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Copyright do texto © 2008 Autores Copyright da edição © 2008 Escrituras Editora Todos os direitos desta edição reservados Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda. Rua Maestro Callia, 123 Vila Mariana – São Paulo, SP – 04012-100 Tel: (11) 5904-4499 – Fax: (11) 5904-4495 escrituras@escrituras.com.br www.escrituras.com.br Editor Raimundo Gadelha Coordenação Editorial Mariana Cardoso Revisão Ravi Macario Edson Cruz Projeto Grá�co e Capa Vaner Alaimo Editoração Eletrônica Felipe Bonifácio Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Práticas integradas para o ensino de biologia / Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo, João José Caluzi, Ana Maria de Andrade Caldeira, organizadores. – São Paulo: Escrituras Editora, 2008. (Educação para a ciência; 9) Vários autores. Bibliogra�a. ISBN 978-85-7531-304-6 1. Biologia – Estudo e ensino 2. Prática de ensino I. Araujo, Elaine S. Nicolini Nabuco de. II. Caluzi, João José. III. Caldeira, Ana Maria de Andrade. IV. Série. 08-11620 CDD-570.7 Índices para catálogo sistemático: 1. Biologia: Estudo e ensino 570.7 Impresso no Brasil Printed in Brazil Obra em conformidade com o Acordo Ortográ�co da Língua Portuguesa Sumário Prefácio 1. Epistemologia da Biologia: uma proposta didática para o ensino de Biologia Introdução Epistemologia da Biologia A Biologia como uma Ciência autônoma A Epistemologia da Biologia no contexto do ensino A constituição de um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia Resultados preliminares Considerações �nais Referências bibliográ�cas 2. A interdisciplinaridade na educação em Ciências: professores de Ensino Médio em formação e em exercício Introdução O Projeto Pró-Ciências Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade Di�culdades para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares na escola Trabalhos �nais produzidos pelos professores-alunos Pró-Ciências: erros e acertos Referências bibliográ�cas 3. Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto >coletivo por professores Introdução A construção de um projeto na Escola Pública Ações desenvolvidas pelos participantes Resultados Considerações �nais Referências bibliográ�cas 4. O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia: interdisciplinaridade e contextualização. Introdução O tema contextualizador A construção do trabalho interdisciplinar O conceito de energia em Biologia e suas relações interdisciplinares Discussão Avaliação do processo de construção do projeto interdisciplinar e contextualizado Organização do coletivo escolar O Processo de ensino O Processo de aprendizagem Considerações �nais. Referências bibliográ�cas 5. A �cção cientí�ca como estratégia pedagógica interdisciplinar: aproximando as Ciências e a Arte Introdução Algumas considerações sobre o enfoque interdisciplinar Ensino de Evolução Biológica “Evolution”: o �lme analisado Possíveis conteúdos matemáticos a serem abordados em interdisciplinaridade com a Biologia, a partir do �lme “Evolution” Considerações �nais Referências bibliográ�cas 6. Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos. Introdução As pesquisas biotecnológicas e suas implicações éticas Infertilidade e fertilização in vitro Bioética e fertilização in vitro A Lei de Biossegurança O livro didático de Ciências e Biologia Transposição e mediação didática Considerações metodológicas Presença de explicação, ilustrações sobre fertilização in vitro Localização do assunto no livro didático Consistência das informações apresentadas Presença de uma abordagem ética e social Considerações �nais Referências bibliográ�cas 7. A construção do conceito de circulação sanguínea e o Ensino de Biologia Introdução A importância da História da Ciência no Ensino de Ciências A construção do conceito de circulação sanguínea: algumas teorias anteriores a Harvey Considerações �nais Referências bibliográ�cas 8. A formação de conceitos cientí�cos em aulas de campo: as possibilidades de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski Introdução O conhecimento cientí�co na perspectiva piagetiana O conhecimento cientí�co na perspectiva de Vigotski O desenvolvimento do programa Formando conceitos em aulas de campo: conhecimento cientí�co e mediação Considerações �nais Referências bibloigrá�cas 9. Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas naturais característicos da restinga de Ilha Comprida, SP Introdução Caracterização física e biológica de Ilha Comprida Caracterização e localização Formação geológica Cobertura vegetal Escolha das tipologias vegetacionais de Mata Atlântica Semiótica peirceana Sequência didática e ferramentas de coleta de dados Aulas teóricas Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 1) Sequência didática das aulas teóricas Aulas práticas Sequência didática das aulas práticas Sequência didática da sistematização de conteúdos Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 2) Análise de conteúdos Atividade didática 1 Atividade didática 2 Análise semiótica Atividade didática 1 Atividade didática 2 Considerações �nais Referências bibliográ�cas Prefácio Dois clássicos em Filoso�a, Peirce e Piaget, pensaram o desenvolvimento da inteligência humana pela experiência e por um conjunto de abstrações que nos enriquecem cognitiva e culturalmente. Estas duas dimensões – experiência e graus diferenciados de abstração – criam e recriam o pensamento e sustentam nossas ações. Com essa concepção li este livro, Práticas Integradas para o Ensino de Biologia, organizado por Elaine Sandra Nicolini Nabuco de Araujo, João José Caluzi e Ana Maria de Andrade Caldeira. Vejo no livro um grande mérito: valoriza a experiência de alunos e professores propondo que o ensino da Biologia seja realizado por meio de práticas pedagógicas que recriem o sentido da interdisciplinaridade. Em outras palavras, as pesquisas apresentadas neste livro propõem que o professor ensine Ciências e Biologia pensando suas histórias, suas dimensões culturais e a função das políticas educacionais. Propõem que este reconheça a possibilidade de ensinar de outra forma, voltando-se, sobretudo, para o papel da experiência, entendida aqui como prática de recontextualização do conhecimento cientí�co em conhecimento escolar. Para isso, o livro sugere que o ensino da Biologia deve escapar aos problemas mais comuns na vida do professor como, por exemplo, a divisão do currículo em conteúdos estanques, a não valorização de conhecimentos cotidianos dos alunos, a não articulação dos temas sociais aos temas cientí�cos como o papel da energia no mundo atual, o efeito estufa no planeta, o papel da bioética entre outros temas tão importantes para a formação cientí�ca de nossos alunos. Os textos deste livro sugerem uma boa caminhada ao professor de Ciências e de Biologia. Apontam uma sina docente: ser andarilho de fronteiras. Nesse sentido, o primeiro capítulo, “Epistemologia da Biologia: uma proposta para o Ensino de Biologia”, retoma uma discussão cara aos professores de Biologia, a dimensão da interação como suporte para o ensino e a aprendizagem. Propõe que o conhecimento biológico seja visto por uma visão integradora em que sistemas biológicos sejam representados por sistemas complexos e pelo conceito de auto-organização. No segundo capítulo, “A Interdisciplinaridade na Educação em Ciências: os professores do Ensino Médio em formação e em exercício”, as autoras mostram que o conceito de interdisciplinaridade está em construção entre os docentes entrevistados. Isso di�culta a prática tão desejada no ensino de Biologia. Para que essa concepção possa ser pensada entre os professores é necessário um trabalho coletivo dos docentes com novos conhecimentos escolares e, sobretudo, uma organização diferente do trabalho docente. Uma organização que privilegie espaços de debate, estudo e vida cultural dos docentes. O conceito de interdisciplinaridade também é debatido no capítulo terceiro, “Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto coletivo porprofessores”. Neste, as autoras indicam que as ações interdisciplinares na escola podem ser realizadas de diferentes maneiras, desde que os princípios básicos sejam estabelecidos no decorrer do trabalho de ensino. Interdisciplinaridade e contextualização são temas do quarto capítulo. Em “O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia: interdisciplinaridade e contextualização”, temos um ensaio do tratamento interdisciplinar dado ao tema energia tomando como exemplo a cadeia produtiva de cana-de-açúcar na região de Jaú, SP, onde a pesquisa foi desenvolvida em uma escola local. Biologia, Física e Matemática foram áreas delineadas para um trabalho com cunho social e cientí�co. Para o ensino de Biologia, a Arte também foi pensada neste livro. No quinto capítulo, “A �cção cientí�ca como estratégia interdisciplinar: aproximando as Ciências e a Arte”, os autores lembram, com Bachelard, que, embora as Artes se cristalizem no plano sensível e as Ciências no plano formal, essas duas dimensões são passíveis de serem pensadas no ensino de Biologia como Estética e como cognição. É interessante anotar neste capítulo o tema Evolução sendo abordado matematicamente pela função exponencial, o que mostra a integração entre Estética, Matemática e Biologia. No sexto capítulo, “Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos”, as autoras tocam em um ponto crucial: os livros didáticos na organização do trabalho docente. Como sabemos, o livro didático tem sido um dos recursos mais utilizados na ação