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Praticas_Integradas_para_o_Ensino_de_Biologia,_2008_Araújo_e_Caluzi


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Copyright do texto © 2008 Autores
Copyright da edição © 2008 Escrituras Editora
Todos os direitos desta edição reservados
Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda.
Rua Maestro Callia, 123
Vila Mariana – São Paulo, SP – 04012-100
Tel: (11) 5904-4499 – Fax: (11) 5904-4495
escrituras@escrituras.com.br
www.escrituras.com.br
Editor
Raimundo Gadelha
Coordenação Editorial
Mariana Cardoso
Revisão
Ravi Macario
Edson Cruz
Projeto Grá�co e Capa
Vaner Alaimo
Editoração Eletrônica
Felipe Bonifácio
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Práticas integradas para o ensino de biologia / Elaine S. Nicolini
Nabuco de Araujo, João José Caluzi, Ana Maria de Andrade Caldeira,
organizadores. – São Paulo: Escrituras Editora, 2008.
(Educação para a ciência; 9)
Vários autores.
Bibliogra�a.
ISBN 978-85-7531-304-6
1. Biologia – Estudo e ensino 2. Prática de ensino
I. Araujo, Elaine S. Nicolini Nabuco de. II. Caluzi, João José.
III. Caldeira, Ana Maria de Andrade. IV. Série.
08-11620 CDD-570.7
Índices para catálogo sistemático:
1. Biologia: Estudo e ensino 570.7
Impresso no
Brasil
Printed in Brazil
Obra em conformidade com o
Acordo
Ortográ�co da Língua Portuguesa
Sumário
Prefácio
1. Epistemologia da Biologia: uma proposta didática para o ensino de
Biologia
Introdução
Epistemologia da Biologia
A Biologia como uma Ciência autônoma
A Epistemologia da Biologia no contexto do ensino
A constituição de um grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia
Resultados preliminares
Considerações �nais
Referências bibliográ�cas
2. A interdisciplinaridade na educação em Ciências: professores de Ensino
Médio em formação e em exercício
Introdução
O Projeto Pró-Ciências
Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade
Di�culdades para o desenvolvimento de projetos
interdisciplinares na escola
Trabalhos �nais produzidos pelos professores-alunos
Pró-Ciências: erros e acertos
Referências bibliográ�cas
3. Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto
>coletivo por professores
Introdução
A construção de um projeto na Escola Pública
Ações desenvolvidas pelos participantes
Resultados
Considerações �nais
Referências bibliográ�cas
4. O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia:
interdisciplinaridade e contextualização.
Introdução
O tema contextualizador
A construção do trabalho interdisciplinar
O conceito de energia em Biologia e suas relações interdisciplinares
Discussão
Avaliação do processo de construção do projeto interdisciplinar e
contextualizado
Organização do coletivo escolar
O Processo de ensino
O Processo de aprendizagem
Considerações �nais.
Referências bibliográ�cas
5. A �cção cientí�ca como estratégia pedagógica interdisciplinar:
aproximando as Ciências e a Arte
Introdução
Algumas considerações sobre o enfoque interdisciplinar
Ensino de Evolução Biológica
“Evolution”: o �lme analisado
Possíveis conteúdos matemáticos a serem abordados em
interdisciplinaridade com a Biologia, a partir do �lme “Evolution”
Considerações �nais
Referências bibliográ�cas
6. Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos.
Introdução
As pesquisas biotecnológicas e suas implicações éticas
Infertilidade e fertilização in vitro
Bioética e fertilização in vitro
A Lei de Biossegurança
O livro didático de Ciências e Biologia
Transposição e mediação didática
Considerações metodológicas
Presença de explicação, ilustrações sobre fertilização in vitro
Localização do assunto no livro didático
Consistência das informações apresentadas
Presença de uma abordagem ética e social
Considerações �nais
Referências bibliográ�cas
7. A construção do conceito de circulação sanguínea e o Ensino de
Biologia
Introdução
A importância da História da Ciência no Ensino de Ciências
A construção do conceito de circulação sanguínea: algumas teorias anteriores a
Harvey
Considerações �nais
Referências bibliográ�cas
8. A formação de conceitos cientí�cos em aulas de campo: as possibilidades
de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski
Introdução
O conhecimento cientí�co na perspectiva piagetiana
O conhecimento cientí�co na perspectiva de Vigotski
O desenvolvimento do programa
Formando conceitos em aulas de campo: conhecimento cientí�co e mediação
Considerações �nais
Referências bibloigrá�cas
9. Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas naturais
característicos da restinga de Ilha Comprida, SP
Introdução
Caracterização física e biológica de Ilha Comprida
Caracterização e localização
Formação geológica
Cobertura vegetal
Escolha das tipologias vegetacionais de Mata Atlântica
Semiótica peirceana
Sequência didática e ferramentas de coleta de dados
Aulas teóricas
Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 1)
Sequência didática das aulas teóricas
Aulas práticas
Sequência didática das aulas práticas
Sequência didática da sistematização de conteúdos
Ferramenta de coleta de dados (atividade didática 2)
Análise de conteúdos
Atividade didática 1
Atividade didática 2
Análise semiótica
Atividade didática 1
Atividade didática 2
Considerações �nais
Referências bibliográ�cas
Prefácio
Dois clássicos em Filoso�a, Peirce e Piaget, pensaram o desenvolvimento
da inteligência humana pela experiência e por um conjunto de abstrações que
nos enriquecem cognitiva e culturalmente. Estas duas dimensões – experiência
e graus diferenciados de abstração – criam e recriam o pensamento e sustentam
nossas ações. Com essa concepção li este livro, Práticas Integradas para o Ensino
de Biologia, organizado por Elaine Sandra Nicolini Nabuco de Araujo, João
José Caluzi e Ana Maria de Andrade Caldeira.
