um adulto. Alves et al. (2011), a partir da leitura de Ben- jamin, nos aponta que na compreensão do mundo adulto sobre a brincadeira está implicada também o processo de memória. A relação e o olhar do adul- to para com o brincar são influenciados pelas expe- riências vivenciadas por ele com o brincar em sua constituição como pessoa aliada às condições con- cretas que um adulto vivencia. É nesse processo que podemos compreender como brinquedos e brincadeiras infantis docu- mentam o modo de o adulto se colocar em rela- ção ao mundo da criança, uma vez que signifi- cativas interações da criança com o adulto e seu universo social passam pelo brincar e uso de brinquedos. A memória do brincar é, portanto, um substrato que pode estabelecer liames entre passado e presente, entre distintas realidades espaciais e temporais, individuais e sociais (AL- VES et al., 2011, p. 49). Esta contribuição sobre a influência da memória do adulto e a relação com o brincar da criança é basea- da nos estudos de Walter Benjamin, filósofo e soci- ólogo alemão que aponta que as diversas vivências do brincar na infância constituem e fazem parte do adulto e de sua subjetividade. Benjamin (2002) também assinala outro traço pertinente ao brincar, que são os hábitos que a crian- ça se apropria nesta atividade, como o dormir, o ves- tir-se, o pentear-se, entre outros hábitos que podem ser aprendidos no brincar e no jogar. Segundo o autor, “o hábito entra na vida como brincadeira, e nele, mesmo em suas formas mais en- rijecidas, sobrevive até o final um restinho da brin- cadeira” (BENJAMIN, 2002, p. 102). Assim, mesmo os adultos mais enrijecidos pela vida tiveram a cons- tituiçãode sua subjetividade na brincadeira. Mesmo que se negue e que busque outros significados ao brincar, como no exemplo da amarelinha. Em seus estudos, Benjamin evidencia a relevância da repetição da brincadeira pelas crianças. A repetição [...] rege a totalidade do mundo do jogo [...]. Sa- bemos que para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do que o “mais uma vez”. [...] A criança volta a criar para si todo o fato vivido, começa mais uma vez do início. [...] A essência do brincar não é um “fazer como se”, mas um “fazer sempre de novo”, transforma- ção da experiência mais comovente em hábito (BENJAMIN, 2002, p. 102-103). Nesta oportunidade de repetir a brincadeira, de fa- zer tudo novamente, iniciam-se zeradas as relações estabelecidas até então no brincar. Com este eco das ações na brincadeira, o brincante ressignifica e de- senvolve a possibilidade de aprendizagem a partir das experiências vivenciadas, construindo hábitos. 36 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Assim, prezado(a) aluno(a), podemos afirmar que a brincadeira e o jogo são, diante das propo- sições até agora elucidadas em nossa caminhada, formas importantes e imprescindíveis para a consti- tuição e organização da sociedade. Essas expressões refletem as relações dadas na contemporaneidade, não devendo ser consideradas ações menores ou de pouca relevância. O brincar precisa ser desvelado em seus mean- dros constitutivos, visando que a linguagem lúdica seja mais bem compreendida e garantida nos mais diversos espaços formativos. SOBRE O BRINQUEDO Quando nos dispomos a refletir sobre brinquedo, em nosso imaginário é possível que apareça uma infinidade de objetos: bola, carrinho, pipa, pião, quebra-cabeça, arco, boneca, trenzinho, ursinho de pelúcia, avião. Quanta coisa, não? Mas esta pequena lista é apenas uma parte ínfima da relação que po- demos trazer de brinquedos existentes e que podem vir à cabeça de alguém quando pensamos nos brin- quedos. Nunca será possível que esta lista seja exata. Os brinquedos estão diretamente relacionados aos elementos da cultura constituída e em constituição, por isso são múltiplos e diversificados. Se pretendermos estabelecer uma conceituação do brinquedo, segundo Silva (2004), podemos en- contrar diversas concepções, mas o autor destaca que o brinquedo, em geral, é visto como um supor- te da brincadeira, ou como artefato industrializado confeccionado ou não por crianças e que apresenta uma referência à infância. O brinquedo pode também ser compreendido como uma produção da criança e para a criança. Silva (2004) assinala que esta maneira de analisar o brinquedo não pode ser realizada de forma es- tanque, pois, [...] A criança brinca tanto com os brinquedos que constrói quanto com os “brinquedos” pro- priamente ditos, e mesmo quando o brinque- do traz uma imagem impregnada de sugestões para o brincar, a criança ainda assim o subverte e lhe atribui novo sentido [...]. Os significados entrecruzados no brinquedo não estão desco- lados do processo de inserção da criança no mundo da cultura e das imagens que o adulto constrói sobre a infância, a criança e seu brin- car (SILVA, 2004, p. 25). Desta forma, mesmo utilizando brinquedos pensa- dos e construídos para crianças (produção para a criança), ela pode produzir outra forma de utilizar o brinquedo (produção da criança). Por exemplo, a criança ganha uma corda colorida e ao invés de pular corda, a utiliza para colocar em volta do corpo dela e dos colegas para brincar de trenzinho. O artefato continua sendo um brinquedo nas duas situações. Perceberam o potencial da criança na apropria- ção do brinquedo? Ela tem a possibilidade de sub- verter a lógica destinada à utilização dele. Isto é, im- prescindível a compreensão de Infância e Brinquedo para apreender esta dinâmica relação. Walter Benjamin assinala que a infância e o brinquedo não podem ser compreendidos de ma- neira isolada. As crianças, antes de qualquer análise, estão incluídas na sociedade em que vivem e carre- gam consigo as marcas, características e anseios des- te grupo. Assim como “[...] os seus brinquedos não dão testemunho de uma vida autônoma e segrega- da, mas são um diálogo de sinais entre a criança e o povo” (BENJAMIN, 2002, p. 94). EDUCAÇÃO FÍSICA 37 Assim, o brinquedo e a criança trazem em si ca- racterísticas e relações que estão mutuamente liga- das e que devem ser consideradas quando tratamos de conceituá-las. Kishimoto (1994) refere-se, também, à relação en- tre o contexto vivenciado pela criança e o brinquedo quando afirma que o brinquedo se distancia da con- cepção de jogo. Com este não existe uma organização de regras predeterminadas para brincar, como nor- malmente ocorre com o jogo. O modo como se brinca com um brinquedo é influenciado pelo contexto vi- venciado pela criança, entretanto não está preso ape- nas a esse contexto. A criança pode recorrer à liberda- de para utilizar o brinquedo da maneira que desejar. Diante desta relação explícita entre realidade so- cial e o brinquedo - lembre-se do contexto histórico dos brinquedos debatidos no início desta unidade -, Walter Benjamin afirma que em todo brinquedo está contida a cultura em que foi realizada sua pro- dução: no tempo, local em que foi construído, bem como para quê foi utilizado na educação, enfim, o brinquedo traz em si as características da organiza- ção social que integra (ALVES et al., 2011). Benjamin afirma que brinquedos e brincadeiras têm a marca da sociedade atual, a sociedade do consu- mo. Chegou a antever em seus escritos o processo de avanço tecnológico nos brinquedos, vividos com mais intensidade nas últimas décadas (ALVES et al., 2011). Benjamin se refere ao processo de mercantiliza- ção do brinquedo e da criança, que, a seu modo crítico de observar, pode ser percebido tanto nos tipos de materiais (da madeira ao plástico, por exemplo) quanto na forma de produção e formato dos brinquedos, que impõem novas configurações em termos de relação entre estes e as crianças, por vezes doutrinada e condicio- nada pelos adultos que os produzem (ALVES et al., 2011, p. 52). Não temos, então, caro(a) aluno(a), como analisar o brinquedo sem realizarmos uma análise do contexto em que este está inserido. Assim, temos o cenário dos brinquedos artesanais e industrializados. Para Silva (2004), se um brinquedo for produzido arte- sanalmente ou na indústria em larga escala, se for utilizado para brincar ou for um brinquedo para ser exposto, o objeto é produzido para a criança. Brin- quedos pensados e feitos por adultos são uma pro- dução cultural para a criança. Entretanto, mesmo o brinquedo artesanal ou in- dustrializado podendo ser produção para a criança - advinda de um adulto -, existem diferenças pontu- ais entre eles. Como afirmamos anteriormente nesta unidade, a partir do estabelecimento da indústria cultural, temos também, na área dos brinquedos, es- tabelecida uma nova forma de produção. Esta lógica do lucro, da compra desenfreada e da formação de consumidores em potencial insere-se tam- bém no brincar das crianças e em seu objeto, o brin- quedo. Nessa relação que predomina no consumo dos brinquedos ficam marcadas as profundas diferenças de sentido do brinquedo artesanal e industrializado. Ao brinquedo artesanal, feito pelo artesão, pai, irmão mais velho ou pela própria criança, único (porque nenhum ficava igual ao outro e porque traziam a marca autoral do seu criador), em que a criança reconhecia em seu conjunto os materiais com que foi produzido, despertan- do, com isso, sensações estéticas singulares, do brinquedo tradicional que traduzia os valores culturais, estéticos e espirituais do grupo cul- tural ao qual a criança pertencia, contrapomos a visão do brinquedo industrializado: feito de plástico, colorido produzido em série, em gran- de quantidade, produto pasteurizado, homogê- neo, milhares de brinquedos iguais, traduzin- do valores culturais de um mundo globalizado (SILVA,2004, p. 27). 38 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS A produção em série dos brinquedos exclui a pos- sibilidade da singularidade, dos traços culturais do grupo ao qual a criança pertence em detrimento de um objeto estéril, distante do reconhecimento dos materiais, das cores e texturas diferenciadas. Não é difícil conhecermos uma criança que de- seja muito um brinquedo que viu na televisão, que é um lançamento no mundo todo, e que, logo ao ser presenteada com o brinquedo, se desinteressa por ele e “passa” a desejar o próximo brinquedo anunciado. Este ciclo alimenta a dinâmica do mercado da mesma forma que potencializa a formação de consumidores. Entretanto, diante desse contexto que pode nos fazer desanimar, temos que lembrar o traço de re- sistência da cultura da criança. Elas, muitas vezes, subvertem a lógica empregada no brinquedo. As crianças brincando podem, facilmente, transformar uma glamorosa boneca que foi feita para represen- tar uma jovem modelo de passarela, em uma mãe de família que tem três ursinhos de pelúcia como filhos e então brincar de casinha, e essa casinha pode ser uma gaveta de um armário que não se utiliza mais. A criança determina o conteúdo da brincadeira e não o brinquedo que ela tem em mãos. Walter Benjamin assinala que a criança reconstrói as relações com o brinquedo e a brincadeira o tempo todo e não atende fielmente ao propósito que o adul- to pensou quando criou o brinquedo. A partir desta afirmação, fica expresso que Na brincadeira da criança é o conteúdo imaginá- rio e simbólico que determina sua atividade lúdica e não os objetos-brinquedos que utilizam (na sua dimensão material) (ALVES et al., 2011, p. 51). Esta compreensão de que a criança não está subordi- nada ao brinquedo nos leva a reconhecer que entre criança e brinquedo existe uma relação em que ela utiliza o objeto para satisfazer suas necessidades, de expressar formas, de se reconhecer no mundo e de se comunicar com o mundo. Figura 5 - Menino com pião, 1947, Portinari. Óleo sobre tela 65x54 cm. Fonte: Artistas brasileiros (2013, on-line)4. EDUCAÇÃO FÍSICA 39 Sobre o brinquedo e a relação com a criança, po- demos também afirmar que este objeto não garante apenas vivências prazerosas e de alegria, assim como o senso comum pode compreender. Vygotsky (1991) aponta dois motivos para esta afirmação: primeiro, por existirem outras experiências mais prazerosas para a criança do que o brinquedo, como chupar chupeta; em segundo, pelo fato de que existem, na infância, jogos e brincadeiras que não são em si di- vertidos, por exemplo, jogos esportivos que só serão prazerosos se as crianças obtiverem sucesso, se per- dem o jogo torna-se fonte de desprazer. Assim, não existe uma relação direta entre prazer e brinquedo. Sobre as regras do brinquedo, Vygotsky (1991) afirma que na relação dada entre o brinquedo e o imaginário da criança são estabelecidas regras. Não regras que podemos identificar, por exemplo, em um jogo de damas, que são anteriormente decididas e acordadas entre as partes e que podem se modifi- car no desenrolar do jogo, [...] mas aquelas que têm sua origem na pró- pria situação imaginária. Portanto, a noção de que uma criança pode se comportar em uma situação imaginária sem regras é simplesmen- te incorreta. Se a criança está representando o papel de mãe, então ela obedece as regras de comportamento maternal. O papel que a criança representa e a relação dela com um objeto (se o objeto tem seu significado modi- ficado) originar-se-ão sempre das regras (VY- GOTSKY, 1991, p. 63). Assim, a regra é intrínseca à atuação da criança com o brinquedo. Criança que brinca estabelece e cria as regras. Estas regras são provenientes da pró- pria situação que a criança imagina na brincadeira e não determinadas anteriormente mesmo que o criador do brinquedo o tenha criado com um con- junto de regras. Para finalizar nossa discussão conceitual sobre o brinquedo, veremos um princípio que orienta essa discussão: o brinquedo influencia o desenvolvimen- to das crianças. Esta ideia é central para quem está em formação para ser um(a) professor(a), especial- mente como professor(a) de Educação Física. O brinquedo precisa estar presente na vida da criança, ele é fundamental para seu pleno desenvolvimento. Na relação com o brinquedo está impregnada a cultura em que a criança está inserida. O brin- quedo auxilia na potencialidade de sua capaci- dade imaginativa, ela cria com este objeto, pode apropriar-se dele e assim ressignificar o mundo e suas experiências. Estudando conceitos, teorias e princípios que orientam o debate sobre o brinquedo, o jogo e a brincadeira, nos deparamos com uma enorme di- versidade de elementos imprescindíveis em nossa constituição como professores(as). Quanta riqueza envolvida no brincar, não? Que concepção de infância temos, como pro- fessores(as)/profissionais, quando despreza- mos os brinquedos tecnológicos numa socie- dade na qual estes estão por toda parte, ou quando só oferecemos às crianças esta opção? REFLITA No brincar com o brinquedo estão implicadas as marcas e características do mundo contemporâneo, Durante a brincadeira o brinquedo estará aju- dando a criança a reconstruir e a recriar alguns elementos da realidade, a fim de que ela os compreenda segundo uma lógica própria (SIL- VA, 2004, p. 26). 40 considerações finais Prezado(a) aluno(a), trilhamos, nesta primeira Unidade, reflexões que conside- ramos basilares para adentrarmos no conteúdo jogos, brinquedos e brincadeiras. Devemos finalizar esta etapa de nossa aprendizagem compreendendo alguns as- pectos históricos e conceituais dessa linguagem. A respeito da trajetória histórica, queremos reforçar: o desenvolvimento dos jogos, brinquedos e brincadeiras está atrelado ao contexto em que estes ocorrem. Assim, evidenciamos que as expressões aqui estudadas não estão isoladas da rea- lidade em que estão inseridas. Vejam o exemplo dos jogos considerados de azar, que ocuparam lugares tão díspares no tempo: já foram permitidos, proibidos e tolerados em alguns grupos etários e em diferentes ambientes. O que delineia este movimento do lugar e do ideal dos jogos, brinquedos e brincadeiras na história? O próprio movimento histórico em seus valores, modos de produção e hábitos que traça este contexto. Assim, consideramos jogar e brincar expressões da vida e, a partir dessa trajetória que nos foi contada nesta unidade, podemos também elucidar qual é o aspecto de fundo nos conceitos sobre jogos, brinquedos e brincadeiras trazidos aqui: estes são orientados pelas concepções de infância e seus lugares na realidade dada. Destarte, as questões conceituais inerentes às linguagens aqui apresentadas são apenas algumas no universo amplo de contribuições de pesquisadores que dedicaram-se a esta tarefa. Diante desta produção, elencamos algumas concep- ções que dialogam com o conceito de infância e desenvolvimento desta, como um ser social e histórico. Lanço o desafio de que no decorrer do desenvolvimento da nossa discipli- na e de sua ação futura como professor(a) de Educação Física, os conceitos e historicidade apresentados aqui, e sugeridos nas leituras complementares se- jam acessados por você, caro(a) aluno(a), na busca de uma prática educativa situada e efetiva. 41 atividades de estudo 1. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, percebeu-se uma mudança no que se re- fere à maneira de pensar os jogos, brincadeiras e brinquedos, e também a infância. Explique como ocorreu esse processo e que espaço tomaram as atividades lúdicas e coletivas. 2. No Renascimento, o conceito de jogos, brinquedos e brincadeiras foi modifi- cado. A proibição até então feita aos momentos lúdicos foi aos poucos per- dendo a força. Cite qual grupo destacava o potencial educativo dos jo- gos e como essas atividades foram inseridas no cotidiano das pessoas. 3. A história do brinquedo está atrelada à lógica mercantil, com o intuito de moldar o consumo destesbens. Entretanto, além dos brinquedos indus- trializados, possuímos brinquedos artesanais. Explique cada um deles e cite quais as consequências do consumo de brinquedos industrializa- dos para a criança e a infância. 4. No que refere-se ao conceito de Jogo, vários autores propuseram teorias e características específicas. Brunhs (1996) aponta que, para considerarmos uma atividade jogo, devemos considerar cinco critérios. Sobre esses crité- rios, assinale a alternativa correta. a. O aspecto de desinteresse do jogo é um dos critérios, pois durante o de- senvolvimento do jogo existe pouca preocupação e desinteresse dos par- ticipantes em torno de diversos elementos, como as regras. b. A organização também é um dos critérios citados. Isso é evidenciado quan- do um adulto pretende corrigir a situação colocando o jogo em ordem. c. A relação entre jogo e prazer é outro critério utilizado, pois o jogo propor- ciona muitas possibilidades e vivências que podem resultar em prazer. d. A utilização de um objeto caracterizado como brinquedo também é um critério que caracteriza o jogo. Os jogos possuem sempre um objeto de manipulação que fazem parte do universo lúdico da criança. e. O último critério trabalhado pela autora é a libertação de conflitos, onde as situações de jogo impulsionam e promovem problemas e conflitos para os brincantes. 5. Vimos, no decorrer do capítulo, diversos autores que estudam os jogos. O autor Elkonin discute e conceitua o jogo a partir de uma categoria central. Descreva qual é essa categoria e como ela influencia o conceito de jogo na perspectiva do autor. 42 LEITURA COMPLEMENTAR Em História Cultural do Brinquedo (1987) e em Velhos Brinquedos: sobre a exposição de brinquedos no Markische Museum (2009), Benjamin reconhece o declínio da simplicidade dos brinquedos, assim como se preocupa com a artifi cialização e fragmentação de seu uso, que associa ao processo de industrialização do lúdico e da infância e que propicia à criança o distanciamento para com os adultos, o imaginário e o processo de criação próprio do brincar. O que nos chama a atenção em suas notas é a forma como se opõe intensamente ao mercado moderno que fabrica brinquedos em escala industrial, sob aspectos que des- consideram a infância na sua natureza particular, atribuindo-lhe traços que caracteri- zam o que o adulto concebe nele a partir de sua perspectiva, e não aquilo que a criança deseja em relação ao brinquedo. Segundo Benjamin, o comerciante de brinquedos do século XVIII e XIX era o vendedor doméstico de ferragens e de marcenaria, que produzia os brinquedos nas ofi cinas ma- nufatureiras de entalhadores em madeira, de fundidores de estanho, de fabricantes de velas e de confeiteiros de doces. Era o artesão pouco especializado que considerava o brinquedo como um produto com traços peculiares, e que assim combinava uma técni- ca primitiva com um material rudimentar que aproximava pais a fi lhos. De acordo com o fi lósofo, de pequenos objetos os brinquedos tornam-se maiores e perdem sua identidade, subvertendo-se ao controle dos adultos, ao universo do arte- fato decorativo e à indiferença da criança. No mundo dos brinquedos, mais particular- mente no mundo da criança que brinca, se aproximam e misturam-se pedras, plásticos, metais, vidro, madeira, papel, ossos, tecidos ou argila. Estes materiais são mimetizados e transformados em brinquedos numa relação de entrega, emancipação, contempla- ção e supremacia em relação ao objeto, resistência à banalização, criação e repetição: Ninguém é mais casto em relação aos materiais do que crianças: um simples pedaci- nho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha reúnem na solidez, no monolitismo de sua matéria, uma exuberância das mais diferentes fi guras (BENJAMIN, 2009, p. 92). Fonte: Alves et al. (2011, p. 50) EDUCAÇÃO FÍSICA 43 Documentário: Terreiros do Brincar Ano: 2017 Sinopse: o fi lme retrata a participação de crianças em vários grupos de ma- nifestações populares em quatro estados brasileiros e a sua relação com um brincar coletivo, intergeracional e sagrado. Indicação para Assistir Refl exões sobre a criança, o brinquedo e a educação Walter Benjamin Editora: Editora 34 Sinopse: escritos entre 1913 e 1932, os ensaios reunidos neste volume conden- sam o essencial do pensamento de Walter Benjamin no tocante à educação, foco de inquietações que atravessaram toda sua obra. Com lucidez extraordinária, o autor discorre sobre aspectos da vida universitária, o ensino da moral, o aprendi- zado da leitura, a prática do teatro, os brinquedos, jogos, livros infantis e, ainda, os contrastes entre a educação burguesa e os desafi os de uma pedagogia revo- lucionária. Produtos de uma aliança extremamente rara entre inteligência, sensibilidade e a postura radical de “não vender a alma à burguesia”, estes textos mantêm-se pro- fundamente atuais, porque - como observa Flávio Di Giorgi no posfácio - Benjamin é um crítico que “não fala sobre a dialética, mas constrói seu texto dialeticamente”. Indicação para Ler : escritos entre 1913 e 1932, os ensaios reunidos neste volume conden- sam o essencial do pensamento de Walter Benjamin no tocante à educação, foco de inquietações que atravessaram toda sua obra. Com lucidez extraordinária, o autor discorre sobre aspectos da vida universitária, o ensino da moral, o aprendi- 44 referências ALVES, C. X.; SILVA, M.; OLIVEIRA, P. R. Memória, infância e brincar em es- critos de walter benjamin: cultura lúdica, processo de formação e prática docente. Revista Ibero-americana de Estudos em Educação, v. 6, n. 3, 2011. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/5000>. Acesso em: 25 mar. 2017. ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC , 1981. ARRUDA, F. M. Indústria cultural e brinquedos industrializados: as implica- ções para o imaginário infantil na sociedade contemporânea. Revista Espaço Acadêmico, n. 118, p. 92-99, mar./2011. 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Acesso em: 01 ago. 2017. 4 Em: <http://artistasbrasileiroscolegiosete.blogspot.com.br/>. Acesso em: 01 ago. 2017. 46 gabarito 1. Podemos explicar a mudança desse pensamento pela transformação do sentido de infância e educação, que começa a se constituir especialmente a partir da orientação do âmbito religioso e os preceitos da organização social em formação, os princípios da Modernidade. Em nome da constituição moderna de educação, em busca de um comportamento moralmente aceito e de uma infância que necessitava de educação — que é a base da educação vigente até hoje —, inicia-se um processo de regulação mais rígida dos comportamentos humanos em relação ao jogo e à brincadeira. As atividades lúdicas e coletivas têm diminuído sua importância na vida comunitária, sendo denotada a elas uma importância secundária, ao ponto de passarem a ser mais características de uma fase da vida: a infância. 2. Podemos afi rmar que a atitude radical de proibição do jogar e do brincar, instituída na Idade Média não foi atendida em absoluto e foi perdendo força ao longo do sécu- lo XVII. Segundo Ariès, esta diminuição foi ocorrendo especialmente sob infl uência de um grupo da própria Igreja, os jesuítas, que destacavam o potencial educativo dos jogos. É importante apontarmos que nos colégios jesuítas os jogos eram de- senvolvidos com o sentido de educar, de empregar à expressão humana do jogar uma funcionalidade, jogar com fi m de educar. Os padres com a função de educar compreenderam que não era possível inibir totalmente o desejo pelo jogar, pelo brincar. Desta forma, passaram, então, a permiti-lo desde que o controle de seu desenvolvimento fosse realizado pelas autoridades das escolas. Assim, o jogo den- tro das escolas passou a ser admitido, entretanto, com a condição de que fossem recomendados alguns tipos de jogos reconhecidos como bons e que passassem pelo crivo e regulamentação para que ocorressem de forma disciplinada. 3. Ao brinquedo artesanal, feito pelo artesão, pai, irmão mais velho ou pela própria criança, único (porque nenhum fi cava igual ao outro e porque traziam a marca auto- ral do seu criador), em que a criança reconhecia em seu conjunto os materiais com que foi produzido, despertando, com isso, sensações estéticas singulares, do brin- quedo tradicional que traduzia os valores culturais, estéticos e espirituais do grupo cultural ao qual a criança pertencia, contrapomos a visão do brinquedo industria- lizado: feito de plástico, colorido produzido em série, em grande quantidade, pro- duto pasteurizado, homogêneo, milhares de brinquedos iguais, traduzindo valores culturais de um mundo globalizado (SILVA, 2004, p. 27). A produção em série dos brinquedos exclui a possibilidade da singularidade, dos traços culturais do grupo ao qual a criança pertence em detrimento de um objeto estéril, distante do reconheci- mento dos materiais, das cores e texturas diferenciadas. Precisamos ter a dimensão que estes brinquedos industrializados, muitas vezes em nome de construir um ima- ginário adaptado ao modo de produção capitalista, retiram das crianças a verdadeira potencialidade da criatividade, coletividade, ludicidade e da educação. 4. c) A relação entre jogo e prazer é outro critério utilizado pois o jogo proporciona muitas possibilidades e vivências que podem resultar em prazer. 5. Elkonin (1998) discute e faz suas proposições sobre o jogo a partir de uma categoria central, o trabalho. A relação adulto-criança sustenta o que fecundará o conteúdo e forma do jogo protagonizado. Ele constitui-se imbricado com a realidade em que dá-se o jogo, o contexto em que a criança que joga está inserida. Desta forma, o conceito de jogo protagonizado não pode ser compreendido distante ou desconsi- derando a realidade. UNIDADEUNIDADE II Professora Dr.ª Paula Marçal Natali Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Os jogos, brinquedos e brincadeiras: sobre legislações e o direito a brincar • Jogos, brinquedos e brincadeiras nas aulas de Educação Física • O recreio escolar e suas relações com jogos, brinquedos e brincadeiras Objetivos de Aprendizagem • Explicitar, a partir dos marcos legais vigentes, como se garante o direito a brincar e os conteúdos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras na Educação. • Estudar a organização e características do conteúdo Jogos, Brinquedos e Brincadeiras nas aulas de Educação Física escolar. • Apreender as relações entre a escola na atualidade e o brincar e jogar no recreio. JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NO ÂMBITO ESCOLAR unidade II INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, vamos nos dedicar a estudar a linguagem dos jogos, brinquedos e brincadeiras. Para isso, destacaremos três impor- tantes reflexões que estão presentes no cotidiano do professor/profissio- nal, que atua com esta linguagem, e das crianças e adolescentes, que as vivenciam: o âmbito da garantia de direitos, a educação física e o recreio. Esperamos que, ao tratar dessas temáticas, elucidemos elementos dos contextos em que ocorrem o jogar e brincar, para ampliar a concepção deste fenômeno e para refletir sobre a prática educativa atrelada a estas expressões. Jogar e brincar são dimensionados em muitas legislações como um direito inerente à condição humana. Assim, no início desta unidade, va- mos desvelar convenções, estatutos e leis, no âmbito nacional e inter- nacional, que reconhecem e garantem que brincar e jogar, bem como o lazer, são, especialmente na infância e adolescência, direitos que devem estar garantidos, visando ao pleno desenvolvimento das pessoas. A escola é um exemplo de espaço em que a linguagem dos jogos, brinquedos e brincadeiras ocorre; aqui tratamos especialmente deles como um conteúdo da Educação Física. Partimos do entendimento de que os jogos e as brincadeiras são temas da cultura corporal e discutire- mos, nesta unidade, a respeito de objetivos e princípios educativos, como o respeito aos saberes dos educandos no desenvolvimento dos jogos e brincadeiras na Educação Física. O recreio é um momento que tem como uma das principais caracte- rísticas o brincar e jogar. Estas linguagens, neste período, não se confi- guram como um conteúdo a ser desenvolvido, mas consideramos a refle- xão sobre as expressões lúdicas, que ocorrem no recreio, essencial para a compreensão e ação de todos os envolvidos nesse momento. Vamos então, caro(a) aluno(a), desvelar, nesta unidade, diversos âm- bitos pertinentes aos jogos, brinquedos e às brincadeiras no marco legal na atualidade. 52 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Prezado(a) aluno(a), neste etapa da nossa discipli- na, vamos tratar da brincadeira na dimensão do direito. Isto é, o brincar em relação à garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. Entretan- to será que é necessário legislar sobre o brincar? Compreendemos que sim, pois se entendemos que a brincadeira é parte constituinte da vida humana, ela precisa ser garantida como estão nas legislações o direito à saúde, à educação, à moradia,à liberda- de, à dignidade, entre outros. Partindo do entendimento de que criança é su- jeito de direitos e que a cultura que a criança produz Jogos, Brinquedos e Brincadeiras nas Aulas de Educação Física é a cultura lúdica, esta precisa ser assegurada nesta esfera. Nos últimos anos, esta concepção orientou diversas legislações no mundo que tem a infância como elemento central, sendo assim, se existem leis que tratam de infância, elas também devem garantir o brincar e o jogar. O século XX foi um século marcado, no que se refere à legislação sobre a infância, por avanços. Nesse século, reconhece-se que a criança é uma pes- soa em condição peculiar de desenvolvimento e que necessita de uma legislação própria para ter seus di- reitos garantidos. EDUCAÇÃO FÍSICA 53 É na segunda parte do século XX que o direito a brincar começa a aparecer nas declarações e legisla- ções. Segundo Tomás e Fernandes (2014), esse direi- to tem dificuldade de ser entendido como um direito fundamental pela sociedade. Esse fato ocorre, pois, quando colocado em par com outros direitos, como educação, segurança, alimentação, em uma escala de hierarquia, o brincar não tem tanta prioridade para a maioria das pessoas. Entretanto, há de se reconhecer que quando um direito não é garantido, como o direito a brincar, ou- tros em consonância também não são, como o direi- to à saúde e ao desenvolvimento pleno. Entendemos que uma garantia de direito está imbricada com a outra. Temos ainda que estudar, discutir e lutar para que esses direitos sejam reconhecidos e garantidos, assim como o direito a brincar. No desenvolvimento da garantia de direitos, tive- mos, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Hu- manos (1948), que estabelece em seu artigo 24 “o direi- to ao repouso e ao lazer”. A declaração, entretanto, não tratava especificamente da criança, mas sim de todas as pessoas, e nem da expressão do brincar, e sim do lazer. Foi em 1959, com a Declaração dos Direitos da Criança (1959), que o brincar apareceu expressa- mente como um direito em seu princípio sete: 54 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS A criança terá ampla oportunidade para brin- car e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito. Nesta dimensão, o brincar está atrelado a um sentido utilitário. Na Declaração Universal dos Direitos da Criança, o direito a brincar está relacionado à educa- ção, ou seja, a brincadeira a ser desenvolvida para al- gum fim, no caso, a educação. A questão que orienta o direito a brincar nesta declaração não compreende ou garante a brincadeira em seu sentido como uma forma de expressão das pessoas e de vida, mas sim a brincadeira para outra finalidade, no caso a brin- cadeira para beneficiar a aprendizagem. Esse sentido utilitário dado à brincadeira persiste nas legislações até os dias de hoje (TOMÁS; FERNANDES, 2014). Após a declaração citada anteriormente, temos, em 1989, no âmbito internacional, a Convenção In- ternacional dos Direitos da Criança, que trata do brincar em seu artigo 31: 1 – Os Estados Partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimen- to e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística. 2 – Os Estados Partes promoverão oportuni- dades adequadas para que a criança, em con- dições de igualdade, participe plenamente da vida cultural, artística, recreativa e de lazer. A Convenção avança na garantia do direito, no sen- tido de que é um direito autônomo, não está atrelado ao direito à educação, como a Declaração de 1959. Garante também a questão das especificidades da geração que trata a Convenção, a infância. O artigo versa também sobre a questão da ga- rantia ao repouso e tempo livre. Este ponto é muito relevante frente às inúmeras violações que ocorrem no âmbito do tempo das crianças. Em muitos lo- cais, as crianças têm cada vez menos tempo livre e têm negado seu direito à convivência comunitária: algumas passam suas vidas institucionalizadas, e outras, por conta da violência, não desfrutam da vida em comunidade. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989 foi um marco na defesa de direi- tos de crianças e adolescentes. Essa convenção es- tabelece para o mundo todo que criança é sujeito de direito e que devem ser disponibilizados meca- nismos para essa garantia. Segundo Rosemberg e Mariano (2010, p. 709), 193 países foram signatá- rios da CDC e este é “[...] o instrumento de direi- tos humanos mais ratificado em escala mundial”. O Brasil também ratificou a Convenção Internacio- nal dos Direitos da Criança. No Brasil, temos leis que versam sobre a infância desde o início do século XX, o Código de Menores de 1927 e, posteriormente, o Código de Menores de 1979. Essas legislações tinham um viés punitivo e não tratavam do direito das crianças como as legis- lações mais atuais, e sim sobre encaminhamentos e procedimentos a respeito da criança pobre, órfã ou em conflito com a lei. Com o progresso da democracia no país, após o período ditatorial, novos ideais tomam força. Nos anos 80 do século XX, no Brasil, constituem-se mui- tos avanços nos direitos humanos depois de tempos difíceis e de repressão. Temos, neste contexto, uma nova legislação, a Constituição Federal de 1988. No artigo 227, sobre a criança e o adolescente brasileiro, aponta que: EDUCAÇÃO FÍSICA 55 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jo- vem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, explora- ção, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, on-line). A Constituição Federal coaduna com o movimen- to internacional a respeito dos direitos humanos e direitos das crianças. O artigo 227 trata da criança e adolescente como sujeitos de direitos, elencando diferentes elementos que partem de um conceito de infância e adolescência que, até então, era vigente na legislação brasileira. No mesmo movimento que levou a termos no país uma nova Constituição em 1988, temos a pro- mulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. O ECA foi fruto de intensos deba- tes em defesa da criança e do adolescente brasileiro, em um processo em que estiveram envolvidos polí- ticos, professores e movimentos sociais, como a Pas- toral da Criança, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Movimento de Mulheres na Luta por Creches (NATALI, 2009). O ECA institui em seu conteúdo um paradig- ma educativo para a garantia de direitos das crian- ças e adolescentes, contrariando o paradigma pu- nitivo das legislações anteriores que tratavam da infância. Este estatuto considera todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua situa- ção econômica e social, pessoas em situação pe- culiar de desenvolvimento. Desta forma, precisam de uma legislação específica que verse sobre essa fase especial da vida. Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegu- rar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimenta- ção, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissio- nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitá- ria (BRASIL, 1990, on-line). Anteriormente ao ECA, tínhamos instituído na legis- lação a concepção da “situação irregular”. Na legisla- ção anterior dos Códigos de Menores, a criança e o adolescente eram alvos de ações judiciais: quando se pensava em direitos neste contexto, se relacionava com a punição. Por outro lado, o ECA trabalha com a noção de universalização de direitos, com a “doutrina da proteção integral” e de que a criança e o adolescentesão prioridade absoluta nos atendimentos e nas deter- minações das políticas públicas (MAGER et al., 2011). No Estatuto da Criança e do Adolescente está garantido o direito a brincar, pois segundo Mager et al. (2011, p. 125), [...] este é uma característica da natureza infan- til e a brincadeira, uma das principais formas de expressão da criança. Por isso, para a criança e o adolescente o brincar é uma necessidade e é ainda um direito. 56 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Temos, então, no Brasil, uma legislação que garante o brincar em seu artigo 16 – que trata do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade no inciso IV –, no qual fica estabelecido o direito a “brincar, prati- car esportes e divertir-se” (BRASIL, 1990). No ECA está presente, ainda, um capítulo in- teiro dedicado ao esporte, lazer, educação e cultura, que estabelece relação com o conteúdo jogos, brin- quedos e brincadeiras. Nesta parte do estatuto se ga- rante como direito que sejam propiciados recursos e espaços para desenvolver atividades que devem assegurar programações esportivas, educativas, de lazer e culturais para a infância e juventude. Trata também de que sejam garantidas ativida- des nestas áreas voltadas para a infância e juven- tude e que estas atendam sua condição peculiar de desenvolvimento. Isto é, que sejam desenvolvidas programações culturais, educacionais e de lazer que respeitem os anseios e necessidades destas catego- rias geracionais, a infância e adolescência. Apesar de estar garantido na lei vigente, o brin- car ainda precisa ser compreendido e exercido como um direito no país. Precisamos, ainda, avançar mui- to nas condições concretas, como em praças, espa- ços nas escolas, ruas mais sinalizadas, espaços na ci- dade e tempo disponível para que o direito a brincar seja concretizado. Entretanto, precisamos também avançar na compreensão do valor do brincar para o desenvolvimento humano para que estas ações se- jam materializadas. A garantia do brincar depende também de se considerar as características particulares de cada grupo que se trata. Não existe apenas uma forma e expectativa a respeito da efetivação deste direito. So- bre as análises a respeito das legislações sobre a in- fância, Tomás e Fernandes (2014, p. 18) alertam que: [...] deverão ser cautelosas face a um pretenso alcance global que o direito a brincar pretende assumir, uma vez que terão de ser considera- dos os marcos estruturantes, nomeadamente os relacionados com as dimensões culturais, so- ciais, econômicas que atribuem e carregam de diversidade a categoria geracional da infância, as formas de vida das crianças e as formas de (não) brincar das mesmas. Caso contrário, cor- reremos o risco de colonizar e replicar de um modo homogêneo. Desta forma, quando debatemos sobre o direito ao brincar, não podemos considerá-lo como uma coi- sa única e igual para todas as crianças. A efetivação deste direito deve estar profundamente relaciona- da às características, diversidade, expectativas e necessidades do brincar das diferentes crianças e grupos sociais. No ambiente escolar, também existem aspectos que buscam garantir o conteúdo jogos, brinquedos e brincadeiras. Nos Parâmetros Curriculares Nacio- nais (PCNs), criados no Brasil em 1997, estes conte- údos estão presentes e garantidos de diferentes for- mas dentro do ambiente escolar. Nos PCNs da Educação Física, no Ensino Fun- damental, são contemplados nas três formas: jogos, brinquedos e brincadeiras. No Ensino Médio, den- tro de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, são citados apenas os conteúdos de jogos, não citando a possibilidade de intervenção com brincadeiras e brinquedos. Nas orientações e parâmetros para o desenvolvi- mento da Educação Infantil no Brasil, também estão presentes, na maioria dos documentos, como nos Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, o desenvolvimento das expressões do brin- car e jogar e também as vivências com brinquedos. EDUCAÇÃO FÍSICA 57 Neste breve panorama sobre o direito a brincar, pu- demos observar um avanço considerável no entendi- mento de direito e de infância. Entretanto, segundo Müller (2007), temos concretamente um progresso no âmbito da garantia de direitos das crianças e ado- lescentes, mas precisamos ainda evoluir no âmbito da participação infantil nas instâncias políticas. É imprescindível também que professores, pais, políticos, pesquisadores, a sociedade em geral, bus- quem cada vez mais elementos que levem concreta- mente à garantia de uma vida mais digna e com de- senvolvimento pleno das crianças e dos adolescentes. O conhecimento sobre este âmbito, como buscamos explicitar aqui, colabora com esta efetivação. 58 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Dentre a imensa gama de conteúdos da Educação Físi- ca estão os esportes, jogos e brincadeiras, lutas, danças e ginásticas. Iremos, aqui, caro(a) aluno(a), refletir so- bre o desenvolvimento das expressões dos jogos, brin- quedos e brincadeiras nas aulas de Educação Física. O conteúdo de jogos e brincadeiras está intrin- secamente relacionado aos outros conteúdos da Jogos, Brinquedos e Brincadeiras nas Aulas de Educação Física Educação Física, ao perfil dos espaços em que tra- balhamos, às características regionais do local em que se está inserido, às condições materiais dispo- nibilizadas, entre outros inúmeros fatores. Todos esses elementos compõem a área, os conteúdos e seu desenvolvimento. EDUCAÇÃO FÍSICA 59 Desta forma, podemos apontar que [...] os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido significado onde se interpenetram, dialeticamente, a in- tencionalidade/objetivos do homem e as in- tenções, objetivos da sociedade (SOARES et al., 1992, p. 42). Assim, no desenvolvimento do brincar e jogar, como em outros conteúdos, estão envolvidos diversos pro- cessos, conceitos e significados que dão sentido e ressignificam a prática educativa e a compreensão da realidade em que se vive. O conteúdo a ser trabalhado junto aos alunos – no nosso caso, temos foco nos jogos, brinquedos e brin- cadeiras – está inserido e é produzido na sociedade e compõe os conteúdos da Educação Física. É preciso acessar os conteúdos na realidade em que o conteúdo é trabalhado, como um local de aprendizagem que está em interação e é composto pelos acontecimentos, ca- racterísticas e anseios da sociedade. A partir desta afirmação, é possível indagarmos sobre o modo como desenvolveremos os conteúdos dos jogos e brincadeiras: como podemos brincar cantando “Escravos de Jó” (veja no QRCode) sem debatermos, aprender- mos, problematizarmos, nos posicionar- mos sobre o conteúdo, origem e reflexos sociais da letra da música que cantamos junto aos nossos alunos e possivelmente modificarmos a for- ma como brincamos, em detrimento de apenas ob- servarmos aspectos como o ritmo, a coordenação motora dos participantes e os materiais utilizados? O desenvolvimento do conteúdo potencializado por esta brincadeira ficaria incompleto se priorizás- semos apenas um dos inúmeros aspectos que com- põem a brincadeira em si e não trabalhássemos em sua totalidade. Com este exemplo, remetemos ao sentido do trabalho educativo, que não pode ser neutro ou dei- xar passar despercebido elementos que necessitam de uma reflexão mais aprofundada. A ação educati- va responsável constitui-se como uma “[...] prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 1998, p. 42). Paulo Freire nos alerta que o professor/profissio- nal precisa desenvolver, em sua ação educativa crí- tica, a destreza de que enquanto trabalha com seus alunos e faz sua prática educativa, deve ser capaz de, ao mesmo tempo, refletir sobre sua tarefa. Esta ação-reflexão deve ser desenvolvida a tal ponto que sejam a mesma, ao mesmo tempo e junto aos alunos. Como no exemplo citado, são muitos elementos en- volvidos no desenvolvimentodo jogo “Escravos de Jó”; o professor/profissional não pode se furtar em analisá-lo e trabalhá-lo sem considerá-lo em sua to- talidade e complexidade. Outro ponto importante é considerarmos, na ação educativa, a questão do respeito aos saberes dos alunos e a escuta a estes com qualidade. Paulo Freire (1998) afirma que esse princípio constitui os pro- cessos educativos efetivos. Temos, na nossa sala de aula, inúmeras experiências e anseios a respeito dos conteúdos, e não seria diferente a respeito dos jogos, brincadeiras e brinquedos. Sem dúvida, vivenciamos nos mais diversos ambientes em que estamos estas expressões. Como ignorá-las no desenvolvimento deste conteúdo? Como não considerar que jogar e brincar estão, de alguma forma, presentes em toda nossa vida? Segundo Rangel e Darido (2014), podemos, no senso comum, entender que os conteúdos de jogos e brincadeiras são próprios da educação infantil. Esta afirmação pode ser contrariada, haja vista a possibi- 60 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS lidade do desenvolvimento destas expressões duran- te toda a vida. Como afirmamos na unidade anterior deste livro, o jogar e brincar são expressões da vida, formas de criação e recriação que deveriam perpas- sar toda nossa existência. O cuidado no desenvolvimento deste conteúdo na Educação Física em diferentes séries, segundo as autoras, passa pelos debates das regras do jogo e pela complexidade e temas dos jogos e brincadeiras desen- volvidos em relação a faixa etária que se trabalha. Este cuidado deve ser uma orientação e não uma limitação para o desenvolvimento do conteúdo. Sobre as regras dos jogos, estas são importantes e devem ser desenvolvidas e trabalhadas; precedem e representam muito do mundo do trabalho que te- mos configurado na sociedade em um jogo. Segun- do Soares et al. (1992, p. 45), “Quanto mais rígidas são as regras dos jogos, maior é a exigência de aten- ção da criança e de regulação da sua própria ativida- de, tornando o jogo tenso”. O jogo precisa, então, em seu desenvolvimento, passar por intensos processos de problematizações: as regras não são elementos neutros e que devem ser seguidos sem questiona- mentos prévios no desenrolar da atividade. Refletindo sobre a organização dos conteúdos dos jogos, Soares et al. (1992, p. 46) afirmam que é im- prescindível [...] que os conteúdos dos mesmos sejam sele- cionados, considerando a memória lúdica da co- munidade em que o aluno vive e oferecendo-lhe ainda o conhecimento dos jogos das diversas re- giões brasileiras e de outros países. A compreensão do conceito de lúdico se faz impor- tante aqui, como afirmamos previamente, ela pre- cisa ser acessada e estimulada dentro dos proces- sos educativos. Entretanto, muitas vezes, pessoas dizem “vamos trabalhar na escola com atividades lúdicas!” e apropriam-se desse conceito sem deba- ter ou precisá-lo. O lúdico não é um sinônimo exato para diversão, jogos, brincadeiras e brinquedos que são caracterís- ticos da infância. Essa compreensão pode ser utiliza- da pelo senso comum, mas temos que avançar dela quando somos professores que trabalhamos com o conteúdo, pois o lúdico não é exclusivo da infância e nem ocorre apenas nestas manifestações. Segundo Gomes (2004), esta concepção é errô- nea, pois associar o lúdico apenas à infância reforça a compreensão de que os adultos não se dedicam à lu- dicidade, pois estão trabalhando, pensando em ocu- pações mais importantes e sérias, destacando uma concepção “inútil-improdutiva” para a ludicidade. Outro ponto é que quando determinamos o lú- dico como sinônimo de alguma atividade, como a brincadeira, não conferimos o sentido amplo que tem a ludicidade, pois esta é composta de inúmeras [...] manifestações culturais construídas so- cialmente pela humanidade. As manifestações constituem patrimônio cultural e refletem os valores, regras, tradições e costumes de deter- minado grupo social em diferentes contextos e épocas (GOMES, 2004, p. 142). Ressaltamos, então, a multiplicidade de manifesta- ções que o lúdico representa, o que nos leva a expan- dir esta compreensão, pois ele materializa a cultura dos grupos sociais em suas diversas expressões. Lú- dico não é só brincadeira e jogo, prezado(a) aluno(a). Apontamos, assim como Gomes (2004), que o entendimento de lúdico como uma das dimensões da linguagem humana e como uma forma de ex- pressão, desenvolvido por José Alfredo Debortoli, contempla, de uma forma muito satisfatória, o seu EDUCAÇÃO FÍSICA 61 real sentido. Partindo desta compreensão, podemos assinalar o lúdico como: [...] expressão humana de significados da/na cultura referenciada no brincar consigo, com o outro e com o contexto. Por essa razão, o lúdico reflete as tradições, os valores, os cos- tumes e as contradições presentes em nossa sociedade. Assim, é construído culturalmente e cerceado por vários fatores: normas políticas e sociais, princípios morais, regras educacio- nais, condições concretas de existência (GO- MES, 2004, p. 145). A autora nos aponta que o lúdico por ser constituído dos inúmeros elementos que compõem a realidade, podendo contribuir para que tenhamos uma ma- nutenção da alienação das pessoas, como também podendo colaborar para sua emancipação. O de- senvolvimento da expressão lúdica pode estimular o reforço de estereótipos, de preconceitos entre as pessoas e grupos, bem como pode incitar o diálogo e a reflexão crítica. São possibilidades bem contra- ditórias que podem ser estimuladas a partir da ex- pressão lúdica. Tais constatações sobre o lúdico são muito im- portantes, pois estamos aqui aprendendo sobre o desenvolvimento de um conteúdo que é reconhe- cido não como o único, mas como um dos princi- pais referenciais do que é a ludicidade: o jogar e o brincar. Se trabalhamos com esta linguagem que tem incutido todo este potencial transformador, devemos desenvolvê-lo com todas as suas possibi- lidades, com responsabilidade, partindo desse en- tendimento amplo de ludicidade como expressão humana. A clareza sobre este princípio no desenvolvi- mento do trabalho com jogos e brincadeiras relacio- na-se com o entendimento de educação que se tem. A compreensão da ludicidade como uma expressão humana que se concretiza em diversas manifestações relaciona-se ao princípio da educação democrática e da participação dos alunos no processo de ensino. A participação social pode ser entendida como “[...] a possibilidade dos sujeitos intervirem no que diz respeito às suas vidas” (MÜLLER, 2012, p. 15); essa possibilidade de abertura ou expansão da parti- cipação social dos agentes da educação pode propi- ciar um movimento potencializador do bom traba- lho desenvolvido com a ludicidade. Vamos pensar, por exemplo, na riqueza, no quanto pode-se aprender em um trabalho desen- volvido com os alunos e comunidade sobre o lazer que é desenvolvido no bairro, os lugares de encontro entre as pessoas, as festas comunitárias, os jogos que ocorrem neste ambiente; em um trabalho de pesqui- sa com os alunos que pode chegar à elaboração de propostas e vivências a respeito da ludicidade, mes- clando experiências acumuladas neste projeto cole- tivo. Não seria um trabalho de aprendizagens possí- vel e de simples execução envolvendo a linguagem do jogo e da brincadeira? Estes conteúdos, segundo Rangel e Darido (2014), apresentam uma grande facilidade de serem desenvolvidos. As autoras elencam diversos pontos que referendam esta facilidade e que nos estimulam a trabalhar esta linguagem: os jogos, brinquedos e brincadeiras de alguma forma são conhecidos das crianças e estas já vivenciaram esta linguagem em diferentes situações. Assim, não são totalmente des- conhecidos para elas e, em geral, também não exi- gem materiais muito sofisticados. Podemos desen- volver jogos e brincadeiras com materiais diversos e sem materiais também. 62 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS As regras dos jogos podem, também, ser variadas, apresentando-se como extremamentecomplexas, como em um jogo de localização com mapas, bús- solas, tarefas a serem cumpridas e pistas a serem desvendadas; podem ter regras simples, como um pega-pega em que a regra é “passar o arco ao parti- cipante que será o pegador”. As duas situações po- dem ser chamadas de jogos ou brincadeiras e têm graus de complexidade de regras completamente diferentes. Esta característica do jogo também nos leva a outro elemento que facilita o seu desenvolvi- mento na Educação Física: podemos brincar e jo- gar com/entre qualquer faixa etária, o que contem- pla a diversidade de idades que temos (RANGEL; DARIDO, 2014). O trabalho com jogos também pode ser promo- vido se considerarmos que muitos desses jogos podem configurar-se como prazerosos para os participantes – mas isto não é uma característica presente o tempo todo e em todos os jogos – e que se aprendem: [...] pelo método global, diferentemente do es- porte, que geralmente é aprendido/ensinado por partes. Ao contrário, em um grande jogo, aprendemos jogando, não se explica e se “trei- na” as partes para depois se jogar; a graça de se aprender o jogo está justamente em jogá- -lo. Não se aprende a arremessar para depois se aprender a jogar queimada, o arremesso é aprendido no jogo (RANGEL; DARIDO, 2014, p. 162). O que vamos experimentando e aprendendo no jogo e na brincadeira faz parte do próprio processo do jogar. Esta expressão de brincar e jogar, de certa forma, pode tornar-se mais participativa na medi- da em que os acordos e regras podem modificar-se de acordo com as pessoas que estão na situação do jogo. As estratégias utilizadas na brincadeira tam- bém podem transformar-se e aprimorar-se, não se caracterizando, necessariamente, como uma infra- ção de regras, e assim podemos continuar jogando e brincando. O conteúdo jogos, brincadeiras e brinquedos na Educação Física precisa ter seu desenvolvimento pautado em princípios que valorizem suas especifi- cidades e suas características. A forma que se tra- balha com diferentes turmas é muito variável, não existe uma maneira única e correta. O que deve nos orientar neste trabalho são os conceitos e princípios fundamentais do conteúdo. Após uma partida de esconde-esconde, as mesmas pessoas que iniciaram o jogo ante- rior são escolhidas para iniciar um novo jogo. Você, como professor(a), deve relembrar as regras e sugerir algumas mudanças na ordem para promover igualdade de oportunidade a todos. REFLITA EDUCAÇÃO FÍSICA 63 Alguns fundamentos do trabalho com jogos, brin- quedos e brincadeiras foram aqui citados, como: o trabalho com as regras, com os conhecimen- tos previamente acumulados pelos alunos, com a cultura do local em que se trabalha, com os an- seios e desejos dos alunos em relação a esta lin- guagem, com os diferentes graus de complexidade dos jogos, com a diversidade de materiais, com a expansão do conceito de lúdico e também com a potencialização da participação social dos alunos na construção das aprendizagens a respeito dos jo- gos, brincadeiras e brinquedos na Educação Física. 64 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O Recreio e Suas Relações com Jogos, Brinquedos e Brincadeiras EDUCAÇÃO FÍSICA 65 Neste item, caro(a) aluno(a), vamos debater e apren- der sobre o recreio e o brincar. Este tradicional mo- mento do cotidiano educacional que é reconhecido, de forma geral, como um momento prazeroso e de liberdade. O recreio não ocorre apenas na escola e com crianças, ele é uma etapa da organização edu- cacional cotidiana que acontece na universidade, em cursos diversos e nas instituições de contraturno es- colar, entre outros locais. Podemos, também, nos recordar do recreio como um momento na escola em que a atividade predomi- nante é o brincar. Este pode ocorrer em grupo ou indi- vidualmente, mas com brincadeiras que comumente são eleitas pelas próprias crianças e adolescentes brin- cantes. Um momento em que a linguagem do jogo, a brincadeira e brinquedo podem estar presentes – re- forçamos: podem estar presentes ou não no recreio. No Dicionário de Língua Portuguesa, Olinto (2000, p. 763) nos apresenta a definição de recreio da seguinte forma: “1- Divertimento, prazer; 2- lu- gar onde se recreia; 3- tempo de descanso concedi- do entre as aulas aos alunos; recreação” atrelando a compreensão de recreio ao tempo em que ocorre, ao local em que ocorre e ao que ele pode proporcionar. Entretanto, segue aqui uma reflexão que problema- tiza essas características e que visa a expandir nossa compreensão sobre esse momento. Guzzoni (1998, p. 01) ilustra que o recreio pode ter uma compreensão mais ampliada que essa, pois configura-se como: [...] um ambiente muito rico de manifestações culturais, onde pode haver espaço para o exer- cício da liberdade e da criatividade, ambas re- lativas, é claro, pois limitadas por fatores tais como o espaço, a estrutura física, geralmente escassos ou impróprios para as atividades e o tempo que muitas vezes se torna insuficiente. Diante da complexidade que apresenta o recreio, apesar de nos dar a impressão de ser fruto de rela- ções mais livres e simples, também expressa a mesma complexidade e questões pertinentes ao ambiente educativo. O recreio não está à parte da organização do ambiente de ensino, não é um momento extra- escolar e, por isso, merece ser fruto de reflexões e estudos assim como toda a prática educativa desen- volvida neste ambiente. O recreio está garantido como parte do tempo escolar. “Na legislação, o recreio e os intervalos de aula são horas de efetivo trabalho escolar”, confor- me conceituou o CNE, no Parecer CEB n.º 05/97” (BRASIL, 2003, p. 03). A legislação preconiza a for- mação integral do aluno; sendo assim, o recreio está contemplado neste aspecto. O fato do recreio ser considerado “efetivo tra- balho escolar” não é um entendimento novo. Já foi adotado quando da implantação da Lei 5.692/71 e o CFE, no Parecer 792/73, de 5-6-73, concluiu: ‘o recreio faz parte da atividade edu- cativa e, como tal, se inclui no tempo de traba- lho escolar efetivo...; e quanto à sua duração, ‘... parece razoável que se adote como referência o limite de um sexto das atividades (10 minutos para 60, ou 20 para 120, ou 30 para 180 minu- tos, por exemplo)’ (BRASIL, 2003, p. 3). No Brasil, temos diversas conformações de recreio, com espaços de ensino que buscam até suprimir este tempo e outros que buscam estimular a cultura lúdica infantil no recreio, por vezes com oferta de atividades dirigidas por educadores ou oferecen- do brinquedos e espaços para estimular os jogos e brincadeiras. Souza (2014) elucida várias características deste momento, destacando o quanto o recreio é importante: 66 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Ao pensar o pátio da escola como a rua da insti- tuição, onde todos passam e nela permanecem por um tempo, tenho esse espaço como a alma da escola. É ali que as crianças se encontram, conversam, fazem acordos. Brigam, se isolam, trocam coisas, comem, brincam, correm, fo- gem. Se desencontram. O amor das crianças pela hora do recreio concretiza-se no toque do sinal, quando todos saem de suas salas gritan- do, correndo, ávidos pelo tempo e pelo espaço fora da sala de aula (SOUZA, 2014, p. 58). É importante ressaltar a característica da liberda- de que as crianças buscam no recreio e do poten- cial espaço de se relacionarem entre elas e com o local neste tempo tão breve. Em geral, é nestes momentos que diferentes grupos etários encon- tram-se e interagem. No recreio, as crianças es- tão um pouco mais distantes do olhar do adulto quando desenvolvem e determinam quais serão suas brincadeiras. O modelo predominante da nossa educação, que é, em geral, tradicional, disciplinadora dos corpos e comportamentos, não reflete a característica e ne- cessidade da cultura infantil, que tem como particu- laridade a liberdade e a criatividade. Assim, recreios formatados dentro deste modelo disciplinador não privilegiam o desenvolvimentoda cultura lúdica in- fantil e juvenil. Segundo Guzzoni, esta característica de com- pensar um tempo com outro é mais comum entre os adultos e suas relações no trabalho do que entre as crianças. No recreio, o sentido compensatório está relacionado ao fato de que: O grande período que as crianças permanecem sentadas [...] e concentradas nos conteúdos mi- nistrados precisa ser compensado por alguns momentos nos quais as energias contidas pos- sam ser extravasadas de forma a possibilitar nova concentração quando da volta à sala (GU- ZZONI, 1998, p. 77). Isto é, o recreio é concebido como um período que as crianças utilizam para descansar. O re- creio, a partir desta análise da organização esco- lar tradicional, toma um sentido compensatório das atividades da sala de aula para os alunos, ou seja, é utilizado como mecanismo de descansar e compensar o tempo do trabalho – que seria a ati- vidade de aula. Seria este o sentido real do recreio escolar? O recreio tem um tempo determinado para ocorrer e caracteriza-se, também, por ser um momento em que os professores/profissionais descansam e se encontram e que todos podem se alimentar para retornar às atividades de aula. To- das essas características apresentadas aqui sobre o recreio são importantes e nos levam a compreen- der melhor esse tempo da que, muitas vezes, não é alvo de pesquisas e estudos como os momentos de aula são. O recreio representa uma possibilidade de as crianças e adolescentes desenvolverem atividades e construírem laços coletivos, vivências e conflitos, que já discutimos aqui no livro como essenciais para a constituição da cultura lúdica destas catego- rias geracionais. EDUCAÇÃO FÍSICA 67 Assim, as relações desenvolvidas no recreio re- fletem, também, valores e princípios da sociedade em que estamos inseridos. Desse modo, o recreio reflete as mesmas contradições e relações ineren- tes à realidade na qual a criança e o adolescente estão inseridos. Assim, o tempo do recreio, traduzindo as rela- ções humanas atuais, resulta no significado que o brincar tem no recreio. Esta linguagem do jogo, da brincadeira e do brinquedo é inerente ao significado do recreio no cotidiano infantil e do seu exercício criativo neste ambiente. No recreio, [...] elas conseguem transitar com imensa ra- pidez e habilidade entre o real e o imaginário, sendo essa capacidade o ponto comum entre as brincadeiras dos meninos e das meninas. (WÜRDIG, 2010, p. 103). Devemos refletir a respeito do espaço que as crian- ças têm garantido na participação sobre as decisões características do tempo do recreio. A utilização do recreio como mecanismo de controle dos compor- tamentos infantis nega a sua própria essência, a da constituição da sua cultura lúdica. Se partirmos do princípio de que o recreio é o espaço e tempo destinado à categoria geracional da infância, a criança deveria ser elemento participante das decisões sobre o espaço destinado à brincadeira e a ela. O que temos são construções distanciadas da realidade e anseios dos petizes, ou construções pensadas por adultos que supõem conhecer o que a criança deseja. Outro elemento importante para observarmos no recreio escolar é a possibilidade de estabeleci- mento de laços de amizade e formação de grupos nesse espaço. Este, segundo Souza (2014), é um momento importante para que os adultos identifi- quem e compreendam como os grupos de crianças se organizam e como esse arranjo está pautado no brincar e jogar. O recreio é uma das possibilidades cotidianas de os membros da comunidade escolar se relacio- narem, Aprendem, nestas situações, uns com os outros, entram, criam e estabelecem conflitos e relações im- prescindíveis para seu desenvolvimento. Como no caso do alerta de Neuenfeld (2003, p. 37) a respeito do recreio e a forma que está sendo utilizado Em face de um lazer de mercado, que impõe os brinquedos que conduzem o brincar da criança e, da mídia, que exalta o esporte de alto rendi- mento como modelo a ser seguido, será que as crianças realmente estão conseguindo se recre- ar durante o recreio? É imprescindível a problematização e o olhar para aprendizagem e relações emancipatórias e de res- peito neste tempo da organização do ensino. As crianças andam, neste espaço educativo tão po- tente, dedicando-se a reproduzir modelos de ex- clusão? Como devemos intervir é uma reflexão pertinente para professores, alunos e gestores. 68 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Segundo Guzzoni (1998, p. 52), as experiências que ocorrem no recreio podem ser: [...] agradáveis ou não, porque permitem que eles se encontrem e resolvam os problemas que se apresentam naquele momento, é agradável porque eles podem escolher entre fazer ou não fazer ou porque precisam entender que às vezes é necessário se fazer aquilo que não se quer, em função de um grupo ou em função de sua acei- tação no grupo. É nas inúmeras brincadeiras, jogos, histórias, aven- turas, partilhas de alimentos e brinquedos e nas re- lações estabelecidas entre os pares que constitui-se o cerne da riqueza do recreio. Temos, ainda, a questão de que muitos destes processos não são mediados por adultos, são as crianças e adolescentes que, so- zinhos, decidem as “regras deste jogo”; os conflitos e aceites das regras são reflexo de suas vivências em toda sua vida e não são apenas próprias do recreio. O recreio, para vigilantes da ordem e pessoas que não reconhecem seu potencial criativo, pode ser consi- derado um momento negativo do cotidiano escolar, ao ponto de existirem propostas para sua supressão. Entretanto, a extinção dele pode impedir importan- tes vivências para as crianças e adolescentes. O recreio, nos dias em que não há Educação Física, tornou-se o único momento que as crianças possuem para se movimentar. Por isso, ao saírem das salas de aula, [...], elas “explodem” em movimento. (Derli Juliano Neuenfeld) REFLITA Quanto à questão da interferência pedagógica no recreio, um dos trabalhos mais consistentes é de Gaelzer (1976), que defende a inclusão do recreio escolar no plano geral das atividades escolares e nos planos curriculares de cada série. A autora sugere que o recreio anual seja organizado em três etapas. Na primeira, ele deve ser dirigido. Os alunos vão para o pátio, juntamente com seus professores, para locais previamente destinados, praticar jogos sele- cionados que busquem incluir novas formas lúdicas de movimento. Na segunda, as ativida- des devem ocorrer em locais reservados, mas cada aluno escolhe o que gostaria de fazer. Na terceira, o recreio deve ser apenas supervisio- nado e coordenado por um professor, mas os próprios alunos gerenciam suas atividades. Fonte: Neuenfeld (2003, p. 39). SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 69 Se temos como objetivo que as pessoas forjem suas vidas a partir de processos emancipatórios, precisa também ser reconhecido. As vivências lúdicas que ocorrem no recreio precisam ser alvo de refl exão da comunidade e estimuladas visando seu desenvolvi- mento pleno, múltiplo nas possibilidade e privile- giando a autonomia dos alunos. Afi nal, o recreio é um momento de aprendizagem, de brincadeiras e de laços coletivos. 70 considerações finais C aro(a) aluno(a), nesta unidade nos dedicamos a discutir os jogos, brin- quedos e brincadeiras em três vertentes em que a cultura lúdica está inserida na atualidade. Conhecer estes aspectos deve permitir que você, professor(a)/profissional em formação, compreenda princípios ineren- tes ao brincar e jogar, especialmente na infância e adolescência. É imprescindível que na relação dos jogos, brinquedos e brincadeiras na Edu- cação Física, no recreio e na legislação vigente, como apresentado nesta unidade, fique explícita a linha fundamental que une esses âmbitos. São formas de expres- são da humanidade e devem estar garantidas de maneira efetiva e dialógica em todas as dimensões formativas da vida das crianças e adolescentes. Trouxemos aqui a esfera dagarantia de direitos e que o brincar e jogar estão contemplados em diversas legislações. Entretanto, temos um extenso caminho para trilhar na compreensão e implementação desses direitos. Um dos caminhos possíveis para esta consolidação é o da formação: educadores, comunidade e crianças precisam aprender sobre o brincar e sua garantia no âmbito dos direitos, sobre a importância da participação nas instâncias decisórias e da concretização de políticas públicas de esporte e lazer. Os jogos, brinquedos e brincadeiras foram debatidos nesta unidade em dois ambientes: na Educação Física e no recreio, ambos momentos consolidados em nossa cultura como espaços e tempos de brincar e jogar infantil. Buscamos elu- cidar fundamentos que orientem um bom trabalho com esta linguagem e a ne- cessidade de compreensão da realidade social, material e cultural em que se está inserido para o desenvolvimento do trabalho educativo com os jogos, brinquedos e brincadeiras. Veremos, na próxima unidade, aspectos mais concretos dos jogos e brinca- deiras. Entretanto, buscaremos estabelecer reflexões a partir das problematiza- ções apresentadas até o momento sobre a cultura lúdica infantojuvenil. 71 atividades de estudo 1. Durante a unidade, aprendemos que o século XX foi marcado por avanços no que se refere à legislação sobre a infância. Discorra acerca da forma como a criança passou a ser entendida nesse período. 2. Foi na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) que o brincar apareceu efetivamente como um direito em seu princípio. Entretanto, aprendemos que ele foi evidenciado com um caráter utilitário. Explique qual é esse caráter expresso por meio do brincar. 3. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989 foi um marco na defesa de direitos de crianças e adolescentes. Em seu artigo 31, verifi- camos que: a. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística. b. Os Estados Partes promoverão oportunidades adequadas para que a criança, em condições de igualdade, participe plenamente da vida cultural, artística, recreativa e de lazer. Discorra e explique sobre as contribuições e conquistas que essa Convenção pro- põe para o brincar enquanto direito. 4. Estudamos até agora que o jogar e brincar são expressões da vida, for- mas de criação e recriação que deveriam perpassar toda nossa existência. Assim, a necessidade do trabalho desse conteúdo em todos os níveis da educação torna-se visível. Descreva quais são os cuidados necessários para a aplicação desse conteúdo nos diferentes níveis da educação. 