Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS CURSO DE DIREITO DISCIPLINA : Estágio de Prática Jurídica I – Exame de Processos Findos PROFº – José Olavo B Passos AS MISÉRIAS DO PROCESSO PENAL Francesco Carnelutti Resenha de Obra Sandra Regina Bergmann Schneider Pelotas/RS, Julho de 2011 As Misérias do Processo Penal Francesco Carnelutti, autor desta obra, foi um dos mais eminentes advogados e juristas italianos e o principal inspirador do Código de Processo Civil italiano, viveu entre 1879 e 1965. Lecionou em várias universidades italianas. A obra foi escrita na primeira parte do Século passado, mas ainda muito atual neste Século, abordando as facetas de um julgamento humano num processo penal. Na obra o autor refere-se ao juiz como um autor da paz e as partes de defesa e acusação do processo como os guerreiros, que através da guerra entre si buscam a paz da justiça declamada, ao final, pelo juiz. Questiona a capacidade de julgamento do ser humano sobre o outro. Porque seria hábil o juiz a julgar se culpado ou inocente por um determinado fato de sua vida, um ser humano, um sujeito que não se limita apenas as atitudes que deram ensejo ao fato a ser julgado. Na concepção do autor é necessário que se conhece toda uma vida do acusado, em diversos momentos, é preciso que se tenha um vínculo para habilitar-se ao julgamento de um fato e as razões que levaram o acusado a praticá-lo ou não. A inviabilidade de tal procedimento no mundo real impossibilitaria um julgamento em que se busque a verdade absoluta, desta forma uma sentença seria a criação de um substitutivo para verdade: a coisa julgada. As formas de punição, segundo o autor, são ineficientes, pois não alcançam seu objetivo, o de punir e regenerar, pelo contrário beneficiam o ócio, degenera e cria sentimentos negativos dentro do cárcere e depois da pena cumprida. O cumprimento da pena também é questionável, visto que a liberdade adquirida após o cumprimento da pena vem manchada pelo delito ou pena incumbida ao acusado, pois a sociedade jamais o perdoará, sendo seu reingresso na sociedade praticamente inviável. Carnelutti acredita na necessidade do direito para dirimir as controvérsias, porém não suficiente para saná-las, alude a sua fé Cristã em diversos trechos de sua obra, comparando o julgamento dos homens ao julgamento segundo Cristo, perdoar mais do que julgar. O jurista faz uma análise crítica e pormenorizada aos passos do processo se atendo e avaliando alguns detalhes físicos, psicológicos e filosóficos da contenda. A toga utilizada pelo juiz, acusação (Ministério Público) e defesa durante o processo de julgamento é definida como um uniforme para separar magistrados e advogados dos leigos com o intuito de uni-los entre si. O Juiz é um só, mesmo quando em segunda instância houver um colegiado, pois a ideia é de unificação, sendo a decisão uno. De outro lado estão acusador e defensor, ambos utilizando a toga pois estão a serviço da autoridade, aparentemente adversários e divididos, no entanto unidos para alcançar a verdade e a justiça. A publicidade em alguns processos célebres onde o clamor interfere na decisão final e as partes travam “lutas” na mídia, para disputar a fama momentânea, tendo o acusado sua vida e de sua família exposta, um fator de difícil superação. A indiferença dos julgamentos em processos menores sem expressão. A toga tendo funções diferentes nestes casos, ora de inutilidade nos processos pequenos e de veste teatral nos processos que instigam a publicidade. Ainda que a publicidade seja uma forma de controle do povo sobre o processo e a aplicação das normas de um país no fato concreto, é de se indagar o direito do acusado ou de realmente quando se tem início a punição, se já não ocorre antes da sentença do juiz. O preso é o mais pobre de todos os pobres. As algemas utilizadas para contê-lo são o símbolo maior do direito, mais do que a espada e a balança. Ao prender-se um acusado com as algemas tem-se desnuda sua alma, tornando-o um pobre coitado, comparando-o com um animal, uma besta. A necessidade de tratar o