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CAPÍTULO 16 SOBREVIVÊNCIA NO MAR SEÇÃO ÚNICA 16.1. Generalidades – Para a sobrevivência do náufrago, é mais importante o seu estado psicológico do que a eficiência do equipamento que possui. Portanto, o homem deve estar preparado psicologicamente para tal desventura e perfeitamente familiarizado com todo o equipamento e objetos que lhe possam proporcionar um maior tempo de vida. Quanto mais o homem souber utilizar o equipamento de salvamento, mais “tranqüilidade” ele terá para suportar os rigores de um naufrágio. Através da História, travamos conhecimento de dramáticos depoimentos de náufragos que, com maior ou menor noção das técnicas de sobrevivência, usando a criatividade e, principalmente, tendo um fator em comum, “a vontade de viver”, foram resgatados vivos. 16.2. Equipamentos de salvatagem – Desde que se lançou ao mar, o homem passou a conviver com sinistros envolvendo embarcações, navios e, mais recentemente, aeronaves. Por mais sofisticados que sejam os sistemas de prevenção, por mais rigorosas que sejam as medidas de segurança, jamais será possível eliminar por completo o risco de acidentes no mar. Torna-se necessário, portanto, que o pessoal embarcado saiba utilizar os equipamentos de salvatagem disponíveis para uma eventual faina de abandono e conheça os procedimentos básicos de busca e salvamento (Search And Rescue – SAR). Os recursos de salvatagem normalmente encontrados nos navios de guerra são os coletes salva-vidas, balsas e baleeiras, estas últimas tratadas no Capítulo 4, e os equipamentos de sinalização de emergência (comunicações e radiolocalização). Os coletes salva-vidas podem ser infláveis ou de flutuabilidade permanente (tradicionalmente conhecidos como coletes de paina). São normalmente dotados dos seguintes acessórios: apito, lanterna, ampola de CO 2 (colete inflável), bateria, alça de pick-up (colete inflável), faixas adesivas refletoras, linha de agregação (colete inflável – utilizado para manter os náufragos reunidos) e pó marcador (colete inflável). Os coletes salva-vidas de flutuabilidade permanente devem ser utilizados por todo o pessoal que guarnece postos em conveses abertos, quando no mar. Esses coletes oferecem proteção contra estilhaços e proporcionam flutuação instantânea ao homem que cair na água. Devem ser armazenados nas proximidades das estações a serem guarnecidas. Cada tripulante possui o seu colete inflável, que deve ser mantido em local de fácil acesso. Quando dentro da balsa, o colete deve ser mantido na parte posterior do corpo, que proporciona proteção, evitando avarias no colete. É importante que todos os tripulantes saibam utilizar os coletes, para que eles funcionem corretamente quando se fizerem necessários. Calças compridas também podem atuar como salva-vidas de fortuna. Para isso, basta que o náufrago dê um nó na extremidade de cada perna, desabotoe a ARTE NAVAL816 braguilha e segure a calça pela cintura, por trás da cabeça; em seguida, com um rápido movimento de trás para a frente em arco por cima da cabeça, mergulhar à sua frente a cintura da calça. O ar armazenado irá encher as pernas da calça. Para usá-la como salva-vidas, deitar-se sobre a calça de modo que as pernas infladas fiquem na altura das axilas. Os equipamentos de comunicação em emergência são o transceptor de MF/ HF de balsa, construído especificamente para este fim, e os transceptores portáteis de uso comum, que operam na faixa de socorro do Serviço Móvel Marítimo (SMM) e do Serviço Móvel Aeronáutico (SMA). Recomenda-se a inclusão da instrução de uso de tais equipamentos na programação de adestramento do navio, sem esquecer que a utilização deve ser cercada de cuidados (uso de antenas fantasma, por exemplo), pois sinais de emergência somente podem ser transmitidos por estações efetivamente em perigo. O transceptor MF/HF de balsa é um equipamento de operação simples, capaz de ser operado, até mesmo, por pessoal não habilitado em radiotelefonia e radiotelegrafia. Apresenta as seguintes características principais: • Freqüências de operação 500 kHz – Freqüência Internacional de Chamada e Socorro, na faixa de Média Freqüência (MF), em radiotelegrafia (morse); possui dispositivo para transmissão automática de sinal de socorro (conjunto de sinais com a duração