5. No decorrer da unidade, aprendemos que não podemos generalizar o lú- dico comparando-o com outras atividades infantis. Explique por que o lúdico não pode ser considerado uma brincadeira ou um jogo. 6. É possível evidenciar a característica da liberdade que as crianças buscam no recreio. No modelo predominante da nossa educação, o recreio é en- tendido como um tempo para compensar o tempo de estudo, quando fi- cam sentadas e concentradas. Entretanto, evidenciamos no recreio ma- nifestações do lúdico, do brincar e dos jogos. Disserte sobre a visão de recreio do modelo tradicional e as consequências para a construção de uma cultura lúdica. 72 LEITURA COMPLEMENTAR No livro Metodologia do Ensino da Educação Física é pro- posto um programa de desenvolvimento do conteúdo jogo, que apresentamos a seguir e que consideramos, caro(a) aluno(a), uma base interessante para a organiza- ção do material. Seguem, agora, trechos do livro que nos explicitam esta proposta: 2.1.1 O Jogo no Ciclo de Educação Infantil (Pré-Escolar) e no Ciclo de Organização da Identifi cação da Realidade (1ª a 3ª séries do Ensino Fundamental): a. Jogos cujo conteúdo implique o reconhecimento de si mesmo e das próprias possibilidades de ação. b. Jogos cujo conteúdo implique reconhecimento das propriedades externas dos materiais/objetos para jogar, sejam eles do ambiente natural ou construí- dos pelo homem. c. Jogos cujo conteúdo implique a identifi cação das possibilidades de ação com os materiais/objetos e das relações destes com a natureza. d. Jogos cujo conteúdo implique a inter-relação do pen- samento sobre uma ação com a imagem e a concei- tuação verbal dela, como forma de facilitar o sucesso da ação e da comunicação. e. Jogos cujo conteúdo implique inter-relações com as outras matérias de ensino. f. Jogos cujo conteúdo implique relações sociais: crian- ça-família. criança-criança, criança-professor, crian- ça-adultos. g. Jogos cujo conteúdo implique a vida de trabalho do homem, da própria comunidade, das diversas regi- ões do país, de outros países. h. Jogos cujo conteúdo implique o sentido da convivên- cia com o coletivo, das suas regras e dos valores que estas envolvem. i. Jogos cujo conteúdo implique auto-organização. j. Jogos cujo conteúdo implique a autoavaliação e a avaliação coletiva das próprias atividades. k. Jogos cujo conteúdo implique a elaboração de brin- quedos, tanto para jogar em grupo como para jogar sozinho. Pode-se observar que, desde a letra “a” até a letra “k”, foi proposta uma série de tematizações de jogos, selecionadas a partir do critério de sua abrangência na possibilidade de captação da realidade que cerca a criança. Elas oferecem a possibilidade do conheci- mento de si mesmo, do conhecimento dos objetos/ materiais de jogos, das relações espaço-temporais e, especialmente, das relações com as outras pessoas. Sugere-se ao professor/profi ssional pesquisar, tanto em bibliografi as adequadas quanto na própria memó- ria lúdica da comunidade dos seus alunos, os jogos que melhor viabilizem o tratamento dessas temáticas. Aqui é oferecido o exemplo de uma aula na qual o pro- fessor /profi ssional incentiva a criação de jogos pelos próprios alunos. Ele propõe como tema da aula “reba- 73 LEITURA COMPLEMENTAR ter”, para o qual coloca à disposição dos alunos ma- teriais como: bolas de diversos tamanhos, bem como alguns materiais que permitem bater nas bolas. Esses materiais podem ser raquetes de madeira ou plástico, pequenas tábuas estreitas e compridas (que podem servir como raquetes), cabos de vassoura curtos ou compridos etc. Num primeiro momento, o professor questiona os alunos sobre as formas que poderiam ser encontra- das para bater na bola de maneira a lançá-la para o colega, que, por sua vez, a rebaterá. Depois, propõe encontrar formas coletivas de jogos de rebater. Final- mente, convida os alunos a expressarem seu pensa- mento sobre os questionamentos: quais os jogos mais fáceis? Quais os mais difíceis? Quais os mais prazero- sos (tanto pela forma de rebater quanto pelo número de colegas envolvidos)? Quais os que gostariam de voltar a jogar? Quais os que podem ser feitos com os amigos da rua? Podemos observar que esses jogos de rebater abrangem várias tematizações, por exemplo, e em especial, as men- cionadas nas letras “a” e “b”. A experiência de rebater per- mite às crianças a identifi cação das habilidades com que elas conseguem rebater, lançar, acertar com a raquete ou bastões, correr, saltar, receber etc. O professor deve orientar as possibilidades de imprimir características di- ferentes para estas atividades, assim como velocidade, força etc, bem como observar os resultados. Mais tarde, esses dados serão sistematizados em diversas classifi ca- ções de jogos, os quais, nas formas individuais ou coleti- vas, farão afl orar confl itos nas relações pessoais, dando ao professor oportunidade de abordá-los orientando os alunos para as questões do coletivo e das regras neces- sárias à convivência social. 2.1.2 O Jogo no Ciclo de Iniciação à Sistematização do Co- nhecimento: a. Jogos cujo conteúdo implique jogar tecnicamente e empregar o pensamento tático. b. Jogos cujo conteúdo implique odesenvolvimento da capacidade de organizar os próprios jogos e decidir suas regras, entendendo-as e aceitando-as como exigência do coletivo. 2.1.3 O Jogo no Ciclo de Ampliação da Sistematização do Conhecimento: a. Jogos cujo conteúdo implique a organização técnico- -tática e o julgamento de valores em sua arbitragem. b. Jogos cujo conteúdo implique a necessidade do trei- namento e da avaliação individual e do grupo para jogar bem, tanto técnica quanto taticamente. c. Jogos cujo conteúdo implique a decisão de níveis de sucesso. Fonte: Soares et al. (1992, p. 46). 74 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O fi m do recreio. Ano: 2012 Sinopse: no Congresso Nacional, um projeto de lei pretende acabar com o re- creio escolar. Ao mesmo tempo, em uma escola municipal de Curitiba, um grupo de crianças pode mudar toda essa história. Recheado de vibrantes brin- cadeiras infantis, O Fim do Recreio é um curta-metragem para todos os pú- blicos que bota a boca no trombone e avisa: cobra parada não come sapo! Comentário: curta metragem de Vinícius Mazzon e Nélio Spréa que retrata a pos- sibilidade do fi m do recreio a partir da visão da criança. Importante refl exão para os(as) educadores(as) sobre os signifi cados do recreio para as crianças. Indicação para Assistir Eu Brinco Também Verônica Regina Müller (organizadora) Editora: Massoni Sinopse: gostaríamos que todas as crianças tivessem seus direitos básicos ga- rantidos, entre eles o direito a brincar. Não atingimos a todas as crianças, mas acreditamos que plantamos uma semente de respeito e esperança naquelas com quem brincamos, com quem partilhamos nossos momentos e também na família e na comunidade. Esperamos que as tardes de brincadeiras perseverem em suas memórias e interfi ram em seu modo de pensar o futuro, para transformá-lo. É maravilhoso vermos tantas mudanças (mais perceptíveis para quem está junto às crianças periodicamente) durante nossa atuação em Sarandi. Aprendemos, a cada sexta-feira de estudos, e principalmente a cada sábado, com as crianças. Tor- namo-nos, a cada experiência, mais educadores, com objetivos em comum e com o amor aumentado pelo que fazemos. Com o Projeto Brincadeiras é importante para nossa formação profi ssional e pessoal, nos tornamos parte da vida e da his- tória das crianças, e é recíproco. Elas mudaram nossa forma de sentir, pensar e agir, e nos deixam mais humanos a cada encontro! Indicação para Ler gostaríamos que todas as crianças tivessem seus direitos básicos ga- Não atingimos a todas as crianças, mas acreditamos que plantamos uma semente de respeito e esperança naquelas com quem brincamos, com quem partilhamos nossos momentos e também na família no Congresso Nacional, um projeto de lei pretende acabar com o re- creio escolar. Ao mesmo tempo, em uma escola municipal de Curitiba, um grupo de crianças pode mudar toda essa história. Recheado de vibrantes brin- cadeiras infantis, O Fim do Recreio é um curta-metragem para todos os pú- blicos que bota a boca no trombone e avisa: cobra parada não come sapo! 75 referências BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 01 abr. 2017. ______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dis- põe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 01 abr. 2017. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Orien- tações Educacionais Complementares aos Parâme- tros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2016. 241 p. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/lingua- gens02.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2017. ______. 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Foi em 1959, com a Declaração dos Direitos da Criança (1959), que o brincar apare- ceu expressamente como um direito em seu princípio sete: “A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua edu- cação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito”. Nesta dimensão, o brincar está atrelado a um sentido utilitário. Na Declaração Universal dos Direitos da Criança, o direito a brincar está relacionado à educação, ou seja, à brincadeira a ser desenvolvida para algum fim, no caso, a edu- cação. A questão que orienta o direito a brincar nessa declaração não compreende ou garante a brincadeira em seu sentido como uma forma de expressão das pes- soas e de vida, e sim a brincadeira para outra finalidade, no caso a brincadeira para beneficiar a aprendizagem. Esse sentido utilitário dado à brincadeira persiste nas legislações até os dias de hoje (TOMÁS; FERNANDES, 2014). 3. A Convenção avança na garantia do direito no sentido de que é um direito autônomo, não está atrelado ao direito à educação, por exemplo, como a Declaração de 1959. Garante também a questão das especificidades da geração que trata a Convenção, a infância. O artigo versa sobre a questão da garantia ao repouso e tempo livre. Esse ponto é muito relevante frente às inúmeras violações que ocorrem no âmbito do tempo das crianças. Em muitos locais, as crianças têm cada vez menos tempo livre e têm negado seu direito à convivência comunitária: algumas passam suas vidas insti- tucionalizadas e outras, por conta violência, não desfrutam da vida em comunidade. Esta convenção estabelece para o mundo todo que criança é sujeito de direito e que devem ser disponibilizados mecanismos para esta garantia. 4. O cuidado no desenvolvimento deste conteúdo na Educação Física passa pelos de- bates das regras do jogo, a complexidade e temas dos jogos e brincadeiras desen- volvidos em relação à faixa etária que se trabalha. Este cuidado deve ser uma orien- tação e não uma limitação para o desenvolvimento do conteúdo. Refletindo sobre a organização dos conteúdos dos jogos, Soares et al. (1992, p. 46) afirmam que é imprescindível “[...] que os conteúdos dos mesmos sejam selecionados, consideran- do a memória lúdica da comunidade em que o aluno vive e oferecendo-lhe ainda o conhecimento dos jogos das diversas regiões brasileiras e de outros países”. 5. Quando determinamos o lúdico como sinônimo de alguma atividade como, por exemplo, a brincadeira, não conferimos o sentido amplo que tem a ludicidade, pois essa é composta de inúmeras “[...] manifestações culturais construídas socialmente pela humanidade”. Ressaltamos, então, a multiplicidade de manifestações que o lú- dico representa, o que nos leva a expandir esta compreensão, pois ele materializa a cultura dos grupos sociais em suas diversas expressões. Lúdico não é só brincadeira e jogo. O lúdico é uma das dimensões da linguagem humana e contempla tradições, os valores, os costumes e as contradições presentes em nossa sociedade. 6. Nesse formato, o recreio torna-se disciplinador dos corpos e comportamentos, não reflete a característica e necessidade da cultura infantil, que tem como particulari- dade a liberdade e a criatividade. O recreio, a partir desta análise, toma um sentido compensatório das atividades da sala de aula para os alunos. Assim, recreios for- matados dentro deste modelo não privilegiam o desenvolvimento da cultura lúdica. Entretanto, o recreio representa uma possibilidade de as crianças e adolescentes desenvolverem atividades e construírem laços coletivos, vivências e conflitos que são essenciais para a constituição da cultura lúdica destas categorias geracionais. A extinção desse tempo de recreio pode impedir importantes vivências para as crian- ças e adolescentes. Além disso, destaca-se a questão de que muitos destes proces- sos não são mediados por adultos, são as crianças e os adolescentes que, sozinhos, decidem as “regras deste jogo”, os conflitos e aceites das regras são reflexo de suas vivências em toda sua vida e não são apenas próprias do recreio. Professora Dr.ª Paula Marçal Natali Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Características dos Jogos e Brincadeiras: questões atuais • Características e classifi cações dos Jogos e Brincadeiras Objetivos de Aprendizagem • Elencar as principais características das brincadeiras e jogos na atualidade. • Apresentar algumas classifi cações e categorizações sobre brincadeiras e jogos na atualidade. JOGOS E BRINCADEIRAS: ASPECTOS FUNCIONAIS unidade III INTRODUÇÃO Neste item de nosso livro, aprenderemos sobre características, classifi- cações e tipologias de brincadeiras e jogos. Vamos debater caracterís- ticas do brincar e jogar na atualidade, considerando, caro(a) aluno(a), que essa expressão da vida humana, que ultrapassa gerações, é fruto da realidade e revela os meandros característicos da sociedade em que está inserida e, assim, carrega as marcas do contemporâneo. Partimos da premissa de que estas linguagens se entrecruzam e com- põem o universo da cultura lúdica infantojuvenil. Assim, consideramos que a divisão entre jogo e brincadeira dentro da unidade, em algumas situações, tem o objetivo didático de compreender com mais profundi- dade a linguagem que estudamos aqui. A respeito da atualidade relacionada com a cultura lúdica, vamos aprender sobre o brincar e jogar no espaço urbano, a cultura lúdica nas diferentes infâncias, o jogar e brincar na escola e fora dela, seus entraves e reflexões educativas possíveis. A questão da classificação dos jogos e brincadeiras apresentada aqui não pode ser considerada como uma limitação ou amarra, afinal, trata- mos de um patrimônio cultural: o jogo e a brincadeira. Assim, uma brin- cadeira pode estar relacionada em diferentes classificações, e trataremos dessas tipologias com o intuito de nos instrumentalizarmos sobre este conteúdo e não de limitá-lo ou segmentá-lo. Como já afirmamos na Unidade II, podemos apontar que, em geral, a diferença mais difundida pelos autores da área refere-se ao grau de com- plexidade entre jogos e brincadeiras, sendo o jogo considerado um siste- ma mais elaborado de regras anteriormente decididas por quem joga, e o brincar menos orientado por normas. Partimos, aqui, desse entendimento. Nesta etapa, aprenderemos sobre algumas características dos jogos e brincadeiras na atualidade no âmbito escolar e não escolar e, posterior- mente, ampliaremos nosso repertório de jogos e brincadeiras a partir de suas classificações e tipologias disponíveis nos estudos e pesquisas. 82 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Prezado(a) aluno(a), vamos explicitar caracte- rísticas das brincadeiras e jogos para além da di- mensão conceitual já exposta no livro, vamos es- tabelecer uma refl exão entre as características da brincadeira e do jogo na atualidade e sua relação com a educação. Se considerarmos que o brincar e jogar infan- tojuvenil têm a marca do contemporâneo, vamos debater questões pertinentes a essa relação, como a compreensão equivocada de que todas as culturas lúdicas e infâncias são iguais; a falta de espaço para a brincadeira e para o jogo no espaço urbano, o brin- car e jogar e sua relação com a cultura, e adjetivações ao brincar. Uma das questões maisrelevantes entre os es- tudiosos da infância na atualidade é a necessidade de se superar a compreensão de infância como uma categoria geracional com características únicas, ou seja, que todas as crianças aspiram, necessitam e pensam elementos iguais. Esse entendimento homogeneizado de infância limita a compreensão dos reais e múltiplos traços das infâncias. Tornando-se imprescindível, especial- mente nos âmbitos educativos, evidenciar e valorizar [...] a criança como ator social, que produz e é produzido pela cultura – uma criança inven- tiva, criativa, rica em potencial, intérprete do mundo e protagonista de sua história e que traz consigo a marca da diversidade social e cultural (PORTILHO; TOSATTO, 2014, p. 739). Reconhecemos que, para o desenvolvimento efetivo e respeito aos saberes infantojuvenis, é necessária a compreensão da premissa de que temos múltiplas infâncias, pois, segundo Arruda e Muller (2010, p. 2), as crianças Características dos Jogos e Brincadeiras: Questões Atuais EDUCAÇÃO FÍSICA 83 [...] vivem em diferentes contextos com deter- minadas condições sociais, econômicas, polí- ticas, culturais e ideológicas. Assim, a infância é considerada uma categoria plural, devido às particularidades dos mundos das crianças. Isto também pode ser compreendido no período da adolescência, marcada no senso comum como uma fase difícil da vida das pessoas. Esta conotação tão taxativa deixa de lado a riqueza, a multiplicida- de dessa fase da vida, afinal, os adolescentes, assim como a infância, não são uma coisa só. Essa limitação dos entendimentos sobre as cate- gorias geracionais que aqui tratamos revela o distan- ciamento do mundo adulto, especialmente do edu- cativo, da capacidade de ressignificação do mundo e da produção cultural infantojuvenil. Sendo uma categoria geracional múltipla, com- plexa e produtora de cultura lúdica, este olhar para/ sobre a infância e adolescência deve orientar, caro(a) aluno(a), nossas ações educacionais. Refletir e de- senvolver o conteúdo de jogos e brincadeiras desvela a necessidade de conhecer e valorizar a cultura lúdi- ca do grupo com que trabalhamos. Podemos, assim, avançar na participação infantil e na ampliação do conhecimento sobre o vasto repertório dos jogos e brincadeiras possíveis, criados e construídos pelos nossos futuros alunos(as). Borba (2005) trata de características inerentes ao brincar e destaca quais elementos orientavam a esco- lha de uma determinada brincadeira pelas crianças e, partindo do princípio elucidado anteriormente, há múltiplos determinantes nessa escolha. Tais escolhas no brincar são orientadas por [...] um complexo processo de negociação en- tre as crianças, no qual entram em jogo: (i) as características do contexto onde a brincadeira ocorre: espaço físico, objetos disponíveis, quem são os participantes, número de participantes etc.; (ii) as relações sociais entre os participan- tes – marcadas, como veremos mais adiante, por hierarquias existentes no grupo, relações de gênero, além de valores como a amizade e o desejo de brincar com outros; (iii) os conhe- cimentos e experiências que os participantes trazem para a cena interativa; (iv) e os estilos pessoais de brincadeira (BORBA, 2005, p. 124). O brincar e jogar, assim como a infância e adoles- cência, apresentam-se como um fenômeno com- plexo. A brincadeira e o jogo precisam ser fruto de investimentos materiais e no exercício relacional entre os pares que brincam juntos; professores(as)/ profissionais devem dedicar-se a refletir e estudar sobre esta expressão tão cara ao desenvolvimento infantojuvenil. Desta forma, para empreendermos no sentido de privilegiar as vivências com a ludicidade, pre- zado(a) aluno(a), temos que ampliar nosso âmbito analítico e propositivo. Por exemplo, pouco adian- ta adquirir inúmeros brinquedos e não se atentar para outros fatores, como contexto, gosto e prefe- rência das crianças, tempo e espaço para o brin- car, entre outros fatores que podem influenciar no brincar do grupo. O brincar e jogar no ambiente de ensino - ape- sar de terem muitas características imprevisíveis e dinâmicas - apresentam rotinas características: em relação ao número de vezes que elas se repetem, preferência por uma ou outra brincadeira ou jogo, e em relação aos comportamentos desencadeados por estes (BORBA, 2005). Podemos observar essa rotina do brincar, por exemplo, quando as crianças definem muitas vezes pela mesma cantiga o ritmo ao pular corda e a forma como desafiam-se nessa brincadeira. 84 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O brincar em seu significado, como já afirmamos anteriormente, tem muitas lei- turas. Umas delas traz à tona a necessidade de adjetivar o brincar, como se dizer apenas brincadeira tivesse pouco significado. Debortoli (2004), a partir de uma classificação a respeito de brincadeiras, nos alerta para as questões pertinentes de equívocos a algumas adjetivações do brincar: brincadeira pedagógica, brinca- deira recreativa, brincadeiras livres, brincadeiras dirigidas e brincar pelo brincar. Vamos às reflexões do autor: Brincadeira recreativa Pautada no desenvolvimento de brincadeiras livres e espontâneas para as crianças, “[...] normalmente, está relacionada a uma ideia funcional de ocupa- ção do tempo ou “recuperação/desgaste de ener- gias acumuladas” (DEBORTOLI, 2004, p. 21). Brincadeiras livres Partem da ideia de que as crianças não precisam da interferência de adultos para brincarem; entretanto, em muitos casos, a autonomia a que este tipo de brincadeira está baseada não acompanha uma real compreensão desse sentido. Segundo Debortoli (2004, p. 22), na brin- cadeira, os grupos de crianças conseguem construí-las, elaborar regras e estabelecer relações, entretanto, expressam as relações que conhecem; há tensões e relações de po- der e muitas vezes vê-se reforçado justamente algo que precisaria ser melhor trabalhado com as crianças na direção da construção de suas relações e experiências. Brincar pelo brincar Parte do princípio de ser o oposto ao sentido utili- tário da brincadeira; nesse âmbito, de acordo com Debortoli (2004, p. 22), “Sobressai uma concepção do brincar relacionada a uma ideia de relaxamen- to, prazer, distensão e autonomia individual”. EDUCAÇÃO FÍSICA 85 Brincadeira pedagógica São brincadeiras desenvolvidas com as crianças visando a ensinar algum conteúdo escolar. Está relacionada ao fato de que o conteúdo que a criança tem que aprender não é interessante e que este, para ficar mais atraente, deve ser tra- balhado no formato de brincadeira (DEBORTOLI, 2004). Brincadeiras dirigidas Relacionadas à compreensão de que a criança não sabe brincar e que existe uma ideia correta para executar aquela ação. A linguagem da brincadeira tratada como um conteúdo que deve ser ensinado, “O objetivo principal ressaltado para essas “ativida- des” é o de ensinar a brincadeira, mas não neces- sariamente o de brincar” (DEBORTOLI, 2004, p. 22). A crítica relacionada às adjetivações das brincadeiras listadas anteriormente devem ser alvo de refle- xão em relação ao próprio sentido do brincar como forma de expressão humana. Utilizá-las de forma corrente, caro(a) aluno(a), precede uma reflexão anterior que implica diversos pontos, como os que Debortoli (2004) nos aponta. 86 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Os sujeitos envolvidos no brincar e jogar necessi- tam, segundo Portilho e Tosatto superar: [...] a ideia de uma “intenção didática” se reves- te de motivo maior para o uso do jogo, trans- formando-o em uma atividade mecânica, diri- gida e controlada pelas ações da professora que ensina (passa “conhecimento”) e das crianças que aprendem (recebem o “conhecimento”) (PORTILHO; TOSATTO, 2014, p. 749). Esta característica atribuída ao brincar e jogar traz consigo o distanciamento da compreensão da brin- cadeira e do jogo como produção de cultura, pois considera em si que o brincar está relacionado a uma forma certa deser executado, um tempo certo para ocorrer e grupos etários apropriados para te- mas de brincadeiras. [...] simples e direta o mundo dos adultos, mas sim o transforma, modifica, contesta, amplia, confirma — enfim, ela pensa e elabora ideias próprias sobre esse mundo, revelando necessi- dades, interesses, conhecimentos e desejos. Está aí o potencial criativo e de aprendizagem que precisa ser evidenciado nos processos de reconheci- mento e valorização da cultura lúdica infantil. Outro ponto que precisamos elucidar da cultu- ra lúdica na atualidade versa sobre o brincar e jo- gar no espaço urbano. Nas médias e grandes cida- des, a cultura lúdica não se evidencia de maneira homogênea e linear. Arruda e Muller (2010), que dedicaram-se a estudar como crianças de diferen- tes classes sociais brincam e jogam em diferentes lugares da cidade, constataram essa heterogenei- dade no brincar urbano. As pesquisadoras nos apresentam um quadro em que as crianças que moram em um bairro considera- do rico (em que se pressupõe que as crianças tenham seus direitos garantidos) não foram encontradas nos espaços públicos de lazer brincando e se divertindo, o que configura-se como uma violação de direitos. Por outro lado, as crianças do bairro pobre, em meio a tantas outras violações de direitos, estão nos espa- ços públicos e brincam entre si, tendo convivência comunitária (ARRUDA; MULLER, 2010). Podemos nos questionar, caro(a) aluno(a), a respeito de quem tem uma cultura lúdica garantida diante de uma constatação dessa natureza. Um dos principais entraves dos centros urbanos nessa ques- tão são as crianças e adolescentes que não desfrutam de convívio com seus pares em espaços públicos, por diversos motivos: violência, institucionalização e atividades excessivas, falta de opções de espaços públicos que estimulem a convivência. Podemos nos deparar com brincadeiras em que o(a) professor(a)/profissional avisa aos alunos que ela ainda não pode ser finalizada, e brincadeiras que são interrompidas brusca- mente. Por que existem estas contradições? REFLITA Nesta produção cultural da criança e do adolescen- te, não podemos incorrer no erro de simplificar esse processo de significação do mundo pela criança e pelo jovem no brincar. Eles não reproduzem apenas o mundo em que vivem, mas reconstroem e ressig- nificam essas vivências. Segundo Portilho e Tosatto (2014, p. 742), a criança na brincadeira não repete de maneira EDUCAÇÃO FÍSICA 87 Em contrapartida, temos infâncias com inú- meras necessidades que não são garantidas e que, em relação a sua cultura lúdica, tem-se uma reali- dade mais garantida. Podemos ter, ainda, crianças e adolescentes que vivem em bairros medianos e que privilegiam de alguma forma a cultura lúdica de seus moradores. Assim, é possível compreender o cenário com- plexo da infância e adolescência frente aos jogos e brincadeiras que conhecem, vivenciam e almejam. Estas questões são imprescindíveis de serem com- preendidas por você, professor(a)/profissional em formação, que pretende desenvolver uma práxis educativa concreta e efetiva. Quando nos dedicamos a estudar a relação da ludicidade com a atualidade, não podemos nos furtar em debater os avanços tecnológicos nessa relação. Dornelles (2005) nos brinda com uma análise sobre a infância cyber (as das tecnologias) e ninja (dos que vivem à margem da sociedade). Longe de ser uma análise dual dessas duas infân- cias na atualidade, essas concepções buscam es- tabelecer relações com os diversos determinantes que compõem as infância na atualidade, como a tecnologia, a cidade, a organização social e o modo de produção vigente. Sobre as crianças ninja, Dornelles (2005) faz uma analogia ao desenho das Tartarugas Ninjas (de- senho de 1984 que trata da história de tartarugas que vivem nos bueiros da cidade e são guerreiras), considerando que essas crianças vivem na cidade, mas sem acesso aos bens disponíveis delas, muitas vivem em bueiros e pelas ruas. Vivem à parte dessa tecnologia, videogames e mí- dias que não podemos considerar que sejam aces- síveis para todas as infâncias, quando analisamos a organização social vigente extremamente produ- tora de desigualdades. A autora explicita que as crianças ninja não só brincam, mas também bus- cam sua sobrevivência e estão expostas aos peri- gos das ruas e da cidade sem o cuidado e orienta- ção de um adulto. As crianças cyber são analisadas por Dornelles (2005) como uma categoria geracional das tecno- logias, que são expostas à lógica do mercado. Essa característica leva a uma conformação social regu- lada pelo consumo, desejo e sonhos governados por essas instâncias, tanto de adultos quanto de crianças e adolescentes. 88 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS A infância cyber consiste em crianças em seus quartos, com aparelhos tecnológicos com acesso ao mundo virtual, que ingressam nesse mundo a partir de seus computadores, tablets, televisores e celulares — o que não significa que devem ser deixadas sem a mediação de adultos nesse processo. É dever dos pais estimular outras vivências, como a convivência comunitária e os jogos e brincadeiras em grupos, pois, como já explicitamos aqui, não se constitui um ser humano privilegiando apenas uma dimensão, somos seres sociais e necessitamos de relação entre pares (DORNELLES, 2005). Assim, a constituição dessas infâncias é in- fluenciada e determinada pelo que as crianças e adolescentes vivem em suas cidades, famílias e es- colas, pelo que assistem na TV e pelos jogos ele- trônicos que têm acesso ou desejam ter. É um de- safio para a educação contemporânea relacionar a complexidade da vida atual com a cultura lúdica produzida e que precisa ser aprendida na experi- ência do brincar e jogar. Até aqui debatemos o entendimento de que o jogo é um fenômeno complexo e que está presen- te na vida das crianças e adolescentes de diversas maneiras. O jogo desportivo ocorre mais fortemente rela- cionado ao fazer, ao executar, do que atrelado ao seu sentido. Assim, “[...] os alunos eram (ainda são) es- timulados a praticar os jogos, e não a compreender os significados e os valores que estão por trás deles” (RANGEL; DARIDO, 2014, p. 163). Desta forma, se anuncia a preeminência de ampliar os sentidos atribuídos aos jogos. As pesquisadoras apontam três dimensões para o desenvolvimento do trabalho na Educação Física, e atrelando ao objetivo de aprendi- zagem da nossa unidade, vamos apresentar o traba- lho educativo com os jogos nas dimensões conceitu- al, atitudinal e procedimental. A dimensão procedimental está relacionada ao executar. Rangel e Darido (2014, p. 163) exemplifi- cam a possibilidade de na escola o trabalho com o jogo possa ser realizado a partir da ressignificação, da transformação de “[...] formas de jogo conhecidas, bem como serem realizadas pesquisas com pessoas da comunidade sobre as diferentes formas de jogar um mesmo jogo”. O trabalho poderia ser realizado a partir de uma pesquisa na comunidade sobre o que as crianças mais brincam (ou se brincam nas ruas) e sobre o que seus moradores mais antigos brincavam na comunidade, e vivenciar esses jogos (veja pesquisa realizada no QRCode). Sobre a dimensão atitudinal, Rangel e Darido (2014, p. 163) apontam que está relacionada aos va- lores, a postura e atitudes que são estimuladas e dis- paradas pela vivência dos jogos: EDUCAÇÃO FÍSICA 89 [...] a cooperação, a solidariedade, a inclusão, a relação de gênero, a ética, a pluralidade cul- tural e a resolução de conflitos. Esta última di- mensão, apesar de presente nas aulas, acontece quase sempre sem a intervenção do professor”. A última dimensão apontada pelas pesquisadoras é a dimensão conceitual, que pode ser considerada como uma das que são menos trabalhadas no conte- údo jogo e que mais se assemelham nos valores com outros conteúdos da cultura corporal. Rangel e Da- rido (2014, p. 163) exemplificam um trabalho visan- do a “Conhecer o repertório dejogos e brincadeiras dos familiares de diferentes gerações e compreender a dinâmica da produção de jogos na cultura”, poden- do estimular os alunos a aprenderem sobre a cons- tituição, origem e significados dos jogos na cultura. Essas dimensões nos expõem a amplitude de possibilidades de trabalharmos com os jogos na atu- alidade: são extensões do conteúdo jogos que ins- piram e instrumentalizam os(as) professores(as)/ profissionais a refletirem sobre suas metodologias de trabalho e possibilidades educativas no trabalho com os jogos, considerados, aqui, como um patri- mônio cultural. Arruda e Muller (2010) afirmam que especial- mente o(a) professor(a)/profissional de Educação Física, tanto na escola quanto fora dela — pois pro- cessos educativos não ocorrem apenas no âmbito escolar —, tem na brincadeira e no jogo um de seus principais conteúdos de intervenção, pois estes com- põem a cultura infantil e são manifestações da cul- tura corporal. O que apresentamos neste item são elementos que possibilitam a aprendizagem sobre o brincar e jogar na atualidade. O que significa que muitas refle- xões expostas aqui, caro(a) aluno(a), têm marcadas o tempo histórico. Assim, consideramos que fun- damentos para a reflexão sobre a cultura lúdica foram aqui apresentados e são importantes para nossa atuação educativa. Entre- tanto, temos que estar atentos ao dinamismo dos determinantes da constituição do brincar e jogar infantojuvenil, se pretendemos constituir nossa ação educativa, seja na escola ou fora dela, de maneira efetiva. 