docente; daí a necessidade de uma análise criteriosa. As autoras analisam o tema fertilização in vitro e o tratamento interdisciplinar dado às questões da Bioética. Dos cinco livros analisados pode-se dizer que ainda não temos uma abordagem social e ética satisfatória para o Ensino de Biologia. No capítulo sete, “A construção do conceito de circulação sanguínea e o Ensino de Biologia” , os autores apresentam um texto elaborado com fontes primárias, com o tema histórico acerca da circulação sanguínea para o Ensino de Biologia. Os autores, apoiados em textos históricos, demonstram a riqueza da História da Ciência para o ensino de conteúdos da Biologia. Traduzem um saber histórico para o presente enfatizando a integração da História com a Biologia. Em “A formação de conceitos cientí�cos em aulas de campo: as possibilidades de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski”, capítulo oito, os autores perguntam: quanta experiência é necessária para que ocorra a formação de determinado conceito? Há um momento em que seja possível dizer que ocorreu a aprendizagem? São questões que permeiam o texto, buscando em Vigotski a formação de conceitos pelo processo de instrução, e em Piaget o processo de formação cientí�ca do conceito conforme a idade dos aprendizes. Essa preocupação é desenvolvida juntamente com uma investigação sobre a utilização dos ecossistemas terrestres naturais brasileiros em uma escola municipal de Bauru, SP. Nesse texto, os autores indicam como podemos teorizar o desenvolvimento do conhecimento a partir de aulas em campo. No capítulo nove, “Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas naturais característicos da restinga de Ilha Comprida, SP”, os autores, pela análise semiótica peirceana, investigaram o ecossistema da ilha integrando estudantes de 1 a 16 anos na temática ecológica e cultural da região. Em contato com ecossistemas, os alunos passaram por um processo dinâmico de aprendizagem e semiose, “pondo os conhecimentos em prática” e, ao mesmo tempo, elaborando signos ecológicos. Desse modo, o livro inicia seu percurso pela discussão do estatuto epistemológico da Biologia e �naliza, após mostrar aos leitores diferentes possibilidades de Ensino de Ciências e de Biologia, com um exemplo de teoria semiótica em ação na aprendizagem das mesmas. Um bom livro para os professores que querem pensar a construção da inteligência e do método cientí�co entre os estudantes, já que este apresenta um objetivo importante na esfera do ensino e da aprendizagem: mostrar que a experiência e o pensamento devem ser constantemente reformulados na educação em Ciências das gerações mais novas. Com o livro percebemos que ensinar Ciências é sinônimo de ensiná-la como método, como um movimento de pensar e fazer. Marta Bellini Epistemologia da Biologia: uma proposta didática para o Ensino de Biologia1© Mariana A. Bologna Soares de Andrade 2 Fernanda da Rocha Brando 3 Fernanda Aparecida Meglhioratti 4 Lourdes Aparecida Della Justina 5 Ana Maria de Andrade Caldeira 6 Introdução As diferentes áreas do conhecimento cientí�co possuem características, metodologias e objetos próprios que lhes conferem autonomia. Compreender a Epistemologia de uma determinada Ciência signi�ca, entre outros aspectos, entender os conceitos que lhe oferecem sustentação. A forma como determinadas áreas cientí�cas são construídas deve ser socializada, e um importante espaço para fomentar o debate sobre a construção cientí�ca é o ambiente escolar. Da mesma forma que a Epistemologia da Ciência contribui para os cientistas construírem um conhecimento mais consistente de sua área de pesquisa, os estudos dos aspectos epistemológicos podem contribuir para um Ensino de Ciências mais signi�cativo e integrado. No Ensino, os conceitos cientí�cos ganham novos signi�cados adequados ao contexto em que processos de Ensino e aprendizagem se inserem. Segundo Sanmartí (2002), embora o conhecimento escolar tenha características próprias, é importante ressaltar que as discussões que se colocam principalmente no âmbito da Filoso�a da Ciência têm sido consideradas fundamentais para o Ensino de Ciências. Assim, quando se pensa na Ciência faz-se necessário não perder de vista os processos de produção do conhecimento cientí�co como atividade humana historicamente contextualizada, sendo este um dos instrumentos para o trabalho educativo. Wortmann (1996) recomendou que as investigações que contemplem o estabelecimento de relações entre a Didática, a Epistemologia e a História da Ciência sejam intensi�cadas para promover a ampliação da compreensão do conteúdo conceitual das diferentes áreas do conhecimento. Nesse sentido, a Epistemologia da Ciência passa a ser um importante componente no Ensino de Ciências. A partir do reconhecimento dos estudos epistemológicos como uma importante ferramenta tanto na compreensão dos fundamentos de determinada área da Ciência quanto para seu Ensino, nosso grupo de pesquisadores7, procura discutir quais seriam os fundamentos básicos do conhecimento biológico que se apresentam como necessários na formação de professores de Biologia. Isto possibilita, a nosso ver, que professores em formação compreendam a natureza do conhecimento biológico. Epistemologia da Biologia O termo Epistemologia é utilizado com diferentes signi�cados, dos quais, um dos adotados por nós é o sentido dado por Lebrun (2006) ao colocar a disciplina como parte da Filoso�a da Ciência, sendo entendida como o campo de conhecimento que discute os diversos problemas da Ciência, buscando compreender seus signi�cados. Carneiro (2003) destaca dois tipos de abordagens sobre o signi�cado de Epistemologia. Uma primeira visão de Epistemologia aponta-a como sinônimo da Filoso�a da Ciência e se aproxima do positivismo de Comte. Nesse caso, a Epistemologia seria o estudo do conhecimento cientí�co, considerado o único verdadeiro. Uma segunda tradição, mais próxima de Kant, de�ne o termo Epistemologia como teoria do conhecimento, isto é, algo que busca compreender como o sujeito conhece as coisas. Neste sentido a Epistemologia é o ramo da Filoso�a que trata da relação entre sujeito e objeto. O problema de investigação é o de estabelecer a forma como esse conhecimento é construído pelo sujeito em sua relação com os objetos e qual o papel da percepção nesta relação, isto é, saber como o sujeito intervém na organização e na construção dos objetos que o rodeiam. No sentido contemporâneo a Epistemologia da Ciência se aproximadessa segunda visão pela qual todo conhecimento é entendido como construção cognitiva que emerge da relação entre sujeito e objeto. A partir da compreensão de que a Ciência é um processo histórico e social surgem outros problemas com os quais a Epistemologia da Ciência se preocupa. Um dos problemas centrais é entender quais fundamentos, conceitos e metodologias sustentam cada uma das diferentes áreas do conhecimento cientí�co. Algumas de�nições de Epistemologia enfatizam este seu aspecto, por exemplo, no âmbito disciplinar. Japiassú e Marcondes (1996, p. 84) de�niram Epistemologia como “a disciplina que toma por objeto […] as Ciências em via de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de estruturação progressiva”. Nesse sentido, pode-se a�rmar que a Epistemologia é o estudo dos conceitos centrais de uma disciplina que fornece sustentação para a estruturação sistemática desta como uma área de conhecimento consolidado. Ainda de acordo com a abordagem da Epistemologia como o estu-do dos fundamentos de uma Ciência, Lebrun (2006) evidenciou-a enquanto re�exão sobre a natureza e sobre o objeto de uma Ciência. Acrescentou ainda que quando um estudioso “questiona a Ciência” que pratica, ele está fazendo Epistemologia. O estilo epistemológico, segundo Lebrun, trata-se da: […] atenção dada ao caráter autóctone [próprio] dos princípios que uma Ciência apresenta e ao caráter singular dessa montagem teórica que permite determinar os objetos de forma até então inédita – ou seja, […] àquilo que uma Ciência descobre, sua maneira própria de produzir enunciados ou regras que possibilitam sua edi�cação (LEBRUN, 2006, p. 134-135). Lebrun (2006) evidenciou que ao fazer Epistemologia o indivíduo está re�etindo sobre um corpo teórico de enunciados relativamente estáveis, procurando compreender como isso se articula e funciona nesta região teórica, para que dela possa surgir a própria Ciência. Ao defender a Epistemologia enquanto disciplina bem fundamentada, Lebrun (2002) referenciou ao menos duas condições necessárias: cada Ciência deve ser considerada antes de tudo naquilo que ela tem de diferente e único, deve ser encarada como um objeto dotado de um funcionamento singular; nenhuma Ciência deve se apresentar como uma reunião de verdades, mas se oferecer como tema possível de um exame histórico ou �lológico: a) histórico: as Ciências são aventuras contingentes e suas proposições podem ser tratadas enquanto acontecimentos […] b) �lológico: é possível conferir-lhes o estatuto de um texto e considerar cada uma delas como um corpus de fórmulas (enunciados, protocolos, indicações de pesquisa…) no qual se deposita um trabalho coletivo, cujas articulações exprimem escolhas ou decisões (LEBRUN, 2006, p. 137-138). Uma boa Epistemologia deveria, para o autor, destacar as descontinuidades, rompendo com o discurso da verdade muitas vezes encontrada nos trabalhos cientí�cos. Nesse sentido o estudo epistemológico da Biologia pode contribuir para a compreensão da construção do conhecimento cientí�co, pois de acordo com Canguilhem (2002), o