aproximada de dois minutos, constituído de sinal de alarme – doze traços, com duração de um minuto, seguido de SOS (. . . - - -. . .), repetido três vezes, e dois traços longos); 2.182 kHz – Freqüência Internacional de Chamada e Socorro, na faixa de Média Freqüência (MF), em amplitude modulada (radiotelefonia - voz); possui dispositivo para transmissão automática de sinal alarme (dois tons de áudio, com duração entre 30 e 60 segundos); e 8.364 kHz – Freqüência Internacional de Socorro, na faixa de Alta Freqüência (HF), em radiotelegrafia (morse); possui dispositivo para transmissão automática de sinal alarme. • Alimentação – 24 VDC, provido por um gerador acionado por duas manivelas; também pode receber alimentação externa (bateria da lancha, por exemplo). • Flutuabilidade – O transceptor flutua e é pintado de amarelo para facilitar a visualização. Por possuir flutuabilidade positiva, é recomendável manter-se ao menos um equipamento em um berço, semelhante aos utilizados para as balsas salva-vidas, permitindo que o transceptor se solte em caso de afundamento do navio. Recomendação: As instruções de montagem e operação do transceptor devem ser traduzidas, plastificadas e mantidas no interior do casulo do equipamento, de modo a facilitar a sua utilização, que é muito simples. Os transceptores portáteis de VHF-FM, que operam na faixa do SMM, permitem o estabelecimento de comunicações com navios e aeronaves empregados na busca SAR. Como normalmente não são estanques, devem ser conservados embalados em plástico nas fainas de abandono. Apresentam como limitação de uso a duração da bateria e devem ser poupados por este motivo (obviamente, esta desvantagem é neutralizada se houver recurso para alimentar o equipamento na lancha, ou esta possuir transceptor que opere na faixa). Neste caso, será guarnecido o canal 16 (156,8 MHz), que é a freqüência de chamada e socorro do SMM em VHF. SOBREVIVÊNCIA NO MAR 817 Alguns navios dispõem de transceptores portáteis que operam na faixa do SMA. Tais transceptores podem ser utilizados nas comunicações com navios que disponham de equipamentos nesta faixa (normalmente os de guerra) e com as aeronaves. Nesse caso, utiliza-se a freqüência de 121,5 MHz, que é a freqüência de chamada e socorro do SMA. Essa freqüência pode facilitar a busca de náufragos, pois as aeronaves SAR podem se orientar pela marcação da emissão. Assim como os transceptores portáteis do SMM, esses equipamentos, normalmente, não são estanques e devem ser conservados embalados em plástico nas fainas de abandono. Também apresentam como limitação de uso a duração da bateria e devem ser poupados por este motivo. Entretanto, alguns navios já possuem transceptores portáteis de UHF/VHF estanques, reconhecidos por serem pintados na cor amarela. Com o advento do Sistema Marítimo Global de Socorro e Segurança (GMDSS), tornou-se obrigatório que as lanchas e embarcações de abandono disponham de equipamentos de radiolocalização – radiobalizas indicadoras de posição em emergência (EPIRB - Emergency Position Indicating Radio Beacon) e transponder radar (SART - Search And Rescue Radar Transponder). As EPIRB transmitem na freqüência de 406 MHz e 121,5 MHz; possuem uma strobe light, que fica piscando, facilitando a localização à noite; são à prova d’água e alimentadas por uma bateria capaz de mantê-las em funcionamento por 48 horas. O equipamento deve ser ativado tão logo se configure a emergência, pois em pouco tempo os sinais serão captados por um dos vários satélites que compõem o sistema. Portanto, o equipamento deve ser mantido ativado até esgotar a bateria ou chegar o socorro. O adestramento quanto ao uso da EPIRB deve fazer parte do Programa de Adestramento do navio. O importante é enviar o pedido desocorro e indicar a posição do sinistro o mais cedo possível. O transponder radar (SART) funciona sob quaisquer condições de tempo ou visibilidade. Quando ativado por um pulso radar (na faixa de 9 GHz), emite um sinal de resposta, detectável na tela daquele radar, sob a forma de traços bem definidos. Os equipamentos de radiolocalização serão tratados com mais detalhes no Capítulo 17. 