90 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Neste tópico elucidaremos classificações referentes aos jogos e brincadeiras que temos na atualidade, ca- tegorizações que podem variar de infinitas formas. Podem ocorrer categorizações referentes ao tempo em que se desenvolve a atividade, objetivo que se pre- tende alcançar com os jogos e brincadeiras, o local que temos disponível, a faixa etária em que vamos de- senvolver nossa ação educativa, entre outras possíveis classificações. Essas características podem, ainda, ser combinadas entre si e formar novas tipologias. Caro(a) aluno(a), a importância de estudarmos um fenômeno tão vasto quanto os jogos e brincadei- ras e suas classificações constitui-se, especialmente, se visamos a ampliar nosso repertório de atividades Características e Classificações dos Jogos e Brincadeiras e a oferecer um compilado de vivências vastas para nossos(as) alunos(as). Destarte, aprender sobre a categorização dos jogos e brincadeiras nos proporciona, como pro- fessores(as)/profissionais, refletir sobre as diversas possibilidades de trabalhar com a cultura lúdica, aprendendo sobre os diferentes processos analíticos e classificatórios dos jogos e brincadeiras. A classificação, que é uma característica tão cara em algumas formas de pesquisa, aqui será utilizada não para limitar os significados dos jogos e enqua- drá-los em moldes, mas sim para ampliar nosso co- nhecimento sobre esse patrimônio cultural. Pode- mos, neste debate, fazer uma relação importante nos EDUCAÇÃO FÍSICA 91 ças ou de suas famílias e, assim, vivenciar a brin- cadeira e ressignificar suas regras. No ambiente educativo em que o “balança-caixão” é considera- do uma brincadeira cantada, podemos apresentar a música e ensinar as regras e formas que se brinca para as crianças e, depois ,trabalhar a ressignifica- ção das regras com elas. Destarte, a classificação a respeito do “balança caixão” como brincadeira tradicional ou cantada auxilia o professor no encaminhamento metodoló- gico, relacionando a forma de trabalho com as ca- racterísticas dessa brincadeira em cada realidade na qual estamos inseridos, e não considerando a classi- ficação da brincadeira como algo inflexível e limita- do. Como destacamos, existem inúmeras formas de classificar os jogos e brincadeiras, e todas elas nos fornecem elementos para sabermos mais sobre essa expressão humana. Vamos elucidar algumas formas de categoriza- ção de jogos e brincadeiras brevemente e posterior- mente nos dedicaremos a duas classificações porme- norizando-as, pois as consideramos mais completas e que podem auxiliar em nosso processo de aprendi- zagem sobre o conteúdo. Blumenthal (2005), pesquisando sobre a apren- dizagem e movimentação da criança de três a cinco anos na educação infantil, nos propõe uma classifi- cação de brincadeiras e jogos partindo do princípio de idade e do desenvolvimento saudável da criança. Essa forma de classificação corrobora com o fato de que a criança deve ter seu desenvolvimento atre- lado a uma boa educação, mas também deve ter o seu desenvolvimento e demandas próprias de sua idade respeitadas. O autor trata da necessidade da brincadeira, da diversidade de oportunidade de mo- vimento e da aprendizagem para a infância (BLU- MENTHAL, 2005). jogos e brincadeiras, que as regras são mutáveis, não se limitam a uma forma correta e precisam ser res- significadas no processo de vivência dos jogos e brin- cadeiras. Assim como seu processo de categorização é passível de diferentes interpretações e modulações. Outro fator importante a ser considerado quan- do classificamos algo é a possibilidade de que essa ação diferencie os jogos e brincadeiras um dos ou- tros e oriente nossas ações educativas. Por exemplo, um jogo que pode ser considerado e classificado como tradicional em um grupo social, como o “ba- lança-caixão”, pode, em outra realidade, ser enqua- drado como um jogo ou brincadeira cantada, pois nessa realidade não é tradicionalmente realizado. Como é a forma tradicional de se brincar de “balança-caixão”? As crianças elegem uma entre elas para ser a “vovó” e esta fica sentada em uma cadeira. As outras crianças formam uma fila na qual a primeira é a “tampa do caixão” e os outros ficam debruçados uns nas costas dos outros. A vovó fala: “balança, caixão”, as outras crianças: “balança você”, a vovó: “dá um tapa na bunda e vai se escon- der”, então, o último da fila dá um “tapinha” no colega e sai pra se esconder. Todos repetem as falas e o gesto sucessivamente, até a crian- ça que está no colo da vovó sai para procurar todos que estão escondidos pelo espaço. Fonte: a autora. SAIBA MAIS Assim, podemos metodologicamente trabalhar o “balança-caixão” de formas diferentes com as crianças: no ambiente educativo em que a brinca- deira é considerada tradicional, podemos trabalhar partindo das vivências lúdicas das próprias crian- 92 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Partindo dessa ideia, Blumenthal (2005) sugere uma divisão para os educadores desenvolverem seu trabalho com a infância: Brincadeiras de Corrida e Salto; Brincadeiras com Bola; Brincadeiras de Força e Agilidade; Brincadeiras de Esconder; Brincadeiras de Cantar; Brincadeiras Educativas Especiais e Brin- cadeiras de Movimento Espontâneo. Assim, caro(a) aluno(a), temos uma tipificação de brincadeiras pensadas a partir do movimento infantil e as aulas de educação física. Podemos apresentar outro modelo de classifica- ção de jogos e brincadeiras. Pimentel recorre à clas- sificação de Veríssimo Melo e nos expõe uma classi- ficação que se divide em: Jogos de seleção: usados para escolher os parti- cipantes de um jogo (ex: par ou ímpar, cara ou coroa, palitinho); jogos gráficos: realizados so- bre algum traçado ou desenho (ex: amarelinha, xadrez, palavras-cruzadas); jogos de competi- ção: envolve disputa física entre participantes (ex: braço de ferro, cabo de guerra, pega-pega); Jogos de salão: envolve motricidade mais fina em ambiente contido (ex: dominó, baralho, quebra-cabeças); Jogos com música: envolvem ritmo e memória auditiva (ex: cantigas de roda, karaokê, bandinha) (MELLO, 1981 apud PI- MENTEL, 2003, p. 16). Essas classificações expostas brevemente ilustram para você, caro(a) aluno(a), que esse universo é di- verso e você, como professor(a)/profissional, tem li- berdade para se inspirar nestas ou em tantas outras disponíveis na literatura, podendo,assim, ponderar sobre os caminhos metodológicos mais pertinentes para desenvolver sua ação educativa, abrangendo as amplas possibilidades de jogos e brincadeiras dispo- níveis em nossa realidade. Marcellino (2012, p. 10), quando propõe-se a apontar questões pertinentes à elaboração de um re- pertório de atividades, afirma que as classificações nessa área são muitas: As classificações disponíveis são inúmeras, e fica praticamente impossível listar todas as pro- postas apresentadas, optando por uma delas. Além disso, as classificações, do nosso ponto de vista, só têm sentido quando fundamentadas em objetivos claros, relacionados ao desenvol- vimento das atividades. Partindo dessa análise de Marcellino (2012), vamos detalhar duas classificações sem deixar de lado a noção explicitada pelo autor de que este universo é amplo, e que a classificação de atividades e expres- sões humanas está atrelada a objetivos e formas de desenvolvimento destas. Iremos desenvolver com mais detalhes essas duas categorizações, pois vemos nelas uma grande importância analítica em sua pro- fundidade, que se relaciona com a possibilidade de atuação no ambiente educativo. A CLASSIFICAÇÃO DE ROGER CAILLOIS: AGÔN, ILINX, MIMICRY, ALEA. O autor que estudamos na primeira Unidade des- te livro, Roger Caillois, nos apresenta em sua teoria uma classificação a respeito de jogos. Segundo Lara e Pimentel (2006, p. 180), para Caillois “[...] não há perversão do jogo, mas extravio e desvio de um dos quatro impulsos primários que o regem”. O jogo é dividido, então, em quatro elementos referentes à sua natureza social: agôn, competição; ilinx, verti- gem; mimicry, simulacro; e alea, sorte. Elucidaremos com mais detalhes cada uma delas. EDUCAÇÃO FÍSICA 93 Agôn: refere-se à competição. Em nossa socie- dade existe um número muito abundante de mani- festações dessa ordem, que parte de uma rivalidade entre os jogadores em uma situação em que a [...] igualdade de oportunidades é criada artifi- cialmente para que os adversários se defrontem em condições ideais, suscetíveis de dar valor preciso e incontestável ao triunfo do vencedor (CAILLOIS, 1990, p. 34). No jogo, é importantíssima a igualdade de opor- tunidades, ao ponto de que, segundo Caillois (1990, p. 34), este é: [...] o princípio essencial da rivalidade ao ponto de restabelecida por um handicap entre jogado- res de diferentes níveis, o que quer dizer que, na igualdade de oportunidades inicialmente esta- belecida, se cria uma desigualdade secundária, por proporcional à suposta força relativa dos participantes. Caillois (1990) explicita que essa condição ocorre tanto em agôn muscular, por exemplo, com os des- portos, quanto em agôn de característica mais cere- bral, como uma partida de xadrez. Podemos trazer o caso de um esporte realizado ao ar livre, em que a posição de uma das equipes pode ser prejudica- da pela incidência do sol: de alguma forma tem-se uma estratégia para minimizar essa desvantagem (que, nesse caso, representa uma vantagem para a outra equipe), e essa diferença deve ser minimizada no transcorrer do jogo e garantida nas regras pre- estabelecidas. A ideia do agôn relaciona-se a ser excelente, o melhor em algum domínio, o que exige do jogador destreza, persistência e treino. Para Caillois (1990, p. 35), “o agôn apresenta-se como a forma pura do mérito pessoal e serve para o manifestar”. Para o autor, as crianças também experienciam o agôn quando estão em uma fase anterior à entra- da no mundo das competições organizadas — vi- venciam entre si desafios relacionados à resistência, como de quem consegue ficar mais tempo sem res- pirar, por exemplo, até desafios que podem ser mais perigosos que estes. Caracteriza-se por uma experiência em que se des- taca o vencedor. Relaciona-se a provas esportivas que podem ser com dois times ou dois indivíduos oponentes, como: futebol, esgrima ou boxe. Com um número indefinido de pessoas disputando, como em algumas formas de corridas e concursos de tiro, e ainda jogos que os adversários iniciam com as mesmas condições e valores, como xadrez e dama (CAILLOIS, 1990). 94 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Alea: classificação oposta ao agôn que relacio- na-se à sorte no jogo. Em situação de jogo, o jogador “[...] não teria a menor das participações, e em que, consequentemente, se trata de vencer mais o destino do que um adversário” (CAILLOIS, 1990, p. 34). São os jogos que tratam do destino, isto é, ganhar está atrelado à sorte de um jogador em relação ao outro. O autor exemplifica Alea com os jogos de ro- leta, loterias, jogo de dados e cara ou coroa. Con- trariando o que afirmamos sobre o agôn, nesses exemplos, o jogador não depende de sua destreza e treino para vencer e obter sucesso no jogo, ele é passivo nesse processo, delegando à sorte seu êxito: arrisca-se em uma aposta. guns destes jogos), o centro do interesse. Receber dinheiro em alea relaciona-se a quanto mais sucesso no acaso e sorte o destino prioriza ao jogador e não atrelado ao êxito e o pagamento devido ao seu me- lhor desempenho ou inteligência (CAILLOIS, 1990). Segundo o autor, sobre alea e a infância fica explí- cito que as crianças não interagem com esses jogos, pois o jogar da criança está ligado ao agir, ao inter- ferir. Não vivenciam esses jogos com características de alea, pois também não possuem independência financeira, o que não as atraem para esses jogos. Por vezes, as crianças podem se atrair por brindes distri- buídos em jogos dessa natureza, mas levam em con- sideração mais o seu desempenho e habilidade que a sorte empregada no jogo. Mimicry: relacionado aos jogos imaginativos, de ilusão e fantasia. Para Roger Caillois, é [....] uma variada série de manifestações que têm como característica comum a de se base- arem no fato de o sujeito jogar e crer, a fazer crer a si próprio ou a fazer crer aos outros que é outra pessoa (CAILLOIS, 1990, p. 39). Neste tipo de expressão, o jogador vive a ilusão de ser outra pessoa ou personagem durante o tempo de jogo. Esse tipo de jogo é representado especialmente pela mímica e pelo disfarce. Caillois dá o exemplo das crianças que imitam os adultos e sua preferên- cia em usar fantasias e acessórios, brincar com mi- niaturas de ferramentas, utensílios. A classificação de mimicry diz respeito à [...] toda a diversão a que nos entreguemos, mascarado ou travestido, bem como nas suas consequências. E, finalmente, é claro que a re- presentação teatral e a representação dramáti- ca entram de direito neste grupo (CAILLOIS, 1990, p. 41). No agôn, o jogador conta com sua dedicação e desempenho, enquanto na alea o jogador [...] conta com tudo, com o mais ligeiro indício, com a mínima particularidade exterior, que ele encara logo como um sinal ou um aviso, com cada singularidade detectada, com tudo, em suma, exceto com ele próprio (CAILLOIS, 1990, p. 37). Os jogos de azar são prioritariamente praticados por humanos e têm, no ganho financeiro (para al- EDUCAÇÃO FÍSICA 95 Este tipo de jogo está relacionado ao prazer da fanta- sia e do mito, sabe-se que na realidade não se é com veracidade um personagem, por exemplo, de uma fantasia de carnaval, mas o jogo em si é jogar com o imaginário de que nos fizemos passar por e viven- ciamos aquele personagem. Segundo Caillois (1990), a mimicry correspon- de, em muitos pontos, aos outros tipos de jogos em diversos elementos, como no [...] saber, liberdade, convenção, suspensão do real e espaço e tempo delimitados. Contudo, a continuada submissão a regras imperativas e precisas é algo que não se verifica (CAILLOIS, 1990, p. 43). Assim, apesar de todas essas características seme- lhantes a outros jogos, a mimicry não é relacionada a um conjunto de regras preestabelecido e nem que surgem durante o jogar, ela não se prende a essa or- ganização de normas. Ilinx: relaciona-se a jogos que levam à sensação de vertigem e êxtase, segundo Caillois (1990, p. 43),nesses jogos [...] trata-se de atingir uma espécie de espasmo, de transe, de estonteamento que desvanece a realidade com uma imensa brusquidão. [...] A perturbação causada pela vertigem é procurada como um fim em si mesma. O autor exemplifica com acrobacias de giro, como as de dervixes que desejam sentir [...] o êxtase, girando sobre si mesmos num movimento que se acelera a batidas de tambor cada vez mais rápidas. O pânico e a hipnose da consciência são alcançados pelo paroxismo de rotação frenética, contagiosa e partilhada (CAILLOIS, 1990, p. 43). O autor compara essa construção cultural à sensa- ção que a criança busca quando é girada sem parar, por exemplo, em um gira-gira num parquinho e de- pois para repentinamente, sentindo uma vertigem, ou mesmo encantar-se com o girar de um pião. 96 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS São diversas as possibilidades de se alcançar essa sensação de [...] atordoamento simultaneamente orgânico e psíquico, proponho o termo ilinx, nome grego para o turbilhão de águas e que deriva [...] o designativo de vertigem ίλιγγος, ilingos” (CAIL- LOIS, 1990, p. 45). Caro(a) aluno(a), como ressaltamos em toda esta unidade, a classificação de um jogo não o limita nem o analisa de forma estanque. Caillois (1990) apre- senta que muitos jogos combinam as classificações aqui expostas, como: O agôn reivindica a responsabilidade individu- al, a alea a demissão da vontade, uma entrega ao destino. Determinados jogos como o dominó, o gamão e a maioria dos jogos de cartas, combi- nam agôn e alea: o acaso preside a composição ‘mãos’ de cada jogador e estes, em seguida, ex- ploram, o melhor que puderem e com o vigor que tiverem o quinhão que uma sorte cega lhes reservou (CAILLOIS, 1990, p. 37). Assim, ressalta-se, nessa situação de jogo, a conjunção entre destino (alea) e destreza (agon) para o mesmo fim, ter sucesso, vencer a partida, que é o objetivo dos jogadores. Os jogos não se resumem em um sentido apenas, são permeados pelo contexto dentro das diver- sas classificações e relações entre si, mostram a riqueza de possibilidades de compreensão desse fenômeno. Expusemos até aqui uma classificação de jogos elaborada por Roger Caillois, antropólogo e ensaís- ta, que se dedicou a refletir sobre os na sociedade e sobre a corrupção destes jogos na contemporaneida- de (LARA; PIMENTEL, 2006). Destarte, o escritor não refletiu exclusivamente sobre os jogos no con- texto educacional, sua análise foi mais ampla, pois refletiu sobre os jogos, os homens e a sociedade. UMA CLASSIFICAÇÃO DE JOGOS E BRIN- CADEIRAS BASEADA EM INTERVENÇÕES EDUCATIVAS Visando estabelecer uma classificação mais vol- tada para os contextos educativos, elucidaremos uma classificação elaborada por um professor com experiência prática sobre jogos e brincadeiras. A partir da classificação elaborada por ele, faremos a interlocução com exemplos de jogos e brincadeiras (meramente ilustrativos e passíveis de muitas alte- rações), - que Leão Junior (2013) lista em seu livro, e jogos e brincadeiras que desenvolvemos em nossa ação educativa. Leão Junior (2013) elenca 12 possibilidades de organização dos jogos e brincadeiras: Jogos e Brincadeiras de Integração; Jogos e Brincadeiras Interdisciplinares; Jogos e Brincadeiras Adaptadas; Jogos e Brincadeiras Cooperativas; Jogos e Brinca- deiras Competitivas; Jogos e Brincadeiras Pré-Es- portivas; Jogos e Brincadeiras de Aventura; Jogos e Brincadeiras Aquáticas; Jogos e Brincadeiras com Músicas; Jogos e Brincadeiras Tradicionais; Jogos e Brincadeiras Contemporâneas; Jogos e Brincadei- ras de Improviso. 1. Jogos e Brincadeiras de Integração: são ativida- des para aproximar o grupo, objetivando com que eles se integrem: pode ser uma ação para apresen- tação entre as pessoas, para que o grupo conheça alguma característica delas, como a cor preferida do participante ou o objetivo de estar ali fazendo um curso (LEÃO JUNIOR, 2013). Exemplo de brincadeira: “Gato, Leão e Cachor- ro”, uma atividade que pode ser desenvolvida para formar grupos e integrar crianças que não se conhe- cem ou se conhecem pouco. Assim que as crianças EDUCAÇÃO FÍSICA 97 entram no ambiente, recebem um papel ou são avi- sadas que são gatos, leões ou cachorros e ao sinal do professor devem imitar seu animal, corporalmente e sonoramente e, assim, localizar seus amigos ani- mais. Desta forma, ao final, teremos três grupos de crianças identificados pelos animais denominados no início da brincadeira. 2. Jogos e Brincadeiras Interdisciplinares: vivências que promovam alguma forma de aprendizagem in- terdisciplinar, como conteúdos contemplados por áreas diferentes e desenvolvidos na escola ou em ou- tro âmbito educativo no mesmo jogo ou brincadeira. Exemplo de jogo: “Alfabeto Móvel”, uma brinca- deira desenvolvida junto à disciplina de português. O grupo deve ser dividido em dois e cada integrante deve segurar uma letra do alfabeto. Em uma situação de pega-pega a criança deve tentar pegar letras do outro grupo para formar, em coletivo, palavras que fazem referência aos conteúdos aprendidos (LEÃO JUNIOR, 2013). 3. Jogos e Brincadeiras Adaptadas: são jogos e brin- cadeiras que objetivam [...] a inclusão de todos os participantes, sejam eles com necessidades educativas especiais ou idosos, para que possam vivenciar ativamente, respeitando suas peculiaridades e limites, as ati- vidades propostas (LEÃO JUNIOR, 2013, p. 25). Exemplo de jogo: com uma teia de barbantes mon- tada dividindo o espaço, os alunos devem estar to- dos concentrados de um lado do espaço, com alguns destes vendados. Os participantes têm o desafio de passar por dentro dos vãos da teia, encontrando ma- neiras de cumprir essa tarefa juntos e orientando as pessoas vendadas do grupo. O desafio está cumpri- do quando todos passarem pelos “buracos” e se re- vezarem na função de orientar os colegas que estão vendados. 4. Jogos e Brincadeiras Cooperativas: jogos que partem do princípio da coletividade, das regras de- cididas em grupo, problemas gerados na brincadeira e que podem ser resolvidos em grupo. Privilegiam não ter um grupo vencedor, mas sim todos se diver- tirem juntos. Exemplo de jogo cooperativo: “Desfaça o Nó” (chamado também de macarrão humano). No iní- cio, todos os participantes ficam em círculo e após o sinal do professor devem caminhar aleatoriamente em um espaço reduzido. Após outro sinal, todos de- vem dar as mãos entre si, assim, é formado um “nó de gente”. O desafio é que todos desfaçam este nó humano sem soltar as mãos, dialogando e buscan- do saídas para o desafio estabelecido na brincadeira (LEÃO JUNIOR, 2013). 5. Jogos e Brincadeiras Competitivas: são jogos e brincadeiras que partem da premissa de haver um grupo ou indivíduo vencedor nas mais diferentes formas de jogar e brincar (LEÃO JUNIOR, 2013). Exemplo de brincadeira: “Palhaço Bexigudo”. A brincadeira necessita de duas calças largas de palhaço (podem ser feitas de TNT) com um arco costurado na cintura, bexigas e um alfinete. Com as crianças divididas em duas equipes, estas devem encher pelo menos uma bexiga para cada uma se- gurar (se forem poucas crianças participando elas podem encher duas por participante). Com duas crianças vestidas com a roupa do palhaço bexigu- do e as outras organizadas em fila, devem ir uma a uma colocar a bexiga dentro da calça do palha- ço até enchê-la ao máximo. No fim do tempo de- 98 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS terminado, as crianças devem parar de colocar as bexigas, então o professor deve estourar as bexigas de cada palhaço. Vence o grupo que conseguiu co- locar mais bexigas no palhaço. 6. Jogos e Brincadeiras Pré-Esportivas: jogos que contém em seu desenvolvimento elementos ou ha- bilidades de algum esporte. Exemplo: “Voleibol com Rede Humana” - com os participantes divididos em três grupos, estes de- vem se posicionar na quadra da seguinte forma: um grupo no meio fazendo papel de rede (com os bra- ços erguidos)e os outros dois grupos um de cada lado da rede humana. Os alunos devem jogar volei- bol com as regras normais, com a diferença de que os alunos que são rede humana se bloquearem ou tocarem a bola deixam de ser rede, e o grupo que deixou a bola ser tocada passa a ser rede, e assim sucessivamente (LEÃO JUNIOR, 2013). 7. Jogos e Brincadeiras de Aventura: são vivências que proporcionam [...] risco e adrenalina, sejam no meio terrestre (le parkour, patins, skate, slackline, corrida de orientação, escalada), marítimo (surfe, mergu- lho, canoagem, rafting) ou aéreo (tirolesa, ou experiências de voar, como paraquedismo, asa delta (LEÃO JUNIOR, 2013, p. 26). Exemplo: “Travessia do Skatista”. Os participantes devem ter à disposição skates, e o desafio é atraves- sar de um ponto a outro definido previamente de di- versas maneiras, por exemplo, de joelhos, de costas, sobre um pé só... A regra é que quando a travessia for completada, ninguém mais pode atravessar da forma que os participantes anteriores já atravessa- ram (LEÃO JUNIOR, 2013). 8. Jogos e Brincadeiras Aquáticas: são jogos e brin- cadeiras adaptados ou criados para brincar na água. Exemplo: “Pega Submarino”. Para essa brinca- deira, é preciso uma tira de tecido TNT presa por um elástico no pulso de todos participantes, que de- vem estar espalhados pelo espaço da piscina. Ao si- nal do professor, todos devem tomar o maior núme- ro de tiras de tecido dos colegas, e todos continuam participando, mesmo que percam sua tira de tecido. Vence quem terminar com o maior número de tiras de tecido (LEÃO JUNIOR, 2013). 9. Jogos e Brincadeiras com Músicas: são muitas nomenclaturas para essa forma de brincar, como brincadeira cantada, rodas cantadas e cantigas de roda, são brincadeiras que combinam movimentos corporais e música. Exemplo: “Escravos de Jó de bastão”. Todas as crianças em círculo, segurando um bastão em fren- te ao corpo, devem cantar juntas a música tradicio- nal “Escravos de Jó” e fazer a coreografia definida pelo grupo com o bastão na mão e não deixá-lo cair quando realizarem a troca de local com o amigo que está ao seu lado. As crianças devem ser estimuladas a aprender a coreografia, ritmo e música e todas jun- tas não deixarem os bastões irem ao chão. 10. Jogos e Brincadeiras Tradicionais: são ativida- des aprendidas a partir das relações entre os mais velhos e mais novos, perpetuando a cultura popu- lar, e que correspondem às experiências culturais de cada grupo social. Exemplo: “Mãe da Rua”. O grupo elege alguém para ser mãe da rua e esta fica entre duas riscas no chão que formam a rua. Os outros dois grupos fi- cam para fora dessas riscas, um de cada lado como se fosse nas calçadas. O desafio é atravessar a “rua” EDUCAÇÃO FÍSICA 99 sem que a mãe da rua (o pegador) apanhe os joga- dores, e quem for pego passa a ser a mãe da rua da próxima rodada. 11. Jogos e Brincadeiras Contemporâneas: o autor atribui a essa categoria os jogos ligados à tecnologia, jogos eletrônicos, como videogames, computadores e tablets. Essa forma de jogo se transforma e avança no ritmo das mudanças tecnológicas vigentes. Exemplo: “Mestre do Ar”. Com os participantes divididos em três grupos que devem estar identifica- dos com cores diferentes, e cada um deles ser identi- ficado pelos elementos fogo, água e terra, [...] quem estiver orientando deve ser o mestre do ar [...] Ao sinal cada equipe representará o seu elemento, todos juntos, em forma de gesto e som. Assim que todos souberem os ‘gestos e sons referentes a cada elemento’, inicia-se um Jô Quei Pô Gigante, onde cada equipe poderá escolher um elemento para representar. A ‘água’ vence a ‘terra’, porque a transforma em lama. A ‘terra’ vence o ‘fogo’ por que o apaga. E o ‘fogo’ vence a ‘água’ porque faz ela evaporar. (Trans- posição do jogo último mestre do ar para o Nintendo Wii) (LEÃO JUNIOR, 2013, p. 141). 12. Jogos e Brincadeiras de Improviso: jogos que buscam suas regras na ação do corpo no brincar, a partir do improviso e, assim, desenvolvem jogos dramáticos (LEÃO JUNIOR, 2013). Exemplo: “Jogo da Etiqueta”. O educador deve preparar anteriormente etiquetas com diversas ações ou adjetivos e colar na testa dos participantes sem que eles vejam o que está escrito na etiqueta. Inicialmente em duplas, os participantes devem, por meio de mímica, demonstrar o que está escrito na testa do parceiro, e se este adivinhar deve passar a ser o mímico. Quando a dupla descobrir entre si a palavra escrita na etiqueta em sua testa, deve auxi- liar outras duplas que ainda não cumpriram o desa- fio, que finaliza quando todos souberem o que estava escrito em suas etiquetas. Podemos perceber que essa classificação propos- ta por Leão Junior parte do cotidiano vivenciado pe- los professores que desenvolvem a linguagem dos jo- gos e brincadeiras. Essa noção explicitada aqui pode contribuir para nossa prática educativa, bem como para a reflexão sobre ela, que é uma etapa da cons- trução de uma boa e efetiva intervenção essencial. Caro(a) aluno(a), nesta unidade, reforçamos a compreensão de que a classificação sobre um tema da cultura corporal, no caso do nosso livro, os jo- gos e brincadeiras podem levar a uma situação de fragmentação do conteúdo. Entretanto, ressaltamos a importância desse conhecimento para a constru- ção do planejamento da ação educativa, seja no am- biente escolar, seja fora dele. Caro(a) aluno(a), nos vemos na próxima unidade! 100 considerações finais N esta unidade, nos propomos a apreender com mais profundidade so- bre o patrimônio cultural que é o jogo e a brincadeira. Elucidamos questões pertinentes à brincadeira, ao jogo e à infância e adolescência contemporânea, onde pretendemos trazer à tona algumas das prin- cipais discussões realizadas em nossa área. As reflexões dos educadores sobre o âmbito mais geral dos conteúdos o capacita com princípios fundamentais para tomar decisões e posicionar-se como sujeito participativo no processo educativo. Assim, nos dedicamos a estudar sobre a necessidade do reconhecimento de diferentes infâncias. Buscando a superação de uma concepção homogeneizada desta categoria geracional para com isso estender nossa análise até as diferentes culturas e, finalmente, ao brincar em relação ao espaço nas cidades. Conside- ramos que existem inúmeras reflexões que podem ser realizadas a respeito da atualidade do brincar e jogar. Partimos desse reconhecimento e de que a área, por ser uma expressão da cultura, vai estar imersa nesse dinâmico movimento, que é sua grande qualidade e dá o tom de desafio a essa tarefa de ensinar sobre cultura corporal. Pretendemos, com o desenvolvimento desta unidade, elucidar a questão da classificação e características de jogos e brincadeiras — conteúdo de inúmeras publicações da área — fosse esclarecida sem as amarras típicas dos processos de categorizações. Buscamos superar dicotomias e apresentamos algumas possibi- lidades de classificações de jogos e brincadeiras. Visando instruir o(a) profes- sor(a)/profissional a potencializar a organização de seu planejamento, apreen- dendo algumas características para se inspirarem a fazer mais do que o exposto em uma ou outra classificação. Vamos, agora, caro(a) aluno(a), aprender sobre outra categoria tão cara à Educação Física e as crianças: o brinquedo. 101 atividades de estudo 1. Nesta unidade, compreendemos que é necessário superar o entendimen- to de infância como uma categoria geracional de características únicas. Ex- plique quais são as consequências desse pensamento para a infância. 2. O brincar possui diversas leituras de seu significado e o autor Debortoli (2004), a partir de uma classificação a respeito de brincadeiras, nos alerta para alguns equívocos sobre adjetivações do brincar. Sobre essas adjeti- vações, assinale a alternativa correta. a. A brincadeira pedagógica pautada no desenvolvimento de brincadeiras li- vres e espontâneas para as crianças, “[...] normalmente, estárelacionada a uma ideia funcional de ocupação do tempo ou “recuperação/desgaste de energias acumuladas” (DEBORTOLI, 2004, p. 21). b. Brincadeira recreativa: são brincadeiras desenvolvidas com as crianças vi- sando a ensinar algum conteúdo. c. Brincadeiras dirigidas: relacionadas à compreensão de que a criança não sabe brincar e que existe uma maneira correta para executar aquela ação. A linguagem da brincadeira tratada como um conteúdo que deve ser ensinado: “O objetivo principal ressaltado para essas ‘atividades’ é o de ensinar a brincadeira, mas não necessariamente o de brincar” (DE- BORTOLI, 2004, p. 22). d. Brincar pelo brincar: Está relacionada ao fato de que o conteúdo que a criança deve aprender não é interessante e que este, para ficar mais atra- ente, deve ser trabalhado no formato de brincadeira. e. Brincadeiras livres: partem do princípio de serem apostas ao sentido utili- tário da brincadeira, neste âmbito, de acordo com Debortoli (2004, p. 22) “Sobressai uma concepção do brincar relacionada a uma ideia de relaxa- mento, prazer, distensão e autonomia individual”. 3. O brincar e jogar nos espaços urbanos apresentam diversas limitações que variam de acordo com o local e a classe social. Segundo as autoras Arruda e Muller (2010), cite quais são essas classes sociais e quais as limitações do brincar para cada uma delas. 4. Identificamos na atualidade uma nova categoria de infância identificada como infância cyber. Defina essa geração e suas principais características. 102 atividades de estudo 5. As classificações feitas para os jogos e brincadeiras são diversas e é difícil listar todas, ou então unificá-las em apenas uma classificação. Dentre elas, destacamos a classificação feita por Roger Caillois. Explique como esse autor faz a divisão dos jogos. 6. A classificação de jogos e brincadeiras feita por Leão Junior (2013) traz uma reflexão educativa. Assinale a alternativa que corresponde à classifica- ção e ao conceito correto. a. Jogos e Brincadeiras Cooperativas: jogos que partem do princípio da cole- tividade, das regras decididas em grupo e problemas gerados na brinca- deira e que podem ser resolvidos em grupo, privilegiam não ter um grupo vencedor e sim todos se divertirem juntos. b. Jogos e Brincadeiras de Integração: são muitas nomenclaturas para esta forma de brincar, como brincadeira cantada, rodas cantadas e cantigas de roda, são brincadeiras que combinam movimentos corporais e música. c. Jogos e Brincadeiras Tradicionais: vivências que promovam alguma forma de aprendizagem interdisciplinar, como conteúdos contemplados por áre- as diferentes, desenvolvidos na escola ou em outro âmbito educativo no mesmo jogo ou brincadeira. d. Jogos e Brincadeiras Interdisciplinares: jogos que partem do princípio da coletividade, das regras decididas em grupo e problemas gerados na brin- cadeira e que podem ser resolvidos em grupo. e. Jogos e Brincadeiras Pré-Esportivas: jogos ligados à tecnologia, a jogos ele- trônicos, como videogames, jogos em computadores e tablets; esta forma de jogo se transforma e avança no ritmo das mudanças tecnológicas vi- gentes. 103 LEITURA COMPLEMENTAR Rangel e Darido (2014) apontam alguns procedimentos didáticos para os professores atuarem, pensando estra- tégias e ações. Selecionamos alguns pontos, como Ponto de Partida, Inclusão, Regras, Mídia: Ponto de Partida: Um dos possíveis inícios do trabalho com jogos é obter informações sobre o que os alunos já conhecem, o que praticam ou praticaram nas ruas, em casa ou na escola. Um ótimo procedimento é realizar um amplo diagnóstico do que os alunos já sabem. Este deve ser, sem dúvida, um ponto de partida para o professor/ profi ssional iniciar suas aulas. Isso não quer dizer que todos os alunos tenham passado pelas mesmas experi- ências e que tenham o mesmo ponto de partida, mas é possível mapear, pelo menos, a experiência anterior da maioria dos alunos. Além disso, é preciso deixar claro que estamos propon- do como ponto de partida o que os alunos conhecem, mas não podemos estacionar nesse conhecimento. Pelo contrário, é preciso avançar sobre o que devem apren- der sobre os jogos nas três dimensões dos conteúdos. Inclusão: Quando o professor/profi ssional pode efeti- vamente ter uma prática inclusiva nos jogos? Quando apoia, estimula, incentiva, valoriza, promove e acolhe o estudante. Todos os alunos precisam ouvir de seus professores: “você pode!”, o que não precisa, necessa- riamente, ser expresso por palavras, mas por atitudes de ajuda efetiva. Pelo lugar que ocupa, o professor/ profi ssional exerce grande infl uência sobre seus alunos. A forma como os vê infl uencia não só as relações que estabelece com eles, mas também a construção de sua autoimagem. Um professor/profi ssional que não acredi- ta que seu aluno possa aprender, acaba por convencê-lo disso. Mesmo que não se manifeste explicitamente, suas formas de agir, suas expressões, seu tom de voz, entre outras coisas, podem conter mensagens que dizem mui- to aos alunos. O professor/profi ssional não só deve valorizar todos os alunos, independente de sua etnia, sexo, registro lin- guístico, classe social, religião ou nível de habilidade, como também favorecer discussões sobre o signifi cado do preconceito, da discriminação e da exclusão. Assim, o processo ensino-aprendizagem é fundamentado na compreensão, no esclarecimento e no entendimento das diferenças. As estratégias escolhidas devem não apenas favorecer a inclusão, como também discuti-la e torná-la clara para os alunos. Como sugestão, o professor poderá solicitar aos alunos que façam uma pesquisa apontando jogos e brincadeiras de diferentes países, valorizando a cultura dos mesmos. Certamente, a Capoeira, criada no Brasil pelos escravos, e o jogo das cinco marias (jogo de pedrinhas), vindo do Oriente (KISHIMOTO, 1993), e outros exemplos poderão ser discutidos e praticados. Regras: Quem joga tem que saber o que está fazendo e que todos têm que respeitar as condições para que o jogo aconteça. O nome que se dá ao conjunto dessas condições que aceitamos para realizar um jogo é “regra”; ela está pre- sente em quase tudo o que fazemos em nosso dia a dia. 104 LEITURA COMPLEMENTAR É de acordo com as regras que as pessoas se entendem na sociedade, no trabalho, no trânsito, na escola e no jogo. Quando as regras são “claras”, isto é, quando não há dúvidas sobre o que é permitido fazer, as pessoas se entendem melhor e seu esforço em conjunto pode ter resultados melhores. Nos nossos jogos dentro da escola e fora dela, como no “jogo da vida”, é importante sabermos as regras para que não “joguemos fora” as oportunidades de fazer sempre o melhor possível. Principalmente quando estamos com nossos colegas, a contribuição de cada um pode fazer um jogo fi car cada vez mais divertido e empolgante. De nada adianta somente criticarmos, sem apresentar- mos sugestões para mudar as coisas. Contudo, para mudarmos ou transformarmos qualquer coisa, pre- cisamos saber o que queremos mudar. E, além disso, precisamos saber o que vamos colocar no lugar daqui- lo que mudamos. Durante os jogos que fazemos na escola e fora dela, po- demos mudar as regras para torná-los mais interessan- tes e prazerosos para todos. Permitir que os alunos discutam periodicamente o anda- mento do jogo faz com que ele seja mais bem assimilado, faz também com que os alunos aprendam a importância do grupo para a obtenção dos resultados. Uma “reunião” de alguns minutos é uma estratégia interessante que os professores/profi ssionais podem utilizar, favorecendo a discussão para eventuais acertos entre os alunos. Em pequenos grupos, os alunos que pouco dão sua opinião encontram clima e coragem para se expor. Então, uma boa estratégia é dividi-los em pequenos grupos para que discutam um problema, um jogo e, posteriormente fa- çam uma assembleia expondo as conclusões do grupo.Mídia: As diferentes mídias, em especial a TV, exercem uma infl uência bastante grande na construção do ima- ginário infantil. Na prática dos jogos e brincadeiras, esta infl uência ocorre, sobretudo, com as informações advin- das dos videogames, já que a TV, fonte poderosa, dirige a sua programação mais para os esportes e prática de exercícios físicos. Por exemplo, uma parte das crianças brasileiras têm acesso a diferentes jogos do videogame. Nesta temática, talvez se possa sugerir aos alunos que transformem es- ses jogos de videogame em atividades de prática e refl e- xão nas aulas de Educação Física. Esta poderia ser uma alternativa para motivar os alunos a criarem um jogo, ao mesmo tempo em que podem ser oferecidas possibilida- des de vivências e de novas aprendizagens. Fonte: adaptado de Rangel e Darido (2014, p. 168). 