encarcerado como ser humano, dando-lhe amizade. O delito é uma expressão do egoísmo, conta só o eu o outro não conta. A cura para este mal é oferecer amor, de forma que ele saia da prisão que se acometeu e liberte-se, regenere-se. Diferenciar o homem do animal pela capacidade de dar e receber o amor, segundo os desígnios de Cristo. Não podemos diferenciar os homens totalmente bons dos totalmente maus, sempre há as duas características do bem e do mal em um indivíduo, razão pela qual o julgamento e difícil. O advogado antes de mais nada deve oferecer amizade ao encarcerado e sentar no mesmo degrau a espera e em busca de um julgamento justo. É preciso que ele conheça seu cliente profundamente e ajude-o. A palavra “advogado” soa como um grito de ajuda. Advocatus, vocatus ad, chamado a socorrer. E antes de ser um técnico deve ser um ser humano que entende e houve o chamado de outro, buscando reconhecê-lo, desmistificá-lo e por fim ajudá-lo. Esta função pode tornar-se difícil e resistente num primeiro momento, pois o acusado tende a não confiar em ninguém e rechaçar quaisquer atitudes de amizade ou ajuda, pois o ódio costuma estar intrínseco em sua alma. O juiz encontra-se no topo, imponente, e a sua frente estão as partes, ou seja o juiz não é considerado parte, é supraparte. O Ministério Público está ao lado do juiz e o defensor está abaixo, ao lado do acusado. No entanto o juiz também e homem e portanto também é parte, pois lhe é facultado o erro. Nenhum ser humano, se pensasse no que é necessário julgar outro ser humano, aceitaria ser juiz. Mais do que um estudioso de direito, psicologia, filosofia e afins, o juiz precisa ser conhecedor do ser humano, precisa viver efetivamente em sociedade para que compreenda os dramas e as alegrias do homem. Para diminuir as consequências de decisões únicas, o direito criou formas e processos para que em determinado momento o julgamento se dê através de um colegiado de juízes, possibilitando maior eficácia nas decisões. O defensor é um colaborador do juiz, porém parcial, pois utiliza de parcelas preconcebidas de verdade para alcançar uma sentença favorável a seu cliente. Em contrapartida o Ministério Público como acusador utiliza também parcelas de verdade para valorizar os fatos e garantir que a vítima seja justiçada. Forma-se daí o contraditório, previsto na norma, possibilitando ao juiz tomar sua decisão sobre os fatos expostos e provados no processo. Acusação e defesa são argumentadores com o fim de atingir uma conclusão preconcebida. O raciocínio de ambos é diferente do raciocínio do juiz. Se o advogado defensor fosse um argumentador imparcial, não apenas trairia o seu próprio dever, como se colocaria em contradição com a sua razão de ser no processo, de maneira que este ficaria desequilibrado. As provas servem para reconstruir o passado, tendo a colaboração da acusação, da defesa, do juiz, da polícia, dos peritos, de documentos e eventualmente de testemunhas. A testemunha as vezes tratada como um documento e não um ser humano com posicionamentos e julgamentos próprios sobre os fatos. Torna-se ainda mais grave quando a mídia passa a acompanhar de forma ostensiva, testemunhas, partes, juiz e acusado, fazendo um prejulgamento sobre os fatos, de difícil reversão. Sabe-se que ao calor do momento a mídia está presente mas num eventual absolvimento do acusado, a notícia não tem mais repercussão para o povo, no entanto já criou uma “prisão” ao acusado. A testemunha quando assediada em demasia pelos jornalistas passa a ser influenciada por eles, tornando-a parcial em sua função de buscar a verdade dos fatos. A ciência jurídica considera a testemunha um mal necessário.Um homicídio não é só matar alguém é ter querido matar. Este é o fator a ser julgado. Não somente o ato em si, mas todo o contexto no qual ele ocorreu. É preciso que se leve em conta a conduta e a vida do réu, antecedentes ao delito, a conduta contemporânea e subsequente ao delito, as condições de vida social, familiar e individual do réu. É perigoso julgar outro, por sentimentos, razões e conflitos que podem