16.3. Procedimentos – Não se deve saltar sobre as balsas salva-vidas e sim nas suas proximidades. O abandono deve ser feito preferencialmente por barlavento, devendo o homem nadar até a sua balsa. No que se refere às balsas que se localizam a sotavento, tão logo possível, devem ser deslocadas para barlavento do navio. Deve-se evitar saltar sobre destroços e em locais onde haja óleo. Saltar com o colete vazio, protegendo o pescoço e os órgãos genitais (de pernas cruzadas), e nunca pular de cabeça e sim de pé. Considerando que todos os náufragos já estejam distribuídos pelas balsas, não havendo mais ninguém na água para ser recolhido, as balsas devem ser mantidas agrupadas, amarrando-as entre si através de suas boças, evitando dessa forma que venham a se dispersar. As embarcações miúdas que já tenham sido lançadas ao mar poderão auxiliar no agrupamento das balsas, redistribuição de feridos e outros serviços que se fizerem necessários. Isso provê apoio mútuo, eleva o moral e facilita ARTE NAVAL818 na localização pelas unidades de busca. A amarração entre as balsas deve ser bem folgada, para que não haja trancos em virtude do movimento das vagas. Os cabos para essa amarração devem ser fixados no local próprio, ou na linha salva-vidas que circunda a balsa. É necessário que se proceda então a uma cuidadosa análise da situação e que o grupo se organize em cada balsa e em conjunto. Os seguintes itens básicos devem ser observados: (1) proceder a uma verificação das condições físicas de todo o pessoal e prestar os primeiros socorros aos feridos. O médico e o enfermeiro, se disponíveis, devem percorrer todas as balsas e organizar o atendimento aos feridos; se houver uma balsa específica para os feridos, isso será facilitado. É conveniente que todos procurem limpar os resíduos de óleo aderidos à pele; (2) se o número de balsas for insuficiente para a acomodação de todos, deve ser previsto o revezamento dos que estejam em boas condições físicas, de modo que um determinado número de homens fique na água, preso às linhas salva-vidas da balsa através dos cabos de agregação dos seus coletes. Isso pode ser, porém, um problema bem sério em águas muito frias. Quando do revezamento, as roupas devem ser postas a secar, para que os homens que estejam a bordo das balsas permaneçam sempre com roupas secas; (3) no que diz respeito à temperatura do ar, seus efeitos sobre o pessoal estão intimamente ligados à velocidade do vento. Assim, uma temperatura do ar de cerca de 10°C pode representar para alguém com as roupas molhadas 0°C ou -3°C, conforme sopre um vento de 17 a 35 nós; (4) estabelecer um serviço de vigilância durante as 24 horas do dia, em quartos de duas horas, se possível. Havendo pessoal disponível, é conveniente estabelecer ao menos dois vigias por quarto; (5) o vigia deve estar atento a qualquer sinal de terra, de navios que passem ou de aeronaves em vôo, a quaisquer vestígios ou destroços de naufrágios, à freqüência do aparecimento de algas marinhas, cardumes de peixes e bandos de aves, às condições de sua balsa e das demais, enfim, a qualquer coisa que fuja à rotina e que esteja ao alcance de seus olhos e seus ouvidos. O vigia deve guarnecer sempre o apito, o espelho refletor e os fumígenos (de dia) e os sinalizadores pirotécnicos (à noite); (6) distribuir tarefas a todos que estejam em boas condições físicas. Entre essas tarefas, pode ser relacionado: escriturar um diário de bordo, pescar, assistir algum ferido, manter o interior da balsa seco (usar a esponja), controle da água e das rações etc.; (7) recolher os objetos flutuantes que forem encontrados, visando a uma possível utilização. Não convém, contudo, que sejam introduzidos a bordo objetos pontiagudos ou cortantes, ou que ocupem muito espaço. Esses devem ser amarrados e deixados flutuando, com cuidado para que não venham causar danos às partes externas das balsas; (8) proteger bússolas, relógios, pirotécnicos e demais objetos que possam estragar-se em contato com água salgada; (9) se a temperatura estiver muito alta, esvazie um pouco a balsa. Ao esfriar, encha-a novamente. Isso evitará possíveis danos às balsas; e SOBREVIVÊNCIA NO MAR 819 (10) caso alguém caia no mar, o recolhimento deverá ser feito, preferencial- mente, por bóia ou colete salva-vidas inflado, preso a um cabo. Os contatos entre náufragos e unidades empenhadas nas buscas são limitados pelo menor ou maior grau de visibilidade de avistamento que as balsas possam oferecer. Dessa