desenvolvimento da Biologia tem um “estatuto de descontinuidade”, a história desta Ciência é uma sequência de rupturas e de invenções. Faz-se, então, necessário, que os fenômenos biológicos sejam compreendidos por meio da lógica da construção do conhecimento biológico. Entendemos, desta forma, que ao discutirmos sobre a Epistemologia, alguns pressupostos dessa Ciência possam ser melhor compreendidos. A Biologia como uma Ciência autônoma Nas pesquisas em Ensino de Biologia podem ser observadas duas questões frequentes: a fragmentação do conhecimento biológico e a necessidade de discussão de conceitos fundamentais que estruturem a Biologia como campo cientí�co coerente e uni�cado. Ernst Mayr em seu livro Biologia, Ciência única (2005) fez considerações signi�cativas sobre os princípios básicos que regem o conhecimento e a forma de interpretarmos os fenômenos biológicos. As considerações desse autor são apresentadas resumidamente a seguir. A constituição da Biologia como Ciência é recente. Talvez por isso, ainda hoje, muitos fenômenos próprios desse conhecimento sejam compreendidos a partir de Ciências que se consolidaram antes da Biologia, como a Física e a Química. Entretanto, dentro do desenvolvimento da Epistemologia da Biologia tem-se acentuado as discussões sobre princípios e características próprias do conhecimento biológico que lhe conferem autonomia. Mayr explicou que mesmo entre os anos de 1970 e 1980 vários �lósofos, tais como Hull (1974), Ruse (1973) e Sober (1993)8, ainda escreviam Filoso�a da Biologia baseados principalmente no quadro conceitual das Ciências Físicas. Para o especialista, esse monopólio exercido pelas Ciências Físicas foi abandonado por alguns autores por perceberem que os fundamentos estritamen-te �sicalistas não eram adequados para a Filoso�a da Biologia. Mayr, já em 1950, compreendia que para uma abordagem satisfatória da disciplina, seria necessário recorrer aos conceitos especí�cos da própria Biologia. Mayr explicou que o entendimento da Biologia como uma Ciência individual do mundo vivo ocorreu, entre outros motivos, pelo reconhecimento da existência de princípios especí�cos da mesma, tais como a complexidade dos sistemas vivos, a Biologia Evolucionista como Ciência Histórica, o papel do acaso, o pensamento holístico e a limitação ao mesocosmo9. Para Mayr, os sistemas biológicos se diferenciam de sistemas inanimados pela sua alta complexidade, pois são dotados de qualidades como reprodução, metabolismo, replicação, regulação, adaptação, crescimento e organização hierárquica. Além disso, são sistemas ricos em propriedades emergentes, pois novas características ou propriedades podem surgir em cada novo nível de integração hierárquica. Outro conceito biológico especí�co é o de evolução, no qual se inserem as ideias de variedade populacional e de seleção natural, conceito introduzido por Darwin e que gera discussões até nos dias atuais. Mayr destacou que para diferenciar os processos biológicos daqueles que ocorrem no mundo inanimado precisa-se compreendê-los pela causalidade dual, na qual os sistemas vivos apresentam um duplo controle, ou seja, estão sujeitos tanto às leis naturais quanto aos programas genéticos que possuem, sendo que estes foram construídos ao longo do processo evolutivo. Pela inviabilidade de experimentos que possam reproduzir os fenômenos biológicos e dar respostas às questões evolucionistas foi introduzido na Biologia o método de narrativas históricas, o qual consiste na construção de narrativas sobre a história evolutiva de determinado grupo de seres vivos. Um exemplo de narrativa histórica são as considerações em relação à extinção dos dinossauros: Uma primeira narrativa sugeria que eles haviam sido vítimas de uma epidemia particularmente virulenta, contra a qual não puderam adquirir imunidade. Uma boa quantidade de objeções sérias, no entanto, foi levantada contra esse cenário, que foi assim, substituído por uma nova proposta, de acordo com a qual a extinção teria sido causada por uma catástrofe climática. […] Quando, porém, o físico Walter Alvarez postulou que a extinção dos dinossauros tinha sido causada pelas consequências do impacto de um asteroide na Terra, todas as observações se encaixaram nesse novo cenário (MAYR, 2005, p. 480). Depois de construídas, essas narrativas têm seus valores explicativos testados tanto pela lógica como pela presença de novas evidências. Um outro aspecto a ser considerado é que as leis presentes nas Ciências físicas perdem espaço nas Ciências Biológicas devido à complexidade e à aleatoriedade envolvendo os seres vivos. Para Mayr (2005, p. 50): O produto de um processo evolutivo é em geral o resultado de uma interação de inúmeros fatores secundários. O acaso, no que diz respeito ao produto funcional e adaptativo, é o grande gerador de variação. Dessa forma, Mayr (2005, p. 46) destacouque os conceitos biológicos não carregam o caráter de lei como nas Ciências Exatas: Uma das diferenças mais fundamentais entre biologia e as chamadas ciências exatas é que nelas as teorias são usualmente baseadas em conceitos, enquanto nas ciências físicas são baseadas em leis naturais. Assim, o pensamento reducionista, tão presente no discurso �sicalista, não dá conta de explicar os sistemas biológicos, pois os últimos apresentam interações entre todos os níveis de organização dos sistemas. Portanto, decompor em partes menores oferece apenas uma explicação parcial dos mesmos, “é precisamente essa interação das partes que fornece suas características mais pronunciadas à natureza, como um todo, ou ao ecossistema, ao grupo social, aos órgãos de um simples organismo” (MAYR, 2005, p. 51). A Biologia, para Mayr, encontra relevância nos fenômenos que ocorrem no mesocosmos. O autor ainda descreveu outros dois mundos, no que concerne à acessibilidade para os órgãos dos sentidos: o microcosmo, das partículas elementares e suas combinações e o macrocosmo, de dimensões cósmicas. Em resumo, Mayr considerou que fazer uma Filoso�a da Biologia implica concebê-la como uma Ciência que apresenta elementos que a carac-terizam como uma forma única de olhar o mundo vivo, com características que a diferenciam de outras Ciências, como a Física, por exemplo. A Epistemologia da Biologia no contexto do Ensino A partir da discussão dos princípios elencados no item anterior, tendo em vista que os acontecimentos biológicos ocorrem de forma integrada, que os seres vivos apresentam uma complexidade de forma e função, que a evolução dos seres é um processo capaz de ser interpretado por meio de narrativas históricas, perguntamos: por que a Biologia, muitas vezes no contexto de Ensino, é apresentada de forma fragmentada? Ao falarmos sobre Ensino de Biologia, com frequência nos remete-mos à ideia dos “blocos fechados” de disciplinas que a compõe, como a Botânica, a Zoologia, a Citologia, a Ecologia, a Genética, entre outras. Entretanto, considerando o suporte da Epistemologia da Biologia, essas divisões perdem seu sentido. Ao estudar o conhecimento biológico por meio de subáreas, podemos perder a complexidade dos fenômenos biológicos. Inferimos que a forma fragmentada pela qual a Biologia é apresentada, tanto no Ensino Médio como nos cursos de graduação, seja uma “cópia” das linhas de pesquisas que foram se consolidando ao longo do desenvolvimento das Ciências Biológicas. Na pesquisa, essa fragmentação em um determinado momento histórico permitiu a especi�cidade e o aprofundamento de determinados conhecimentos, todavia, mesmo na pesquisa, há hoje uma busca por estudar os fenômenos complexos de forma interdisciplinar. No contexto escolar, essa interdisciplinaridade deve estar ainda em maior evidência, auxiliando a produção de um conhecimento integrado pelos alunos. O conhecimento escolar tem características próprias, assim, para se estudar as estratégias, conceitos e métodos de uma Ciência, deve-se pensar em como fazer uma transposição didática adequada. Como a�rma Bellini (2007), os conhecimentos escolares e os conhecimentos cientí�cos não são sinônimos, pois no contexto da escola, a lógica cientí�ca está disposta de uma outra forma, atendendo a interesses sociais mais amplos. No entanto, mesmo considerando os diferentes contextos dos cientistas e da escola, a autora evidenciou que podemos aproximar as bases epistemológicas da Biologia às do ensino dessa Ciência. Para Bellini (2007), na Ciência Física, por exemplo, os cientistas recorrem às atividades operatórias, tais como a experimental e a matemática e, quando nos referimos ao Ensino de Física, muitas pesquisas têm apontado, como recurso didático, a utilização de processos de experimentação e observação de fenômenos em sala de aula. Já na Ciência Matemática, os especialistas recorrem principalmente às atividades dedutivas. Estudos sobre aprendizagem de Matemática apontam que o processo de cognição de crianças e jovens está ligado à compreensão e à clareza dos enunciados, às relações numéricas, ao espaço ou a outro tema da Matemática. Esses estudos, segundo Bellini, que salientam as diferentes formas de Ensino para as diferentes Ciências não decorrem somente de debates em torno das questões sobre metodologias de Ensino, mas também de estudos sobre Epistemologia. Dessa forma, Bellini (2007, p. 32), recorrendo aos estudos sobre a Epistemologia da Biologia de Piaget, explicou que em relação às diferenças epistemológicas, o pensamento biológico tem uma forte tendência experimental, ou seja, “não pode prescindir dos seres naturais – homens, animais, plantas”. No entanto, devemos destacar que todo