105 referências ARRUDA, F. M.; MULLER, V. R. Brincadeiras e es- paços urbanos: um estudo da prática lúdica de crian- ças de diferentes classes sociais da cidade de Maringá – PR. Licere, Belo Horizonte, v. 13, n. 4, p. 01-19, dez./2010. Disponível em: <https://seer.ufmg.br/ index.php/licere/article/viewFile/516/408>. Acesso em: 02 abr. 2017. BLUMENTHAL, E. Brincadeiras de movimento para a pré-escola: uma contribuição para estimular o desenvolvimento de crianças de 3 a 5 anos. Barueri: Manole, 2005. BORBA, A. M. Culturas da infância nos espaços- -tempos do brincar: um estudo com crianças de 4-6 anos em instituição pública de educação infan- til. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2005. 298 f. Disponível em: <http://www.bdtd.ndc.uff.br/ tde_arquivos/2/TDE-2008-01-22T111143Z-1188/ Publico/Tese-Angela%20Borba.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2017. CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Coto- via, 1990. DEBORTOLI, J. A. O. Brincadeira. In: GOMES, C. L. (org.). Dicionário crítico do lazer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 19-24. DORNELLES, L. V. Infâncias que nos escapam: da criança na rua à criança cyber. Petrópolis: Vozes, 2005. LARA, L. M.; PIMENTEL, G. G. A. Resenha do li- vro: os jogos e os homens: a máscara e a vertigem, de Roger Caillois. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 27, n. 2, p. 179-185, jan./2006. Disponível em: <http://revista.cbce.org.br/index. php/RBCE/article/view/101/110>. Acesso em: 20 mar. 2017. LEÃO JUNIOR, C. M. Manual de jogos e brincadei- ras: atividades recreativas para dentro e fora da esco- la. Rio de Janeiro: Wak, 2013. MARCELLINO, N. C. Repertório de atividades de recreação e lazer: para hotéis, acampamentos, prefeituras, clubes e outros. 6. ed. Campinas: Pa- pirus, 2012. PIMENTEL, G. G. A. Lazer: fundamentos, estraté- gias e atuação profissional. Jundiaí: Fontoura, 2003. PORTILHO, E. M. L.; TOSATTO, C. C. A criança e o brincar como experiência de cultura. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 14, n. 43, p. 737- 758, set./dez. 2014. Disponível em: <www2.pucpr. br/reol/index.php/dialogo?dd99=pdf&dd1=14721>. Acesso em: 3 abr. 2017. RANGEL, I. C. A.; DARIDO, S. C. Jogos e brincadei- ras. In: DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagó- gica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. p. 158-178. 106 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Território do Brincar Ano: 2015 Sinopse: esta produção é fruto de um percurso de 21 meses de viagem por uma vasta geografi a de gestos de crianças das mais diversas realidades brasileiras, para encontrar caminhos por dentro de todos nós. O longa metragem assume o brincar infantil como narrativa que sustenta uma his- tória na íntegra. Os adultos fi cam de fora das imagens desse fi lme, mas o especta- dor certamente se sentirá representado pelo potencial do brincar dessas crianças. Assumimos uma linguagem que não pretende ser didática ou ter a intenção de provocar discussões sobre o certo e o errado na educação, e confi amos na comu- nicação pela força sensível infantil. Esse fi lme é parte de um projeto de pesquisa, registro e difusão que integra di- ferentes produções culturais. Uma realização que entende o cinema como uma excelente porta para enxergar a mudança que se quer ver. Indicação para Assistir esta produção é fruto de um percurso de 21 meses de viagem por uma vasta geografi a de gestos de crianças das mais diversas realidades brasileiras, O longa metragem assume o brincar infantil como narrativa que sustenta uma his- tória na íntegra. Os adultos fi cam de fora das imagens desse fi lme, mas o especta- Apresentação: este site disponibiliza explicações completas sobre jogos e brincadeiras, consideradas tradicionais no Brasil, pode auxiliar o(a) professor(a)/profi ssional na escolha do repertório de jogos e brincadeiras. Disponível em: <https://brasileirinhos.wordpress.com/brincadeiras/>. Acesso em: 28 jun. 2017. Indicação para Acessar EDUCAÇÃO FÍSICA 107 Repertório de atividades de recreação e lazer: para hotéis, acampa- mentos, prefeituras, clubes e outros Nelson Carvalho Marcellino Editora: Papirus Sinopse: resultado de longa pesquisa e da prática profi ssional dos autores, essa obra reúne atividades variadas, com conteúdos diversifi cados, que podem ser desenvolvidos em diferentes espaços e situações — como clubes, acampamen- tos, hotéis ou em reuniões sociais de grupos ligados por algum interesse co- mum, além de atividades para crianças, grupos da terceira idade etc. É compos- ta por mais de 150 fi chas de atividades, contendo: nome da atividade, conceito, descrição, recursos necessários, montagem, funcionamento, possibilidades de utilização/adaptação, e experiências já desenvolvidas, além de uma introdução que as fundamentam e da indicação de bibliografi a específi ca. O livro pretende servir de ferramenta para animadores socioculturais, na criação de seu próprio repertório de atividades, além de fornecer subsídios para cursos de formação e desenvolvimento de animadores, sejam eles profi ssionais, sejam voluntários, e para disciplinas com essa temática, nos cursos de Educação Física, Turismo, Hotelaria, entre outros. Indicação para Ler Repertório de atividades de recreação e lazer: para hotéis, acampa- resultado de longa pesquisa e da prática profi ssional dos autores, essa obra reúne atividades variadas, com conteúdos diversifi cados, que podem ser desenvolvidos em diferentes espaços e situações — como clubes, acampamen- 108 gabarito 1. Este entendimento homogeneizado de infância limita a compreensão dos reais e múltiplos traços das infân- cias, tornando-se imprescindível, especialmente nos âmbitos educativos, evidenciar e valorizar “[...] a crian- ça como ator social, que produz e é produzido pela cul- tura – uma criança inventiva, criativa, rica em potencial, intérprete do mundo e protagonista de sua história e que traz consigo a marca da diversidade social e cul- tural” (PORTILHO;TOSATTO, 2014, p. 739). Reconhe- cemos que para o desenvolvimento efetivo e respeito aos saberes infantojuvenis é necessária a compreen- são da premissa de que temos múltiplas infâncias, pois, segundo Arruda e Muller (2010, p. 02), “[...] vivem em diferentes contextos com determinadas condições sociais, econômicas, políticas, culturais e ideológicas. Assim, a infância é considerada uma categoria plural, devido às particularidades dos mundos das crianças”. 2. c) Brincadeiras dirigidas: relacionada à compreensão de que a criança não sabe brincar e que existe uma ideia correta para executar aquela ação. A linguagem da brincadeira tratada como um conteúdo que deve ser ensinado, “O objetivo principal ressaltado para essas “atividades” é o de ensinar a brincadeira, mas não ne- cessariamente o de brincar” (DEBORTOLI, 2004, p. 22). 3. As pesquisadoras nos apresentam um quadro no qual as crianças que moram em um bairro considerado rico, em que se pressupõe que as crianças tenham seus direitos garantidos, não foram encontradas nos espaços públicos de lazer brincando e se divertindo, o que seconfi gura como uma violação de direitos. Por outro lado, as crianças do bairro pobre, em meio a tantas outras violações de direitos, estão nos espaços públicos e brincam entre si, tendo convivência comu- nitária (ARRUDA;MULLER, 2010). Desta forma, um dos principais entraves dos centros urbanos nesta ques- tão são as crianças e adolescentes que não desfrutam de convívio com seus pares em espaços públicos por diversos motivos: violência, institucionalização e ativi- dades excessivas, falta de opções de espaços públicos que estimulem esta convivência. Em contrapartida, temos infâncias com inúmeras necessidades que não são garantidas e que em relação a sua cultura lúdi- ca tem-se uma realidade mais efetiva. Podemos ter, ainda, crianças e adolescentes que vivem em bairros medianos que privilegiam de alguma forma a cultura lúdica de seus moradores. 4. As crianças cyber são analisadas por Dornelles (2005) como uma categoria geracional das tecnologias, que são expostas à lógica do mercado. Essa característica leva a uma conformação social regulada pelo consu- mo e pelo desejo e sonhos governados por essas ins- tâncias, tanto de adultos quanto de crianças e adoles- centes. A infância cyber consiste em crianças em seus quartos, com aparelhos tecnológicos com acesso ao mundo virtual, ingressam no mundo também a partir de seus computadores, tablets, televisores e celula- res, o que não signifi ca que devem ser deixadas sem a mediação de adultos nesse processo. Assim, a cons- tituição dessas infâncias é infl uenciada e determinada pelo que vivem em suas cidades, famílias e escolas, pelo que assistem na TV e pelos os jogos eletrônicos a que têm acesso ou desejam ter. 5. O jogo é dividido em quatro elementos referentes à sua natureza social: agôn: competição; ilinx: vertigem; mimicry: simulacro, e alea: sorte. Elucidaremos com mais detalhes cada uma delas. Agôn: refere-se à competição. Em nossa sociedade existe um número muito abundante de manifes- tações dessa ordem. Esta parte de uma rivalidade entre os jogadores em uma situação em que a “[...] igualdade de oportunidades é criada artifi cialmente para que os adversários se defrontem em condições ideais, suscetíveis de dar valor preciso e incontestá- vel ao triunfo do vencedor” (1990, p. 34). Caracteriza- -se por uma experiência em que se destaca o vence- dor. Relaciona-se a provas esportivas que podem ser com dois times ou dois indivíduos oponentes como: futebol, esgrima e boxe. Alea- classifi cação de jogo oposta ao agôn. Relaciona- -se à sorte no jogo. São os jogos que tratam do destino e ganhar está atrelado à sorte de um jogador em re- lação ao outro. O autor exemplifi ca Alea com os jogos de roleta, a loteria, o jogo de dados e cara ou coroa. O jogador não depende de sua destreza e treino para vencer e obter sucesso no jogo, ele é passivo neste processo, delegando à sorte seu êxito: arrisca-se em uma aposta. Segundo o autor, sobre alea e a infância, fi ca explícito que as crianças não interagem com estes jogos, pois o jogar da criança está ligado ao agir, ao in- terferir. Não vivenciam estes jogos com características de alea, pois também não possuem independência fi - nanceira, o que não as atrai para estes jogos. Mimicry - relacionado aos jogos imaginativos, de ilusão e fantasia. Para esse tipo de expressão, o jogador vive a ilusão durante aquele tempo de jogo de ser outra pessoa ou personagem. Este tipo de jogo é represen- tado especialmente pela mímica e pelo disfarce. Cai- llois dá o exemplo das crianças que imitam os adultos e sua preferência em usar fantasias e acessórios, brin- car com miniaturas de ferramentas, utensílios. Este tipo de jogo está relacionado ao prazer da fantasia e do mito, sabe-se que, na realidade, não se é com vera- cidade um personagem. Ilinx - relaciona-se a jogos que levam à sensação de vertigem e êxtase. O autor exemplifi ca com vivências de acrobacias de giros, como, por exemplo, de der- vixes dançarinos, que desejam na dança sentir: [...] o êxtase, girando sobre si mesmos num movimento que se acelera a batidas de tambor cada vez mais rápidas. O pânico e a hipnose da consciência são alcançados pelo paroxismo de rotação frenética, contagiosa e partilhada (CAILLOIS, 1990, p. 43). O autor compara esta construção cultural à sensação que a criança bus- ca quando é girada sem parar, por exemplo, em um gira-gira em um parquinho e depois para repentina- mente, sentindo uma vertigem ou ainda encanta-se com o girar de um pião de brinquedo. 6. a) Jogos e brincadeiras cooperativas: jogos que par- tem do princípio da coletividade, das regras decididas em grupo, de problemas gerados na brincadeira e que podem ser resolvidos em grupo. Privilegiam não ter um grupo vencedor e sim todos se divertirem juntos. UNIDADEUNIDADEIV Professora Dr.ª Paula Marçal Natali Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • O brinquedo e relações estabelecidas na atualidade • Classifi cações dos brinquedos • Brinquedoteca: o espaço do brinquedo e do brincar Objetivos de Aprendizagem • Refl etir a respeito do brinquedo e a sociedade contemporânea. • Expor as principais tipifi cações e características dos brinquedos na atualidade. • Estudar as possibilidades de trabalho com o brinquedo na brinquedoteca. O BRINQUEDO E A EDUCAÇÃO unidade IV INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, nos dedicaremos a estudar um objeto que faz parte da nossa cultura: o brinquedo. Este, que pode ser reinventado e reinterpretado, tem seu papel determinado pela criança que brinca com ele. Assim, partimos da compreensão de que o brinquedo faz parte do brincar, não se configurando como a própria brincadeira, ou seja, o brin- quedo pode compor o brincar, mas não é o que determina a brincadeira. Iremos nos aprofundar sobre o brinquedo na sociedade contemporâ- nea desvelando questões que consideramos fundamentais para orientar as ações educativas com o brinquedo. Entre elas, a questão da produção de brinquedos para crianças realizada por adultos, as relações de consu- mo implicadas nos brinquedos e na infância, a predominância dos brin- quedos tecnológicos no cotidiano infantojuvenil em detrimento da con- vivência comunitária, a questão de gênero e o brincar com brinquedos e a construção da cultura lúdica influenciada pelos mecanismos midiáticos. Abordaremos também, nesta unidade, um aspecto mais técnico sobre o brinquedo, quando tratamos de possibilidades de classificações desse objeto. O conhecimento desse âmbito do brinquedo faz-se importante diante da possibilidade de ampliação que se abre em relação ao universo tão diverso do brinquedo, quando aprendemos sobre suas variações e diferentes possibilidades interventivas. Diante das inúmeras possibilidades de ações educacionais com o brinquedo, vamos estudar um ambiente criado especificamente para o brincar e o brinquedo: a brinquedoteca. Sobre esse espaço educativo, vamos aprender sobre seus objetivos, princípios educativos e modos de intervenção na realidade brasileira. Assim, pretendemos que o processo de reflexão sobre o brinquedo — objeto tão caro à cultura infantojuvenil e a alguns adultos também — seja potencializado a partir da leitura desta unidade e que, assim, orientemos nossas ações educativas com o brinquedo, priorizando-o como parte da cultura do brincar. 114 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O Brinquedo e as Relações Estabelecidas na Atualidade EDUCAÇÃO FÍSICA 115 Nesta etapa de nossa incursão sobre a cultura lúdi- ca infantil, vamos nos dedicar a algumas questões importantes na formação de professores(as)/pro- fissionais que vão trabalhar com os brinquedos na atualidade. Explicitamos pontos, como: o brinquedo como objeto de ressignificação infantojuvenil; a pro- dução de brinquedos pelos adultos para as crianças; as relações de consumo e os brinquedos; brinquedos industrializados e artesanais; a mídia, infância e os brinquedos; os brinquedostecnológicos e as ques- tões de gênero e os brinquedos. Quando afirmamos falar da atualidade, pensa- mos uma infância e adolescência situadas, assim como o conceito de educar aqui empregado. Destar- te, não temos a pretensão de trabalharmos a atua- lidade e as relações com o brinquedo em todas as infâncias existentes. Seria um objetivo impossível de cumprirmos e, também, uma contradição com a concepção de infância que tem como fundamento a compreensão de diferentes infâncias decorrentes de tantas culturas e contextos. Assim, desenvolveremos o conteúdo a partir da infância e adolescência brasileira, urbana e que tem na escola um dos espaços de aprendizagem, mesmo assim, um conceito de infância que não é totalizan- te. Trataremos também da cultura infantojuvenil da cidade e sua relação com o objeto que mais bem simboliza a cultura lúdica em toda a nossa história, o brinquedo. O brinquedo pode ser compreendido a partir de dois olhares sobre o objeto alvo do brincar pela criança. A primeira interpretação é advinda da res- significação de qualquer objeto que esteja com as crianças e estas transformem em brinquedo. Essa apreensão desvela a capacidade infinita da criança de criar; por vezes, o brinquedo pode ser o próprio corpo dela ou do outro (PEREIRA, 2009), quando, por exemplo, transforma seu corpo em uma pista de corrida de carros com seus próprios dedinhos. Tal observação fornece pistas, ainda, sobre a im- portância que pode ter a presença dos adultos – pais ou professores – nas brincadeiras infan- tis e sobre a necessária sensibilidade para saber diferenciar os momentos em que a intervenção do adulto pode potencializar a brincadeira, da- queles momentos onde essa intervenção pode representar o seu aniquilamento (PEREIRA, 2009, p. 01). Dessa forma, quando nos colocamos a refletir so- bre o lugar do brinquedo na vida das crianças, nos propomos, também, a pensar o papel de interven- ção ou não do adulto nesse processo e a forma que o adulto, se for realizar a intervenção na brincadei- ra, deve realizá-la. A segunda possibilidade de pensar sobre o brin- quedo e as crianças diz respeito aos brinquedos pen- sados e construídos por adultos para as crianças, ou seja, os brinquedos industrializados (PEREIRA, 2009). Estes são produções de adultos para crianças e não produção realizada com as crianças. Nessa forma de construção de brinquedos de adultos do mundo da indústria dos brinquedos para as crianças, emergem inúmeras relações externas ao próprio brincar, como o consumo, por exemplo, que não tem uma relação direta com o brincar infantoju- venil, mas o influenciam de forma contundente. 116 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Assim, segundo Pereira (2009, p. 2), [...] é insuficiente tentar compreender a reali- dade dos brinquedos apenas a partir do espírito infantil, pois tanto sua produção e circulação, quanto a atividade de brincar com eles, interli- gam-se a uma ampla rede social e cultural, constituindo-se como uma análise efetiva, a qual se estende a realidade social - e não apenas o brincar como ação observada concretamente em si –, uma análise que contempla o contexto em que o brincar com o brinquedo é vivido e reproduzido. Na Unidade II deste livro, tratamos do contex- to histórico dos brinquedos e suas diferentes sig- nificações na história da humanidade. Para reali- zar essa análise, estabelecemos paralelos e relações com a forma de organização social vigente, por exemplo, em Philippe Ariès e Walter Benjamin, no que se referia à questão da produção artesanal dos brinquedos e à influência sobre o brincar das crian- ças com o brinquedo. Assim, caro(a) aluno(a), nesta etapa de nosso estudo, como pretendemos aprender sobre o brin- quedo na atualidade, iremos elucidar as relações que emergem da organização social vigente que se baseia na produção de brinquedos em massa, industrializa- dos, no consumo destes e no amoldamento dos de- sejos e vontades infantojuvenis pela mídia. Benjamin (2002, p. 91-92), sobre os brin- quedos produzidos em massa pela indústria, nos alerta de que [...] quanto mais a industrialização avança, tan- to mais decididamente o brinquedo se subtrai ao controle da família, tornando-se cada vez mais estranho não só as crianças, mas também aos pais. Configura-se, nesta relação com o brinquedo, um estranhamento, uma falta de vínculo que poten- cialmente poderia ser concebido em um brinquedo artesanal. O material utilizado na atualidade, que se dis- tanciou dos iniciais na fabricação de brinquedos de pais para filhos, como a madeira, ossos, tecido, argila (BENJAMIN, 2002), hoje é tomado por materiais mais padronizados, como o plástico. Resultam em brinque- dos que não têm identidade, são uniformizados e são, em geral, pensados, no processo de globalização, a partir de uma concepção homogênea de infância. Esse entendimento parte do princípio que existe apenas uma infância, e não infâncias. Nessa compre- ensão está implícito que crianças de todos os cantos do mundo têm as mesmas expectativas, sonhos e referenciais culturais. O que já aprendemos, caro(a) aluno(a), que é um viés de análise sobre infância que precisa ser superado, a categoria geracional infância é complexa e precisa ter sua identidade pensada a partir dessa perspectiva. EDUCAÇÃO FÍSICA 117 Essa análise complexa expande também as con- cepções dos âmbitos em que a educação ocorre e a diversidade de influências que as crianças sofrem nos processos de aprendizagem. Segundo Gonçal- ves (2005), a partir dos estudos de Henry Giroux, existem múltiplos espaços educativos, para além do espaço escolar. [...] existem locais pedagógicos como, por exemplo, bibliotecas, TVs, filmes, jornais, re- vistas, brinquedos, anúncios, videogames, li- vros, esportes, entre outros, daí a necessidade de entendermos tais locais como influenciáveis na educação da criança. Indispensável ressaltar que, aliadas a esse currículo cultural, estão as intenções comerciais interessadas na vantagem individual (GONÇALVES, 2005, p. 15). Assim, configuram-se as influências e determina- ções projetadas a partir dos meios de comunicação e dos brinquedos e outros artefatos aos quais as crian- ças têm acesso. Essa aprendizagem midiática implica a padronização não apenas do consumo de brinque- dos, mas de alimentos, vestuário, de concepção de mundo, de ideais e sonhos e comportamentos. Os profissionais da educação precisam ampliar sua análise para esses determinantes sociais com os quais as crianças e adolescentes estão em relação cotidianamente. Levando em consideração que a in- fluência midiática e do consumo, “[...] buscam colo- car um ‘molde’, estipulando padrões de felicidade, e massificando a ideia de que é preciso ter para poder ser” (GONÇALVES, 2005, p. 15). Os consumidores crianças e jovens sofrem um bombardeio mais intenso da mídia, pois ainda são consumidores em formação. Observe, caro(a) alu- no(a), como as propagandas, desde de carros até alimentação, têm as crianças e jovens como foco. Os adultos já estão com seus hábitos de consumo mais formados e, apesar de serem eles os detento- res do poder aquisitivo para comprar, conta-se no mundo da publicidade com a influência dos peque- nos nessas decisões. Nesse processo ferrenho de estímulo ao consu- mo que as crianças e jovens vivenciam, determina-se o que eles desejam consumir, inclusive em se tratan- do de seus jogos, brinquedos e de como desenvol- vem seu tempo livre. Isso tem um impacto grande nas relações que crianças e jovens estabelecem, es- pecialmente nos espaços educativos (escolas, clubes, praças, entre outros), pois, nesse ambiente, eles estão em relação com os outros, aprendem, socializam e trocam experiências. “[...] ninguém é mais casto em relação aos materiais do que as crianças: um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha reúnem na solidez, no monolitismo de sua matéria, uma exuberância das mais diferentes figuras”. Fonte: Benjamin (2002,p. 92). SAIBA MAIS Não seria interessante desenvolver uma re- flexão sobre consumo e jogos e brinquedos, na configuração do tempo livre das crianças e jovens da nossa escola e de outros locais do mundo? REFLITA 118 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Pereira (2009) nos alerta para a relação entre as mídias de massa e a produção dos brinquedos em uma cultura globalizada e a importância que algu- mas culturas tomam nesse âmbito em detrimento de outras. Nesse cenário mundial, temos as referências norte-americanas que foram, por bastante tempo, hegemônicas na produção de brinquedos; hoje, te- mos também as influências dos países asiáticos - es- pecialmente no que se refere aos jogos eletrônicos – neste mercado do brinquedo e do jogo. Junto à produção de brinquedos com essas re- ferências estão atreladas as produções de roupas, alimentos, materiais escolares, desenhos animados, que vão configurando um emaranhado de influên- cias e códigos que nem sempre detêm e correspon- dem aos valores e culturas dos grupos de crianças e jovens que estão consumindo ou desejando consu- mir aquele brinquedo. Conviver com a diversidade cultural é impor- tante e nos ensina a perceber o mundo e a re- grar a vida a partir de diferentes perspectivas e visões de mundo. Nesse sentido, todo diálogo cultural pode ser bem vindo. Entretanto, nem sempre a relação entre as culturas é dialógica, uma vez que implica posturas valorativas e re- lações de poder (PEREIRA, 2009, p. 9). Assim, da mesma forma que não devemos excluir o sentido educativo e imprescindível de que as dife- rentes culturas sejam valorizadas e que as aprendi- zagens sobre elas aconteçam junto às crianças e aos adolescentes, temos que analisar que nem todas as culturas estão contempladas na produção globaliza- da dos brinquedos e, consequentemente, do brincar. Cada vez mais nos distanciamos do que é um brinquedo - que é uma produção cultural, com ca- racterísticas de uma localidade e qualidades dos di- ferentes grupos sociais, gerando um processo de ho- mogeneização desses artefatos. Essa padronização dos jogos e brinquedos se harmoniza com o que as crianças e jovens vão construindo como referência de beleza, de valores. Um fato, entre inúmeros outros, que desvela es- tas relações resultantes dessa intensa padronização é elucidado por Pereira (2009) quando trata da pro- dução em massa de bonecas, especialmente direcio- nada às meninas: [...] há uma hegemonia de bonecas brancas, louras ou morenas, com cabelos lisos, com- pridos e esvoaçantes. Será essa caracterização representativa da diversidade étnica brasilei- ra? Essa hegemonia começou a ser posta em xeque a partir da organização dos movimen- tos negros, na última virada de século. En- tretanto, não se testemunha um crescimento significativo de bonecas negras, mas o surgi- mento muito pontual de alguns ícones da cul- tura negra (PEREIRA, 2009, p. 15). As características, valores, gostos e referências são únicas de cada grupo social e deveriam estar na centralidade das aprendizagens infantojuvenis. A frustração e a busca por atender esse padrão im- posto e não real pode gerar uma insatisfação e falta de identidade das crianças e dos jovens a partir do que lhes é próprio, a partir de sua própria produção cultural: a lúdica. Um dos elementos que mais influencia essa cul- tura lúdica na atualidade ainda é a televisão, que estava presente, em 2014, segundo dados da Pes- quisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 97,1% dos 67 milhões de domicílios brasileiros, ou seja, um número muito elevado. As crianças que têm acesso aos meios de comunicação estão ex- postas a eles, muitas vezes, sem supervisão de um EDUCAÇÃO FÍSICA 119 adulto. A TV, como qualquer outro meio de comu- nicação, como celulares, tablets ou computadores, deveria ser de acesso às crianças – considerando-os como pessoas em situação peculiar de desenvolvi- mento – com a mediação de um adulto e com limi- tação de tempo. Destarte, as crianças e os jovens desenvolvem ou- tros sentidos a partir do aprendido na televisão, elas têm esse potencial de criação, recriam um per- sonagem, por exemplo, em uma situação de brinca- deira. Entretanto, nossa análise não pode deixar de lado que o estímulo inicial, o conteúdo oferecido para a criança, parte deste meio de comunicação. Dá-se aí a importância de o adulto mediar o que as crianças têm acesso na televisão e nos outros meios de comunicação. Sobre os brinquedos e jogos eletrônicos e tec- nológicos, estes estão presentes na vida de algumas gerações mais intensamente do que em outras, as- sim, pode-se configurar uma quebra entre diferen- tes gerações (SILVA; HOMRICH, 2010). Podemos exemplificar essa quebra no que se refere à lingua- gem, por exemplo, presente nos videogames e que se torna corriqueira para quem os joga e o total estra- nhamento das expressões empregadas no game para quem não tem acesso aos jogos. Entretanto, nessa relação, as crianças não são com- pletamente passivas e apenas receptoras de cultu- ra, elas ressignificam os sentidos apreendidos nos meios de comunicação. Segundo Souza (2014), par- tindo dos estudos de Walter Benjamin e estudando o brincar das crianças no espaço do recreio: na frente da tela, as crianças acessam um mun- do pictórico e fantasioso. Não o vivenciam, como espectadores passivos, e sim dão senti- dos ao que veem e escutam diante da televisão. O pátio revela a autoria infantil a partir das brincadeiras com os pares e os brinquedos. As crianças produzem sentidos entre os pares, re- gras e vocabulários, que ampliam o repertório visto na tela da TV (SOUZA, 2014, p. 117). 120 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Esse afastamento na linguagem, expressões e hábi- tos presentes no mundo dos jogos eletrônicos pode gerar até uma ruptura nas relações familiares e gera- cionais. A consequência da configuração atual dos jogos eletrônicos precisa ser alvo de debates e refle- xões em diversos âmbitos educativos e na família. Dessa forma, o professor/profissional não pode ficar alheio a estas relações que emergem do brincar e do consumo nos ambientes educativos, ele precisa se qualificar e problematizar essas questões com seus alunos. É imprescindível debater sobre o consumo, sobre a construção dos desejos pelo consumo e de como este influencia nossos gostos e modula nossas ações, oferecendo um maior repertório de brinque- dos e atividades que se contraponham a essa lógica e nas quais as crianças e os jovens sintam-se repre- sentados e partícipes dos processos de construção. Outro elemento que devemos abordar quando tratamos de brinquedos e atualidade são as relações de gênero que emergem do brincar. Segundo Finco (2010), que pesquisou o brincar das crianças na Edu- cação Infantil, foi possível evidenciar que as crianças pequenas observadas ainda não apresentam [...] práticas sexistas em suas brincadeiras e, portanto, não reproduzem o sexismo presente no mundo adulto. [...] vão aprendendo a oposi- ção e a hierarquia dos sexos ao longo do tempo (FINCO, 2010, p. 9). Sendo assim, compreendemos que a reprodução de estereótipos e preconceitos é ensinada e reforçada a partir das produções culturais às quais as crianças têm acesso. As crianças subvertem, muitas vezes, as lógicas e padrões determinados pelos brinquedos recriando e ressignificando os brinquedos e as “fun- ções” a ele atribuídas pelo adulto que o criou. [...] ao refletir sobre a utilização dos brinquedos pelas crianças, é possível afirmar que as catego- rizações dos brinquedos são construções cria- das por adultos e não tem significado para as crianças nos momentos das brincadeiras. [...] a norma cultural de que existem brinquedos cer- tos para meninas e outros para menino pode estar relacionada à preocupação que se tem com a futura escolha sexual da criança (FIN- CO, 2010, p. 14). Esta preocupação em relação à orientação sexual precisa ser problematizada no meio familiar e nos diferentes espaçoseducacionais. Necessita ser posta como meta de superação dessa estratégia normali- zante de educação em relação às questões de gênero que são uma realidade em diversos ambientes e que não podem ser negadas pelo mundo adulto. Como fundamento das ações educacionais, é importante um movimento que se proponha à des- construção da, [...] lógica binária na apresentação do mun- do para as crianças: enquanto os brinquedos e brincadeiras estiverem sendo associados a significados masculinos e femininos, que hie- rarquizam coisas e pessoas, estaremos apresen- tando a meninos e meninas significados exclu- dentes (FINCO, 2010, p. 15). Partindo, então, da compreensão de que com o brin- car as crianças e os jovens estão em constante pro- cesso de aprendizagem e ressignificação, apontamos que não pode ser papel do ambiente educativo o re- forço de preconceitos e violências. Assim, faz-se necessária uma profunda refle- xão e revisão de procedimentos metodológicos e de princípios educativos com a intervenção com brin- quedos, visando à superação dessa lógica que pode EDUCAÇÃO FÍSICA 121 confi gurar-se como abusiva e que desrespeita direi- tos fundamentais das pessoas. Em meio a tantas relações entre a cultura infan- tojuvenil e o brinquedo, reforçamos que o trabalho educativo, no âmbito escolar ou não, precisa apostar no potencial transgressor das crianças e adolescen- tes na produção de sua cultura lúdica. As crianças usam os brinquedos a sua maneira, reinventam regras e normas e [...] os destroem a fi m de encontrar sua alma. Nesse exercício de liberdade, mostram que a cultura é plural, assim como as possibilidades de interpretação da cultura, feita de questões com matizes ideológicos, estéticos, afetivos etc. (PEREIRA, 2009, p. 6). Assim, é possível analisar os brinquedos no contex- to em que estão inseridos, haja vista que carregam as marcas de seu tempo, da organização social em que estão inseridos e são produzidos. Um brinquedo em si é fruto da sociedade em que é projetado e infl uencia seus brincantes, bem como é infl uenciado por eles. 122 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Classifi cações dos Brinquedos Nesta etapa de nosso estudo, nos dedicaremos à classifi cação e tipifi cação dos brinquedos. Da mes- ma forma que explicitamos na unidade anterior, o objetivo de trazer aqui o tema das classifi cações dos brinquedos, que são uma produção cultural do ho- mem, busca superar o fato de buscar uma rigidez ou infl exibilidade nessa caracterização. Aqui vamos expor essa classifi cação com o intuito de ampliar o repertório dos professores/profi ssionais sobre os brinquedos e expandir nossa compreensão sobre esse artefato, visando potencializar nosso traba- lho educativo com o brinquedo em diferentes espaços. Diante de tantas classifi cações que podemos en- contrar sobre brinquedos na literatura da área, um EDUCAÇÃO FÍSICA 123 gica; filogenéticas ou históricas; psicológicas e peda- gógicas. Segundo Almeida (2011, p. 5), essas quatro classificações básicas tratam de: 1. Classificações etnológicas ou sociológicas que analisam os brinquedos em função do pa- pel que lhes é atribuído (ou que a classificação lhes atribui) nas diversas sociedades; 2. Classificações filogenéticas ou históricas que analisam os brinquedos em função da evolução da humanidade, evolução esta reproduzida pela criança em seus jogos em diversos períodos; 3. Classificações psicológicas que se funda- mentam na explicação do desenvolvimento da criança e em função das quais se estabelece uma hierarquia dos jogos; e 4. Classificações pedagógicas que distribuem os brinquedos segundo diferentes aspectos e opções dos métodos educativos. Segundo Michelet (1992, p. 2), existem classifica- ções que chegam a deixar de lado a função do jogo e classificam o brinquedo pelo objeto que ele repre- senta em si, pelo material. O psicólogo é contra esse entendimento, pois entende que a classificação deve levar em conta que “[...] o jogo é fonte de alegria, de equilíbrio e de desenvolvimento”. Partindo desse entendimento, Michelet (1992, p. 2) expõe que a classificação pensada por ele para os brinquedos pretende ser uma [...] ferramenta de trabalho educacional ou de ação social, meio prático de classificação nas brinquedotecas, ela é simples e genérica, apro- veitável no cotidiano pelos educadores. fundamento exposto por Almeida (2011, p. 10) tem relação direta com os princípios explicitados até aqui sobre o brincar e o brinquedo: [...] para brincar efetivamente a criança ou qualquer outro sujeito não precisa de brinque- dos ou jogos. Para brincar necessitamos real- mente é de estímulos, experiências e vivências significativas, inovadoras e transformadoras. Acreditamos que a qualidade e a intensidade lúdica não devem ser determinadas somente pelo material concreto ou estruturado. Assim, o brinquedo deve ser compreendido a partir de seu papel como um artefato que está no brincar e junto ao brincar, e não na centralidade do brincar. A pessoa que brinca tem, no brinquedo, a possibili- dade de reinventá-lo e não apenas seguir o determi- nado nele mesmo, atrelando à ludicidade uma das dimensões da vida, a criatividade. Existem inúmeras classificações a respeito do brinquedo na literatura da área. Destacaremos, com base nos estudos e ações do Laboratório de Brin- quedos e Materiais Pedagógicos (LABRIMP) - que pertence à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - duas possibilidades de classificação: a proposta por André Michelet, psicólogo Francês e um dos responsáveis pela coordenação do Siste- ma ICCP (Centro Nacional de Informação sobre o Brinquedo); e de Péroni, que idealizou a Classement des Objets Ludiques (C.O.L). André Michelet, diante das diversas teorias que foram evoluindo sobre o brincar, apresenta quatro classificações basilares a respeito do brinquedo, elencadas como: classificação etnológica ou socioló- 124 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O brinquedo, nessa classificação, pode ser analisado a partir de quatro qua- lidades, segundo Michelet (1992): O valor funcional É caracterizado pelas qualidades intrínsecas do brinquedo (dado retomado em parte pelas nor- mas de segurança). Isto é válido para todo objeto visual, mas como o brinquedo se destina a se- res em desenvolvimento, seu valor funcional diz respeito a sua adaptação ao usuário: em outros tempos, os primeiros jogos de construção eram minúsculos, adaptados à mão da criança, calma- mente sentada frente a uma mesa; hoje, a maioria deles está na escala da mesma criança brincando no chão, com todo seu corpo. O valor de estruturação Relaciona-se com o desenvolvimento da per- sonalidade da criança e abrange o “conteúdo simbólico” do jogo e do brinquedo: projeção, transferência, imitação. Vestir uma fantasia pode parecer absurdo, porém à criança é uma forma de experimentar um “modo de ser”. Essa função permite assimilar emoções e sensações (ninar a boneca), descarregar tensões (brinquedos ditos agressivos). Esse valor diz respeito a tudo que concorre à elaboração da área afetiva. O valor experimental Diz respeito a aquilo que a criança pode fazer ou aprender com seu brinquedo, em todos os níveis: fazer ruído, rodar, encaixar, construir, medir, clas- sificar... Engloba todas as caixas de conteúdo téc- nico ou científico (por exemplo, a maleta de médi- co, a montagem de modelos reduzidos) e os jogos didáticos. Estes últimos foram, durante muito tempo, uma das raras formas de jogo admitidas pela sociedade: o jogo de percurso da História da França, o loto das sílabas... nos séculos XVIII e XIX, reforçavam o ensino, mas ignoravam a educação pré-escolar. O valor de relação Diz respeito à forma segundo a qual o jogo ou brinquedo facilitam o estabelecimento de rela- ções com outras crianças e com os adultos, pro- pondo o aprendizado de regras (jogos de loto), de comportamentos (jogo de comidinha), de si- mulação (jogos de papéis e de empatia). A função derelação de um brinquedo pode ser objeto de uma experiência direta (aprender a jogar cada um na sua vez), mas frequentemente, nesta área, como em todos os aspectos do jogo, a contribui- ção é, sobretudo, indireta (em segundo grau): o jogo de damas é o único campo em que um filho pode vencer o pai e resolver, assim, situações fa- miliares conflituosas. EDUCAÇÃO FÍSICA 125 Michelet (1992) aponta que os brinquedos se en- caixam, de uma forma mais direta ou não, em cada uma destas qualidades. Entretanto, comumente o brinquedo se encontra mais fortemente em uma de- las, e é essa que deverá ser usada para classificá-lo. Segundo Kobayashi et al. (2009), no Sistema ICCP (baseado nesses quatro elementos elencados anteriormente) são propostos esquemas analíticos dos brinquedos fundamentados em critérios diver- sos como: Categorias/classes: brinquedos/jogos para pri- meira idade; de descoberta e compreensão; de descoberta da personalidade; criativos; esporti- vos; de sociedade. Idade média da utilização: primeira idade (0-15 meses); maternal (15 meses-3 anos); pré-esco- lar (3-6 anos); escolar (6-12 anos); adolescência (12-16 anos). Áreas constituintes da personalidade da crian- ça: sensório-motor; inteligência; afetividade; criatividade; sociabilidade (KOBAYASHI et al., 2009, p. 4). A partir desses critérios, o sistema ICCP, visando classificar o brinquedo, pretende cruzar e rela- cionar essas qualidades listadas, chegando a uma maior compreensão dos predicados relacionados ao brinquedo e sua melhor funcionalidade no es- paço educativo. A outra forma de classificação que iremos ex- plicitar chama-se C.O.L (Classement des objets ludi- ques), sistema idealizado na França. Esse instrumen- to é direcionado para [...] profissionais, interessados em conhecer e utilizar objetos lúdicos como um ins- trumento para crianças e adultos, organizar e identi- ficar brinquedos e jogos de forma simples e coerente (KOBAYASHI et al. 2009, p. 7776). Este sistema de organização de brinquedos ba- seia-se, segundo Kobayashi et al. (2009, p. 7776), em três pressupostos: “[...] simplicidade de utili- zação, ganho de tempo e valorização dos objetos lúdicos”. Essa classificação de brinquedos tem seus elementos constitutivos fundamentados em Jean Piaget e Denise Garon. 