e necessariamente são diferentes a cada um. Na utopia, o juiz e o acusado deveriam ser amigos, ou tornarem-se, para que possa haver um julgamento mais próximo da realidade. O delito está no passado, a pena está no futuro. A ideia da punição pelos atos ilícitos cometidos é uma regeneração do passado do preso. Porém não basta reprimir os delitos é necessário preveni-los. O ser humano deve ter conhecimento das consequências de seus atos, para que evite praticá-los. A sanção é a pena prevista na norma criada pelo legislativo de um povo, com o intuito de prevenir a ilicitude. Uma vez reconstruída a história e aplicada a lei, o juiz absolve ou condena, tem-se aí a sentença ou coisa julgada. O juiz absolve por insuficiência de provas e neste caso não se julga se culpado ou inocente. Quando ocorre este fato há um erro no judiciário, quer seja por acusar um inocente ou por liberar um culpado, em alguma parte do processo houveram falhas que não permitiram um juízo qualificado do caso. A coisa julgada não é a verdade sobretudo, porém é assim considerada. Neste momento podem ocorrer duas coisas. O acusado é culpado e vai cumprir sua pena, em local que comprovadamente não regenera e sim degenera, quando cumpre sua pena, tem liberdade, mas não obtém seu lugar na sociedade, pois esta não o aceita devido as “manchas” de seu passado, emprego ele dificilmente conseguirá, o Estado principalmente o exclui de seus quadros funcionais. O acusado que inocentado também fica com mancha pois foi acusado e “onde há fumaça, há fogo” diriam alguns. As pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, o que não é verdade. As pessoas pensam que a prisão perpétua é a única pena que se estende por toda a vida: eis uma outra ilusão. Senão sempre, pelo menos nove a cada dez vezes, a pena jamais termina. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, os homens não. A penitenciária não é diferente do resto do mundo, os julgamentos, punições e castigos são os mesmos. A ideia de dentro estarem somente canalhas e fora somente honestos não é mais que uma ilusão; aliás, ilusão é acreditar que um homem possa ser todo canalha ou todo honesto. Comentários O autor foi feliz em grande parte das colocações que fez em sua obra, mesmo sendo de um tempo remoto, dado o avanço da sociedade nos últimos 50 anos, ainda assim muitos fatores são bem atuais. Em determinados momentos é difícil perceber que ele fala de fatos ocorridos num passado mais distante. Neste ponto mais uma vez o autor tem razão ao afirmar que é necessário conhecer o passado para dimensionar o futuro. Pertinente foram todas as suas exposições, seu envolvimento com o direito, a sua desilusão em dados momentos e por final a sua glória, por ter a tantos ajudado a identificação principalmente com o acusado durante o processo faz pensar e analisar que somos em grande parte das vezes preconceituosos em relação ao assunto, e efetivamente como sociedade rechaçamos os encarcerados ou ex-encarcerados. Note-se que ele salienta uma diferença entre encarcerado e delinquente, o que faz crer um grau de periculosidade ou um incorrigível neste último caso. A obra traz um aprendizado excelente da função do advogado, defensor ou acusador e também do juiz. No entanto, creio que se faz necessário também analisar e contrabalançar a vítima no caso. Pois é certo que o acusado precisa de respeito como ser humano, empenho para que se culpado se regenere, pague por seus atos, que não haja um prejulgamento antes da comprovação dos fatos, que a sociedade possa digerir e aceitar de maneira mais natural e cumprindo sua função social, mas e a vítima ou as vítimas, que podem ser a sociedade em potencial, como protegê-la, como manter a dignidade dos que de uma certa forma cumprem as regras sociais e evitam a ilicitude? Creio que a sociedade, o ser humano ainda precisa aperfeiçoar e muito os controles sociais, a vida em sociedade, para que seja ais digna para todas as partes. Referência Bibliográfica CARNELUTTI, Francesco. As Miséria do Processo Penal. 7ª edição – Campinas ; Bookseller, 2006.
Compartilhar