conhecimento é uma construção teórica em que não há o acesso direto ao mundo real. Ou seja, também no saber biológico cada observação e experimentação é guiada por aquele conhecimento que o sujeito já possui. No contexto cientí�co, são as fundamentações teóricas que norteiam a análise de dados. O conhecimento biológico possui certas especi�cidades relacionadas à complexidade de seu próprio objeto de pesquisa, a vida. Devido à complexidade dos fenômenos biológicos e à emergência de novas propriedades em níveis superiores de organização, na Biologia as predições são mais difíceis de serem realizadas do que na Física e na Química. Se pensarmos, por exemplo, na teoria sintética da evolução, considerada um eixo integrador dos conhecimentos biológicos, veremos que ela se apoia em um pensamento populacional, ou seja, possui uma forma de pensar probabilística. Portanto, as diversas Ciências diferem em seus aspectos epistemológicos. Não há um esquema epistemológico único, o que implica, no âmbito do Ensino, na utilização de metodologias diferenciadas para cada Ciência, e não a adoção de um padrão metodológico (BELLINI, 2007). Por meio dos relatos dos alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas, percebemos que algumas questões inerentes à Epistemologia da Biologia não fazem parte, em geral, do repertório do Ensino e da pesquisa biológica, o que acaba acarretando em uma formação fortemente empirista e determinista da Ciência entre professores e pesquisadores, como já evidenciado por alguns autores, tais como; Harres, (1999); Meglhioratti, (2004); Brando e Caldeira, (2005); Scheid, et al., (2007). É necessário que se pratique no ambiente escolar e universitário uma abordagem que contextualize a Ciência e o conhecimento, em contraposição a uma postura, tomada por muitos professores e pesquisadores, de conceber o conhecimento biológico como um conjunto de conteúdos prontos e acabados organizados em disciplinas. O conhecimento biológico, assim como a educação cientí�ca em geral, deve considerar o caráter dinâmico e vivo dos diversos processos e contextos ético, histórico, �losó�co e tecnológico no qual o conhecimento é produzido. Assim, os estudantes devem aprender além das Ciências atuais, algo acerca da natureza da Ciência e sua relação com a existência humana (SILVA FILHO, 2002). A Biologia possui características próprias e não deve ser reduzida ao corpo conceitual e teórico de outras Ciências. No entanto, isso não signi�ca que ela não dependa dos estudos realizados em outros campos do conhecimento cientí�co, tais como a física e a Química. A Biologia, ao mesmo tempo em que está intrinsecamente relacionada com as outras Ciências e é dependente dos estudos desenvolvidos nelas, apresenta características que lhe conferem autonomia. Portanto, sem deixar de considerar a interdependência existente entre as diversas Ciências, tais como as Ciências Físicas, Químicas, entre outras, não podemos seguir na Biologia o mesmo modelo de Ensino e de compreensão conceitual das outras Ciências, pois ela apresenta uma Epistemologia própria. Um ponto a ser considerado como fundamental para uma mudança na compreensão do conhecimento biológico é a inserção de discussões epistemológicas na formação de professores de Biologia e Ciências. Percebemos nos cursos de formação de docentes,para os diferentes níveis de Ensino, como ainda estão ausentes as discussões epistemológicas da Biologia e como essa carência acarreta distorções conceituais que podem, posteriormente, re�etir no Ensino da disciplina, como evidenciaremos no exemplo a seguir. Em recente discussão com um grupo de mestrandos e doutorandos de um programa de pós-graduação em Genética, uma das pesquisadoras deste trabalho pôde perceber como conceitos fundamentais do conhecimento biológico estão ausentes nos discursos de pós-graduandos, futuros professores universitários. Em uma aula, na qual os conceitos de Genética estavam sendo discutidos, o professor indagou como os pós-graduandos explicariam, a partir da teoria sintética da evolução, algumas questões atuais de Genética, tais como, o desenvolvimento do sistema de reconhecimento de receptores especí�cos para enzimas. Para a surpresa do professor, e também da pesquisadora, todos os alunos pós-graduandos entendiam que a teoria sintética da evolução não seria a melhor forma de explicar a história dos fenômenos biológicos. A melhor teoria seria, para tais alunos, a do design inteligente10. Percebe-se, na discussão com os alunos, que a melhor explicação para a complexidade dos sistemas de receptores seria uma força que teria orientado o desenvolvimento de um esquema de reconhecimento “tão perfeito”. Nessa situação, o professor procurou evidenciar aos alunos que esse sistema não é “tão perfeito”, que possui falhas e é o resultado de um processo de interação biológica sem tendência à perfeição. O exemplo citado anteriormente evidencia nossa preocupação em relação à formação inicial de biólogos e professores de Biologia. Também nos faz pensar como a concepção empirista/determinista da Biologia, em geral sem uma re�exão sobre aspectos epistemológicos do conhecimento biológico, pode levar a uma compreensão reducionista da Biologia. Como evidenciou Mathews (1994), a separação entre a educação cientí�ca e a Filoso�a resulta em uma educação distorcida. Matthews (1995) argumentou que a inclusão de componentes de História e de Filoso�a da Ciência no currículo pode contribuir para huma-nizar as Ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da sociedade, e também para um entendimento mais integral dos conteúdos abordados. Isto é, pode haver uma contribuição para a superação do abismo da falta de signi�cação que se diz ter dominado as salas de aula nas áreas das Ciências, nas quais as fórmulas e equações são recitadas sem que muitos cheguem, a saber, o que signi�cam. Dessa forma, a inserção de discussões de História e Filoso�a da Ciência em cursos de formação de professores possibilita que, ao chegar à sala de aula, o professor desenvolva uma forma de pensar coerente com a construção histórica da ciência. A constituição de um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia A partir das discussões levantadas nos tópicos anteriores, um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia foi constituído no início de 2007 a �m de promover um espaço de discussão e pesquisa entre sujeitos de diferentes níveis de Ensino (graduandos de um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, pós-graduandos e professores universitários) sobre os aspectos epistemológicos do conhecimento biológico. Esse grupo foi organizado de forma que os participantes fossem ao mesmo tempo sujeitos de pesquisa e pesquisadores. Assim, a partir das discussões geradas, os estudantes de graduação desen-volvem projetos de pesquisas e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) sob a orientação e análise de professores e pós-graduandos. As discussões e trabalhos desenvolvidos no grupo são orientados pelas seguintes questões: o que caracteriza a Biologia como área cientí�ca especí�ca? Quais são os conceitos centrais e uni�cadores do conhecimento biológico? Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino desta? Entendemos que a escolha da Epistemologia da Biologia como tema de estudos do grupo contribui para a discussão dos conceitos fundamentais da disciplina, permitindo a integração de uma ampla gama de conceitos biológicos. Além disso, permite a inserção dos graduandos de um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas em um contexto de pesquisa cientí�ca que não é comumente abordado nos cursos de Biologia e que não está relacionado com a visão tradicional de cientista/especialista. Com a �nalidade de promover a integração dos conceitos biológicos nas atividades realizadas pelo grupo de pesquisa, construímos categorias de organização do conhecimento biológico a partir do referencial teórico da hierarquia escalar proposta por Salthe (1985, 2001). O autor explicou que, para a utilização desta abordagem, é necessário estipular um nível focal (no qual ocorre o fenômeno de interesse), bem como os níveis superior e inferior, compondo, assim, um sistema triádico. Para Salthe (1985, 2001) o nível superior estabelece condições de contorno para os processos no nível focal, enquanto o nível inferior estabelece condições iniciadoras potenciais para os processos focais. Essa representação poder ser esquematizada da seguinte forma: [nível superior [nível focal [nível inferior]]]. A partir desse referencial teórico e pensando em uma forma de organizar os diferentes conceitos da Biologia, estabelecemos, segundo considerações presentes em Meglhioratti; Caldeira; Bortolozzi (2006), três níveis hierárquicos de organização do conhecimento biológico [ecológico (ambiente externo) [orgânico (organismo) [genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o organismo como ponto focal ancorando as relações entre ambiente externo e interno. Dessa forma, para entender a organização de um determinado ser vivo é necessário compreender tanto as relações que ocorrem no próprio nível do organismo (nível orgânico) quanto as propriedades de restrição do nível superior (ecológico) e as propriedades geradoras do nível inferior (genético- molecular) (MEGLHIORATTI et al., 2006). Por meio da estrutura hierárquica proposta, os conceitos em Biologia são organizados de maneira que permitam a compreensão de que os fenômenos biológicos de diferentes níveis de complexidade são interdependentes. Essa estratégia de organização