126 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Brinquedos para jogos de exer- cício esses objetos são utilizados para ativida- des sensoriais e motrizes para o prazer de obter os efeitos e resultados ime- diatos, e se apresentam em três subca- tegorias: Brinquedos para o despertar sensorial – são aqueles utilizados nas atividades sensoriais, sonoras, visuais, tátil, sinestésica repetidas pelo prazer de obter resultados imediatos, por exem- plo, os tapetes de sensações nos quais o bebê toca vários objetos e está atento aos resultados; Brinquedos de motrici- dade – são aqueles utilizados nas ativi- dades motrizes que implicam o corpo na sua totalidade, por exemplo, bola de tecido; Brinquedos de manipulação – são aqueles utilizados nas atividades repe- tidas por prazer e implicam as funções motrizes das mãos: agarrar, pegar, aper- tar, bater, lançar, enfileirar, empilhar, enfiar, como as bancadas para encaixar pinos, rosquear, encaixar etc. Jogos de acoplagem são aqueles que os elementos do jogo reunidos compõem um novo conjunto: Jogos de cons- trução – peças isoladas que, reunidas por dife- rentes técnicas, como superposição, entrela- çamento, formam objetos com três dimensões (Legos); Jogos de encadeamento – peças isola- das que, reunidas por diferentes técnicas, como superposição, entrelaçamento, enfileiramento, formam objetos com duas dimensões (quebra- -cabeça); Jogos de experimentação – jogos cujos elementos isolados são reunidos para a expe- rimentação dos fenômenos químicos; Jogos de fabricação – jogos cujos elementos isolados são reunidos para a produção de culinária, artesana- to ou artístico (meus colares, meu tear etc.). Jogos de regras comportam um conjunto de convenções e de obrigações a que os participantes se submetem, trata-se frequentemente dos jogos coletivos, com uma variedade de subcategorias que a pró- pria nomenclatura aponta o objetivo: Jogos de associação (loto, dominó, memória etc.), de per- curso, de expressão, de combinação, de endere- ço e esporte, de reflexão e estratégia, de azar e de questões e respostas. O brinquedo, analisado dentro do C.O.L., também pode ser classificado em quatro facetas, segundo Kobayashi et al. (2009, p. 7778): EDUCAÇÃO FÍSICA 127 Essas duas classificações expostas aqui, caro(a) alu- no(a), a ICCP e COP, partem do princípio da re- lação entre o brincar e o brinquedo, não o isolam como objeto, como um artefato. Assim, essas classi- ficações valorizam o brincar com o brinquedo, que é tarefa de quem tem no brinquedo uma das facetas do trabalho educativo. Esse fundamento é importante, pois potenciali- za o movimento de ação reflexão, ação do(a) profes- sor(a)/profissional frente ao brincar com o brinque- do, ampliando sua compreensão para as inúmeras possibilidades interventivas, criadoras e de aprendi- zagem em situação de brincadeira. As características aqui explicitadas buscam esta- belecer uma conexão com o brinquedo em situações de aprendizagem que extrapolam o ambiente escolar. São relações importantes do brincar e jogar no am- biente familiar e comunitário e em espaços, como a rua, a praça, nos programas de lazer, no hospital, nos museus, no recreio e, também, na brinquedoteca, que iremos aprofundar, na próxima etapa de nossa unidade, como um potencial espaço de atuação pro- fissional e de aprendizagens. Brinquedos para jogos sim- bólicos são os objetos que possibilitam ao jogador reproduzir ou inventar ações, situações, eventos e cenas de acordo com sua imaginação e que ajudam no conhecimento e na compreensão da realidade. Apre- sentados em três subcategorias: Brinquedos de papéis – são aque- les objetos utilizados para imitar personagens, animais, situações, eventos e os quais são propor- cionais ao tamanho do jogador, por exemplo, a maleta do doutor; Brinquedos de faz de conta – são aqueles que têm figuras e acessó- rios utilizados para produzir uma cena específica, ações, situações ou eventos, sem cenários estabe- lecidos, esses objetos colocam o jogador em situação de dirigir a cena, a brincadeira (Barbie e seus acessórios); Brinquedos de repre- sentação – são aqueles utilizados para representar os objetos, per- sonagens, situações, eventos pelo desenho, modelagem, gravura (massa de modelagem). 128 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Nesta etapa de nosso estudo, iremos aprender sobre um espaço pensado para o brincar: a brinquedoteca. Sobre esse lugar do brincar, vamos aprender sobre seus objetivos e histórico, os diversos espaços em que temos brinquedotecas em nosso país, sua confi- guração e a brinquedoteca como um direito na mo- dernidade. Segundo Cunha (1992), as brinquedotecas são originárias do século XX. A autora cita a origem em alguns países, como Estados Unidos, Suécia, In- glaterra e Canadá. Nos Estados Unidos, a história está atrelada à crise econômica de 1934, quando um dono de uma loja de brinquedos relatou a um dire- tor de escola sobre os furtos de brinquedos que esta- Brinquedoteca: O Espaço do Brinquedo e do Brincar vam ocorrendo em sua loja. O diretor compreendeu que, nesse contexto, o roubo estava atrelado ao dese- jo de brincar com brinquedos e a impossibilidade de adquiri-los na crise econômica. Então, ele criou um serviço de empréstimo de brinquedos comunitário: o Los Angeles Toy Loan. Na Suécia, a história das brinquedotecas se cons- trói a partir de 1963, quando duas mães de crianças excepcionais, que eram também professoras, funda- ram a Lekotek. Esse local tinha o objetivo de ensinar como as famílias de crianças com deficiência pode- riam brincar com elas, a fim de estimulá-las em seu desenvolvimento e emprestar os brinquedos dispo- níveis (CUNHA,1992). EDUCAÇÃO FÍSICA 129 Na Inglaterra, passaram a funcionar, a partir de 1967, as Toy Libraries, com um sentido inicial de empréstimo de brinquedos. Posteriormente, com o desenvolvimento de trabalhos e pesquisas, o traba- lho foi se ampliando como “[...] apoio às famílias, orientação educacional e de saúde mental, estimu- lação precoce, estímulo à socialização e resgate da cultura popular de cada povo” (CUNHA, 1992, p. 39). No mundo todo, iniciou-se e perdura até hoje um movimento de oferecer brinquedotecas: Sempre com alguma dificuldade financeira, sempre recorrendo ao trabalho voluntário, mas alcançando nível técnico de uma nova especia- lidade. O que importa é que em todos os cantos desse nosso planeta está sendo sentida a neces- sidade de se criarem condições especiais para que todas as crianças tenham boas oportunida- des de brincar (CUNHA, 1992, p. 43). No Brasil, o início das brinquedotecas também se relaciona ao estímulo por intermédio do brincar de crianças com deficiência. Em uma ação da Associa- ção de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, vá- rios brinquedos foram expostos visando a orientar os envolvidos com a temática, como pais e professores, em relação aos brinquedos, o que despertou muito interesse e resultou em um novo setor para a insti- tuição voltado para os brinquedos (CUNHA, 1992). Em 1973, esse setor se transformou em uma bi- blioteca de brinquedos circulante, que levou a uma [...] maior valorização da utilização dos brin- quedos e passou a ser objeto do interesse do grande número de profissionais e estudantes das mais diferentes áreas (CUNHA, 1992, p. 45). A APAE continuou a estimular o desenvolvimento das crianças a partir da valorização dos brinquedos. Nessa busca pelo aperfeiçoamento do trabalho com o brinquedo, foram elaborados estudos e eventos que visavam, especialmente, destacar a importância do brinquedo no desenvolvimento humano. Em 1981, foi instalada no país oficialmente a primeira brinquedoteca, “[...] que diferia das Toy Li- braries por priorizar a brincadeira e não apenas o empréstimo de brinquedos” (CUNHA, 1992, p. 46). Houve um processo de ampliação de brinquedote- cas no país a partir dessa iniciativa e da criação da Associação Brasileira de Brinquedotecas, que forta- leceu as ações na área. Assim, podemos afirmar que esses espaços, que garantem, de alguma forma, o direito à brincar da criança em nosso país, são um movimento recente. Esse fato nos leva à principal finalidade da brin- quedoteca: em última instância, ela busca garantir o direito à brincadeira. Ela parte de uma leitura da realidade sobre o brincar, por exemplo, [...] nas cidades as crianças convivem com falta de segurança nas ruas, extinção dos quintais e falta de espaço para brincar. A necessidade de espaço contribuiu para que o número de brin- quedotecas se expandisse no Brasil (MON- TAGNINI, 2014, p. 15). Assim, unida a essa meta mais ampla no âmbito do direito, segundo Cunha (1992, p. 37), a brinquedo- teca deve objetivar: Valorizar o brinquedo e as atividades lúdicas e criativas; possibilitar o acesso à variedade de brinquedos; emprestar brinquedos; dar orienta- ção sobre adequação e utilização de brinquedos; estimular o desenvolvimento global das crian- ças; enriquecer as relações familiares; desenvol- ver hábitos de responsabilidade e trabalho; dar condições para que as crianças brinquem es- pontaneamente; despertar o interesse por uma 130 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS nova forma de animação cultural que pode di- minuir a distância entre as gerações; criar um espaço de convivência que propicie interações espontâneas e desprovidas de preconceitos; pro- vocar um tipo de relacionamento que respei- te as preferências das crianças e assegure seus direitos; oferecer às crianças a oportunidade de experimentar os jogos antes de comprá-los; favorecer o encontro daqueles que apreciam as trocas afetivas, as brincadeiras e a convivência alegre e descontraída; desvincular o valor lúdico do brinquedo do seu valor monetário ou afetivo, possibilitando à criança a aprendizagem de que não precisa possuir com exclusividade, pode usufruir partilhando com outros; dar oportuni- dade às crianças de se relacionarem com adultos de forma agradável e prazerosa, livre de forma- lismo decorrente das situações estruturadas em escolas ou outro tipo de instituições. A partir de tantos objetivos que podem ser atre- lados ao espaço educativo da brinquedoteca, mos- tra-se o potencial desse local que deve primar pela liberdade. Montagnini (2014, p. 100) afirma que na brinquedoteca pode-se alcançar a [...] autonomia da criança pela liberdade de escolher com o que deseja brincar, o que tam- bém favorece a iniciativa, a criatividade, a imaginação, o senso crítico e a responsabili- dade de manter o ambiente organizado, como um princípio ético. O espaço da brinquedoteca precisa ser preparado para ser um ambiente agradável e acolhedor, afi- nal, as crianças devem se sentir parte desse espaço e identificar-se com ele. Assim, uma forma de confi- gurar uma brinquedoteca que seja realmente efetiva passa pela participação infantil nessa construção. Este é um importante princípio que deve ser res- peitado para que a brinquedoteca seja constituída como um local [...] preparado para estimular a criança a brin- car, possibilitando o acesso a uma grande va- riedade de brinquedos, dentro de um ambiente especialmente lúdico. É um lugar onde tudo convida a explorar, a sentir, a experimentar (CUNHA, 1992, p. 36). A brinquedoteca, então, não deve ser apenas um es- paço com brinquedos disponíveis para se desfrutar; esses locais devem transcender essa concepção uti- litarista e serem constituídos e reconstruídos cons- tantemente em direção a desvelar a cultura lúdica do grupo de crianças que ali brinca. Para Kishimoto (1992, p. 51), cada brinquedoteca, [...] apresenta o perfil da comunidade que lhe dá origem. Tais características dependem do sistema de educação, dos valores adotados e dos serviços oferecidos por cada país à sua popula- ção. Apesar da diversidade das brinquedotecas, há um objetivo comum que as une e as diferen- cia de outras instituições sociais: o desenvolvi- mento de atividades lúdicas e o empréstimo de brinquedos e materiais de jogo. Destaca-se, então, o princípio da inserção comunitária do professor(a)/profissional que desenvolve o trabalho nesta área educacional. Assim, o agente dessa ação edu- cativa, objetivando um bom resultado para seu traba- lho, precisa estar inserido em sua comunidade e, com EDUCAÇÃO FÍSICA 131 isso, apreender os meandros culturais, sociais e expec- tativas da comunidade para montar e atuar na brinque- doteca. Isto é, esse espaço não pode ter suas caracterís- ticas apartadas da realidade em que está inserido. Kishimoto (1992) nos apresenta diversas pos- sibilidades de espaços em que se constituem brin- quedotecas em nosso país, como: brinquedotecas nas escolas e em comunidades ou bairros; brinque- dotecas para crianças com deficiência; brinquedo- tecas em hospitais; brinquedotecas em universida- des; brinquedotecas para testagem de brinquedos; brinquedotecas circulantes; brinquedotecas em clí- nicas psicológicas; brinquedotecas em centros cul- turais; brinquedotecas junto a bibliotecas; e brin- quedotecas temporárias. Explicitamos aqui, com mais detalhes, o traba- lho desenvolvido com a brinquedoteca em dois des- ses espaços citados pela autora: Brinquedoteca em universidades: podemos exemplificar essa ação educativa a partir dos es- tudos de Arruda et al. (2017), que explicitam as características da Brinquedoteca Universitária do campus do Pantanal da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Essa brinquedoteca “[...] tem dois importantes pa- péis, são eles: a contribuição no processo de forma- ção de educadores/professores e o acesso de crianças ao brincar” (Arruda et al., 2017 p. 1). A brinquedo- teca tem seu atendimento voltado para crianças de trêsa sete anos da comunidade acadêmica, como filhos de professores, funcionários e acadêmicos, e da comunidade externa à instituição; quem realiza a intervenção educativa são acadêmicos(as) dos cur- sos de Educação Física e Pedagogia da universidade. Nessa brinquedoteca, a metodologia de trabalho considera a “[...] brincadeira como o meio, tanto no sentido de atender e oferecer às crianças o acesso ao di- reito de brincar, quanto no processo formativo de quem lá atua como educadora” (ARRUDA et al., 2017, p. 2). As educadoras planejam as atividades, mas as crianças são livres para escolher em que estação vão brincar e do que vão brincar. Segundo Arruda et al., (2017, p. 3), a brinquedoteca é organizada em estações como: [...] vídeo e música, cantinho da leitura, brin- quedos de montagem e industrializados, can- tinho do faz de conta, espaço pedagógico com atividades de desenho, pintura, jogos de tabulei- ros e outros e o de brincadeiras livres, temos no espaço de brincadeiras livres alguns brinquedos como arco, corda, bola, bonecos de papelão. Todos esses espaços organizados visam o brincar. É importante ressaltar que essa ação educativa é funda- mental tanto para as crianças dessa comunidade vi- venciarem o brincar quanto para as educadoras em formação profissional. A brinquedoteca não conta com nenhum tipo de financiamento e desenvolve seus trabalhos com materiais advindos de doações de pro- fessores, dos acadêmicos e da população da cidade. Brinquedoteca em hospitais: desde 2005, em nos- so país, com a Lei Federal 11.104, é obrigatória a presença de brinquedotecas em hospitais. Segun- do Paula e Foltran (2007, p. 22), a lei foi constitu- ída por meio de [...] movimentos de humanização nos hospitais e simboliza que a inclusão do brinquedo neste ambiente tem sido concebida como parte da as- sistência e da terapêutica às crianças e aos ado- lescentes hospitalizados. 132 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS No ambiente hospitalar, as crianças e adolescentes encontram-se frágeis e distantes de seu cotidiano, assim, a brinquedoteca hospitalar constitui-se como essencial para a garantia de seu direito a brincar e um recurso a mais para sua recuperação plena. Paula e Foltran (2007) contam sobre uma ex- periência de uma brinquedoteca hospitalar man- tida em parceria com um projeto de extensão da Universidade Estadual de Ponta Grossa - PR. A experiência ocorreu em um hospital da cidade de Ponta Grossa e desenvolvia suas atividades com as crianças e os adolescentes internados na institui- ção. Os pacientes que podiam movimentar-se iam até o espaço da brinquedoteca brincar com os edu- cadores e os que não podem sair do leito recebiam os educadores no quarto. A intervenção educativa era realizada por aca- dêmicos da universidade dos cursos de Pedagogia, Artes, Informática e Letras, que além do tempo que passavam com as crianças e adolescentes na brin- quedoteca, tinham formação semanal para atuarem e também produziam relatórios diários de suas in- tervenções, o que constituiu, também, como um dos objetivos do projeto: a formação para o trabalho educativo em brinquedotecas. O projeto de extensão da brinquedoteca hospitalar visava realizar: [...] ações recreativas, artísticas, de literatura e educacionais na brinquedoteca. Visando ofere- cer possibilidades aos pacientes internados, de brincar de forma livre ou dirigida. Através das brincadeiras, de contação de histórias infantis, de lendas, de mitos, de adivinhas populares e de atividades artísticas realizadas na brinquedote- ca, também são observadas as pressões externas que bloqueiam os comportamentos dos pacien- tes, que buscam ajustar-se às expectativas so- ciais, familiares e até mesmo dos profissionais do hospital (PAULA; FOLTRAN, 2007, p. 23). Nessa brinquedoteca, o hospital oferecia a estrutura física, mas a maioria dos brinquedos e livros eram frutos de doação, assim como na brinquedoteca da universidade supracitada. De acordo com Paula e Foltran (2007, p. 23), este é um espaço educativo de partilha de múltiplas vivências por meio do brincar e constituia-se como um “[...] espaço lúdico, tera- pêutico e político, pois além de garantir o direito da criança poder brincar, divertir-se, também é um es- paço de formação de cidadania”. As ações com as brinquedotecas no hospital e na universidade partem do princípio da valo- rização da formação dos educadores. Assim, formação profissional é imprescindível para atuar em brinquedotecas. REFLITA Nessas duas ações com as brinquedotecas supra- citadas, fica evidente a necessidade da valorização do brincar com acesso à brinquedos para seu de- senvolvimento pleno, afinal, crianças produzem cultura lúdica. Bomtempo (1992) nos aponta que este é um dos espaços mais propícios para o adul- to conhecer profundamente a criança e sua rela- ção com o brincar, ou seja, um espaço privilegiado para os educadores que trabalham com essa cate- goria geracional. Outro fator muito importante relacionado a esse espaço é a questão do brinquedo comparti- lhado por diversas crianças. Afinal, na brinquedo- teca, os brinquedos pertencem ao espaço e não a cada criança, assim, se brinca e logo outra criança pode brincar. EDUCAÇÃO FÍSICA 133 [...] além de desvincular o brinquedo do seu aspecto de posse e consumo, a brinquedoteca desperta na criança o sentido de responsabili- dade coletiva. Ela aprende que um brinquedo pode pertencer a muitas pessoas, que é neces- sário separar-se deles para que outras crianças também possam brincar e que ele não deve ser destruído (BOMTEMPO, 1992, p. 77). Esse princípio, quando incentivado e aprendido pelas crianças, pode estimular aprendizagens que diferem totalmente da lógica de consumo desenfreado dos brinquedos infantis. Assim, como já explicitamos aqui, esta é uma das questões mais atuais e preocu- pantes no que se refere aos brinquedos e à infância. Destarte, o trabalho na brinquedoteca pode ser uma das formas mais contundentes para problematizar as relações de consumo de brinquedos na atualidade. Os brinquedos eletrônicos no espaço da brin- quedoteca não podem ser a maioria, em geral, eles remetem à criança um papel secundário no brincar. Assim, esses brinquedos, embora despertem interesse, esse mesmo inte- resse é bastante passageiro, enquanto brinque- dos que permitem maior manipulação e trans- formação são muito mais apreciados por elas (BOMTEMPO, 1992, p. 81). Os objetos pensados para compor a brinquedoteca precisam, então, respeitar essa característica e serem potencializadores do brincar e não limitadores. Não é recomendado que a brinquedoteca seja composta apenas de brinquedos industrializados ou de espa- ços com atividades muito formalizadas, ela precisa ser um espaço para o exercício da partilha e da cria- tividade para as vivências infantojuvenis. As brinquedotecas são espaços em que as crian- ças estão inseridas e nada mais propício que eles para proporcionar ambientes visando fomentar o brincar. Entretanto, existem algumas características desse ambiente formal de educação que precisam ser problematizadas quando se objetiva o trabalho com a brinquedoteca. Segundo Montagnini (2014), ter brinquedotecas na escola é importante, mas merece uma reflexão se este seria o melhor espaço para essa ação educati- va. A questão seria a superação da configuração das práticas pedagógicas escolares, por vezes opressoras e distantes da produção cultural infantojuvenil, tam- bém no espaço da brinquedoteca. A pesquisadora afirma que, nesse sentido, “A política da brinquedoteca não deve ser uma repro- dução da política de sala de aula” (MONTAGNINI, 2014, p. 96). Isto é, a brinquedoteca é um outro es- paço, que deve se constituir com uma proposta me- todológica diferenciada da proposta escolar hege- mônica, caso pretenda avançar na sua proposta de se basear em ações criativas e coletivas. 134 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Montagnini (2014, p. 95) aponta que estando a brinquedotecano espaço escolar, nela deve estar contida a “[...] possibilidade de torná-la um ambien- te propício à formação que incentiva a participação infantil junto ao exercício lúdico promovido por tal espaço”. Evidenciamos, então, uma das característi- cas mais importantes das ações educativa na brin- quedoteca, distanciando-se da caracterização esco- larizante da brinquedoteca por estar ocupando esse ambiente. A autora, que pesquisou as crianças e a brinque- doteca, nos mostra que as crianças, quando escuta- das, têm a nos ensinar sobre o ideal para esse espaço, que para elas: [...] deve ocupar os espaços da cidade, acolhen- do a todas as crianças. Quando lhes é atribuído o poder de gerenciar esse acolhimento às crian- ças, pensam nas necessidades de alimentação, atendimento médico, sossego para leitura e momentos em paz com as famílias (MONTAG- NINI, 2014, p. 108). Essas proposições da infância para a brinquedoteca, trazidas pela pesquisadora, evidenciam que as crian- ças têm ideias e planos para esse espaço educativo que contemplam diferentes crianças e espaços e o direito ao brincar na brinquedoteca com dignidade. Partindo do princípio da participação infantil nesse ambiente, a brinquedoteca é um dos espa- ços que garantem um dos direitos mais importan- tes das crianças, o direito a brincar. Não apenas de acesso ao brinquedo, mas um lugar pensado para a criança desenvolver plenamente sua ludi- cidade individualmente, interagindo com outras crianças e adultos. No sentido de garantia do direito ao brincar na modernidade, diante da infância que vive nas cida- des, a brinquedoteca tornou-se uma alternativa para estas questões de negação ao lúdico. Assim, na triste realidade de [...] escassez de segurança, resta à criança o es- paço da escola, por conseguinte a brinquedote- ca, espaço pensado e projetado pelos adultos, para atender a necessidade dos adultos (MON- TAGNINI, 2014, p. 93). Essa centralidade nos objetivos e expectativas do adulto no ambiente da brinquedoteca precisam ser superados quando pensamos sobre a constituição desse espaço. As normas e ações educativas ali pre- sentes devem: [...] existir para que se possam garantir as li- berdades individuais e que também se tornam coletivas quando a liberdade de uma criança só é legítima se não agredir a liberdade de outra criança, que usufrui do mesmo espaço lúdico e tem o mesmo direito à liberdade de expressão. Os princípios da brinquedoteca explicitam os as- pectos éticos, o desenvolvimento moral e a liber- dade de brincar (MONTAGNINI, 2014, p. 100). Sendo assim, destacamos aqui a importância desse espaço educativo para o desenvolvimento da cul- tura lúdica a partir da relação com o brinquedo. A brinquedoteca, quando desenvolvida a partir de princípios educativos democráticos e de alto grau de participação infantil, pode ser um excelente po- tencializador do direito ao brincar infantil, um bom ambiente de formação profissional e de atuação de professores(as) que desenvolvem a linguagem dos jogos, brinquedos e brincadeiras. 135 considerações finais N a caminhada desta unidade, prezado(a) aluno(a), trouxemos diferen- tes reflexões e aprendizagens sobre o brinquedo e sua relação com a cultura infantojuvenil. Nosso esforço aqui foi no sentido de que, no processo de estudo, ficasse evidente que o brinquedo não pode ser considerado apenas na sua dimensão material, ele é fruto das condições sociais e materiais concretas em que foi criado e recriado. O brinquedo, então, na dimensão educativa, dentro da possibilidade inter- ventiva na Educação Física, apresenta, além de suas características aparentes, a cultura do grupo que criou ou escolheu brincar com aquele objeto. Assim, é ta- refa do educador(a) que desenvolve sua ação educativa com o brinquedo pro- blematizar, junto aos seus educandos(as), o que está posto no brinquedo que faz parte do brincar. Dessa forma, temos muitas possibilidades interventivas com o brinquedo, como o pensar sobre o contexto de produção do brinquedo que temos acesso com nossos alunos ou sobre o brinquedo que momentaneamente eles tanto dese- jam. Refletir a respeito das concepções ética e estética desveladas no objeto brin- quedo ou, ainda, debater sobre as relações de poder impregnadas no brinquedo e nas regras destinadas a ele. Destacamos aqui também a necessidade de lançarmos o olhar para o papel da criança na relação com o brinquedo. Este não se configura apenas como passivo, ou seja, as crianças não brincam com aquele objeto apenas da forma que ele foi criado para ser brincado, as crianças potencialmente têm possibilidades de sub- verter regras e lógicas presentes no brinquedo. As crianças ainda têm a capacidade imaginativa e criativa de transformar seu corpo ou objetos diversos em elementos de seu brincar, ou seja, em brinquedo. A intervenção do adulto nessa recriação deve considerar, então, que a criança res- significa aquele objeto com que brinca e o faz a partir de sua capacidade de criar e reconstruir sua cultura lúdica. 136 atividades de estudo 1. Quando refletimos sobre o lugar do brinque- do na vida das nossas crianças e a forma como ele é entendido na atualidade, identificamos que ele pode ser compreendido por dois olha- res. Explique quais são eles e como impac- tam as crianças. 2. O processo de fabricação dos brinquedos passou por diversas transformações durante a história da humanidade. Quais são as con- sequências das mudanças que ocorrem na fabricação dos brinquedos, por exemplo, os materiais utilizados? 3. Os brinquedos e jogos eletrônicos e tecnoló- gicos estão presentes na vida de algumas ge- rações mais intensamente do que em outras, configurando-se uma quebra entre diferentes gerações (SILVA; HOMRICH, 2010). Quais são essas diferenças e quais as consequências das diferenças para ambas gerações? 4. Aprendemos, no decorrer desta unidade, que as crianças estão imersas e sendo bombarde- adas por propagandas e mídias que induzem o consumo a todo momento. No que se re- fere ao conteúdo de Jogos, Brinquedos e Brincadeiras, qual deve ser a atitude e po- sicionamento do professor referente a essa realidade? 5. Existem inúmeras classificações a respeito do brinquedo na literatura da área. Um dos auto- res que propõem uma classificação é André Mi- chelet, psicólogo Francês e um dos responsá- veis pela coordenação do Sistema ICCP (Centro Nacional de Informação sobre o Brinquedo). Sobre as classificações desse autor, assinale a alternativa correta. a. Classificações filogenéticas ou históricas que analisam os brinquedos em função da evolu- ção da humanidade, reproduzida pela criança em seus jogos em diversos períodos. b. Classificações etnológicas ou sociológicas que distribuem os brinquedos segundo diferentes aspectos e opções dos métodos educativos. c. Classificações filogenéticas ou históricas que se fundamentam na explicação do desenvol- vimento da criança e em função das quais se estabelece uma hierarquia dos jogos. d. Classificações psicológicas que analisam os brinquedos em função da evolução da huma- nidade, reproduzida pela criança em seus jo- gos em diversos períodos. e. Classificações pedagógicas que analisam os brinquedos em função do papel que lhes é atribuído (ou a classificação lhes é atribuída) nas diversas sociedades. 6. A brinquedoteca deve ser um espaço que transcende uma concepção utilitarista e deve ser constituída e reconstruída constantemen- te em seus conceitos em direção a desvelar a cultura lúdica do grupo de crianças que ali brinca. Faça uma pesquisa no seu bairro, ou então na internet, e descreva como pode- ria funcionar uma brinquedoteca em um espaço público. 137 LEITURA COMPLEMENTAR Em 1944, um pesquisador brasileiro chamado Florestan Fernandes fez um estudo so- bre brincadeiras infantis na cidade de São Paulo. Seu principal interesse foi estudar grupos de crianças acima de seis anos que brincavam nas ruas. Ele descobriu que as crianças iam brincar e se organizavamem grupos que eram chamados “trocinhas”. Ini- cialmente, as crianças de uma vizinhança se reuniam para brincar de roda, pique etc. Depois, aos poucos, iam formando laços de amizade e as brincadeiras de rua se trans- feriam para os quintais, onde as meninas brincavam de “comidinha”, “casinha”, “papai e mamãe”. Os meninos, por sua vez, começavam jogando informalmente e à medida que o grupo fortalecia seus laços de amizade, formavam times que podiam até receber no- mes específi cos, como Infantil Estrela etc. O que o estudo desse pesquisador enfatizou foi a importância dos brinquedos de roda e dos jogos para a formação das “trocinhas”. Toda uma cultura se forma a partir dessas relações, tendo como suporte as brincadei- ras das crianças na rua: quem pode brincar, as regras das brincadeiras, a linguagem utilizada, termos específi cos desse contexto (“trocinhas”, “fi cando de mal”, “fi cando de bem”, “brincar de casinha” etc.). A essas construções das crianças, Florestan Fernandes chama de cultura infantil (o que se aproxima muito da ideia de cultura lúdica trazida por Gilles Brougère). Ao perguntar às crianças onde aprendiam determinada brincadeira, Florestan normalmente ouvia: aprendi na rua. Dessa forma, a rua era o espaço privile- giado de troca e aprendizagem entre as crianças. As brincadeiras que apareciam nas ruas traziam sempre em sua origem traços da cul- tura dos adultos, como romances antigos que eram transformados em jogos dramatiza- dos, como “A Canoa Virou”, “Ciranda a Roda” etc. Essas composições são bem antigas e aparecem em romances antigos, por volta do século XVI. Ao longo de todos esses anos, as crianças reelaboraram essas brincadeiras, enriquecendo a cultura infantil. Isso não é incrível? Então, podemos concluir que a cultura infantil, se pensarmos junto com Flo- restan Fernandes, ou a cultura lúdica, como aprendemos com Gilles Brougère, é cons- tituída por elementos da cultura do adulto que são ressignifi cados pelas crianças e por dados elaborados por elas próprias. Fonte: adaptado de Lopes, Mendes e Faria (2005). 