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UNIVERSIDADE PAULISTA MARCUS VINICIUS FERREIRA SANTOS RA 1718650 OS PRÉ-SÓCRÁTICOS Do mito à Sócrates São Paulo 2017 1 INTRODUÇÃO Desde sempre o ser humano está a procura do conhecimento. Conhecer sua origem, como tudo começou e o seu fim. De onde vim? Quem sou eu? Para onde vou? De que eu sou formado? A busca de conhecimento não é apenas de si mesmo, mas de tudo o que podemos ver na natureza através dos sentidos e também aquilo que nossa razão sabe que existe, mas não podemos (ainda) perceber pelos sentidos. Quando olhamos a história, percebemos que o conhecimento vem em ondas. Um, dois ou três homens refletem sobre uma hipótese, lanças suas bases, eventualmente esta hipótese torna-se uma teoria. A partir daí outros refletem sobre esta teoria. Ela torna-se uma escola de pensamento, a sociedade aceita e ela se torna a resposta para os problemas. Até que então, surge outra pessoa que, ou contesta a teoria apresentando novas hipóteses ou reforça a teoria anterior, no entanto ampliando-a e até certo ponto, modificando-a. 2 FILOSOFIA Quando falamos de Filosofia, alguns nomes são citados até mesmo por aqueles que nada entendem ou se interessam por esta ciência. Seguramente Sócrates é unanimidade. Curioso é que um dos mais brilhantes nomes da Filosofia teve sua existência questionada. "Durante muito tempo se imaginou que ele não existisse, isto é, se supunha que Sócrates fosse apenas uma personagem utilizada por Platão, o filósofo grego do mundo clássico, que o coloca em vários dos diálogos que escreveu" (CORTELLA, 2013). No entanto, Sócrates não apenas é um personagem histórico real, ou seja, existiu de fato, como sua pessoa, divide a Filosofia antiga em antes e depois de si. Ao menos para fins de estudo. Desta forma temos os primeiros filósofos sendo identificado como Pré-Socráticos. Analisaremos isto com mais detalhes adiante, antes, porém, recuemos um pouco no tempo para definirmos o que é a Filosofia, sua origem e alguns dos primeiros filósofos que receberam a alcunha de Pré-Socráticos e a seguir, o próprio Sócrates. 3 DEFINIÇÃO DE FILOSOFIA A definição simples e direta de filosofia é “amigo do saber”. É também aquele que ama o saber. Assim o filósofo, num sentido bem amplo do termo, onde abarcaria todo aquele que se interessa academicamente pela filosofia é um amante do saber. Miguel Reale, em seu livro Introdução à Filosofia, nos dá uma brilhante definição: Se nos inspirarmos nas origens do pensamento ocidental verificaremos que a palavra filosofia significa amizade ou amor pela sabedoria. O termo é deveras expressivo. Os primeiros filósofos gregos não concordaram em ser chamados sábios, por terem consciência do muito que ignoravam. Preferiram ser conhecidos como amigos da sabedoria, ou seja — filósofos. (REALE, 2002, p. 20). Aprecio também o que nos ensina R. C. Sproul (2002, p. 15): "Os pensadores daquela época não faziam uma distinção clara entre ciência e filosofia. A palavra ciência, em sua etimologia, significa simplesmente 'conhecimento', e o termo filosofia deriva de 'amor pela sabedoria' ". Entretanto, este “amigo do saber” não seria o mesmo que curioso. Não se trata de um saber descompromissado, nem um saber superficial das coisas. É um saber racional, investigativo e compreendido, que busca sempre a razão última das coisas. O professor Rogério de Paula, no entanto, reproduz diversas definições em seu blog, PROAÍRESIS: 1 Definição atribuída a André Comte-Sponville: “A Filosofia é uma prática teórica (discursiva, razoável, conceitual), mas não científica; ela se submete unicamente à razão e à experiência – com exclusão de toda revelação de origem transcendente ou sobrenatural e visa menos a conhecer do que a pensar ou questionar, menos a aumentar nosso saber do que a refletir sobre aquilo que sabemos ou ignoramos. Seus objetos de predileção são o todo e o homem. Seu alvo, que pode variar segundo as épocas e os indivíduos, será com mais frequência a felicidade, a liberdade ou a verdade, e mesmo a conjunção das três (a sabedoria)”. Definição atribuída a Wittgenstein: “A Filosofia não é uma doutrina, mas uma atividade”. Definição atribuída a Kant: “[…] ele (o professor) não deve ensinar pensamentos, mas a pensar, não deve carregar seu aprendiz, mas guia-lo se quer que ele seja apto no futuro a caminhar por si próprio”. Definição atribuída a Matthew Lipman: “O que os filósofos e as crianças têm em comum é a capacidade de se maravilhar com o mundo”. 1 PAULA, R. D. O que é filosofia. PROAÍRESIS, 2016. Disponivel em: <http://migre.me/wwarM>. Acesso em: 27 abr. 2017 Definição atribuída a René Descartes: “A filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes com as quais ficam menos submetidos às forças naturais, às intempéries e aos cataclismos”. 