forma, lance mão de todos os meios ao seu alcance para aumentar a possibilidade de ser avistado do ar, dentre eles: (1) faça uso do espelho de sinalização e ponha o rádio a funcionar sempre que se apresentar uma oportunidade de ser ouvido; (2) utilize os pirotécnicos sempre que houver possibilidade de esses sinais serem avistados por uma aeronave; (3) faça exercícios de sinalização com o espelho que acompanha a palamenta das balsas salva-vidas. Como substituto a esse espelho, fazer uso de um espelho de bolso comum ou de qualquer fragmento de metal brilhante. Faça um furo no centro do pedaço de metal, para que possa fazer visada através do mesmo. Nos dias enevoados, os observadores de bordo de uma aeronave podem avistar o brilho do espelho, ou do pedaço de metal, antes que os náufragos possam avistar a aeronave. Por isso não deixe de fazer brilhar o espelho para o lado em que for ouvido o ruído característico de motor, mesmo que ainda não seja possível avistar a aeronave. Depois de avistá-la, continue a sinalizar; (4) opere o rádio de emergência a intervalos freqüentes e conforme as instruções particulares de cada um. Quando utilizar equipamento do tipo alimentado por energia elétrica gerada pelo esforço manual (transceptores de balsa), procure manter um nível constante de produção de corrente no gerador. Seja econômico quando fizer uso dos transceptores acionados à bateria; (5) utilize os sinais pirotécnicos à noite, ao escutar ruídos de aeronaves ou avistar luzes de unidades de superfície. Faça uso do fumígeno laranja, quando de dia. Mantenha bem seco o material pirotécnico. Não esbanje, mas use-o com critério. Tenha o máximo cuidado para que esse material não ocasione incêndio a bordo; (6) as balsas dispõem de luz externa que deve ser mantida acesa durante todo o período noturno. Quaisquer luzes adicionais disponíveis, tais como lanternas de mão, devem ser acionadas quando percebida a presença de alguma unidade de busca; (7) à noite ou com nevoeiro, utilize o apito para atrair a atenção de unidade de superfície ou de outras balsas; e (8) se houver disponibilidade de refletores-radar, estes devem permanecer armados durante todo o tempo, exceto na ocorrência de temporais. Refletores-radar podem ser improvisados com latas vazias e outras chapas metálicas disponíveis. Cuidado para não atingir a balsa com partes metálicas dotadas de arestas aguçadas e cortantes. 16.4. Saúde e estado sanitário – As condições adversas e a limitação de recursos de toda espécie exigem cuidados especiais com a saúde. É necessário economizar energia, não fazer esforços e não falar desnecessariamente. É conveniente, porém, movimentar-se com regularidade, a fim de manter a circulação sangüínea. Isso propicia também algum aquecimento e evita ferimentos, principalmente, nas nádegas e pernas. ARTE NAVAL820 Devem ser evitadas exposições prolongadas da pele ao sol forte. Improvisar toldo nas lanchas e, na sua falta, manter a vestimenta completa, inclusive com o uso de chapéu. O piso da balsa deve ser mantido completamente seco, empregando-se para isso a esponja que faz parte do kit de salvatagem. As balsas devem ser bem ventiladas,para evitar a transpiração de seus ocupantes e a conseqüente necessidade de maior consumo de água. Nos climas frios, o grupo deve manter-se bem junto, para prover aquecimento mútuo. O vômito representa uma grande perda de água para o organismo. Em caso de náuseas, tomar logo o medicamento contra enjôo e manter-se deitado. Os ferimentos em geral devem ser mantidos secos e cobertos com ataduras. Não perfurar as bolhas provenientes de queimaduras ou outras causas. Com tempo bom, a intensa luminosidade do céu e os reflexos do mar podem afetar os olhos, tornando-os inflamados e doloridos. Deve ser evitada a exposição desnecessária da vista nessas ocasiões de sol forte. Se os olhos estiverem doloridos, coloque uma leve atadura. Umedeça um pedaço de gaze ou algodão na água do mar e coloque-o sobre os olhos, antes de fixar a atadura. A falta de funcionamento dos intestinos constitui fenômeno comum em náufragos, dada a exigüidade da alimentação. Não se impressione com isso e não tome laxativos. A cor escura da urina e a dificuldade de urinar são, também, fenômenos normais em tais circunstâncias, quando o consumo de água é baixo. A sensação de