poderia contribuir para a organização do conhecimento biológico no contexto da educação básica, uma vez que, o Ensino de Biologia tem sido alvo de crítica por apresentar os conteúdos de forma fragmentada. A organização hierárquica é comum no conhecimento biológico, mas a interação entre os diferentes níveis de organização não tem sido ressal-tada. Portanto, ao se dividir os diversos níveis de organização dos seres vivos em sistemas, tais como células, órgãos, organismos, populações, comunidades, ecossistemas, a �m de melhor estudá-los, a interdependência presente entre eles não é considerada, evidenciando uma visão estereotipada deste conhecimento, como um amontoado de conceitos dispersos, desconexos e sem aplicabilidade na vida real. Somado a isso, não podemos desconsiderar, no contexto de Ensino, a natureza do conhecimento biológico que apresenta o organismo como seu principal objeto de estudo, assim como as suas diferentes formas de organização, das quais propriedades podem emergir fazendo-se necessário o entendimento da dinâmica complexa que os envolve. Como o objeto de estudo do conhecimento biológico é o organismo, entendemos que esse conceito deve ser o nível focal da organização da Biologia. Assim, como foi explicitado, adotamos nas discussões do grupo três níveis de organização biológica [ecológico (ambiente externo) [orgânico (organismo) [genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o conceito de organismo como ponto focal. Durante o ano de 2007, os debates do grupo, apesar de abarcar os três níveis de complexidade propostos, teve seu foco de discussão no conceito de organismo e de vida. No ano de 2008, esse grupo acrescentou novas discussões teóricas, como o debate em torno do conceito de gene e deecossistemas. No nível focal de organização do conhecimento biológico encontra-se o conceito de organismo. Este conceito foi trabalhado, principalmente, por meio da inserção de discussões teóricas advindas da Filoso�a da Biologia, tais como a ideia de auto-organização, de emergência e pela percepção dos seres vivos como sistemas autônomos inseridos dentro de uma rede evolutiva e ecológica de relações. No nível superior da estrutura hierárquica proposta para nortear as discussões do grupo está o enfoque ecológico. O nível ecológico foi abordado no grupo por meio das discussões que englobam a interação entre os níveis de populações, comunidades, ecossistemas e biosfera sem, contudo fazer distinções fragmentadas e estanques desses tipos de organizações. Percebemos que no Ensino de Ecologia os diferentes níveis de organização dos seres vivos, muitas vezes, são apresentados de forma fragmentada, como conjuntos de organismos que se formam isoladamente uns dos outros, não permitindo ao aluno o entendimento da rede complexa pela qual esses sistemas se organizam, de forma interligada e interdependente. As características que só emergem devido à forma com que esses indivíduos se orientam são descon-sideradas como, por exemplo, àqueles que se organizam em comunidades. Pensamos então que temas como interações ecológicas e sucessão ecológica, voltados principalmente para ecologia de comunidades, fossem pertinentes nas discussões do grupo. Quanto ao nível inferior ao focal, ou seja, o nível genético-molecular, o grupo tem problematizado o conceito clássico de gene, promovendo uma discussão sobre o caráter sistêmico do material genético dos organismos como uma rede de interações moleculares. Nesse nível hierárquico as alterações são orientadas por uma concepção sistêmica de gene, ou seja, o material genético não é mais considerado o fator que determina o organismo, mas sim aquele que delimita e potencializa os indivíduos por meio de uma rede de interações possibilitando a emergência de novas características nos níveis superiores. Tais discussões estão embasadas nas pesquisas atuais em genética molecular, as quais apresentam o gene como uma estrutura com complexos sistemas de interação. Resultados preliminares Apresentamos, a seguir, alguns pontos signi�cativos das discussões ocorridas no grupo, enfocando as diferentes concepções e compreensões dos participantes acerca da proposta estruturada e apresentada para o entendimento do conhecimento biológico. Para melhor caracterizar o desenvolvimento dos encontros do grupo ao longo dos dois anos de atividades, apresentaremos os dados divididos pelas três questões já apresentadas nesse texto e que orientaram as atividades: 1) O que caracteriza a Biologia como área cientí�ca especí�ca?; 2) Quais são os conceitos centrais e uni�cadores do conhecimento biológico? e; 3) Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino de Biologia? Os dados apresentados abaixo foram organizados com base em gravações de reuniões e entrevistas aplicadas ao longo do desenvolvimento do grupo. Apresentamos alguns resultados preliminares. 1) O que caracteriza a Biologia como uma área cientí�ca especí�ca? No início das atividades anuais do grupo e ao longo de seu desenvolvimento os participantes entraram em contato com textos introdutórios da Epistemologia da Biologia e, posteriormente, com discussões especí�cas de cada nível hierárquico. Utilizamos as referências que foram brevemente apresentadas no início desse texto. Ao longo das atividades a visão dos alunos sobre a Biologia sofreu modi�cações. Percebemos que os alunos desenvolveram uma visão mais pau- tada nas concepções próprias dessa Ciência. Para ilustrar essas mudanças vamos apresentar as considerações dos integrantes do grupo sobre o papel das interações entre os diferentes níveis de organização nos fenômenos biológicos. Na Tabela 1 estão as considerações coletadas no primeiro dia do grupo e no sétimo encontro. Destes dados foram estabelecidas três categorias: 1. Categoria A: interação modi�cando o meio. Nessa categoria, a intera-ção é tida como uma ação do organismo sobre o meio, sem que os níveis internos do organismo e os níveis externos sejam considerados; 2. Categoria B: interação modi�cando o organismo. Nessa categoria, as interações dos níveis internos do organismo agem de forma a modi�cá-lo, sem que os níveis externos sejam considerados; 3. Categoria C: fenômenos biológicos como uma rede de interações entre os diferentes níveis, nos quais todas as partes constituintes têm a possibilidade de interferir e sofrer interferência de outros níveis. Tabela 1 – Quantidade de considerações que remetem a cada categoria sem que seja identi�cada a consideração de cada membro do grupo. Percebemos que no início das atividades do grupo os participantes tendiam a apresentar explicações mais reducionistas para os fenômenos biológicos, como evidencia a Tabela 1. Na primeira coluna (Primeiro encontro) quando questionados sobre fenômenos biológicos a maioria das considerações tinham um dos níveis hierárquicos como base. As falas abaixo exempli�cam, respectivamente, uma consideração sobre interação que o organismo modi�ca o meio: A11: interação é quando o organismo interage com o meio. Uma consideração sobre o meio interno modi�cando o organismo: A11: ele está em um processo, ele se modi�ca. A10: mas como que ele está se modi�cando? A11: por processos bioquímicos, que faz com que ele mude. As discussões tornaram-se mais aprofundadas em reconhecer os fenômenos biológicos por meio das interações entre os diferentes níveis de organização, como podemos ver em uma consideração feita por um participante do grupo no sétimo encontro: Pesquisador 2: e como poderíamos pensar o desenvolvimento de um organismo? A08: acho que seria importante que se compreendesse a história dessa espécie, as interações que ocorreram para modi�car a espécie […] com o ambiente, as mudanças genéticas […] e também as interações do próprio organismo. Assim, por meio de análise dos encontros, inferimos que a visão sistêmica dos fenômenos biológicos, ou seja, compreender que esses fenômenos ocorrem por meio de interações entre os níveis passou a fazer parte do discurso dos participantes. 2) Quais são os conceitos centrais e uni�cadores do conhecimento biológico? Após as atividades iniciais do grupo, nas quais textos introdutórios sobre Epistemologia da Biologia foram discutidos, as atividades seguiram para um dos três níveis hierárquicos propostos como base de discussão no grupo. Após as discussões especí�cas de cada um dos níveis, consideramos que o grupo chegou a uma compreensão de que os conceitos básicos que integram os fenômenos biológicos são: o caráter evolutivo e ecológico desses fenômenos. As categorias abaixo apresentam as considerações do grupo em relação à proposta de estruturar o estudo do conhecimento biológico pelos três níveis hierárquicos: ecossistêmico, organísmico e genético-molecular. 