138 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Site da Associação Brasileira de brinquedotecas, com diversas informações sobre formação profi ssional para atuação em brinquedotecas, indicações de leituras e localização de brin- quedotecas no Brasil. Disponível em: <http://brinquedoteca.net.br/>. Acesso em: 28 de jun. de 2017. Brinquedo e Cultura Gilles Brougère Editora: Cortez Editora Sinopse: esse livro trata da função social e do signifi cado do brinquedo e como a criança se utiliza dos objetos ‘para brincar’. Criança, a Alma do Negócio Ano: 2008 Sinopse: uma crítica ao consumismo exacerbado na infância, impulsionado pela publicidade sem limites, ética ou regulamen- tação. Um convite aos pais e educadores para refl etir sobre seus papéis nesta sociedade de consumo e como podem colaborar para mudar o cenário. 139 referências ALMEIDA, M. T. P. Guia de classificação de jogos, brinquedos e materiais lú- dicos. 2011. Disponível em: <http://www.labrinjo.ufc.br/index.php?option=- com_phocadownload&view=category&id=1:artigos&Itemid=94#>. Acesso em: 12 mai. 2017. ARRUDA, J. S.; SILVA, L.; SOUZA, C. R. T. Brinquedoteca na Universidade: Ex- periência Lúdico-Político-Pedagógica. In: VII SEMINÁRIO DE ESTUDOS DO LAZER: LAZER, GLOBALIZAÇÃO E PÓS MODERNIDADE, 2017, Maringá. Anais… Maringá: Universidade Estadual de Maringá. 2017. p. 01-05 . BENJAMIN, W. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Edi- tora 34, 2002. BOMTEMPO, E. Brinquedoteca: espaço de observação da criança e do brinque- do. 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Assim, quando nos colocamos a refletir sobre o lugar do brinquedo na vida das crianças, nos pro- pomos também a pensar o papel de intervenção ou não do adulto nesse processo e a forma que o adulto, se for realizar a intervenção na brincadeira, deve realizá-la. A segunda possibilidade de pensar sobre o brinquedo e as crianças diz respeito aos brinquedos pensados e construídos por adultos para as crianças, ou seja, os brinquedos industrializados (PEREIRA, 2009). Estes são produções de adultos para crianças e não produçãorealizada com as crianças. Nessa forma de construção de brinquedos de adultos do mundo da indústria dos brinquedos para as crianças, emergem inúmeras relações externas ao próprio brincar, como o consumo, por exemplo, que não tem uma relação direta com o brincar infantojuvenil, mas o in- fluencia de forma contundente. 2. O material utilizado na atualidade, que se distanciou dos iniciais na fabricação de brinquedos de pais para filhos, como a madeira, ossos, tecido, argila (BENJAMIN, 2002), hoje é tomado por materiais mais padronizados, como o plástico. Resultam em brinquedos que não têm identidade, são uniformizados e são, em geral, pen- sados, no processo de globalização, a partir de uma concepção homogênea de in- fância. Esse entendimento parte do princípio de que existe apenas uma infância e não infâncias. Nessa compreensão está implícito que crianças de todos os cantos do mundo têm as mesmas expectativas, sonhos e referenciais culturais. 3. Podemos exemplificar essa quebra, no que se refere à linguagem, por exemplo, pre- sente nos videogames e que se torna corriqueira para quem os joga e o total estra- nhamento das expressões empregadas no game para quem não tem acesso aos jogos. Esse afastamento na linguagem, expressões e hábitos presentes no mundo dos jogos eletrônicos pode gerar até uma ruptura nas relações familiares e geracio- nais. A consequência da configuração atual dos jogos eletrônicos precisa ser alvo de debates e reflexões em diversos âmbitos educativos e na família. 4. O professor/profissional não pode ficar alheio a essas relações que emergem do brincar e do consumo nos ambientes educativos, ele precisa se qualificar e proble- matizar estas questões com seus alunos. É imprescindível debater sobre o consumo, sobre a construção dos desejos pelo consumo e de como este influencia nossos gostos e modula nossas ações, oferecendo um maior repertório de brinquedos e atividades que se contraponham a esta lógica e nas quais as crianças e jovens sin- tam-se representados e partícipes dos processos de construção. Outro elemento que devemos abordar quando tratamos de brinquedos e atualidade são as relações de gênero que emergem do brincar. A reprodução de estereótipos e preconceitos é ensinada e reforçada a partir das produções culturais às quais as crianças têm aces- so. As crianças subvertem, muitas vezes, as lógicas e padrões determinados pelos brinquedos recriando e ressignificando os brinquedos e as “funções” a ele atribuídas pelo adulto que o criou. Assim, faz-se necessária uma profunda reflexão e revisão de procedimentos metodológicos e de princípios educativos com a intervenção com brinquedos visando à superação desta lógica, que pode configurar-se como abusiva e que desrespeita direitos fundamentais das pessoas. 5. a. Classificações filogenéticas ou históricas que analisam os brinquedos em função da evolução da humanidade, reproduzida pela criança em seus jogos em diversos períodos; Professora Dr.ª Paula Marçal Natali Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Infâncias, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: cenários de diversidade • Intervenções com Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: cenário de diversas possibilidades e sistematizações Objetivos de Aprendizagem • Refl etir sobre a constituição do brincar e das diferentes infâncias na atualidade. • Elencar diversas possibilidades de ações educativas com jogos, brinquedos e brincadeiras. JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: DIFERENTES INFÂNCIAS, CONTEXTOS E INTERVENÇÕES unidade V INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, trilharemos o caminho da riqueza das experiências e das diversidades pertinentes aos jogos, brinquedos e às brincadeiras. Aprender e refletir sobre a não linearidade do mundo e das relações educativas é tarefa do(a) professor(a)/profissional que pretende ter uma atuação situada e crítica sobre e na realidade. Num primeiro momento, vamos estudar a cultura lúdica e sua cons- tituição em diferentes realidades a partir de um olhar diverso: do tra- balho infantil, das crianças dos países que falam a língua portuguesa e das crianças que moram em fronteiras. Assim, buscamos ampliar, caro(a) aluno(a), sua capacidade de compreender a ludicidade em muitas situa- ções e, também, ativar sua atenção para a análise de pesquisas que valori- zam outras invisíveis experiências sociais (SANTOS, 2010). Na segunda parte desta unidade, listamos algumas ações sistematiza- das com o brincar e jogar, visando que, neste processo de aprendizagem, possamos reconfigurar essas práticas educativas em nosso cotidiano, con- siderando o contexto, os objetivos e anseios com que se trabalha. Nesse processo, reiteramos a necessidade de potencializar a participação de to- dos envolvidos na ação educativa com os jogos, brinquedos e brincadeiras. Todo esse processo visa a ampliar o repertório cultural e de conheci- mento dos adultos, no caso nós professores(as)/profissionais, que traba- lharemos com a cultura lúdica infantojuvenil. Segundo Wajskop (1992, p. 92), se pretendemos compreender o brincar como um direito da crian- ça e do adolescente, temos que cuidar com muito esmero da formação de quem realiza e implementa a ação educativa , pois “[...] a representação que se tem da criança e de sua atividade lúdica vai resultar na maneira como o adulto se relaciona com o brincar infantil”. Partindo dessa afirmação, buscaremos, aqui, a ampliação de conhe- cimentos pertinentes à formação do(a) profissional(a) que trabalha com essa linguagem, visando a compreensão mais apurada da cultura lúdica infantojuvenil. 146 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Nesta etapa de nosso estudo, caro(a) aluno(a), ire- mos retratar uma parte do imenso universo que se pode encontrar na relação entre as confi gurações de infância e cultura lúdica infantojuvenil. O brincar e o jogar não se encerram em uma experiência fe- chada e determinada, são múltiplos, mutáveis e sua riqueza está nessa diversidade de expressões. Essa proposta de estudo parte do princípio que os jogos, brinquedos e as brincadeiras são produ- ções culturais, frutos de vários determinantes, como os fatores sociais, culturais, geográfi cos, econômicos e históricos. Podemos aprender muito sobre os di- ferentes grupos sociais a partir da convivência com seu brincar. Assim, essa aprendizagem nos instru- mentaliza como professores(as)/profi ssionais para atuar com essa linguagem, ela torna-se um funda- mento do qual devemos nos aproximar para desen- volvermos nossa ação educativa. Para alcançarmos o objetivo de tratar das dife- rentes infâncias e seu brincar, utilizaremos como base três produções brasileiras sobre o brincar em realidades diversas. Todos os livros selecionados para esta nossa contação fogem da lógica de caracte- rizar os grupos sociais apenas por dados estatísticos ou ofi ciais dos locais e das crianças e avançam para uma análise das características culturais e das con- tradições e belezas de cada ambiente ou grupo social pesquisado. Infâncias, Jogos, Brinquedos e Brincadeiras: Cenários de Diversidade EDUCAÇÃO FÍSICA 147 Estas produções são: o livro Trama doce-amar- ga: (exploração do) trabalho infantil e cultura lúdica de Maurício Roberto da Silva, lançado em 2003; o livro Brincar, brinquedos e brincadeiras: modos de ser criança nos países de língua oficial portuguesa, de 2014, organizado por Catarina Tomás e Natália Fer- nandes; e o mais recente, lançado em 2017, Crianças em Fronteiras: histórias, culturas e direitos, organi- zado por Verônica Regina Müller. Vamos conhecer mais sobre o mundo do brincar? O livro Trama doce-amarga: (exploração do) tra- balho infantil e cultura lúdica, segundo Demartini et al. (2003, p. 7), trata da criança [...] sujeita à exploração pelo capital, no trabalho, a que tem o lúdico subsumido de sua vida coti- diana [...] a preocupação é com esse processo so- negador/limitador do tempo livre para o lúdico”. Um livroque nos ensina sobre os meandros do cruel cotidiano de crianças trabalhadoras dos canaviais de Pernambuco, no Brasil e, especialmente, da constitui- ção de sua cultura lúdica como espaço de resistência. No cenário do trabalho inserido na lógica neoliberal, temos, entre outras mazelas, o trabalho infantil, que é a [...] inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho, especialmente nos pa- íses de industrialização intermediária e subor- dinada, como por exemplo, nos países asiáticos, latino americanos e outros, onde se vem dete- riorando prematuramente a força humana de trabalho das crianças e jovens, mediante a ex- ploração invisível do trabalho e da informalida- de do mundo do trabalho (SILVA, 2003, p. 25). Esse contexto nos apresenta as diferentes infâncias que temos na sociedade e o criminoso contexto a que muitas estão submetidas. Em consequência, te- mos diversas conformações dessa categoria geracio- nal, e como afirmamos anteriormente, que resultam em produções culturais múltiplas, e não temos, en- tão, uma única infância e um único brincar. Silva (2003) aponta que todas as formas de ex- ploração do trabalho infantil podem prejudicar a vi- vência da cultura lúdica e, também, o direito à esco- larização da criança e do adolescente, resultando em problemas de constituição identitária. Essa realidade de exploração do trabalho pode ser entendida como um tempo furtado de chances e sonhos arruinados [...] que impõe às crianças possíveis sequelas nutricionais (envelhecimento precoce, desnu- trição), cognitivas, psicossociais e culturais, comprometendo de maneira marcante o pre- sente e o futuro das gerações (Silva, 2003, p. 28). Para Silva (2003), a exploração do trabalho infantil, além do furto do lúdico na vida dessas crianças e ado- lescentes, promove um degradante processo de roubo do tempo de “[...] usufruto da cultura lúdica, a escola- rização e a sociabilidade, como possibilidade de forta- lecimento das relações sociais lúdicas infantis” (Silva, 2003, p. 209). Portanto, a exploração do trabalho infan- til promove diversos procedimentos de alienação na vida das crianças que trabalham na produção de cana. Sobre a ludicidade, o autor afirma que estes mo- mentos de brincadeira entre as crianças e os adolescen- tes trabalhadores não podem ser vistos como diversão, entretenimento ou possibilidade de afastar o sentimen- to de tédio, e sim como uma postura de resistência em meio a um ambiente de tanto sofrimento e injustiça. A sociedade que se anuncia por meio do brincar nesses terrenos adversos, baseia-se em valores lúdicos, tais como: a lentidão e a preguiça como virtude, em detrimento da aceleração para a acumulação de capital; a liberdade; a criativi- dade; a gratuidade; a fantasia; o faz de conta e outros valores estéticos (SILVA, 2003, p. 29). 148 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Em toda essa cultura lúdica, constituída no contexto investigado por Silva (2003), configuram-se diferen- tes possibilidades para essas manifestações culturais do brincar e jogar, que buscam a ruptura e a posição de resistência frente aos ditames da desigualdade so- cial inerentes à realidade investigada. O pesquisador elabora uma forte e contunden- te crítica ao capital e a programas assistencialistas e paliativos diante da exploração do trabalho infantil, trazendo o contexto dessa degradação humana na região do açúcar da Zona da Mata Pernambucana. Para estudar essa realidade, Silva (2003, p. 59) recor- re ao diálogo junto às crianças e nesta convivência brincam, jogam, leem e escutam histórias, cantam, realizam paródias e conversam sobre o lazer “[...] dos adultos, sobre o folclore e a cultura naqueles rin- cões”, estabelecendo-se uma relação profunda entre o pesquisador e as crianças. No livro, o lúdico é tomado em seu potencial de expressão de subversão frente às imposições cruéis da sociedade capitalista, e a infância é compreendida [...] a partir de horizontes emancipatórios, que leva em conta os direitos das crianças, a partir da produção cultural que elaboram, ensejando intervir ativamente no processo sociocultural e político de construção de cidadanias (SILVA, 2003, p. 184). Assim, nessa produção, a cultura lúdica infantil nos é apresentada com sua premissa alinhada à participação social de crianças e adolescentes em direção à potencialização de sua identidade. O lú- dico entendido como expressão crítica é apresen- tado como uma lógica que não corresponde às ca- racterísticas predominantes na atualidade que são orientadas pelo consumo, individualidade, volatili- dade e exploração. O brincar das crianças canavieiras, nessa ló- gica, perversa de inserção precoce no trabalho, ocorre também nas pequenas oportunidades que esta dinâmica permite. O autor traz, ainda, outros exemplos de estudos com crianças que têm uma vida dura e injusta e que têm na expressão das brin- cadeiras e jogos uma forma de resistência à vida a qual são submetidas. A degradante realidade das crianças trabalhadoras brincando em meio aos canaviais, segundo Silva (2003, p. 221), explicita aos que conhecem este contexto que, [...] o contraditório de tudo isso é que essas crianças arranjem forças e elementos em meio à dor, ao constrangimento do trabalho forçado e ao despotismo dos patrões, mediante a ma- nifestação da alegria e do prazer do jogo como instrumentos de luta. De posse desses artifícios, entre os liames da resistência e do conformis- mo, as crianças manifestam seus impulsos lú- dicos nas brechas que permitem o gozo de uma liberdade ainda que passageira. Esta capacidade de resistir das crianças e dos adoles- centes trabalhadores e o jogo imposto entre a neces- sidade de brincar e a obrigação imposta no trabalho compõem o cotidiano dessas infâncias. Este contexto impiedoso configura-se como uma realidade atroz que necessita de uma profunda reestruturação social, ainda mais se tomarmos como parâmetro o avanço nas discussões e leis que foram elaboradas no século XX sobre o direito infantojuvenil, como também so- bre o brincar. A restrição aos direitos básicos dessas crianças também resvala no escasso lazer que têm à dispo- sição na região canavieira. A região pesquisada ca- rece de parques, praças e centros culturais, e o au- tor aponta também a dificuldade de transporte e deslocamento da população rural como fatores que EDUCAÇÃO FÍSICA 149 impedem vivências amplas de lazer, haja vista que as atividades de lazer concentram-se, cada vez mais, nas grandes cidades, atreladas ao lazer-consumo. Silva (2003) também aponta diversos fatores que compõem o cenário de diferenciação entre o brincar de meninas - que desde novas têm mais tarefas no âmbito doméstico -, e de meninos canavieiros. Sobre os brinquedos, o brincar e o consumo, Silva (2003) nos relata que via nas crianças canavieiras - im- pedidas de adquirir os brinquedos industrializados e que são expostos na mídia - um potencial criativo e de ressignificação desenvolvido em relação ao impro- viso dos brinquedos e do brincar, e nisto analisou al- gum viés positivo na composição de sua cultura lúdica. Identificou, também, que os pais das crianças trabalha- doras desejavam implicitamente que seus filhos tives- sem acesso aos brinquedos industrializados, apresen- tando mais uma contradição inerente a essa realidade. [...] apesar da miséria em que vivem, possuem humor, fazem festa, brincam de roda, inventam histórias, causos e jogos, talvez para reinventar essa vida cotidiana tão cruel, opressiva e vili- pendiada, mas também vivida com luta, desejo e utopia (SILVA, 2003, p. 258). Configura-se um contexto em que se desenvolvem especialmente jogos e brincadeiras tradicionais, pro- dução cultural da humanidade que existe e resiste na vida das crianças canavieiras. Assim, com diversas posições de contraposição a essa realidade, como a elucidada por Silva (2003), no brincar das crianças, a população luta por uma vida digna, lutam para a conquista deum tempo livre. Essas análises a respeito do enfrentamento da vida cotidiana e do potencial lúdico nessas rela- ções, não excluem e nem pormenorizam, caro(a) aluno(a), o fato de que esta é uma realidade de- sumana e que o trabalho infantil leva à consequ- ências cruéis, como o envelhecimento precoce. As crianças exploradas no trabalho que foram entre- vistadas são submetidas a vastas horas de trabalho em seu cotidiano, e contam sobre [...] acordar muito cedo e renunciar ou dimi- nuir o tempo destinado às brincadeiras, o tem- po para que o corpo pudesse com plenitude e sem pressão entregar-se as conjecturas lúdicas (SILVA, 2003), delineando-se que brincavam, jogavam, cantavam e liam histórias, apesar de todo sofrimento a que eram expostas, confirmando a análise do pesquisador da cultura lúdica como ponto e movimento de resistên- cia destes corpos infantojuvenis. Contarmos sobre essa infância canavieira, obje- tivando evidenciar as diferentes infâncias e o poten- cial da dimensão lúdica em suas vidas, revela que Nos engenhos, Silva (2003) encontrou como brin- quedo mais comum entre as crianças réplicas de ca- minhões que as crianças conheciam: os que trans- portam cana. Os adultos que contaram mais sobre seus brinquedos e brincadeiras de infância - “[...] fu- guete, flecha e ioiô, improvisados com a palha e nós da cana”. A pesquisa desenvolvida mostrou que, 150 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS [...] apesar de suas insistentes e comoventes re- sistências lúdicas, de que são crianças privadas de suas infâncias, assim como os jovens são cer- ceados de suas juventudes (SILVA, 2003, p. 295). O autor evidencia ainda que a questão da exploração do trabalho infantil está atrelada ao modo de produ- ção capitalista e que sua extinção não seria possível dentro dessa forma de organização social. A resis- tência que as crianças apresentaram no brincar é uma questão de sobrevivência, que desde pequenas são obrigadas a lutar para obter. údo organizado por Tomás e Fernandes (2014) no livro Brincar, brinquedos e brincadeiras: modos de ser criança nos países de língua oficial portuguesa, desvela categorias sobre o brincar que aproximam e também distanciam essas culturas unidas pela lín- gua oficial de seus países e sobre a compreensão da centralidade do brincar na vida das crianças. Vamos elucidar algumas características do brin- car das crianças do Brasil, Cabo Verde, Guiné Bis- sau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, que são países que falam a língua por- tuguesa. Além da língua, o princípio que uniu os pesquisadores da infância que estudaram o brincar dessas crianças foi a convicção de que elas [...] tem formas próprias de interpretar o mun- do, de agir, de pensar e de sentir, nas quais o brincar assume uma centralidade inquestioná- vel, ainda que possa adotar diferentes facetas decorrentes das ‘latitudes’ em que ocorre (TO- MÁS; FERNANDES, 2014, p. 13). Essa obra, estimado(a) aluno(a), está orientada por um princípio que é muito caro para compreender- mos o mundo em sua diversidade, na valorização dessa amplitude de experiências: o princípio da Epistemologia do Sul, desenvolvido pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que pro- põe a superação do modelo hegemônico de visão de mundo que tem o norte do globo terrestre como re- ferência, evidenciando assim que, [...] a experiência social em todo o mundo é muito mais ampla e variada do que o que a tra- dição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante. [...] esta riqueza social está sendo desperdiçada. É deste desperdício que se nutrem as ideias que proclamam que não há alternativa, que a história chegou ao fim e [...] o furto do lúdico atinge as crianças inde- pendente de classes sociais, gênero e cultura. Assim, todo este processo é resultante do fato de que a sociedade burguesa instrumentaliza a cultura, priorizando a sua faceta produtiva e sua manifestação apenas como produto. Dessa maneira, a criança é desvalorizada, pois não é vista como sujeito das relações sociais e produtora de uma cultura infantil, mas como mera consumidora dos produtos da Indústria Cultural. [...] é preciso mais uma vez ressaltar que a morte do lúdico não significa a morte do sujeito, considerando que este, provavel- mente, procurará sempre ressignificar o tempo e o espaço para a vivência da cultura lúdica em qualquer circunstância em que estejam envolvidos. Quanto a isso basta ver as crian- ças brincando em espaços hostis, como por exemplo, nas favelas com esgotos a céu aberto. Fonte: Silva (2003, p. 206–207). SAIBA MAIS Diante da ampla diversidade de vivências do brin- car e de suas múltiplas influências na constituição da cultura, vamos agora, prezado(a) aluno(a), aprender sobre o brincar de algumas crianças de países que falam oficialmente a língua portuguesa. O conte- EDUCAÇÃO FÍSICA 151 outras semelhantes. [...] para combater o des- perdício da experiência para tornar visíveis as iniciativas e os movimentos alternativos e para lhes dar credibilidade, de pouco serve recorrer à ciência social (SANTOS, 2010, p. 94). Essa busca por desvelar e conhecer outras experiên- cias, no caso dessas obras que estamos estudando, coaduna com o princípio de estudarmos outras vi- vências e nuances do brincar e do jogar, como no que debatemos no livro de Silva (2003), tratando do potencial de resistência da cultura lúdica das crian- ças exploradas no trabalho. O livro de Tomás e Fernandes (2014, p. 13), so- bre as crianças que falam a língua portuguesa, bus- ca superar a tendência hegemônica “[...] de olhar as crianças do Sul, a partir de temáticas constantes, como a exclusão e a vulnerabilidade”. Assim, a par- tir do princípio da Epistemologia do Sul, as autoras pretendem ampliar o conhecimento e contribuir para a superação de estereótipos analíticos sobre as crianças e adolescentes dos países periféricos e semi- periféricos, objetivando que todos possam aprender mais sobre o brincar das crianças de alguns países que falam oficialmente a língua portuguesa. O brincar toma centralidade nessa obra, pois a ludicidade é imprescindível na vida das crianças - assim como sua análise -, pois se pretendemos com- preender a cultura infantil, temos que: [...] brincar é uma atividade sociocultural mui- to importante para as crianças e é nuclear para a (re) construção das suas relações sociais e das formas individuais e coletivas que lhes possibi- lita interpretar o mundo (TOMÁS; FERNAN- DES, 2014, p. 15). Vamos, aqui, elucidar as principais considerações construídas pelos pesquisadores que dedicaram-se a refletir sobre o brincar nesses países, nos afastando da pretensão de empregar a complexidade analítica de cada produção que compõe o livro. Buscaremos, assim, pincelar a riqueza lúdica de cada um dos paí- ses que falam oficialmente a língua portuguesa. Sobre o Brasil, Morelli et al. (2014) ressaltam que devido à imensa dimensão geográfica do país e à diversidade de populações que formam uma grande combinação cultural, há uma amplitude da cultura lúdica de nosso país. A forma, o conteúdo, o lugar, e o tempo de brincar de cada cultura dentro do território brasileiro, são por um lado muito próprios e por outro, mostram o híbrido entre o que era antes e o que foi assimilado nas inter-rela- ções étnicas e culturais em geral (MORELLI et al., 2014, p. 27). Assim, os autores não têm a pretensão de represen- tar a realidade brasileira, mas sim evidenciar ex- periências localizadas sobre o brincar das crianças brasileiras. Em um resgate histórico, a partir dos anos 1960, de uma cidade pequena, evidenciam um brincar com muita disponibilidade de espaço, varia- das brincadeiras e pouco acesso a brinquedos e, na maioria das vezes, brinquedos artesanais. Contudo, em um contexto do fim dos anos 1990, com crianças pobres, encontraram uma cultura infantil constru- ída sem acesso a brinquedos, em meio a violências constantes em um bairroextremamente inseguro. Esse recorte, com um viés para o brincar localizado dessa infância brasileira, desvela a necessidade do brincar como direito garantido. Sobre Cabo Verde, Elias e Lima (2014) apon- tam que o maior problema desse arquipélago é a desigualdade social. Dentre as inúmeras consequ- ências desse contexto explicitadas no texto, ressal- 152 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS tamos as diferenças entre as infâncias e culturas lúdicas dentro do país, atreladas às desiguais con- dições socioeconômicas, e os fatores implicados no processo de globalização às quais são submeti- das as crianças cabo-verdianas. A compreensão que se tem nesse contexto é de uma criança [...] situada dentro de uma cultura específica resultante de influências africanas e europeias – heranças coloniais, como também norte-a- mericana e brasileira via produtos de consumo tais como filmes infantis e telenovelas (ELIAS; LIMA, 2014, p. 56). Uma infância que tem sua cultura lúdica constituída nesse contexto de diversidade de influências media- da pelo contexto da desigualdade. As crianças cabo-verdianas que vivem em meio a pobreza têm, na rua, um espaço para o brincar, apesar da violência a que são expostas; por outro lado, as crianças que têm maior poder aquisitivo; brincam ou em espaços privados ou em ambientes públicos e são mais cuidadas pelos pais. Existe no país, para as crianças mais ricas, a possibilidade de pagar para vivenciar experiências lúdicas com uma tendência a mercantilizar essas relações. So- bre a escola das crianças cabo-verdianas, os auto- res afirmam que: Não se encontram preparadas pedagogica- mente de forma a utilizarem as brincadeiras no processo de aprendizagem, uma vez que os professores preocupam-se mais em ensinar o ler e escrever do que promover o lúdico, mes- mo em períodos destinados a tal. O fato do sistema escolar ser demasiado formal, contri- bui para a desvalorização da cultura da infân- cia, o que limita a criatividade infantil (ELIAS; LIMA, 2014, p. 67). Assim, esse olhar sobre o brincar das crianças ca- bo-verdianas teve seu viés analítico baseado nas consequências das desigualdades sociais e efeitos da globalização sobre a cultura lúdica infantil no país. Outro país incluído no livro foi Guiné-Bissau. Sobre o contexto desse país, Otinta (2014) aponta que necessita de muitos avanços nos índices da edu- cação oferecida para as crianças e maior atenção aos níveis de mortalidade infantil do país. Consideran- do que a brincadeira na vida da criança é essencial e constrói suas relações com o mundo, destaca-se, nessa cultura, um ditado: Como se diz no kriol Bissau-guineense: mininu ku sibi brinka i ta sibi tchiu sempre. Isto quer dizer que é a brincar que mininu aprende o que mais ninguém lhe pode ensinar (OTINTA, 2014, p. 81). Nessa análise é destacada a essência do brincar na in- fância elencada na ludicidade, criatividade, ensino e aprendizagem. No brincar da infância do país, Otin- ta (2014) afirma que a mininesa tem diversos meca- nismos para perpetuar o brincar e ampliar sua cultu- ra lúdica, buscando sempre renová-lo e reinventá-lo. Sobre o brincar no Moçambique, Colonna e Antó- nio (2014) afirmam que este acontece muito frequen- temente no espaço público, na rua, muito em função das altas temperaturas. Com os olhares voltados para o espaço periférico da cidade de Maputo, constatam que as brincadeiras são entre as crianças e, em geral, sem brinquedos. Afirmam que a constante atenção dada à divulgação dos problemas sociais do país, que são sem dúvida urgentes, muitas vezes encobrem a possibilida- de fundamental de olhar outros elementos da cultura, como, por exemplo, a brincadeira, destacada no texto. Além do brincar, os pesquisadores também ob- servaram, no cotidiano das crianças, o tempo divi- EDUCAÇÃO FÍSICA 153 dido entre a escola e os trabalhos domésticos e, as- sim, brincam no entremeio e durante essas tarefas. Relatam também que nessa realidade não existem construções próprias, como praças para o brincar e jogar infantojuvenil; então, apropriam-se dos espa- ços disponíveis. As crianças apresentam em seu dia a dia desde pequeninas um alto grau [...] de autonomia e liberdade, o que faz com que os seus momentos lúdicos se desenvolvam prin- cipalmente fora da supervisão e do controle dos adultos. Esta ausência dos adultos é contrabalan- ceada por uma presença significativa de outras crianças, sendo que as meninas e meninos das periferias de Maputo brincam quase sempre em grupos, que podem ser mais ou menos numero- sos (COLONNA; ANTÓNIO, 2014, p. 103). Nesse ambiente, apesar de prevalecerem as brincadei- ras, jogos e brinquedos tradicionais, as crianças e ado- lescentes mostraram-se abertas e dispostas a inovações no desenvolvimento de suas brincadeiras, englobando elementos que têm acesso, por exemplo, na televisão. A respeito do brincar em Portugal, Silva (2014) analisa esse brincar no tempo, destacando a mu- dança da rotina das crianças portuguesas e a di- minuição do tempo livre dessa população durante décadas. Para a realização dessa análise, o autor de- dica-se a estudar quatro gerações de dez famílias a respeito de seu brincar. O cenário português revela a transformação da vida das crianças, onde parte de um cotidiano [...] muito igual (escola uma parte do dia e o para ser vivido informalmente, entremeado pela catequese e ou os escuteiros ao fim de se- mana e o tempo de aprovisionamento pessoal), as duas décadas que findam e iniciam a recen- te passagem de milênio conhecem a paulatina cassação do tempo verdadeiramente livre das crianças à mercê de uma saga institucionaliza- da [...] ditada por condicionamentos de ordem familiar, pela gestão de expectativas escolares e consequente alargamento da oferta de serviços públicos potenciados, uns, e empurrados, ou- tros, por e para essa nova realidade emergente (SILVA, 2014, p. 108). Assim, sobre a cultura lúdica infantil portuguesa no desenvolvimento do tempo, revelou um período em que as crianças já tiveram mais autonomia em seu cotidiano e no seu brincar, tendo mais comando do seu tempo e do espaço para isso. Na atualidade, re- velam uma intensa vigilância e institucionalização do brincar em sua dimensão temporal e espacial, e uma paulatina ausência das manifestações de brin- cadeiras e brinquedos tradicionais (SILVA, 2014). Em São Tomé e Príncipe, a pesquisa foi ampla, com crianças das comunidades urbanas, periféricas e rurais, contemplando cerca de 800 crianças das duas ilhas. O cenário de pobreza atinge especial- mente as crianças e adolescentes, pois eles represen- tam mais da metade da população do país. As brincadeiras das crianças santonenses foram caracterizadas por ocorrer antes e depois do tem- po escolar e, frequentemente, nos deslocamentos e também durante o tempo escolar. Crianças também brincam entre e durante as tarefas domésticas, como deveres pessoais do cotidiano, por exemplo: [...] as meninas fazem bobô mina (ato de levar o bebê nas costas com o auxílio de um pano, mui- to usual nos países africanos) com as bonecas quando vão lavar roupa (BARRA, 2014, p. 139). Sobre os espaços, as crianças brincam na escola e também nos espaços públicos. Apresentam brinca- deiras vigorosas fisicamente e gostam muito de jogar, especialmente bola, e de brincadeiras de faz de con- 154 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS ta. Os brinquedos estão presentes, mas não de forma central ou contundente para o brincar, sendo alguns industrializados - os mais comuns, como bicicletas, bolas, bonecas - ou construídos pelas crianças. No Timor Leste, Oliveira et al. (2014) desvelam a cultura lúdica timorense a partir do estudo das me- mórias das brincadeiras no ambiente escolar. O Ti- mor-Leste é um país que se tornou independente em 1999 e que tem a população jovem em sua maioria, um alto grau de analfabetismo adulto e uma carac- terística multilinguística, a última por influenciar no processo educacional,pois os professores precisam dominar diversas línguas. Acerca do brincar, devido ao pouco acesso aos brinquedos industrializados, predominam os brinque- dos produzidos e criados pelas crianças timorenses. Destaca-se, também, a transmissão de diversas brinca- deiras entre as crianças e adultos preservadas pela tra- dição oral do local. Os autores ainda apresentam um repertório de brincadeiras características, do país pre- servado pela cultura local em meio ao intenso contato que tiveram com diversas outras culturas, que também influenciaram a composição da cultura lúdica. Todo esse contexto apresentado no livro organi- zado por Tomás e Fernandes (2014) traz à tona o valor da brincadeira, jogos e brinquedos na cultu- ra infantil e na constituição da identidade de tantos países. A cultura lúdica permeada pela diversidade de características fica explícita nessa obra, como um direito infantojuvenil fundamental. Vamos, agora, nos aventurar por outro olhar so- bre a infância e a cultura lúdica e a vida nas fronteiras entre países, que é o foco do livro Crianças em Fron- teiras: histórias, culturas e direitos, organizado por Ve- rônica Regina Müller (2017). Vamos tratar do Chile 1 “[...] la creatividad e imaginación resultan ser los principales recursos para las actividades de recreación aprovechando todo lo que les ofrece la natureza y los recursos de desecho introducidos” (TORRES; LARA, 2017, p. 34). na fronteira da Cordilheira dos Andes, na região do Maule, e do Brasil e Paraguai na região fronteiriça en- tre as cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. A obra busca caracterizar a infância distancian- do-se da lógica de que são, em geral, [...] mostradas características estáticas, inteiras, inflexíveis, localiza- das em um e somente um lugar físico ou subjetivo” (MÜLLER, 2017, p. 17). Partindo dessa possibilida- de de expandir o olhar sobre a infância, a obra busca elucidar “[...] diferentes latitudes e longitudes para a ampliação da navegação nas infâncias do mundo” (MÜLLER, 2017, p. 17). Sobre a região de fronteira do Chile, Torres e Lara (2017) trazem relatos sobre a infância em esco- las de fronteira na Cordilheira dos Andes, na região do Maule, consideradas escolas rurais. A cultura lú- dica nesse contexto escolar evidencia que ela é muito influenciada pelas condições naturais do ambiente, cercado pelo perigo iminente da erupção do vulcão e por períodos intensos de neve, neblina e fortíssi- mos ventos; assim, o brincar adapta-se e acomoda- -se nessa intensa realidade natural. O brincar e jogar nesse contexto foram retra- tados com ausência de materiais desportivos e as crianças brincam com os elementos da natureza dis- poníveis, por exemplo: pedaços de madeira e mate- riais recicláveis, interagindo fortemente com a natu- reza local. Em seu tempo livre costumam observar a natureza, pássaros e correm e brincam entre eles. Nessa realidade, [...] a criatividade e imaginação resultam ser os principais recursos para as atividades de re- creação, aproveitando tudo que lhes oferece a natureza e os recursos de resíduos (TORRES; LARA, 2017, p. 34, tradução minha)1. EDUCAÇÃO FÍSICA 155 As crianças acabam tendo uma proximidade com a natureza e uma relação positiva e harmoniosa com esse contexto educativo. No livro também é relatado sobre o brincar das crianças moradoras na fronteira entre Brasil, na ci- dade de Ponta Porã, e Paraguai, na cidade de Pedro Juan Caballero. Os autores nos contam sobre esse aspecto cultural, especialmente a partir das especi- ficidades de uma região fronteiriça e a da inserção das crianças paraguaias nas escolas brasileiras e seu brincar (NUNES et al., 2017). Os autores partem do entendimento de que as fronteiras podem ser compreendidas como esta- belecimento de limites entre culturas, e estas não são contínuas e lineares. Assim, as fronteiras têm a possibilidade de [...] proporcionar elos de integração, de forma concomitante podem circunscrever ou produ- zir segregação na distribuição de populações ou de atividades dentro das sociedades (NUNES et al., 2017, p. 111). No contexto escolar, é possível observar essas carac- terísticas das fronteiras não só quando as crianças brincam e cantam em guarani, mas também relatam brincadeiras paraguaias, realizadas na língua portu- guesa, por exemplo, Voté, em português é pé na lata e Kañy, esconde-esconde. As brincadeiras no recreio foram identificadas, nessa escola de fronteira, com predominância das brincadeiras e jogos da cultura brasileira. Apesar de frequentarem essa escola um número maior de crianças paraguaias, é a cultura brasileira que predomina no espaço. 