medo é normal em homens que se encontram em situação de perigo. Lembre-se de que outros homens sentiram o mesmo medo e, a despeito disso, conseguiram sair-se bem das dificuldades e dos perigos. A fadiga e o esgotamento resultantes de grandes privações muitas vezes conduzem a distúrbios mentais que podem tomar forma de extenso nervosismo, atividade excessiva e violenta ou de estafa. O melhor meio de evitá-los é procurar dormir e descansar o máximo possível. Quando não estiver descansando, mantenha-se em relativa atividade, atendendo às várias tarefas de bordo. A percepção de miragens não significa estar sofrendo de distúrbios mentais. O ânimo alegre é um tônico real e que se comunica aos demais. NÃO ECONOMIZE O BOM HUMOR, porém não exagere nas brincadeiras, a ponto de quebrar a tranqüilidade que deve reinar no ambiente. No que tange à utilização da água disponível nas balsas ou nas embarcações de salvamento, aconselha-se: (1) não desperdiçar energia, pois assim estará aumentando suas necessidades relativas a alimentos, assim como a transpiração, o que requer maior reposição de água; (2) alimento algum é necessário nas primeiras 24 horas; e (3) nas primeiras 24 horas, não se deve dar água a homens sãos; somente os feridos e doentes poderão receber uma ração de água, se estiverem sedentos. Se dermos água aos homens sãos, por já possuírem em seus organismos a quantidade de água normal, esta água se tornará excesso e será perdida, expelida como urina. Se eles são privados de água pelo período inicial de 24 horas, seu organismo fica um pouco desidratado e, assim, ávido de água, que será então integralmente aproveitada quando ingerida. SOBREVIVÊNCIA NO MAR 821 16.5. Água, o elemento vital – A água é mais importante do que o alimento. O organismo humano contém cerca de 33 litros de água; a vida não pode ser mantida se essa quantidade de água baixar a valores inferiores a 20 litros. Mesmo que não esteja transpirando, o homem perde água devido a evaporação normal, pela epiderme, pela respiração e cada vez que urinar ou evacuar. Experiências constatam que nessas condições perde-se cerca de 0,8 litro de água por dia, caso não seja ingerido líquido algum; assim pode-se sobreviver por 15 dias, pois se teria uma desidratação de cerca de 12,5 litros durante tal período. Se houver bastante transpiração, a perda de água aumenta tremendamente, e os 15 dias de sobrevivência se reduzem a bem poucos. Isso ocorre principalmente emzonas tropicais, motivo pelo qual deve-se molhar as roupas em água salgada, quando for obrigado a permanecer exposto ao sol, para reduzir a transpiração.Como nos trópicos as noites costumam ser frescas, aconselha-se que as roupas que foram molhadas sejam colocadas para secar ao pôr-do-sol, para que sirvam de abrigo à noite. Observe as nuvens e esteja prevenido para qualquer chuva que possa cair. Tenha sempre ao seu alcance algum meio para coletar e guardar a maior quantidade possível de água da chuva. Se o coletor e a cobertura da balsa se encontram impregnados de sal, lave-os com água do mar, a qual, misturada à água da chuva em pequena quantidade, pouco é percebida pelo paladar e não causa transtorno fisiológico algum quando ingerida. Em mar agitado, é difícil obter água doce que não venha contaminada com água salgada. A água da chuva nem sempre satisfaz a sede; nela faltam os minerais necessários ao corpo humano, além de desagradar um pouco ao paladar. Sempre que chover, beba água o máximo que puder. Nunca beba água salgada, porque, em vez de matar a sua sede, você irá aumentá-la. A água do mar pura não pode ser absorvida pelo organismo humano. A própria água do mar misturada com água doce é prejudicial ao organismo, pois o sal ingerido deve ser expelido pela urina e para isso o corpo humano tem que ceder água para dissolvê-lo e permitir sua passagem pelos rins;as células que perdem essa água morrerão, o mesmo acontecendo com todo o organismo, caso o processo de desidratação não seja interrompido. 