3.1 Quando surgiu a Filosofia “Surge no Ocidente, mais precisamente na Grécia do século VI a.C., uma nova mentalidade, que passa a substituir as antigas construções mitológicas pela aventura intelectual, expressa através de investigações científicas e especulações filosóficas” (SOUZA, 1996, p. 4). É fato que o pensar filosoficamente existia entre outros povos antigos. Os hebreus, por exemplo, têm nos livros dos Salmos e Provérbios coleções importantíssimas de pensamentos filosóficos, datando de 800 a 1000 a.C., pelo menos. Podemos citar também os egípcios e os chineses. Porém, sem sombra de dúvidas, foi na Grécia do século VI e V a.C. que nasce e floresce a Filosofia ocidental como conhecemos hoje. Figura 1 - Mapa dos primeiros filósofos 3.2 Porque surge a Filosofia 3.2.1 Os Mitos Se pensarmos em causas do surgimento da Filosofia, podemos ter como principal que “a Filosofia surge para substituir o modelo mitológico-cosmogônico, pelo cosmológico-racional” (CABRAL, 2017). Ou seja, o mito dá lugar ao pensamento racional. Antes do surgimento do pensamento filosófico na Grécia, o pensamento mítico dominava a sociedade helena. Apesar de sob certos aspectos os mitos serem fantasias, invenções, crendices, para os gregos desta época eles, os mitos, procuravam explicar ou dar sentido a tudo o que não achava aclaração racional. “A palavra ‘mito’ tem sua origem etimológica em mythos, que significa palavra, o que se fala” (FERNANDES, 2017, p. 21). Homero e Hesíodo são os autores que nos legaram os principais e mais importantes relatos em suas obras. Sem estes dois autores talvez nada saberíamos sobre a mitologia grega e o quanto ela foi importante para o surgimento dos primeiros filósofos. Homero deixou-nos Ilíada e Odisseia. Hesíodo Também tem duas obras atribuídas a si: A Teogonia e Os Trabalhos e os Dias. Das obras de Homero temos as guerras de Tróia, de onde conhecemos os heróis Aquiles, Ajax e Ulisses. É daqui que temos a famosa expressão cavalo de Tróia, que de tão popular, dispensa detalhamento. Sem Hesíodo provavelmente não saberíamos nada a respeitos dos deuses gregos, ou pelo menos quase nada. Sua obra Teogonia [theos, deus + gonia, nascimento] descreve o nascimento dos deuses e suas várias proles. Nela o autor, de forma didática, trata do mundo dos mortais e de sua organização, centrado no tema do trabalho e da justiça, com algum enfoque na história da civilização durante o período clássico da Grécia Antiga. Nestas se incluem a célebre história de Prometeu, que tirou o fogo do concílio dos deuses e o mito de Pandora2 (WIKIPÉDIA). O professor Fernandes registra alguns mitos no livro texto Os Pré-Socrático. Um deles é o mito de Cora, cuja intensão era explicar os fenômenos físicos da primavera/verãoe outono/inverno. Para eles, estas estações acontecem por causa da visita ou ausência de Cora (ou Perséfones) ao Olimpo. Cora, filha da deusa das colheitas, Deméter, brinca pelos campos verdejantes da Grécia. Cora é uma adolescente pura e cheia de vida. Ela corre, pula, brinca 2 OS TRABALHOS E OS DIAS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2016. Disponível em: < http://migre.me/ww8fi>. Acesso em: 27 abr. 2017. com as borboletas, colhe flores. Mas Cora não sabe que está sendo observada. Perto dali, Hades, deus do subterrâneo, observa Cora brincar e pensa: que bela adolescente, essa Cora! Hades então resolve raptar a doce Cora. Ele coloca em movimento sua carruagem puxada por dez fortes cavalos e parte em sua direção. Cora, ao perceber o que se passa, corre, mas em vão. Hades toma Cora em seus braços e a leva. No mesmo momento se abre no chão uma grande fenda e a carruagem desce para o centro da Terra. Ao cair da noite, a mãe de Cora, Deméter, sente sua falta e sai à sua procura. Dois camponeses que presenciaram a cena contam‑lhe o que aconteceu. Deméter fica louca de dor e, desconsolada, proíbe que as plantas, o capim, as árvores, as frutas e os cereais cresçam. Os camponeses ficam preocupados e tristes, pois sem o crescimento das plantas eles irão perecer. Eles imploram aos deuses para que o verde retorne. Os deuses pedem para Deméter deixar a vegetação crescer, mas ela está irredutível: nada crescerá ou voltará a florescer enquanto Cora não retornar. Zeus resolve intervir. Manda o mensageiro Hermes ao reino dos mortos para falar com Hades para deixar Cora voltar. Mas ela só poderá retornar se não tiver comido nenhuma comida do reino dos mortos. O jardineiro informa a Hermes que ela havia comido seis sementes de romã. Dessa forma, Cora não poderia voltar. Mas Deméter não volta atrás de sua decisão e não permite que nada floresça. Zeus então estuda o problema e propõe uma possível solução para o impasse: como ela comeu apenas seis sementes de romã, durante seis meses Cora ficará morando com Hades no subterrâneo, será sua esposa e se chamará Perséfone (aquela que causa destruição). Durante os outros seis meses, Cora voltará e passará em companhia de sua mãe, Deméter (FERNANDES, 2017, p. 9). No entanto, apesar de a mitologia carecer de bases científicas, não podemos cair no erro de desprezar a sua importância. Ela foi fundamental para originar o pensamento filosófico. O mito da criação, de Gaia (Terra) e Urano (Céu), foi uma tentativa de explicar as origens (arkhé). Ana Paula de Araújo resume desta forma: Segundo Hesíodo e sua Teogonia, ela é a segunda divindade primordial, nascendo após Caos e foi uma das primeiras habitantes do Olimpo. Urano, o senhor do Céu, temia que seus filhos o destronassem, de forma que prendia-os no Tártaro. Revoltada com essa ação mesquinha e cruel do esposo, Gaia decidiu armar um dos filhos, Cronos, com uma foice. No momento em que Urano fora unir-se à esposa, em um ciclo perene de criação, Cronos atacou-o e castrou-o, separando assim o Céu e a Terra. O filho lançou às águas marinhas os testículos do pai. Ainda assim, algumas gotas do seu sangue recaíram sobre Gaia, que fertilizada, concebeu as divindades Erínias (ARAÚJO). Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo, formula suas explicações do arkhé analisando o princípio das coisas (physis) concluindo ser a água a gênesis de tudo. Na mitologia grega, o Mar é um dos filhos de Gaia e Urano. Vemos aí como a mitologia pode ter influenciado os primeiros filósofos. Para o professor Gui de Franco (2014), podemos verificar que os mitos tiveram sua importância seja para que propõe uma ruptura, seja para quem propõe uma continuidade. Há quem nega qualquer vínculo da Filosofia com mitologia. Este é o caso dos Filósofos Vernant e Hegel. Outros, como Cornford, afirmam que a Filosofia é uma continuidade, uma evolução, do pensamento mítico3. Ora, se se nega o mito é porque ele teve sua importância; se se dá continuidade a ele, mais importância ainda deve-lhe ser creditada. Concorda? 3.2.2 Outras causas4 Eu sua vídeo-aula sobre o surgimento da Filosofia na Grécia Antiga, o professor Daniel Gomes (2014) nos apresenta outras três razões que contribuíram para o surgimento da Filosofia na Grécia Antiga. Elas são: a) Políticas – o despotismo dando lugar à democracia. A ativa participação do cidadão (morador da polis) na ágora, deu oportunidade para o exercício do uso da palavra e do pensamento. b) Sociais – a existência do trabalho escravo na Grécia liberava o senhor grego do trabalho para usar o ócio no exercício do pensamento. c) Econômicas – o forte intercâmbio comercial na Grécia contribuiu para o exercício do pensamento filosófico. 3.2.3 Os períodos da Filosofia Como tudo na história da humanidade, todas as transformações e mudanças têm seus períodos. E como há uma evolução, como já foi dito, com ruptura ou continuidade, também no caso da Filosofia pode-se perceber períodos distintos com características marcantes. a) Período Pré-Socrático – que é o objetivo deste trabalho, é caracterizado pelo entendimento da natureza (physis), do cosmo, e principalmente pela busca da gênesis (arkhé) deste mundo natural. Vai do séc. VII – V a.C. Seus principais nomes serão analisados adiante. b) Período Socrático – séc. IV a.C., considerado por alguns como o mais importante. É a fase ontológica, ou antropológica/metafísica. Aqui estão Sócrates, Platão, Aristóteles. c) Período Helenístico - séc. IV a.C. - VI d.C. A atenção aqui se volta para a ética e a estética. Tabela resumida dos períodos mitológico e pré-socrático. 3 Este parágrafo é minha síntese da vídeo-aula do Prof. Gui de Franco: Filosofia – Da Mitologia à Filosofia: Rupturas e Continuidade. 4 Outra síntese minha da vídeo-aula do Prof. Daniel Gomes: Filosofia - Causas do Surgimento da Filosofia na Grécia Antiga. Cerca de Período Característica Nomes 1000 a.C. Mitologia - Universo e deuses surgem ao mesmo tempo - Mitos explicam a origem de tudo: deuses, homens e universo. Homero Hesíodo 600 a.C. Pré-Socráticos - Primeiros filósofos/ Filósofos da physis - Esclarecimento racional das coisas - Ainda há resquícios míticos em algumas proposições - Busca pelo arkhé -Tales -Anaximandro -Anaxímedes -Heráclito -Xenófanes -Pitágoras -Parmênides -Zenão Tabela 1 3.2.4 Escolas filosóficas Se as características ao longo do tempo nos fornecem as fases da Filosofia, diferentes características num mesmo período dão origem a escolas distintas, o que é natural em tudo na raça humana. Pessoas diferentes têm interpretações diferentes, muitas vezes, de um mesmo tema. Outra razão pela qual a Filosofia foi identificada por escolas foi a localização onde seus principais proponentes estavam. No período pré-socrático temos quatro escolas filosóficas: a) Jônica – desenvolvida na região de Jônia (Turquia), seus preponentes foram Tales de Mileto, Anaxímenes e Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso. b) Atomista – representada por Leucipo, Empédocles e Demócrito, procuravam dar uma explicação do universo atômico. c) Pitagórica – leva este nome em função do seu mais eminente personagem, Pitágoras, desenvolvida na Itália. d) Eleática - Xenófanes de Colofão, Parmênides de Eléia e Zenão de Eléia. 4 OS PRÉ-SOCRÁTICOS Os filósofos denominados de Pré-Socráticos são assim chamados não apenas por terem vivido antes de Sócrates (Demócrito, foi seu contemporâneo), mas porque esses filósofos estão preocupados com a gênesis natural de todas as coisas. Para estes pensadores as explicações mitológicas não davam as respostas satisfatórias. Estavam inquietos à busca do princípio (arkhé) de tudo o que existe, o cosmos. Nesta busca,eles irão divergir em alguns pontos. Tales de Mileto, por exemplo, pensava que a água era este arkhé, enquanto Anaxímenes, o ar. Os pré-socráticos foram os primeiros pensadores que, nas cidades gregas da Ásia Menor por volta do séc. VI a.C., procuraram desenvolver formas de explicação da realidade natural, do mundo que os cercava, independentemente do apelo a divindades e a forças sobrenaturais. É nesse sentido que dizemos que os filósofos pré-socráticos romperam com a tradição mítica, e é por isso também que denominamos seu pensamento de naturalista, por visar explicar a natureza a partir dela própria, entender os fenômenos com base em causas puramente naturais. (MARCONDES, 1999, p. 11). Quer seja rompendo com o pensamento mítico, quer seja dando continuidade a ele, o fato é que começa com Tales de Mileto e seus discípulos, o nascimento da Filosofia Clássica. O declínio do pensamento mítico na Grécia é marcado pelo advento da Filosofia, pela ascensão de um saber de tipo racional. Ela