156 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS As crianças paraguaias saem de seu território para estudar em escolas brasileiras, buscando mais qua- lidade no ensino, e foi constatado que a maioria das(os) professoras(es) não fala guarani. Os pesqui- sadores não acharam que encontrariam um cenário em que as crianças paraguaias [...] brincavam tão somente com brincadeiras brasileiras. Compreendemos dessa maneira, que elas fi cam destituídas de liberdade de ex- pressão enquanto cidadãs de um espaço trans- fronteiriço (NUNES et al., 2017, p. 118). Afi nal, a brincadeira como expressão da cultura desvela as relações estabelecidas no cotidiano das crianças paraguaias que estudam no Brasil e precisa ser valorizada e vivenciada nesse espaço em que elas estão inseridas. Neste item, caro(a) aluno(a), buscamos ampliar nosso olhar sobre o brincar infantil em diferentes vertentes, transitamos do viés analítico do trabalho infantil, das particularidades e essencialidades das crianças que falam a mesma língua em territórios tão diversos, e das crianças que vivem em fronteiras. Buscamos elucidar, até aqui, quantas possibilidades de intervenção educativa e diversidades de princí- pios teórico-metodológicos se abrem no trabalho com jogos, brinquedos e brincadeiras com a infância em tantos contextos e vivências. EDUCAÇÃO FÍSICA 157 158 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Intervenções com Jogos, Brinquedos e Brincadeiras CENÁRIO DE DIVERSAS POSSIBILIDADES E SISTEMATIZAÇÕES Vamos, aqui, ilustrar experiências de ações educati- vas com a linguagem dos jogos, brinquedos e brin- cadeiras com diferentes grupos sociais, objetivos e temas. Essas possibilidades são apenas indicações de que podemos, junto com nossos(as) alunos(as), criar e recriar para vivenciarmos a cultura lúdica de múltiplas formas. Ilustramos experiências de uma corrida orienta- da em uma instituição de contraturno escolar com adolescentes; uma caça ao tesouro pelo espaço de um bairro com crianças e adolescentes; criação de brinquedos com adultos na universidade para ação educativa com crianças e uma caça aos pássaros com crianças pequenas em uma escola. Todas essas ações educativas têm como funda- mento para a sua realização o entendimento de que somos pessoas em constante processo de aprendiza- gem e que a ludicidade, apesar de, em nossa cultura, ser vivenciada mais na infância, pode e precisa ser potencializada nas diversas gerações. Outra questão EDUCAÇÃO FÍSICA 159 importante é que as regras são mutáveis e devem ser assim, se pretendemos que a atividade seja vivencia- da a partir do viés da participação social. Assim, vamos ilustrar algumas práticas que não são fechadas em si, metodologicamente, mas que es- peramos que gerem aprendizagens e novas vivências de jogos, brinquedos e brincadeiras. • Corrida de Orientação: Nessa ação educativa objetivamos desenvolver, com os adolescentes de uma instituição de contraturno escolar, uma corrida orientada, com diversos desa- fios e jogos cooperativos, visando realizar atividades de integração e coletivas. Durante as semanas que antecederam a corrida de orientação, os adolescen- tes decidiram o nome de suas equipes, gritos para a torcida e comemoração das provas, customizaram camisetas que seriam utilizadas no dia do evento e aprenderam sobrea dinâmica da atividade em si. Na corrida de orientação, os alunos cumprem uma determinada trilha, passando por pontos de controle indicados em um mapa montado previa- mente. O percurso de uma atividade de orienta- ção indica os pontos do terreno em que os(as) alu- nos(as) devem passar e a equipe decide os caminhos para chegar até os pontos marcados no mapa dis- ponível para a equipe. Em nossa experiência, os(as) educadores(as) foram previamente conhecer o local da atividade e escolheram os pontos que os grupos passariam e cumpririam as brincadeiras no desen- volvimento da corrida, fizeram o mapa do local e marcaram os cinco pontos escolhidos. Nesses pontos, os educadores, visando o objeti- vo geral da atividade, de ser uma vivência coletiva e integradora, escolheram desafios e jogos que en- volvessem os grupos de adolescentes. Cumprir essas provas e atividades serviu para que se comprovasse que passaram pelos pontos indicados no mapa. Na experiência educativa contada aqui, as atividades desenvolvidas foram: a. Ponto 1: fazer uma pirâmide humana com todo o grupo; b. Ponto 2: realizar a atividade “nó humano”, que consiste em um círculo no qual todos devem dar as mãos entre si aleatoriamente, não podendo dar as mãos só para seu colega direto da esquerda ou da direita (única regra inicial). A partir daí tem-se um nó humano e o grupo deve voltar a ser um círculo linear sem soltar as mãos; c. Ponto 3: em um emaranhado de letras e ob- jetos grandes recortados, os participantes de- vem encontrar as letras e montar o nome da equipe no chão o mais rápido possível com todos os integrantes de mãos dadas; d. Ponto 4: realizar a atividade “navegar”: com os participantes um ao lado do outro e em cima de cadeiras ou bancos, o educador deve desa- fiar o grupo a atravessar o “mar” para chegar a uma “ilha” (lado oposto ao local onde os ado- lescentes estavam dispostos) que tem muitas coisas boas. Eles devem cumprir essa tarefa todos juntos e, principalmente, sem descer das cadeiras. Algumas dificuldades foram co- locadas como um participante vendado e dois integrantes em completo silêncio; e. Ponto 5: o grupo todo deve atravessar um “gaveteiro”, feito de barbante entre duas árvo- res, com diversos tamanhos de passagem. O grupo deve montar estratégias para que to- dos atravessem os buracos sem que diferentes participantes passem duas vezes pela mesma abertura. Assim, a equipe que passar por cada ponto da ativi- dade e cumpri-las, todos integrantes receberão uma marcação no braço, como, por exemplo, uma cor de tinta (apropriada para pintura na pele) para cada 160 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Há várias formas de realizar a atividade de caça ao tesouro, por exemplo: a cada pista encontrada, o grupo receber um pedaço de uma história ou de uma figura; realizar uma atividade ou perguntas que devem ser respondidas. Na vivência relatada aqui, dividimos os grupos previamente e cada grupo escolheu um direito para sua equipe representar, como, por exemplo, saúde, educação, lazer e moradia. Com as equipes dividi- das e identificadas por fitas coloridas amarradas no pulso e um educador responsável por cada equipe (esse acompanhamento foi feito devido ao fato de que andamos pelo bairro e atravessamos algumas ruas), estas deveriam realizar o caça ao tesouro e, ao fim, montar um quebra-cabeça. Desta forma, antecipadamente, foram escondi- das as pistas da caça ao tesouro, que levavam à leitu- ra de um direito, por exemplo, à pista sobre o direito à educação, que estava escondida nas imediações da escola do bairro. Quando a equipe localizava a pista na escola, ela tinha como conteúdo o direito à saúde, que levava à unidade básica de saúde do bairro, e as- sim sucessivamente. Ao final, com todas as pistas em mãos, a equipe deveria montar um quebra-cabeça com o nome do Estatuto da Criança e do Adoles- cente e com um desenho representativo dos direitos infantojuvenis. Esse quebra-cabeça foi montado pelas equipes em um encontro anterior do projeto, em que elas desenharam a respeito dos direitos do estatuto em uma cartolina que, posteriormente, foi plastificada e recortada pelos(as) educadores(as), visando a mon- tar o quebra-cabeça. A equipe vencedora deveria cumprir as etapas da caça ao tesouro em menor tempo e montar o quebra- -cabeça e, assim, receber o baú com o tesouro, que eram bombons para todos os integrantes da atividade. ponto. Assim, ao final, cada equipe poderá compro- var que cumpriu todas as provas, passou por todos os pontos e que todos os integrantes participaram. Caro(a) aluno(a), no desenvolvimento dessa ati- vidade, ressaltamos algumas questões a serem obser- vadas pelos(as) educadores(as): estes devem conhe- cer bem o local em que será desenvolvida a corrida antes do evento e reproduzir o mapa com exatidão; cada equipe, na largada, deve ser direcionada a um ponto diferente do mapa; o número de participantes deve ser checado durante a prova, para que a equipe permaneça unida até o final; cada equipe deve ter um mapa com trajetos diferentes e que passem pelos mesmos pontos. A prova é vencida pela equipe que cumprir todo o percurso, seguindo as regras esta- belecidas e em menor tempo. Sugerimos que, de al- guma forma, a premiação seja desfrutada de forma coletiva, no nosso caso, realizamos um grande pi- quenique com todos os participantes, batemos pal- mas e entregamos um livro para cada integrante da equipe vencedora. Essa atividade pode ser realizada de inúmeras for- mas, com a entrega de um cartão-ponto para a equi- pe marcar em cada ponto do mapa ou, ainda, se tiver disponível, bússolas para orientação das equipes. • Caça ao tesouro: Essa experiência ocorreu em um projeto de exten- são universitária que tem o brincar como principal conteúdo e que desenvolve suas atividades em uma praça pública. Nesse projeto, participam crianças e adolescentes. A temática desenvolvida pelos educa- dores na ocasião foi sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim, esta foi também a temática do caça ao tesouro que ocorreu no bairro em que as atividades do projeto ocorrem, no qual as crianças e adolescentes moram. EDUCAÇÃO FÍSICA 161 • Criação/recriação de brinquedos: Essa experiência foi realizada com adultos, em uma universidade, no curso de formação de professores de Educação Física. A proposta era que, a partir de suas experiências com os(as) alunos(as) no estágio obrigatório do curso, em qualquer âmbito (educa- ção infantil, ensino fundamental I ou II, ensino mé- dio ou, ainda, em projetos sociais), recriassem ou criassem um brinquedo com uma temática relevante para esses grupos sociais. Esse processo de criação e recriação implica, anteriormente, aprendizagens sobre o brinquedo e o trabalho educativo com ele, que foram desenvol- vidos em sala de aula. Os(as) alunos(as) trouxeram de suas vivências no estágio temáticas que surgiram nesse espaço, como a mídia, o consumismo, a com- petição e a alimentação balanceada. A partir das leituras realizadas sobre brinquedos, das suas expe- riências e vivências com eles, estudando essas temá- ticas, criaram diversos brinquedos. o nome da marca ou programa de TV, a boneca ga- nhava um acessório estranho, que não pertence a uma boneca comum, por exemplo, encaixar um pa- rafuso na sua barriga, colocar um olho de mola ou um pé de pato, ao ponto que as bonecas ficavam ir- reconhecíveis, estranhas e não pareciam mais huma- nas. Estabeleceram debates com as crianças a partir da interação com o brinquedo, ressaltando como essa relação desmedida e exagerada com o consumo e a mídia pode levar a uma vida distanciada de nos- sa própria humanidade e como esse estímulo molda nossos gostos e desejos. Outro exemplo de brinquedo recriado foi um tabuleiro grande de madeira com um labirinto e um buraco no meio, com o objetivo de que a bola corresse o labirinto e caísse no buraco. Para isso, as crianças deveriam realizar a tarefa juntas, segurando nas alçaslaterais para movimentar o tabuleiro, em harmonia e dialogando, a fim de atingir o objetivo de acertar o buraco no centro do tabuleiro. Nessa experiência com o brinquedo, foram realizados diá- logos com os alunos sobre o valor da interação entre as pessoas e respeito ao tempo e ideias dos outros. Um jogo recriado nessa oportunidade foi realiza- do a partir do Twister (jogo em que os participantes obedecem ao que a roleta indica e, em um tabuleiro grande no chão com círculos coloridos, devem posi- cionar mãos e pés em cada círculo cada vez que for solicitado, até que fique impossível se posicionar e o jogo recomece, como mostra a figura a seguir), com questões que as crianças deveriam responder sobre alimentação balanceada e saudável; as crianças posi- cionavam-se no tapete até que não conseguiam mais se mover e o jogo recomeçava. Nessa intervenção, foi possível compreender o entendimento das crian- ças sobre a alimentação saudável e também ensinar algumas noções sobre essa temática. Entre os brinquedos e jogos criados, podemos citar duas bonecas, que a cada imagem de propaganda (que estavam em fichas) que as crianças acertavam 162 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS O trabalho com a criação e recriação dos brin- quedos, nesse caso, foi produzido por adultos para as crianças, a partir de demandas identificadas em uma ação educativa; entretanto, esta pode ser rea- lizada com a crianças e adolescentes em diferentes ambientes educativos. • Caça aos pássaros: Essa experiência é uma forma de realizar uma caça ao tesouro e ocorreu em uma escola de educação in- fantil bem ampla. Para a sua concretização, são ne- cessários apenas apitos, um para cada “pássaro” (edu- cador(a)), senhas ou códigos para cada equipe, para que comprovem que encontraram todos os pássaros. Divididas em equipes, as crianças devem lo- calizar os pássaros escondidos (na nossa vivência, alguns se esconderam em cima das árvores) ape- nas pelo ruído que o apito fazia. Esses “pássaros” (educadores) tinham senhas ou códigos (no nos- so caso, trechos de um poema sobre brincadeiras e infância) que eram entregues a cada equipe que descobria o esconderijo do pássaro. Venceu a caça aos pássaros a equipe que com- pletou primeiro o poema, ou seja, que encontrou os pássaros escondidos pela escola primeiro. Para com- pletar a brincadeira, é interessante discutir com as crianças sobre a união do grupo durante a atividade, a concentração e o silêncio, afinal, a única pista que se tem são os sons emitidos pelos apitos dos pássaros. Figura 1 - Crianças jogando Twister Durante o brincar a criança formula hipóteses para que possa compreender os problemas que lhe são propostos pelas pessoas e pela realidade com a qual interage. Num espaço à margem da vida comum, obedecendo a re- gras criadas pelos sujeitos brincantes diante das situações inesperadas que surgem, as crianças brincam com o sentido da realidade mudando-o, transformando-o. Fonte: Silva (2004, p. 29). SAIBA MAIS A simplicidade das regras desta atividade nos mostra que é possível desenvolver atividades diferenciadas com a ludicidade, superando a organização tradicional do conteúdo. REFLITA Esses exemplos de atividades são apenas possibili- dades de ações educativas e que permitem muitos desdobramentos. Essas novas vivências e recriações relacionam-se aos objetivos da intervenção, ao pú- blico com que se trabalha, local, aos materiais dis- poníveis e à cultura do grupo com que se trabalha. Assim, essas experiências são um convite à imagi- nação e recriação para você, futuro(a) professor(a)/ profissional. 163 conclusão geral C aro(a) aluno(a), nesta unidade, tratamos de diferentes infâncias, diver- sas culturas lúdicas e distintas experiências educativas com os jogos, brincadeiras e brinquedos. Destacamos aqui o potencial de resistência do lúdico; da ocorrência deste em diferentes culturas; da superação da concepção de um ideal de infância e de cultura lúdica; e a possibilidade de recriar ações sistematizadas com jogos, brinquedos e brincadeiras, buscando ampliar o repertório de atividades educativas. Essas proposições partem da concepção de que os jogos, brinquedos e brin- cadeiras precisam ser analisados e trabalhados partindo de sua constituição his- tórica e social. Reiteramos que não existe uma forma homogênea de vivenciar a cultura lúdica - esta afirmação visa a suplantar a visão linear de existir uma maneira correta de brincar -, e que esta deve ser perseguida e implementada na educação, como se este fosse o grande objetivo da educação com os jogos, brin- quedos e brincadeiras. Desta forma, não existe uma cultura infantojuvenil e um brincar global e úni- co, como buscamos explicitar no texto com as múltiplas vivências e experiências relacionadas ao brincar. Desse modo, por que teríamos uma única maneira de trabalhar nos espaços educativos utilizando essa linguagem? Tomás e Fernandes (2014, p. 16) afirmam que é urgente “[...] o fato de estas ideias terem necessaria- mente de ser analisadas criticamente e ser contextualizadas a partir das especifi- cidades culturais nas quais a infância acontece”. O que temos, na realidade, são princípios que orientam a prática educativa e que precisam ser introjetadas pelos(as) educadores(as), como o respeito à cultura do grupo em que se trabalha e o profundo sentido de ser um(a) educador(a) e pesquisador(a). As experiências e análises sobre cultura lúdica relatadas são fru- tos de um intenso processo de pesquisa e estudo no que se refere ao papel dos(as) adultos(as) nessa relação educativa com o brincar. Assim, elas nos preenchem de ideias para novas possibilidades de atuação. 164 atividades de estudo 1. Durante a Unidade V, aprendemos muito sobre os diferentes grupos so- ciais a partir da convivência com seu brincar. Assim, essa aprendizagem nos instrumentaliza como professores(as)/profissionais para atuar com essa linguagem, ela torna-se um fundamento do qual devemos nos aproximar para desenvolvermos nossa ação educativa. A partir dessa proposta de estudo, como podemos entender os jogos, brinquedos e brincadeiras? 2. O livro Trama doce-amarga: (exploração do) trabalho infantil e cultura lúdica, de Silva (2003), nos ensina sobre os meandros do cruel cotidiano de crian- ças trabalhadoras nos canaviais de Pernambuco no Brasil e, especialmen- te, da constituição de sua cultura lúdica como espaço de resistência. Essa realidade de exploração do trabalho pode ser entendida como um tempo furtado, de chances e sonhos arruinados. Segundo o autor, o que a ex- ploração do trabalho causou nas crianças? 3. No livro de Silva (2003), o autor traz algumas considerações sobre a ludi- cidade quando os momentos de brincadeira entre estas crianças e ado- lescentes que são exploradas no trabalho não podem ser vistos como di- versão, entretenimento ou possibilidade de afastar o sentimento de tédio. Como o lúdico é entendido nesse contexto, segundo o autor? 4. O livro de Tomás e Fernandes (2014, P. 13) aborda as crianças que falam a língua portuguesa, buscando superar a tendência hegemônica “[...] de olhar as crianças do Sul, a partir de temáticas constantes, como a exclu- são e a vulnerabilidade”. No que se refere à análise feita sobre o Brasil, quais foram as principais evidências encontradas no resgate histórico realizado? 5. Durante esta unidade, aprendemos algumas experiências de ações educa- tivas com os jogos, brinquedos e brincadeiras com diferentes grupos so- ciais, objetivos e temas. Visite uma rua do seu bairro que tenha crianças brincando e faça uma reflexão sobre os jogos, brinquedos e brincadeiras que essas crianças possuem. Elas brincam na rua? Quais são os ma- teriais dos brinquedos que elas utilizam? Como é composto o grupo brincante? O lúdico está presente? De que forma? Tente relacionar com os conteúdos vivenciados nesta disciplina. 165 LEITURA COMPLEMENTAR Jogos na guerra2 Uma imagem de guerra, extraída num campo de refu- giados albanesesno Kosovo, mostra duas crianças brin- cando com uma boneca Barbie, perante o olhar entre o apreensivo, o desolado e o fatalisticamente resignado dos adultos que com elas partilham as tendas de campa- nha dispostas para os albergar. Não é apenas a boneca Barbie que aparece neste con- texto de incerteza e de dor insolitamente exposta, na sua arrogância loira oxigenada perante o infortúnio colecti- vo. Símbolo maior da indústria cultural fornecedora do mercado infantil de jogos e brinquedos, a boneca Barbie é talvez menos inesperada no processo de globalização dos dispositivos de jogo e nos produtos de consumo lú- dico das crianças do que o próprio acto de brincar das crianças, no momento em que tudo falta: a casa, a esco- la, um país para viver, talvez até uma família, a confi ança num futuro vivível, a certeza – mesmo se precária - da sobrevivência. No entanto, o que relatos e estudos das crianças da guerra nos contam é essa forma de conseguir criar um mundo outro, nas condições da mais dura adversidade, através do jogo e da fi cção de uma existência onde até o horror aparece transmudado em projecção imaginária de uma realidade alternativa. Pedro Rosa Mendes conta no livro “a Baía dos Tigres” que viu uma criança entre as ruínas da cidade do Bié, em Angola, jogando futebol, in- diferente à desolação à sua volta. O esférico com que se entretinha - imaginando-se o Eusébio ou o Pelé da épo- ca, como qualquer criança de qualquer outra parte do mundo - era, à falta de melhor, os restos de uma caveira 2 Texto reproduzido nas normas da língua portuguesa de Portugal. humana: “Não é por maldade. O crânio estava disponí- vel, perto e seco. Tu e eu conhecemos as balizas da hu- manidade: crânios enterram-se, bolas são redondas. [À criança] ninguém deu oportunidade para tanto.” (Men- des, 1999:386). O jogo da criança do Bié tem o mesmo signifi cado do de qualquer outra criança que, em paz, brinca à guerra e até já aprendeu, a golpes de joystick, o que é um míssil Patriot ou um B-52 carregado de bombas de implosão... Entre as crianças que brincam com uma Barbie, ou que chutam um crânio humano, ou que empunham uma Kalashnikov de plástico, ou que jogam ao berlinde, ou lançam o peão, ou brincam às casinhas, ou se divertem na consola ou no écran do computador há todo um mun- do de diferenças: de condição de social, de contexto, de valores, de referências simbólicas, de expectativas e pos- sibilidades. Mas há também um elemento comum: a ex- periência das situações mais extremas através do jogo e da construção imaginária de contextos de vida. O imaginário infantil constitui uma das mais estudadas características das formas específi cas de relação das crianças com o mundo. A investigação tem sido domina- da pelas correntes teóricas da Psicologia. As perspectivas predominantes são as psicanalíticas e as construtivistas. Para Freud, o imaginário infantil corresponde à expres- são do princípio do desejo sobre o princípio da realidade, sendo o jogo simbólico uma expressão do inconsciente, para além da formação da censura. Para Piaget, o jogo simbólico é a expressão do pensamento autístico das crianças, progressivamente eliminado pelo processo de desenvolvimento e construção do pensamento racio- 166 LEITURA COMPLEMENTAR nal. Apesar das diferenças essenciais entre as diversas orientações, sedimentadas na história da disciplina, as perspectivas psicológicas do imaginário infantil possuem um elemento comum, que é aliás inerente à própria concepção moderna da infância: o imaginário infantil é concebido como a expressão de um défi cit - as crianças imaginam o mundo porque carecem de um pensamento objetivo ou porque estão imperfeitamente formados os seus laços racionais com a realidade. Esta ideia do défi cit é inerente à negatividade na defi nição da criança, que constitui um pressuposto epistêmico na construção so- cial da infância pela modernidade: criança é o que não fala (infans), o que não tem luz (o a-luno), o que não trabalha, o que não tem direitos políticos, o que não é imputável, o que não tem responsabilidade parental ou judicial, o que carece de razão, etc. Sublinhamos que a negatividade defi nitória da infância assenta numa base ideológica que é resultante do pro- cesso de refl exividade moderna, e tem suporte no dis- curso científi co e pericial. A Psicologia tem sido a disciplina hegemônica na inter- pretação das formas de racionalidade e comportamento das crianças. Recentemente, a revisão das bases episte- mológicas da disciplina tem vindo, porém, a contrariar as concepções do défi cit que atrás assinalamos. Por exem- plo, uma revisão recente dos conceitos psicanalíticos e construtivistas sobre o jogo simbólico, postula que, ao contrário da ideia de uma diferença radical entre o jogo da criança e o jogo do adulto, por imaturidade infantil, o que existe é um princípio de transposição imaginária do real, que é comum a todas as gerações e se exprime, por exemplo, na experiência emocional das narrativas literá- rias ou cinematográfi cas tanto quanto nas brincadeiras das crianças, constituindo assim uma “capacidade estri- tamente humana” (Harris, 2002), mas que é radicalizada pelas crianças. É, portanto, da ordem da diferença e não do défi cit que falamos, quando falamos do imaginário in- fantil, por relação com o dos adultos. Mas é numa vertente sociológica e antropológica que essa diferença pode fazer mais sentido. O imaginário in- fantil é inerente ao processo de formação e desenvolvi- mento da personalidade e racionalidade de cada criança concreta, mas isso acontece no contexto social e cultural que fornece as condições e as possibilidades desse pro- cesso. As condições sociais e culturais são heterogéneas, mas incidem perante uma condição infantil comum: a de uma geração desprovida de condições autônomas de so- brevivência e de crescimento e que está sob o controlo da geração adulta. A condição comum da infância tem a sua dimensão simbólica nas culturas da infância. Fonte: Sarmento (2003). EDUCAÇÃO FÍSICA 167 Crianças na América Latina: Histórias, culturas e direitos. Verônica Regina Muller Editora: CRV Sinopse: [...] Este livro é sobre sobrevivência. [...] Trabalhos como os apresenta- dos nesse livro são capazes de registrar com método científi co a força serena e despretensiosa que as crianças trazem consigo. No caso particular da América Latina, a esperança guardada no coração de uma criança ganha simbolismo ainda maior. Os países do nosso querido continente guardam em cumplicidade uma dor histórica que os une por cima das rixas regionais. Todos nós sabemos o que é ter cultura e terras ricas, mas manter a maior parte do povo vivendo na miséria. Todos nós sabemos o que a busca pelo poder pode fazer com nossas gentes. To- dos nós temos sangue nativo derramado em abundância em nosso solo sagrado. [...] As formas de colonização se modernizam e o conhecimento transforma-se em uma das mais importantes armas para enfrentar as sangrentas batalhas que continuam a acontecer na política, na economia, nas ruas, nas escolas. Contudo, agora, a América Latina está pronta para travar um combate à altura do seu povo. Professores, educadores, mestres e doutores têm dedicado suas vidas a lutar por justiça social. Alguns setores da academia invadem a luta política para demonstrar que a busca franca e rigorosa pela verdade é capaz de moldar realidades e contra- balançar a luta pelo poder. Indicação para Ler [...] Este livro é sobre sobrevivência. [...] Trabalhos como os apresenta- dos nesse livro são capazes de registrar com método científi co a força serena e despretensiosa que as crianças trazem consigo. No caso particular da América Latina, a esperança guardada no coração de uma criança ganha simbolismo ainda 168 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS Tarja Branca - A Revolução que faltava Ano: 2014 Sinopse:a partir dos depoimentos de adultos de gerações, origens e profi ssões diferentes, o documentário discorre sobre a pluralidade do ato de brincar e como o homem pode se relacionar com a criança que mora dentro dele. Por meio de refl exões, o fi lme mostra as diferentes formas de como a brincadeira, ação tão primordial à natureza humana, pode estar interligada com o comporta- mento do homem contemporâneo e seu “espírito lúdico”. Indicação para Assistir Site direcionado a um projeto de difusão, pesquisa e contato com a cultura lúdica em diversos locais, nele estão disponíveis materiais, vídeos e brincadeiras interessantes para a formação do(a) professor(a) /profi ssional. Disponível em: <http://territoriodobrincar.com.br/o-projeto/>. Acesso em: 28 jun. 2017. Indicação para Acessar 169 referências BARRA, M. Brincar na latitude zero. In: TOMÁS, C.; FERNANDES, N. Brincar, brinquedos e brincadei- ras: modos de ser criança nos países de língua oficial portuguesa. Maringá: Eduem, 2014. p. 131-154. COLONNA, E.; ANTÓNIO, R. A Hilwe, Yo Thlan- ga: o brincar das crianças nas periferias de Ma- puto. In: TOMÁS, C.; FERNANDES, N. 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WAJSKOP, G. Brinquedoteca: espaço permanente de formação de educadores. In: FRIEDMANN, A. O direito de brincar: a brinquedoteca. São Paulo: Scritta, 1992. 170 gabarito 1. Os jogos, brinquedos e brincadeiras são produções culturais, frutos de vários deter- minantes, como os fatores sociais, culturais, geográficos, econômicos e históricos. O brincar e o jogar não se encerram em uma experiência fechada e determinada, são múltiplos, mutáveis e sua riqueza está nessa diversidade de expressões. 2. Silva (2003) aponta que todas as formas de exploração do trabalho infantil podem prejudicar a vivência da cultura lúdica e também o direito à escolarização da criança e do adolescente resultando em problemas de constituição identitária. Assim, explo- ração do trabalho infantil, além do furto do lúdico da vida dessas crianças e adoles- centes promove um degradante processo de roubo do tempo de “[...] usufruto da cultura lúdica, a escolarização e a sociabilidade, como possibilidade de fortalecimen- to das relações sociais lúdicas infantis” (Silva, 2003, p. 209). Portanto, a exploração do trabalho infantil promove diversos procedimentos de alienação na vida das crianças que trabalham na produção da cana. 3. É entendido como uma postura de resistência em meio a um ambiente de tanto so- frimento e injustiça. Em toda esta cultura lúdica constituída no contexto investigado pelo autor, configuram-se diferentes possibilidades para essas manifestações cultu- rais do brincar e jogar, que buscam a ruptura e até posição de resistência diante dos ditames da desigualdade social inerentes àquela realidade investigada. No livro, o lúdico é tomado em seu potencial de expressão de subversão diante das imposições cruéis da sociedade capitalista. 4. Em um resgate histórico, a partir dos anos 1960, de uma cidade pequena, eviden- ciam um brincar com muita disponibilidade de espaço, variadas brincadeiras e pou- co acesso a brinquedos e, na maioria das vezes, brinquedos artesanais. Porém, em um contexto do fim dos anos 1990 com crianças pobres, encontraram uma cultura infantil construída sem acesso a brinquedos, em meio a violências constantes em um bairro extremamente inseguro. Esse recorte com um viés para o brincar localiza- do dessa infância brasileira desvela a necessidade do brincar como direito garantido. 5. Nessa atividade, é importante que você faça uma análise a partir do que presenciou no local escolhido. As discussões presentes neste livro poderão oferecer um leque de reflexões sobre o brincar e o lúdico. EDUCAÇÃO FÍSICA 171 conclusão geral Prezado(a) aluno(a), nesta caminhada que realiza- mos juntos(as) entre as inúmeras reflexões e estu- dos a respeito do conteúdo de Jogos, Brinquedos e Brincadeiras, muitas possibilidades de configuração da ação educativa com essa linguagem foram deline- adas. Este foi o principal objetivo na elaboração des- te material: fornecer a você, futuro(a) professor(a)/ profissional de Educação Física, subsídios teórico- -práticos para enriquecer sua atuação profissional. O brinquedo, o jogo e a brincadeira configu- ram-se, além de um conteúdo essencial na Educa- ção Física, como uma expressão da vida humana, que é vivenciada com mais intensidade na infância. Essas linguagens são a principal produção infanto- juvenil e uma necessidade inerente a esta categoria geracional. Reivindicamos que ela seja preservada, estimulada e reconhecida desta forma, não apenas nos espaços comumente chamados de educativos, mas por toda a sociedade. Oportunizar o brincar e o jogar são direitos das crianças e adolescentes reconhecidos em lei. Neste material, priorizamos a compreensão da cultura lúdica a partir de seu potencial de expressão, assim, não só buscamos estabelecer reflexões com o contexto social e histórico em que as crianças e ado- lescentes estão incluídas, como também seu brincar e jogar. Buscamos issopor meio de pesquisas e estu- dos que contribuíram para a conceituação, reflexão sobre a prática pedagógica na área, a constituição histórica dos jogos, brinquedos e brincadeiras e as diversas possibilidades de realizar ações educativas com essas linguagens. Desejo que o estudo deste livro colabore com a formação de você, caro(a) aluno(a), no sentido de que a ação educativa com os jogos, brinquedos e brincadeiras supere a noção de ocupação do “tem- po livre” infantojuvenil, tão praticada pelo mundo adulto. Almejo que a ação educativa se estabeleça em direção à ressignificação dessa linguagem e à emancipação social das crianças e adolescentes com quem se trabalha, considerando sempre que elas são produtoras de cultura: a cultura lúdica.