1. Categoria A: entendem que faltam níveis intermediários na representação da proposta; 2. Categoria B: entendem que a proposta restringe outras possibilidades de estruturação; 3. Categoria C: entendem a importância de estudar as relações entre os organismos por meio de conceitos estruturantes. Tabela 2 – Quantidades de considerações em cada categoria Podemos perceber que os participantes do grupo consideram importante a estrutura proposta para a discussão do conhecimento biológico, entretanto, ainda percebemos que a estrutura não possibilita a todos os membros do grupo uma visão sistêmica dos processos biológicos. Ao propormos um modelo com os níveis de ambiente interno, organismo e ambiente externo estruturando as discussões, não incluímos os outros níveis como foi apontado por dois participantes. Percebemos que, mesmo ao longo das atividades, ainda existe uma tendência dos participantes a se manter em uma visão fragmentada, restringindoa percepção sistêmica do conhecimento biológico. A proposta tem como organização estrutural possibilitar o desenvolvimento de um pensamento sobre os fenômenos biológicos por meio de uma visão integrada dos diferentes níveis. Compreender fenômenos biológicos signi�ca compreender a história evolutiva e ecológica de um ou mais sistemas (material genético, células, organismos, comunidades, ecossistemas etc.) bem como os processos pelos quais esses sistemas interagiram e interagem e que os caracteriza tal como são. 3) Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino de Biologia? Ao apontarmos no início desse texto como um dos problemas do Ensino de Biologia a forma fragmentada como essa Ciência é ensinada na escola, não tínhamos e nem temos a pretensão de propor um novo modelo de Ensino, mas fazer apontamentos que possibilitem ao professor desenvolver nos alunos um pensamento pautado na lógica da Biologia. Sabemos que ao propor uma abordagem triádica para a organização do conhecimento biológico poderíamos também estar fragmen-tando tal conhecimento. Desta forma, como essa proposta pode trazer contribuições para a formação de professores e, consequentemente, para o Ensino de Biologia? Organizar o conhecimento biológico a partir de ideias centrais, como muitas vezes encontramos no ambiente da escola faz-se necessário, de certa forma, para o desenvolvimento das atividades escolares, uma vez que a Biologia aborda uma grande quantidade de conceitos, tais como os que se referem ao corpo humano, a outros animais e aos vegetais. Tendo como proposta simplesmente o sistema triádico, estaríamos apenas realizando outro tipo de fragmentação no Ensino. Entretanto, o que torna essa proposta diferenciada são as discussões sobre o conhecimento biológico, permitindo entender os fenômenos pelo seu caráter sistêmico, ou seja, integrativo com a história evolutiva e ecológica, no qual se incorpora o tempo e o espaço na análise dos fenômenos. Nos debates realizados pelo grupo, alguns participantes (que já exercem atividades de docência) apontam como essas discussões mudaram sua forma de pensar e também de organizar as aulas. Os pontos levantados foram organizados em três categorias: 1. Categoria A: entendem a relevância das discussões do grupo apresentando os conceitos de maneira a mostrar o papel das interações em determinada característica de um sistema; 2. Categoria B: entendem a in�uência do grupo na orientação de elaboração de aulas com um pensamento próprio da Biologia; 3. Categoria C: entendem a importância das discussões epistemológicas terem sido aprofundadas por textos de pesquisa recentes em Biologia, o que possibilitou compreender de maneira mais clara como essa Ciência se constitui. Tabela 3 – Considerações dos participantes do grupo sobre a in�uência das atividades para a formação de professores. Esses dados apontam que as atividade do grupo já re�etem nas práticas escolares, pois essas considerações foram feitas por participantes que exercem atividades em escolas (como professores ou como pesquisadores) contemplado, desta forma, um dos objetivos do grupo que contribui para o Ensino de Biologia. Considerações �nais Entendemos que a apresentação do conhecimento biológico pautado em um sistema triádico de hierarquia pode ser uma proposta didática para discutir os conceitos referentes à Biologia de maneira mais integrada. A noção de interação – fenômeno presente nos e entre os diferentes níveis de organização dos seres vivos abordados pela Biologia – evidencia-se como conceito central para a integração dos diferentes níveis de organização biológica abordados no Ensino. Se o conhecimento biológico apresenta uma ampla gama de conceitos que muitas vezes não é viável nem possível de ser abordada conjuntamente, principalmente quando nos referimos aos diferentes níveis de Ensino, é necessário que se articule uma metodologia na qual tais conceitos possam ser entendidos de maneira mais sistêmica. A partir das experiências compartilha- das no grupo de pesquisa, foi possível perceber que a ideia de interação perpassa por todos os conceitos biológicos e se evidencia como principal articuladora dos mesmos. O desenvolvimento de uma proposta triádica de Ensino e pesquisa no grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia por meio de discussão de temas como auto-organização, emergência e sistemas complexos permitiu aos participantes do grupo um olhar diferenciado para o conhecimento biológico e seus fundamentos. Inferimos que a tais participantes é oferecida uma oportunidade de confronto de opiniões sobre a natureza do conhecimento em Biologia, objetivando desenvolver um olhar investigativo e crítico sobre as disciplinas que o compõe, permitindo-lhes uma visão integrada do todo complexo no qual a disciplina está inserida. Para melhor exempli�car como esses conceitos são signi�cativos para a Epistemologia da Biologia e como englobam outras questões também importantes para a compreensão dessa Ciência apresentamos, de forma breve, considerações sobre cada um dos níveis hierárquicos. O nível genético-molecular, – inferior ao organismo (focal) –, e que está presente em todos os sistemas vivos, deixa de ser considerado determinador das características do sistema. O material genético carrega grande parte das informações hereditárias das espécies, ou seja, a sua história evolutiva. Entretanto, entender como esse material genético possibilita o desenvolvimento das características dos organismos signi�ca compreender que ele está dentro de uma rede de interações sistêmica, ou seja, que existem processos de interação com outros sistemas (organelas, células, ambiente externo etc.). Com as pesquisas atuais em Biologia, sabemos que o material genético sofre interferência direta do ambiente. Este, tem o papel voltado tanto para o desenvolvimento dos indivíduos (animais, vegetais, bactérias etc.) quanto para a emergência de novas características que serão transmitidas aos descendentes. No que concerne ao nível ecológico abordamos principalmente os níveis de organizações de seres vivos compreendidos desde o indivíduo até os ecossistemas e biosfera. Enfatizamos, tendo como base a Ciência Ecologia, o conceito de interação, que ocorre tanto entre indivíduos de mesma espécie, quanto entre indivíduos de espécies diferentes e destes com o ambiente. É válido ressaltar que ambiente de um organismo, assim como evidenciou Begon et al. (2007), consiste em um conjunto de in�uências externas exercidas sobre ele, as quais são representadas por fatores e fenômenos que podem ser físicos e químicos (abióticos) ou mesmo outros organismos (bióticos). Isso posto, ao abordarmos o nível ecológico enfatizamos a relação entre os seres vivos e seus ambientes, em uma relação evolutiva, lembrando que por meio da seleção natural, os organismos se ajustam aos seus ambientes por serem “os mais aptos entre os disponíveis”, ou “os mais aptos até o momento”, pois eles não são “os melhores imagináveis” (BEGON et al., 2007, p. 29). Por meio da descrição hierárquica do conhecimento biológico, considera- se o ser vivo como ponto central da discussão, assumindo sua unidade e autonomia por meio das relações engendradas pelos seguintes níveis: [ambiente externo (ecológico/evolutivo) [organismo [ambiente interno (genético/molecular)]]]. O organismo compreendido como nível focal da discussão biológica ressalta a autonomia da Biologia em relação às outras áreas do conhecimento cientí�co, enfatizando-a como uma Ciência do organismo. A relação entre níveis pode ser modi�cada ao longo do tempo, portanto, a ideia de interação entre ambiente externo, organismo e ambiente interno pressupõe a ação modi�cadora constante de um nível em relação ao outro. Assim, o organismo não é só modi�cado pelo meio, mas também é por ele transformado. O organismo, nessa perspectiva, não pode mais ser visto como um ente passivo construído pelo encontro da determinação genética e a seleção natural. O organismo age e sedetermina em sua relação com o meio, tendo em sua organização as marcas dessa interação constante. 1 © Projeto � nanciado pelo CNPq. 2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP, bolsista CAPES; (marianabologna@gmail.com). 3 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP, bolsista BIOTA-FAPESP; (frochabrando@fc.unesp.br). 4 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; (fglio@fc.unesp.br). 5 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; (ldella@fc.unesp.br). 6 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP; (anacaldeira@fc.unesp.br). . 7 Sobre a formação do grupo de Pesquisas em Epistemologia da Biologia, veri�car atas do VI ENPEC – 2007. 8 HULL, D. L. Philosophy of biological science. Englewood Cliff s, Nova Jersey, Prentice-Hall, 1974. RUSE, M. e philosophy of biology. Londres, Hutchinson, 1973. SOBER, E. Philosophy of biology. Boulder, Colorado, West View Press, 1993. 9 Entende-se como aqueles fenômenos que ocorrem em um “mundo” intermediário entre o microcosmo (que engloba os átomos, partículas elementares e suas combinações) e o macrocosmo (que engloba as galáxias e dimensões cósmicas). 