tem início na Mileto jônica, em princípio do século VI a.C., momento em que os primeiros filósofos – Tales, Anaximandro e Anaxímenes – iniciam um novo tipo de reflexão em relação à natureza (FERNANDES, 2017, p. 40). É perfeitamente perceptível que as explicações míticas já não satisfaziam estes primeiros pensadores filosóficos. “Platão e Aristóteles indicaram com precisão a experiência que, segundo eles, dá origem ao pensar filosófico. É aquilo que os gregos chamaram “thauma” (espanto, admiração, perplexidade)” (REZENDE, 1986, p. 14). A atitude de admiração agora passa a propiciar a busca de solução racional para um problema, não mais de assombro com resposta sobrenatural. Tanto mito como filosofia provocam a admiração. A resposta filosófica é que difere da mitológica, sendo aquela apoiada na razão (logos). A filosofia, pois, começa quando algo desperta nossa admiração, espanta-nos, capta nossa atenção (que é isso? por que é assim? como é possível que seja assim?), interroga-nos insistentemente, exige uma explicação (REZENDE, 1986, p. 14). A seguir veremos um resumo de cada um destes importantes filósofos pré- socráticos. 4.1 Tales de Mileto (625/558 a.C.) Atribui-se a Tales de Mileto ter previsto um eclipse que ocorreu em 28 de maio de 585 a.C. Considerando ele não ter os instrumentos modernos de astronomia, foi um feito espetacular. Mas não é só por isso que podemos considerar a genialidade deste que é o primeiro filósofo. Tales resolveu problemas de engenharia desviando o curso de um rio. Elaborou um sistema para medir a altura das pirâmides do Egito baseado no movimento das suas sombras. Desenvolveu técnicas de navegação seguindo as estrelas e criou instrumentos para medir distâncias marítimas. (SPROUL, 2002, p. 17). Figura 2 - Teorema de Tales Com todo merecimento, a data do eclipse previsto por Tales é considerada como a data do nascimento da Filosofia. Para o mundo ocidental ficou claro que a razão (logos) podia dar melhores explicações que os mitos para a origem (arkhé) das coisas. Tales era um monista corpóreo, ou seja, entendia que todas as coisas existentes são modos diferentes de uma mesma substancia. É por isso que ele considerava a água como o arkhé. Todos os líquidos são um tipo de água. Todos os gases um tipo de vapor. Todos os sólidos um tipo de gelo. Teria Tales procurado o que na natureza pudesse se apresentar em estado sólido, líquido e gasoso uma vez que ele era um monista corpóreo, ou ele observando que por ser a água apresentável em três estados, ela o convenceu a ser um monista? Em outras palavras, ele creu porque viu ou viu porque creu? Até que ponto Tales poderia estar influenciado pelo pensamento hebreu conforme registrado em Gênesis, capítulo um? " No princípio criou Deus o céu e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas”5 (grifo é meu). 5 Gênesis 1:1,2, Almeida Corrigida e Revisada Fiel, conforme tradução pela Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil. Se a água, nas escrituras sagradas hebraicas, é o primeiro elemento criado, Tales estaria tentando harmonizar estas escrituras como a lógica/razão? Ou estaria Tales negando ou rompendo com o pensamento pentateuco? 4.2 Anaximandro de Mileto (610/547 a.C.) “Anaximandro foi discípulo de Tales, porém de sua vida pessoal não há quase informações. Sabe‑se que foi autor de um livro que recebeu o título Sobre a Natureza, mas este se perdeu, restando apenas fragmentos” (FERNANDES, 2017, p. 49). Se para Tales a água era o elemento fundamental e principal, a terra seria sustentada pelo mar. Mas... o que sustentaria o mar? Foi pensando nisto que Anaximandro afirmou que “o mar teria de ser sustentado por alguma outra coisa, e assim por diante, ao infinito” (SILVA, 2016). Esta alguma coisa é o ápeiron, cujo significado é sem fim, sem limite, infinito. “Logo, o ápeiron, um elemento ilimitado, é a origem de tudo que é limitado e particular” (FERNADES, 2017, p. 50). Anaximandro foi dedicado aos estudos astronômicos, da geografia e matemática. Anaximandro também foi o primeiro a aventurar-se a apresentar uma descrição escrita da natureza, e a publicar um mapa geográfico. Ele desenhou o mundo habitado numa tábua e traçou o contorno do mar, e também construiu uma esfera celeste (Anaximandro tinha uma teoria de que a terra estava rodeada por um número, talvez indefinido, de anéis dos corpos celestes). Ele foi o primeiro a: descobrir o equinócio e os solstícios, introduzir um relógio solar (gnómon) na Grécia e medir a distância entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (foi o iniciador da astronomia grega). Além disso realizou um esboço de geometria (SILVA, 2016). Figura 3 - A Terra segundo Anaximandro 4.3 Anaxímenes de Mileto (585/525 a.C.) Foi discípulo de Anaximandro e o terceiro dos milésios. Também intitulou seu livro de forma homônima a de seu mestre: Sobre a Natureza. Para Anaxímenes nem a água nem o ápeiron são o princípio de todas as coisas, mas sim o pneuma (ar). “Filho de Eurístratos, nasceu em Miletos e estava entre os ouvintes de Anaxímandros. (...) admitiu como primeiro princípio o ar e o infinito. Sustentou que os astros se movem não por baixo da terra, e sim em torno dela” (LAÊRTIOS, 2008, p. 47). Anaxímenes também nos deixa algumas de suas impressões astronômicas sobre a forma e o movimento dos astros celestes. Ele diz que a Terra, a primeira de todas as coisas geradas pelo pneûma, é