16.6. Alimentos, pesca e fauna marinha – Um homem pode sobreviver sem alimento algum por um período muito maior do que sem água. A qualidade e o tipo de alimento são pontos a considerar. O número de dias que um náufrago pode sobreviver é variável, dependendo da condição física, porém um período de 35 a 40 dias não é excepcional. Alimentos ricos em proteínas, como a carne, não são totalmente absorvidos, de modo que os produtos que forem expelidos irão necessitar de uma quantidade de água, retirando-a do organismo. Quando um homem está morrendo de fome, seu organismo lança mão do seu próprio corpo, porém, ao ingerir açúcar, seu organismo não utiliza suas próprias reservas de proteínas, havendo, conseqüentemente, menos material a ser expelido em forma de urina. Comendo açúcar, cerca de 0,15 litro de água do corpo deixa de ser despendido, sendo conservado; por isso as rações modernas são, em sua maioria, compostas ARTE NAVAL822 com açúcar. Nenhum alimento açucarado deve ser liberado nas primeiras 24 horas. Após isso, é fornecida a cada homem a ração diária (no kit da balsa há ração para três dias). Alguns tipos de algas e sargaços encontrados em alto-mar podem ser comidos. Quando frescas, essas algas não possuem odor algum, são macias e sem asperezas. Não coma algas ásperas, pois poderão conter substâncias que irritarão as mucosas do aparelho digestivo. Verifique se as algas contêm minúsculos organismos, que lhe irão picar e que devem ser retirados antes de comê-las. Deve- se ter cuidado em não comer algas e sargaços sem haver reserva extra de água, que compense o sal ingerido com elas. Quase todas as espécies de peixes de alto-mar são comestíveis e representam um precioso reforço ao cardápio do náufrago. Como é praticamente impossível fazer fogo para cozinhar a bordo das balsas e mesmo das lanchas, os peixes devem ser comidos crus. Isso poderá ser difícil para muitas pessoas e, em caso de náuseas, é melhor não insistir. A carne dos peixes deve ser chupada, sorvendo-se o líquido altamente nutritivo que contém, jogando-a fora a seguir. Além dos apetrechos de pesca (kit de pesca) constantes da dotação das embarcações de salvamento, a improvisação poderá suprir diversos meios para pescaria. É possível transformar em anzóis objetos tais como: clips de lapiseira, prego dos sapatos, espinha de peixe, ossos de pássaros etc. A linha pode ser facilmente tirada das próprias roupas, torcendo-se vários fios para maior resistência. Durante o dia, os peixes são, em geral, atraídos pela sombra da balsa; improvise um arpão para pegar os peixes maiores. Projete pela água adentro (à noite) o facho de luz de sua lanterna elétrica de mão, ou então, por meio de um espelho, reflita a luz da lua para dentro da água. A luz atrairá os peixes. À noite, poderá acontecer que os peixes de determinadas espécies, especialmente os peixes voadores, caiam dentro da balsa.Não utilize linhas de pesca muito fortes e anzóis grandes, o que poderá trazer dificuldade no caso de fisgar um peixe muito grande. Não amarre linhas fortes em partes frágeis da balsa ou no próprio corpo. Evite deixar os pés e as mãos para fora, pois algum peixe – não necessariamente um tubarão – poderá abocanhá-los. Peixes de maior porte devem ser capturados sem que haja riscos. Mate-os com uma pancada na cabeça ou com a faca antes de puxá-los para o interior da embarcação. Não procure fisgar ou arpoar tubarões ou peixes muito grandes. A quase totalidade dos peixes impróprios à alimentação vive em águas pouco profundas. Quase todos são da família do baiacu, têm o corpo arredondado, com pele dura parecendo crosta, ou cobertos de placas ósseas ou espinhas. Não é aconselhável também comer vísceras de peixes e aves, bem como ovas de peixes desconhecidos. Essas partes serão mais úteis se empregadas como iscas. Não procure, em circunstância alguma, examinar ou comer medusas, águas-vivas ou caravelas. São difíceis de pegar e podem produzir queimaduras e intoxicação por vezes fatais. Atenção com os peixes venenosos: peixe-escorpião, peixe-porco- espinho, baiacu, peixe-pedra e peixe-zebra. Todas as aves constituem alimentos em potencial. Podem ser capturadas por meio de laços ou mesmo com a mão, dependendo da habilidade de cada um. SOBREVIVÊNCIA NO MAR 823 Utilizar como isca os pequenos peixes ou pedaços de metal brilhante em formato aproximado de peixe. Muitas aves são atraídas pelas embarcações como ponto de pouso e descanso. Quando as avistar, conserve-se imóvel, pois algumas delas ou mesmo todas do bando podem vir pousar na balsa ou até sobre alguém. É possível agarrá- las logo que tenham fechado as asas. Apenas duas entre