10 Segundo a teoria do Design Inteligente, os fenômenos que ocorrem no mundo e, entre eles, os fenômenos biológicos, ocorreriam determinados por um Designer Supernatural (MANSON, 2003), argumento contrário ao do papel do acaso apresentado por Mayr (2005) e aceito por nós. Referências bibliográ�cas BELLINI, M. Epistemologia da Biologia: para se pensar a iniciação ao Ensino das Ciências Biológicas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 88, n. 218, jan./abr. p. 5-6, 2007. BRANDO, F. R.; CALDEIRA, A. M. A. Escolha pro�ssional: identi�car- se como professor de Ciências Biológicas. V Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Bauru: Atas, Abrapec, 2005. CANGUILHEM, A. 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A interdisciplinaridade na educação em Ciências: professores de Ensino Médio em formação e em exercício aís Gimenez da Silva Augusto1 Ana Maria de Andrade Caldeira2 Introdução A área de Ciências da Natureza, no Ensino Médio, é composta pelas disciplinas de Biologia, Física e Química. Na Rede Pública Estadual de Ensino, destinam-se, geralmente, duas aulas semanais para cada uma dessas disciplinas, tempo insu�ciente para desenvolver um conteúdo extenso e complexo, tendo em vista habilidades e competências para as quais os alunos deveriam ser formados ao �nal do Ensino Médio. A tradicional abordagem disciplinar baseia-se no “paradigma cartesiano ou analítico”. Esta parte do princípio que, quando se tem um grande problema a ser resolvido, deve-se dividi-lo em partes ou em problemas menores. A soma da resolução dos pequenos problemas (partes) resulta na solução do problema como um todo. De acordo com essa visão, o saber ensinado nas escolas também foi compartimentado em disciplinas (ARGUELLO, 1996). Buscando superar a fragmentação do conhecimento, na área de Ciências da Natureza, têm surgido diferentes propostas de trabalho que “dão contexto aos conteúdos e permitem uma abordagem das disciplinas cientí�cas de modo inter-relacionado” (PCN, 1998, p. 27). Essas propostas são denominadas interdisciplinares. A Resolução CNE/98 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais propõe que o ensino das Ciências Naturais (Física, Química e Biologia) envolva o caráter interdisciplinar sem deixar de considerar as especi�cidades presentes em cada uma das áreas de conhecimento cientí�co. Essa Resolução aponta o caminho da interdisciplinaridade e o da contextualização para que os sistemas de ensino possam adequar os conteúdos cientí�cos às necessidades dos alunos e as do meio social. A interdisciplinaridade, “palavra-chave” nas discussões atuais sobre Educação, pretende uma abordagem sistêmica do conteúdo, focalizando as interações entre as partes (Machado, 2000; Arguello, 1996). Essa abordagem possibilita a visão global do tema, evitando excessiva fragmentação dos conhecimentos. Portanto, a interdisciplinaridade é “uma intercomunicação efetiva entre as disciplinas, por meio da �xação de um objeto comum diante do qual os objetos particulares de cada uma delas constituem subobjetos” (MACHADO, 2000, p. 193). Segundo Klein (2001), pesquisadora norte-americana, os Estados Unidos é, ao ponto de ser denominado “o eldorado dos estudos interdisciplinares”, o país onde existe a maior quantidade de estudos a respeito de práticas interdisciplinares. Os defensores da educação interdisciplinar norte-americana argumentam que os alunos e alunas submetidos a essa instrução “estão mais motivados, mais capazes de lidar com questões e problemas complexos, e mais engajados em pensamentos de nível mais alto” (KLEIN,2001, p. 118): Eles aprendem a ver conexões e a lidar com a contradição. Mostram mais criatividade e atenção, e até mesmo, quem sabe, melhor assimilação em virtude das múltiplas conexões, além de ganhar perspectiva em relação às disciplinas (KLEIN, 2001, p. 118). Gardner (1999) a�rmou que é necessário que o aluno tenha domínio de algumas disciplinas para estar apto a trabalhar interdisciplinarmente. Libâneo (2000) concordou com essa visão; a�rmando que a disciplinaridade é um passo necessário à interdisciplinaridade. Logo, o Ensino Médio é o nível da Educação Básica propício à prática interdisciplinar, considerando que os (as) estudantes já têm um certo conhecimento das disciplinas provenientes do Ensino Fundamental. Segundo Fazenda (2002, p. 23), o movimento interdisciplinar na educação “é mais atual do que nunca”. A interdisciplinaridade vem se popu- larizando nas escolas brasileiras, apoiada, porém, em práticas intuitivas, sem o aporte teórico necessário. O número de projetos educacionais que se intitulam interdisciplinares vem aumentando no Brasil numa progressão geométrica, seja em instituições públicas ou privadas, em nível de escola ou de sistema de ensino. Surgem da intuição ou da moda, sem lei, sem regras, sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura provisoriamente difundida (FAZENDA, 2002, p. 34). Fazenda (2002) ressaltou que os professores e professoras não foram preparados nas universidades para trabalhar interdisciplinarmente, pelo contrário, foram formados no paradigma cartesiano e sentem-se inseguros frente à nova tarefa de integrar as disciplinas. Para Morin, as reformas educacionais devem ser originadas dos próprios professores: “trata-se de um trabalho que deve partir do universo docente, o que comporta evidentemente a formação de formadores e autoeducação dos educadores” (MORIN, 2002, p. 35). Por essas razões, decidimos investigar como os professores de Ensino Médio, da área de Ciências da Natureza, concebem e estrutu-ram a prática pedagógica interdisciplinar, no curso de formação em serviço, denominado Pró-Ciências; e, também, quais os pressupostos para a construção de projetos interdisciplinares no Ensino Médio. O conceito de Efeito Estufa foi o tema escolhido por ser entendido como um possível eixo articulador entre os saberes das áreas de atuação dos docentes em questão. Em Biologia, este tema geralmente é abordado como um fator ambiental quando se ensina Ecologia, contudo sua compreensão requer o entendimento de conceitos de Física e Química como os gases-estufa e calor. O tratamento dos conteúdos dessas três disciplinas de forma integrada possibilita um ensino contextualizado e, portanto, mais signi�cativo. O Projeto Pró-Ciências O Programa de Apoio ao Aperfeiçoamento de Professores de Ensino Médio em Matemática e Ciências, conhecido como Pró-Ciências, foi �nanciado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pela Secretaria Nacional de Ensino e Tecnologia do Ministério da Educação (Semtec/MEC), e objetivava a aproximação entre as escolas da rede pública de ensino e as universidades, a �m de ligar a pesquisa produzida nestas à prática no Ensino Médio. O projeto Pró-Ciências – desenvolvido na Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Bauru – teve como tema principal “Conceito de Energia: Física, Química e Biologia – uma visão interdisciplinar”. O referido projeto, que envolveu professores das disciplinas de Física, Química e Biologia do Ensino Médio das escolas públicas estaduais, teve início em agosto de 2002 e encerrou em dezembro do mesmo ano. Esse projeto objetivou promover a melhoria no ensino das Ciências Naturais e suas tecnologias em nível médio pela articulação do binômio ensino e pesquisa, tendo como referencial teórico a História e Filoso�a da Ciência e utilizando a Informática como recurso didático na construção das atividades de caráter interdisciplinar. Foram selecionados 34 professores das Diretorias de Ensino de Lins e Marília que iam todos os sábados até o campus de Bauru e reuniam-se das 8h às 17h. Desses, seis desistiram ao longo do processo. Dessa forma, somente 28 professores concluíram todas as etapas. Na proposta inicial, os docentes seriam igualmente selecionados entre licenciados em Física, Química e Biologia. Na seleção dos participantes, as Diretorias Regionais não respeitaram essa proporcionalidade necessária para um melhor desenvolvimento de um projeto interdisciplinar, pois muitos professores não eram portadores de diplomas especí�cos para as disciplinas que ministravam. A Tabela 1 apresenta a seguinte constituição. Tabela 1 – Formação superior dos professores-alunos que participaram do projeto Pró-Ciências. Os professores-alunos tiveram aulas de fundamentação teórico- metodológica, além dos respectivos conteúdos de Física, Química e Biologia relacionados ao conceito de energia. Essas aulas foram ministradas por docentes dos Departamentos de Física e Educação da Faculdade de Ciências. Após terem cursado as disciplinas, os professores-alunos foram divididos em quatro grupos que deveriam, obrigatoriamente, ser formados por docentes das três disciplinas (Física, Química e Biologia) que o projeto contemplava. Dentro deste tema mais amplo (Conceito de Energia), os professores-alunos escolheram temas mais especí�cos sobre os quais procuraram desenvolver atividades interdisciplinares para serem aplicadas na sala de aula e publicadas na página do Pró-Ciências na Internet: wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie. O tema “Efeito Estufa” foi proposto, por ser objeto da presente pesquisa, mas a escolha dos temas �cava a critério dos grupos. Dentre os itens escolhidos, dois grupos optaram por Efeito Estufa, enquanto os outros dois escolheram como temas “A camada de Ozônio” e “Produção de energia elétrica e o impacto ambiental”. No decorrer do projeto Pró-Ciência, a Secretaria de Estado da Educação diminuiu o número total de horas previstas de 220 para 120 horas. Sendo assim, o Pró-Ciências, originalmente previsto para acabar no mês de janeiro, terminou em dezembro. Para suprir essa diminuição das horas, os professores- alunos realizaram parte das atividades em casa e as apresentaram nos últimos sábados destinados ao projeto. Ao �nal, o curso totalizou 184 horas, divididas entre as desenvolvidas na Unesp e nas escolas em que os professores-alunos lecionavam. A carga horária �cou distribuída da seguinte forma: 108 horas referentes às disciplinas; 72 horas para o desenvolvimento de atividades didáticas; 4 horas para a apresentação de seminário do projeto �nal desenvolvido pelos professores-alunos. Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade Na primeira aula do projeto Pró-Ciências, investigamos quais eram as concepções dos professores-alunos sobre o conceito de interdisciplinaridade, por meio de questionários dissertativos. A Tabela 2 resume as concepções desses professores3 a respeito do conceito de interdisciplinaridade. A necessidade de envolvimento entre as diferentes disciplinas ou áreas do conhecimento para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar é quase um consenso entre os professores-alunos entrevistados, já que 96,4% mencionou esse aspecto como um dos pilares mais claros e importantes para a formação do conceito de interdisciplinaridade. Embora atividades colaborativas, isto é, que envolvam dois ou mais docentes, sejam ideais, um trabalho interdisciplinar também pode ser implementado por um único educador disposto a integrar conteúdos de outras disciplinas com os de sua área. A maioria dos professores-alunos entrevistados (67,8%) também apontou a importância de se ter um tema amplo uni�cador das disciplinas, ou de colocá-lo em uma posição supradisciplinar. De fato, o tema a ser estudado deve estar acima das disciplinas e, ao mesmo tempo, pertencer a cada área dos saberes que o compõe. A maneira como esse tema será abordado é de extremaimportância nesse tipo de trabalho. Para Machado (2000), a escolha de um tema pelo qual “bor-boletearão” as diferentes disciplinas ou a tentativa de trabalho em grupo por docentes apegados aos seus pontos de vista e aos seus objetos de estudo são os tipos de projetos que os professores geralmente deno- minam interdisciplinares, mas que, na realidade, não o são. Essa concepção que o autor nos advertiu pode ser detectada como presente na maioria das respostas analisadas. O termo “projeto” é utilizado por 17,8% dos professores-alunos entrevistados, como disposto na categoria 3. Segundo Machado (2000, p. 2), “etimologicamente, a palavra projeto deriva do latim projectus […], signi�cando algo como um jato lançado para frente.” O autor ainda apontou três características fundamentais do conceito de projeto: “a referência ao futuro, a abertura para o novo e o caráter indelegável da ação projetada” (MACHADO, 2000, p. 5). Os projetos são inerentes às ações pedagógicas já que, segundo o autor (MACHADO, 2000, p. 20), “a palavra educação sempre teve seu signi�cado associado à ação de conduzir a �nalidades social-mente pre�guradas, o que pressupõe a existência e a partilha de projetos coletivos.” Portanto, um projeto é de grande importância para o início de um trabalho interdisciplinar bem-sucedido. Tabela 2 – Concepções de professores de Ensino Médio participantes do projeto Pró-Ciências, que lecionam as disciplinas Física, Química e Biologia, sobre o conceito de interdisciplinaridade. Percebe-se que as concepções, indicadas na categoria 2, asse-melham-se àquelas apontadas na categoria 4. Tratam-se de entendimentos de que é necessário um “nó” capaz de fazer a articulação das disciplinas em questão. Estariam esses professores em uma fase intermediária do entendimento do conceito de interdisciplinaridade? As respostas dos docentes, agrupados na categoria 6, diferem das outras porque procuram de�nir o termo interdisciplinaridade sem se restringir ao campo educacional, ao se valerem de de�nições generalistas como: “integração/interação entre diversas áreas do conhecimento”. As concepções apresentadas nas categorias 5 e 7, re�etem a falta de conceituação teórica sobre o tema e demonstram carência de re�exões mais aprofundadas sobre o conceito de interdisciplinaridade. A seguir, faz-se a análise das respostas dos professores-alunos entrevistados, em relação à questão: Você normalmente ensina os conceitos relativos ao Efeito Estufa? De que forma? Todos os professores-alunos entrevistados responderam a�rmativamente a essa questão. Na Tabela 3 estão agrupadas as formas utilizadas por eles para ensinar o tema. A Categoria 1 compreende as respostas da grande maioria dos professores- alunos entrevistados (85,7%) que a�rmaram utilizar textos de revistas, jornais ou exemplos do cotidiano (“comparações com a estufa de plantas” ou “com o carro fechado sob o sol”) para abordar o tema Efeito Estufa em suas aulas. Devido à ameaça de ocorrer um aquecimento global em decorrência do aumento do fenômeno e das tentativas de algumas nações em �rmarem acordos internacionais para contê-lo, esse tema aparece constantemente na mídia, e isso pode ser usado como motivador ou “ilustração” para que esse tópico seja abordado na sala de aula. Vale ressaltar que, frequentemente, jornais e revistas trazem artigos alarmantes ou catastró�cos a respeito do tema e cabe ao professor auxiliar os alunos na leitura crítica desses textos. Tabela 3 – Métodos utilizados por professores de Ensino Médio, da área de Ciências da Natureza, participantes do projeto Pró-Ciências, para ensinar o tema Efeito Estufa. Três dos professores-alunos, que a�rmaram trabalhar com textos de revistas e jornais (Categoria 1), disseram que após a leitura dos mesmos, propõem aos alunos re�exões e debates sobre o tema. Na categoria 2 estão agrupadas as respostas dos professores-alunos que a�rmam utilizar recursos como ilustrações, desenhos, cartazes ou �lmes para ensinar esse tópico. Imagens ou esquemas podem tornar mais fácil a compreensão do fenômeno. A Categoria 3 engloba as respostas dos docentes que ensinam o tema por meio de aulas teórico-expositivas. Um deles disse que utiliza recursos como transparências para retroprojetor ao ministrar suas aulas. Os docentes que tiveram suas respostas reunidas na Categoria 4, a�rmaram que explicam o tema Efeito Estufa atrelado a outros conteúdos como a questão ambiental e a ação antrópica no ambiente (no caso dos professores de Física e Biologia), ligações químicas e termoquímica (no caso dos professores de Química). Já a Categoria 5, reúne os professores que utilizam o livro didático para ensinar o tema. Na Categoria 6, reúnem-se as outras respostas ou metodologias utilizadas que aparecem uma única vez, isto é, são praticadas por apenas um dos professores entrevistados. São elas: “a partir das concepções prévias dos alunos”, “por meio de experimentos”, “mostrando os interesses socioeconômicos e políticos”, “incentivando observações para que o aluno compreenda o que pode causar as alterações da temperatura na vida do planeta”, “por meio de questionário”, “todo e qualquer recurso ajuda”. Sobre essas respostas pode-se fazer algumas considerações: em relação ao desvelamento das concepções prévias dos alunos, ressalta-se que isto é apenas o ponto de partida para o desenvolvimento do tópico de estudo, portanto o professor respondente não apresentou o método que costuma utilizar para desenvolver o tema. A a�rmação de dois dos docentes (que utilizam experimentos ou observação das alterações causadas pelo fenômeno) parecem equivocadas, pois não há experimentos simples, realizáveis na escola, que possam reproduzir o Efeito Estufa e as alterações causadas pelo fenômeno. Se essas estiverem ocor-rendo, só serão observadas a longo prazo por cientistas que fazem medições e observações durante décadas. Nenhum dos docentes entrevistados apontou a utilização de projetos interdisciplinares ou a integração com outras disciplinas para abordar o tema. Na Tabela 4, foram categorizadas as respostas dos professores-alunos para a questão: Acha que é possível trabalhar um conceito como, por exemplo, o Efeito Estufa de forma interdisciplinar entre professores e professoras de Ensino Médio? Como? Todos os docentes entrevistados responderam a�rmativamente a esta questão. A Tabela 4 apresenta a análise das concepções iniciais dos professores- alunos em relação às estratégias de ensino para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar entre a Física, a Química e a Biologia, utilizando o conteúdo Efeito Estufa como tema. Tabela 4 – Concepções de docentes de Ensino Médio, das disciplinas Biologia, Física e Química, sobre como trabalhar um conceito, como o Efeito Estufa, de forma interdisciplinar. A Categoria 1, que compreende uma concepção comum à grande maioria dos docentes entrevistados (90%), explicita o conceito que os professores têm a respeito do trabalho interdisciplinar, por exemplo, como uma mesa de negociações na ONU formada por vários países, em que cada um defende seus pontos de vista, como a�rma Morin (2002). Na verdade, este tipo de trabalho em que há um tema comum a várias disciplinas, mas, que cada uma delas desenvolve a faceta do tema que está vinculada ao seu programa de ensino, utilizando linguagens, métodos e teoria próprios da disciplina, é denominado multidisciplinar, e não interdisciplinar, pois as barreiras disciplinares se tornam ainda mais nítidas, ao invés de serem enfra-quecidas. O multidisciplinar consiste em várias disciplinas desenvolvendo um mesmo tema, mas sem uma integração efetiva entre elas (MORIN, 2002). Vejamos a resposta de um dos professores-alunos entrevistados: Cada um direcionando para a sua área. A Química trabalha causas, efeitos e consequências (do Efeito Estufa); a Biologia, a interferência no meio; a Física, a atmosfera; a Geogra�a, as áreas de ocorrência; História, fatos ocorridos no mundo;