completamente plana, e por isso ela flutua, sendo sustentada pelo ar; e o Sol (que teria a forma de uma folha), a Lua e os demais corpos celestes têm na rarefação em fogo do vapor proveniente da Terra a origem de seu nascimento. Como o nosso planeta teria a forma de um tampo de mesa, os astros não poderiam passar por baixo da Terra, mas em volta dela como um gorro que gira em volta da nossa cabeça, e que transporta as estrelas fixas. O Sol seria ocultado pelas partes mais elevadas da Terra ou por sua inclinação sobre o seu eixo horizontal (SILVA, 2016) Da mesma forma que penso ter Tales recebido certa influência da escritura sagrada hebraica, o mesmo deve ter ocorrido com Anaxímenes e Anaximandro, sendo este último, talvez, em menor grau. A referência ao Gênesis já citada acima diz que o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Aqui há a citação tanto à água como ao pneuma. A palavra hebraica traduzida por Espírito é ruach, que no grego foi traduzida por pneuma. Segundo os hebreus, YHWH, o ser infinito, é o princípio, enquanto criador, de todas as coisas. Parece haver aqui uma referência na literatura hebraica sobre o pensamento dos primeiros filósofos milésios. Quem sabe rompendo, quem sabe tentando harmonizar. Figura 4 - A Terra segundo Anaxímenes4.4 Xenófanes de Cólofon (577/470 a.C.) Xenófanes é natural da cidade de Cólofon, na região de Jônia, que atualmente é a Turquia. Como muitas das datas não só deste filósofo rapsodo, como de todos os demais são incertas, não se pode precisar os anos de nascimento e morte, sendo encontradas muitas variações em diferentes biógrafos. Contudo, estima-se que ele tenha morrido com 92 anos. “Poeta de vida errante, nascido em Colofão, colônia grega na Jônia, na Ásia Menor, fundador da escola eleática. Emigrou para a Magna Grécia, hoje sul da Itália, quando sua terra natal caiu em mãos dos medas, passou por várias cidades, radicando-se finalmente em Eléa, na Sicília” (FERNANDES, 2001). Xenófanes destacou-se por, numa sociedade absolutamente politeísta, criticar os heróis Homero e Hesíodo e seus muitos deuses absolutamente tomados pelas paixões humana. Teceu críticas também a Tales e a Pitágoras. Os etíopes <dizem que seus deuses> são negros de nariz chato os trácios <dizem serem> de olhos verdes e ruivos. Mas se tivessem mãos os bois, <os cavalos> e os leões, quando pintassem com as mãos e compusessem obras como os homens, cavalos como cavalos, bois semelhantes aos bois pintariam a forma dos deuses e fariam corpos tais como fosse o próprio aspecto <de cada um>. (TORRES, 2016, p. 66). Aristóteles testemunhou que Xenófanes foi o primeiro filósofo monoteísta. Qual teria sido a sua inspiração para tecer uma teologia de um único Deus? Na antiguidade somente os judeus tinham tal concepção. Alfredo Carneiro, fazendo um resumo da biografia dos Pré-Socráticos afirma que Xenófanes “sugeriu uma teologia monoteísta ao afirmar a existência de um deus único”6. Então ele cita o próprio biografado: “Um só deus7, o maior entre os deuses e os homens, em nada semelhante aos mortais” (XENÓFANES apud CARNEIRO)8. 4.5 Pitágoras de Samos (570/495 a.C.) Sim, este é o cara do famoso Teorema de Pitágoras: o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. “Ele tinha interesse espiritual e religioso em matemática, pelo qual atribuía significado místico aos números aos números. Considerava 6 CARNEIRO, A. D. M. R. Linha do Tempo da Filosofia – Parte 1. Netmundi.org - Filosofia na rede. Disponível em: <http://migre.me/wwCca>. Acesso em: 28 abr. 2017. 7 “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor”. Deuteronômio 6:4, cuja composição data de aproximadamente 1400 a.C. Seria possível que Xenófanes tenha sido influenciado por este pensamento teológico judaico? 8 CARNEIRO, A. D. M. R. Linha do Tempo da Filosofia – Parte 1. Netmundi.org - Filosofia na rede. Disponível em: <http://migre.me/wwCca>. Acesso em: 28 abr. 2017 o número 10 o número perfeito” (SPROUL, 2002, p. 20). Pitágoras, e seu discípulos chegavam a este número perfeito através da tetractys. Um tetraktys (do grego antigo τετρακτύς) é uma representação pitagórica na forma de um triângulo, denominado "triângulo perfeito". Para os pitagóricos, os números mantinham uma relação direta com a matéria, considerando, por exemplo, o número "um" como um ponto, o "dois" como uma reta, "três" uma superfície e o "quatro" um sólido. Assumindo que 1 + 2 + 3 + 4 = 10, o número "dez" era visto como uma espécie de conjunto de quatro elementos, o "alicerce" das coisas do mundo. O número "dez", de acordo com os pitagóricos, corresponderia a um tetraktys.9 Figura 5 - Tetractys “Pitágoras não escreveu nenhum livro, e seus ensinamentos, realizados de forma oral, não foram registrados por seus discípulos devido a esses fatos” (FERNANDES, 2017, p. 52). Deve ser por isso que há muitos mitos sobre a vida deste que sem dúvida alguma é um dos maiores filósofos pré-socráticos. No entanto, segundo Laêrtios, “de fato Pitágoras escreveu três obras: Da Educação, Do Estado, Da Natureza". (LAÊRTIOS, 2008, p. 230) Que Pitágoras cria na transmigração da alma, ou o que hoje é conhecido como reencarnação, isto é fato. Laêrtios cita inúmeras reencarnações que Pitágoras diz ter experimentado. Heracleides do Ponto assinala que Pitágoras dizia de si mesmo que em outra encarnação fora Aitalides (...). Subsequentemente voltou ao mundo no corpo de Êuforbos (...). Morto Êuforbos, sua alma encarnou-se em Harmôtimos (...). Morto Hermôtimos, Pitágoras passou a ser Pirros. (LAÊRTIOS, 2008, p. 230). Como Platão, cria na preexistência da alma, na sua transmigração (metempsicose), e na capacidade da alma reencarnar em animais (metamorfose) e não apenas em outro 9 TETRAKTYS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2013. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Tetraktys&oldid=34809420>. Acesso em: 10 mai. 2017. corpo humano, cria na sua imortalidade. Conta-se que Pitágoras teria reconhecido a voz de um amigo quando um cachorro latia ao sofrer mau tratos. Pitágoras fundou uma comunidade filosófico/religiosa conhecida como Pitagóricos. Além da crença na transmigração da alma, os membros deveriam fazer sempre exames de consciência e dedicação ascética. A peculiaridade do sistema era encontrar nas matemáticas a chave do enigma do universo e o instrumento da purificação da alma. Dizia Plutarco, como bom pitagórico: “a função da geometria é conduzir-nos do sensível e passageiro ao inteligível e eterno, pois a contemplação do eterno é a finalidade da filosofia como a contemplação dos mistérios é a finalidade da religião”10. Pitágoras também relacionou a matemática, mais especificamente os números, com a música, harmonizando-os. Esta ideia de harmonia, que começa com a música e números, passou a outros conceitos como a harmonia entre corpo e alma. Assim, a música pode ser usada para curar a alma. De fato, estudos diversos já provaram o efeito da música em muitas terapias, cunhando o termo moderno musicoterapia. 4.6 Heráclito de Éfeso (540/480 a.C.) SPROUL (2002, p. 21) diz que “Heráclito é às vezes chamado de ‘o pai do existencialismo moderno’ por causa do seu ataque ao que é essencial. Se pensamento é resumido pela frase em grego panta rhei ‘todas as coisas fluem’”. Ele é autor de um livro cujo título também é Sobre a Natureza. Ao contrário de Anaximandro, para ele é o fogo o princípio de tudo, porque este elemento representa o motor, o movimento, atividade. Heráclito era de família rica e pelo jeito, uma pessoa de difícil trato. Laêrtios afirma que ele se tronou um misantropo e s obre seu temperamento, é dito dele: Tinha sentimentos elevados, porém era impulsivo, orgulhoso, cheio de desprezo pelos outros e sempre se recusou a intervir na política. Também manifestou desprezo pelos antigos poetas, era contra os filósofos e contra a religião de seu tempo. (SILVA, 2016). Por ser o filósofo do movimento, diz que o Kosmos é um rio que sempre corre. Ele disse que ninguém se banha num mesmo rio duas vezes. 10 Pitágoras. Disponível em <http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Conrado/ >. Acesso em 10 mai. 2017 Foi o primeiro filósofo a identificar o Logos (verbo) como sendo o princípio que governa tudo. Neste sentido, o apóstolo João, em seu Evangelho, faz uma referência a Heráclito: “Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος”11. "O movimento é produto de uma razão universal a que Heráclito chamava de logos. A que vemos as raízes filosóficas do conceito do Logos do qual o apóstolo João se apropriou para definir a pessoas pré-existente e eterna da divindade que se encarnou. Contudo, é um erro grave simplesmente equiparar ou identificar o uso que João faz do Logos com o da filosofia grega, porque João deu ao termo um conteúdo das categorias hebraicas do pensamento. Ao mesmo tempo, é um erro igualmente sério separar completamente do pensamento grego o uso queJoão faz do termo (SPROUL, 2002, p. 22). Figura 6 - Logos em chamas Sobre seus últimos dias, Heráclito teve uma morte aparentemente muito cruel. Se Hermipo estiver correto, Heráclito teria morrido em função de sua hidropisia. Como não conseguira a cura, deitou-se no chão e pediu a empregados que lhe cobrissem de esterco. Entretanto, como Hermipo foi um poeta cômico grego que viveu em cerca de 435 a 415 a.C., há grandes chances de esta informação não passar de um humor negro. Até porque, Aristão e Hipóbato testemunham a cura do filósofo. 4.7 Parmênides de Eleia (530/460 a.C.) Provavelmente o fato mais citado por todos os autores da vida dos Pré-Socráticos sobre Parmênides seja sua oposição a Heráclito, o que provocou impacto profundo na filosofia grega pós Parmênides/Heráclito. Se o segundo dizia que tudo é movimento, o primeiro defende a imobilidade do ser. Natural da Eleia, atual Vélia (península itálica), era um homem de nobre nascimento. Tomou contato com os pitagóricos, com os ensinos de Zenão e Xenofonte, veio a ser o pai da lógica e da ontologia. Aliás, anos mais tarde, o bispo Anselmo de Cantuária (1033 – 1109 d.C.) usará a ontologia para provar a existência de Deus. Parmênides revolucionou o pensamento até então baseado na cosmologia para a ontologia (ontos "ente" ; logoi, "ciência do ser"). Ele concluiu que um objeto tem apenas 11 Jo 1:1 No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus – tradução do original grego pela Bíblia de Jerusalém duas possibilidades: ser ou não-ser. Porém, rejeita a ideia de não-ser pois, se algo é, ele não pode não-ser. “O ser é” – a primeira oração expressa a ideia de que o ser (ou aquilo que é) é eternamente, pois o ser constitui, para ele, a substância permanente das coisas. Portanto, o ser é de maneira imutável e imóvel, e é o único que existe. O ser é a arkhé de Parmênides, não identificada com nenhum elemento natural, sensível, mas, ao mesmo tempo, equivalente a toda corporeidade, com tudo o que existe, pois o ser é uno, pleno, contínuo e absoluto. “O não ser não é” – a segunda oração traz a ideia de que o não ser [a negação do ser] não é, não tem ser, substância, essência. Portanto é nada, não existe. Essa é uma conclusão lógica, pois, se o ser é tudo, o não ser de identifica com a mudança [o devir], pois mudar é justamente não ser mais aquilo que era, nem ser ainda algo que é. (SILVA, 2016). 