as 225 ou 250 espécies de tubarões conhecidas são dignas de confiança. As demais são constituídas de carnívoros predadores, das quais 12 podem ser consideradas como verdadeiras e constantes ameaças ao homem. Não há certeza do que pode exatamente levar um tubarão a atacar um ser humano. A existência de sangue na água é inegavelmente o principal estímulo, assim como o fato de o tubarão estar excepcionalmente faminto. Em outras situações, porém, o fato de o tubarão atacar ou não atacar parece condicionado a causas pouco definidas. Até agora, ninguém pôde estabelecer o que realmente deve ser feito para desencorajar o ataque de um tubarão. Gritar com a cabeça dentro da água, bater com os pés e as mãos na água, golpeá-lo no focinho são ações recomendadas em várias ocasiões, que podem dar certo em alguns casos e em outros não; é provável até que o tubarão se enfureça quando se tentar intimidá-lo. Por outro lado, se ele não fizer qualquer movimento declarado de ataque, uma retirada (se possível) tranqüila ou uma atitude calma e imobilidade podem ser suficientes para que ele se afaste. Se ocorrer o ataque por um tubarão solitário, contra-atacar pode ser o último recurso e uma faca ou um bastão de madeira representam uma possibilidade a mais de dissuadi-lo. Os repelentes de tubarão têm uma longa história de fracassos, inclusive aqueles utilizados pela Marinha americana durante a Segunda Guerra Mundial. Em alguns casos, os repelentes parecem atuar sobre os tubarões solitários; em outros casos, os tubarões chegaram mesmo a comê-los. Diante de grupos de tubarões excitados, nada deu certo até agora. 16.7. Navegação e arribada – A não ser que estejam sendo avistados pontos de terra ou que haja absoluta certeza de sua proximidade e da possibilidade de alcançá-la, não deve ser feita qualquer tentativa de navegação com as embarcações de salvamento. É praticamente impossível fazer navegar a balsa por longas distâncias e com recursos próprios em rumo diferente daquele que lhe é dado pelo vento e pela corrente. As lanchas, por sua vez, possuem limitado raio de ação e pequena potência para reboque das balsas, cuja resistência estrutural não aconselha maiores esforços de tração, os quais estariam certamente presentes no reboque de várias balsas em série. Todos os planos de busca a embarcação à deriva têm como ponto básico de referência a posição informada ou estimada do local do acidente. Assim, a menos que o vento e a corrente estejam conduzindo para terra sabidamente próxima, a deriva deve ser evitada tanto quanto possível, embora esteja ela também prevista nos planos de busca. As âncoras flutuantes das balsas devem, então, ser mantidas na água, visando a reduzir a deriva. A eventual arribada à costa pode conter ainda alguns problemas até o efetivo ARTE NAVAL824 desembarque. As principais dificuldades estão nas fortes arrebentações, especialmente em costas rochosas, as quais devem ser evitadas, na medida do possível. Atravessar a linha de arrebentação das ondas com uma balsa não é tarefa das mais fáceis. Procure descobrir um local em que a linha de arrebentação apresente descontinuidade e, se houver, aproveite esse local como de entrada. Se houver necessidade de nadar para chegar à terra, é conveniente conservar os sapatos e as roupas, além, logicamente, do colete salva-vidas ou outro recurso para auxiliar a flutuação. As roupas e os sapatos servem como proteção contra cortes e esfoladuras que podem ser causados por pedras, mexilhões e corais. Se a arrebentação for moderada, procure cavalgar a crista de uma onda pequena nadando na direção em que ela se desloca. Em grande arrebentação, nade para a terra na depressão entre duas ondas. Ao ser alcançado por uma onda, mergulhe sob ela, deixando-a passar. Se tiver de alcançar a terra em costa rochosa, procure um ponto da costa onde as ondas subam pela rocha inclinada. Evite os pontos em que as vagas arrebentam com violência. Uma vez escolhido o ponto de contato com a terra, adiante- se seguindo de perto uma grande vaga, até penetrar na área da arrebentação. Mantenha-se de frente para a costa, tome posição de quem está sentado, com os pés para a frente. Nessa posição, os pés podem amortecer os choques quando você, finalmente, fizer contato com a terra.
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