4.8 Empédocles (c. 500/428 a.C.) “Leucipos foi o primeiro a afirmar que os átomos são os primeiros princípios das coisas” (FERNANDES apud LAÊRTIOS, 2008, p. 259), e pensara ter resolvido o problema do conflito entre Heráclito e Parmênedes, pois se o átomo está sempre em movimento (mobilismo), este movimento ocorre no vácuo (imobilismo). Empédocles foi um exímio orador e atuou na política. Sua contribuição na filosofia se dá na argumentação que o arkhé não é um único elemento, mas a combinação dos quatro: água, terra, fogo e ar. Assim, é conhecido como aquele que harmonizou, ou pelo menos tentou, o pensamento de Heráclito e Parmênides. Empédocles harmonizava-se com Parmênides ao dizer que a água não pode se transformar num peixe. Por outro lado, as mudanças na natureza que observamos faz com que Heráclito tenha razão. A solução seria então a combinação, ou a separação, dos quatro elementos, que se sozinhos são inalterados, combinados sofrem alteração. Por fim, ele cria que uma força atuava nestes quatro elementos, unindo-os: o “amor”. Quando a força atuante os separava, ela a chamou de “ódio”. Figura 7 - Os quatro elementos 4.9 Demócrito (460/370 a.C.) Discípulo de Leucipos, parecer ter sido aquele que mais contribuiu para o pensamento dos atomistas. Para ele, os átomos seriam as partículas invisíveis que compunham todos os objetos e existem no vácuo. Também afirmou que os átomos diferiam em peso. Ele dizia que estes átomos diferem uns dos outros. É provável que não seja o mesmo conceito moderno de peso atômico, mas sim em termos de tamanho e formas diferentes. Para Demócrito, o átomo seria eterno, imutável e indivisível. Estes átomos estariam se chocando, combinando ou destruindo. Isto harmoniza- se com a ideia de mobilismo. Já a existência deles no vácuo, harmoniza-se com o conceito do imobilismo. Assim, ele foi mais um dos que tentaram acomodar Parmênides e Heráclito. “Demócrito acrescentava que, embora os corpos decaiam e pereçam, os próprios átomos são eternos. Para Demócrito, a alma é uma forma sutil de fogo (sendo este último composto de átomos mais sutis) animando o corpo humano”12. Demócrito também foi importante na área da ética. Sobre isto, Arildo Luiz Marconatto escreve: A concepção de ética em Demócrito não tem relação com as suas concepções físicas. Para ele o mais nobre bem que o homem pode alcançar é a felicidade. Essa felicidade não está no possuir as coisas, na riqueza. A felicidade mora somente na alma. A justiça e a razão é que nos tornam felizes. Somente através da razão vamos conseguir superar o medo da morte. Os excessos perturbam a alma do homem pois geram nele movimentos muito fortes. Os excessos geram movimentos de um extremo ao outro criando a inconstância e o descontentamento no homem. A alegria espiritual não está ligada ao prazer que não é em si mesmo um bem. O que é realmente necessário vai vir do belo. Devemos respeitar a nós mesmos antes de qualquer coisa. (MARCONATTO, 2017). 5 SÓCRATES (469/399 A.C.) Quem foi Sócrates? Um charlatão? Um preguiçoso que viveu às custas da esposa? Alguém que não cuidava bem da higiene pessoal? Na visão de Aristófanes, assim era Sócrates. No entanto, muita gente desqualifica estes adjetivos pelo fato deste seu descritor não ser alguém que nutria simpatia, ao contrário, pelo filósofo de Atenas. Entretanto, seria seguro dar crédito à descrição física que faz um de seus discípulos, Xenofonte? Mas a verdade é que os demais retratos do filósofo não contrariam a caricatura traçada pelo comediógrafo; de facto, no caso de Sócrates, a sabedoria parece 12 Biografias. Uol Educação. Disponível em < https://goo.gl/LbrjI6 >.Acesso em 15 mai. 2017 que não se fizera acompanhar de beleza física e assim o descreve também Xenofonte, com humor, no Banquete (4. 19, 5; cf. PL, Smp. 215b): notoriamente feio, de olhos esbugalhados, nariz achatado com narinas arrebitadas, lábios grossos, parecido com um sileno, mas que vê na sua fealdade vantagens que lhe permitem competir com os mais belos. (PINHEIRO, 2017). Segundo os melhores autores, Platão fornece as mais confiáveis fontes sobre Sócrates, pois foi seu discípulo mais famoso e conviveu com ele cerca de 10 anos. Isto se dá porque ele não deixou nada escrito, nem ditou para que um escriba registrasse suas palavras. É atribuída a Platão a autoria de mais de trinta diálogos e, entre estes, vinte e nove são considerados autênticos, ou seja, não há dúvidas de que seu autor seja mesmo Platão. Sócrates se faz presente em vinte e sete desses diálogos e quase sempre aparece como personagem principal, como aquele que conduz a discussão (FERNANDES, 2017, p. 69). Sócrates iniciou seu ministério quando efervescia o trabalho dos sofistas. Os sofistas eram homens que se dedicavam a discursos sem compromissos com a verdade, porém alcançar seus objetivos por meio da persuasão. O que tinham em comum era realizar seus trabalhos na ágora, e abandonaram os cuidados de filósofos antecessores em explicar a natureza. Agora o foco era a concentração na problemática do ser humano. A diferença era que Sócrates não cobrava pelo seu trabalho e unia “o saber ao fazer, a consciência intelectual à consciência prática ou moral” (SILVA, 2016). “Só sei que nada sei”. Frase famosa de Sócrates que bem pode haver aí muita ambiguidadena opinião de diferentes autores. Sócrates realmente não sabia? Ou se fingia de “burro” porque era presunçoso? Nada disto. Sócrates criou um método que ficou conhecido como Dialética, que consistia em travar diálogos críticos para se chegar com conhecimento. Além disso, diferentemente dos seus contemporâneos sofistas, ele não arrogava para si saber tudo. Sua atitude revelava a verdadeira sabedoria, pois ninguém há que saiba tudo e nunca se pode dizer que não há nada mais para ser conhecido. Os sofistas não procuravam o diálogo, mas sim convencer o ouvinte, valendo-se de suas habilidades de oratória. Sócrates despreza todo esse espetáculo em torno da apresentação de um sofista. Sua investigação é decorrente não de um desejo de reconhecimento, aplausos e pagamento. A busca pelo conhecimento da natureza das coisas obedece a uma exigência interna. É por uma espécie de dever moral que ele se lança pelas praças conversando com quem quer que se apresente, para exercitar a reflexão e o raciocínio para o que realmente importa: a vida em conformidade com os princípios éticos. (SILVA, 2016). Como consequência de sua dialética, Sócrates em seu diálogo com outra pessoa, experimentam o conhecimento através do que o filósofo chamou de maiêutica. Esta palavra grega significa parteira, que era a profissão de sua mãe. Sócrates se definia como um parteiro do saber, onde ele não gerava no outro o conhecimento, e sim ajuda-o a dar à luz ao conhecimento. O método socrático e seu estilo de vida desagradou especialmente aos sofistas. Movidos de inveja, acusaram-no falsamente. Levado a julgamento, ele mesmo cuidou de sua defesa. Apesar de não acharem provas das acusações, ainda assim ele foi condenado a morrer, tomando veneno, o que fez na primavera de 339 a.C. 6 CONCLUSÃO Analisando a história desde o mito até Sócrates entendemos que inicialmente se podia dizer que o mito explica tudo. Até o século VII A.C. as explicações eram dadas pelo que chamamos de mitológica: uma narrativa sobrenatural para a origem de todas as coisas. A partir do séc. VII a.C, inicia a migração das explicações mitológicas para as racionais, dando nascimento à Filosofia (amor ao saber). Se nos mitos são explicações sobrenaturais do saber, na filosofia são as explicações naturais. As circunstâncias sociais, políticas, econômicas e culturais a partir do séc. VII a.C. contribuíram para o surgimento do pensamento filosófico. Os primeiros filósofos são chamados de pré-socráticos. Eles procuravam explicar a natureza a partir da própria natureza (physis), onde tudo que existe surgiu de um elemento básico (água, terra, fogo, ar, átomo, ápeiron, números). Este elemento básico seria o arkhé. Seus preponentes são Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Xenófanes, Pitágoras. O primeiro conflito de ideias aparece dentro deste grupo de pré-socráticos: mobilismo versus imobilismo. O mobilismo, (Heráclito) é um constante devir, tudo flui, dirigido por um ente, logos, que mantém tudo organizado. Parmênides acreditava que razão e opinião são as vias para de se alcançar o conhecimento. Assim, o movimento é uma ilusão, ou seja, nada muda. O que Heráclito chama de logos, Parmênides diz que é o infinito. O infinito não pode se mover: "o ser é; o não-ser, não é". Empédocles e Demócrito tentam conciliar o mobilismo e o imobilismo. Para Empédocles, amor e ódio atuam no universo deixando-o imóvel, enquanto a junção dos quatro elementos, água, terra, fogo e ar ao se combinarem em constante movimento, dão origem a todas as cosas. Já Demócrito diz reconciliar o mobilismo com o imobilismo na ideia de átomo se movimentando no vácuo. Sócrates é o primeiro a romper com este conceito de conhecimento a partir da natureza para se concentrar nos problemas antropológicos. 7 Figuras e Ilustrações Figura 1 Mapa.jpg. Disponível em <https://goo.gl/UG5Nzt>.Acesso em 26 de abr. 2017 Figura 2 Anaximandermap.png. Disponível em <http://migre.me/wwdzM>. Acesso em 27 abr. 2017. Figura 3 terra-de-anaxc3admenes.jpg. Disponível em <http://migre.me/wwhfz> Acesso em 27 abr. 2017. Figura 4 Piramide-tales.jpg. Disponível <http://migre.me/wwhjy>. Acesso em 27 abr. 2017. Figura 5 Bíblia pegando fogo. <https://goo.gl/vyHj4G>. Acesso em 27 abr. 2017. Figura 6 Exemplo de Tetractys < https://goo.gl/AYt37u >. Acesso em 10 mai. 2017. Figura 7 Os quatro elementos < http://monicafilizola.com/?page_id=170>. Acesso 15 mai. 2017 8 BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, A. P. InfoEscola - Navegando e Aprendendo. GAIA. Disponivel em: <http://www.infoescola.com/mitologia/gaia/>. Acesso em: 21 abr. 2017. CARNEIRO, A. D. M. R. Linha do Tempo da Filosofia – Parte 1. Netmundi.org - Filosofia na rede. Disponivel em: <http://migre.me/wwCca>. Acesso em: 28 abr. 2017. CORTELLA, M. S. Para ler. Mario Sergio Cortella fala sobre Sócrates, São Paulo, 17 abr. 2013. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=I6NCCqx47zM>. Acesso em: 17 abr. 2017. FERNANDES, C. Xenófanes. Só Biografias, 2001. 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