Vejo no livro um grande mérito: valoriza a experiência de alunos e
professores propondo que o ensino da Biologia seja realizado por meio de
práticas pedagógicas que recriem o sentido da interdisciplinaridade. Em outras
palavras, as pesquisas apresentadas neste livro propõem que o professor ensine
Ciências e Biologia pensando suas histórias, suas dimensões culturais e a função
das políticas educacionais. Propõem que este reconheça a possibilidade de
ensinar de outra forma, voltando-se, sobretudo, para o papel da experiência,
entendida aqui como prática de recontextualização do conhecimento cientí�co
em conhecimento escolar. Para isso, o livro sugere que o ensino da Biologia
deve escapar aos problemas mais comuns na vida do professor como, por
exemplo, a divisão do currículo em conteúdos estanques, a não valorização de
conhecimentos cotidianos dos alunos, a não articulação dos temas sociais aos
temas cientí�cos como o papel da energia no mundo atual, o efeito estufa no
planeta, o papel da bioética entre outros temas tão importantes para a
formação cientí�ca de nossos alunos. Os textos deste livro sugerem uma boa
caminhada ao professor de Ciências e de Biologia. Apontam uma sina docente:
ser andarilho de fronteiras.
Nesse sentido, o primeiro capítulo, “Epistemologia da Biologia: uma
proposta para o Ensino de Biologia”, retoma uma discussão cara aos professores
de Biologia, a dimensão da interação como suporte para o ensino e a
aprendizagem. Propõe que o conhecimento biológico seja visto por uma visão
integradora em que sistemas biológicos sejam representados por sistemas
complexos e pelo conceito de auto-organização. No segundo capítulo, “A
Interdisciplinaridade na Educação em Ciências: os professores do Ensino
Médio em formação e em exercício”, as autoras mostram que o conceito de
interdisciplinaridade está em construção entre os docentes entrevistados. Isso
di�culta a prática tão desejada no ensino de Biologia. Para que essa concepção
possa ser pensada entre os professores é necessário um trabalho coletivo dos
docentes com novos conhecimentos escolares e, sobretudo, uma organização
diferente do trabalho docente. Uma organização que privilegie espaços de
debate, estudo e vida cultural dos docentes.
O conceito de interdisciplinaridade também é debatido no capítulo
terceiro, “Interdisciplinaridade no Ensino Médio: a construção de um projeto
coletivo porprofessores”. Neste, as autoras indicam que as ações
interdisciplinares na escola podem ser realizadas de diferentes maneiras, desde
que os princípios básicos sejam estabelecidos no decorrer do trabalho de
ensino.
Interdisciplinaridade e contextualização são temas do quarto capítulo. Em
“O processo de ensino e aprendizagem do conceito de energia:
interdisciplinaridade e contextualização”, temos um ensaio do tratamento
interdisciplinar dado ao tema energia tomando como exemplo a cadeia
produtiva de cana-de-açúcar na região de Jaú, SP, onde a pesquisa foi
desenvolvida em uma escola local. Biologia, Física e Matemática foram áreas
delineadas para um trabalho com cunho social e cientí�co.
Para o ensino de Biologia, a Arte também foi pensada neste livro. No
quinto capítulo, “A �cção cientí�ca como estratégia interdisciplinar:
aproximando as Ciências e a Arte”, os autores lembram, com Bachelard, que,
embora as Artes se cristalizem no plano sensível e as Ciências no plano formal,
essas duas dimensões são passíveis de serem pensadas no ensino de Biologia
como Estética e como cognição. É interessante anotar neste capítulo o tema
Evolução sendo abordado matematicamente pela função exponencial, o que
mostra a integração entre Estética, Matemática e Biologia.
No sexto capítulo, “Fertilização in vitro e Bioética nos livros didáticos”, as
autoras tocam em um ponto crucial: os livros didáticos na organização do
trabalho docente. Como sabemos, o livro didático tem sido um dos recursos
mais utilizados na ação docente; daí a necessidade de uma análise criteriosa. As
autoras analisam o tema fertilização in vitro e o tratamento interdisciplinar
dado às questões da Bioética. Dos cinco livros analisados pode-se dizer que
ainda não temos uma abordagem social e ética satisfatória para o Ensino de
Biologia.
No capítulo sete, “A construção do conceito de circulação sanguínea e o
Ensino de Biologia” , os autores apresentam um texto elaborado com fontes
primárias, com o tema histórico acerca da circulação sanguínea para o Ensino
de Biologia. Os autores, apoiados em textos históricos, demonstram a riqueza
da História da Ciência para o ensino de conteúdos da Biologia. Traduzem um
saber histórico para o presente enfatizando a integração da História com a
Biologia.
Em “A formação de conceitos cientí�cos em aulas de campo: as
possibilidades de aprendizagem segundo Piaget e Vigotski”, capítulo oito, os
autores perguntam: quanta experiência é necessária para que ocorra a formação
de determinado conceito? Há um momento em que seja possível dizer que
ocorreu a aprendizagem? São questões que permeiam o texto, buscando em
Vigotski a formação de conceitos pelo processo de instrução, e em Piaget o
processo de formação cientí�ca do conceito conforme a idade dos aprendizes.
Essa preocupação é desenvolvida juntamente com uma investigação sobre a
utilização dos ecossistemas terrestres naturais brasileiros em uma escola
municipal de Bauru, SP. Nesse texto, os autores indicam como podemos
teorizar o desenvolvimento do conhecimento a partir de aulas em campo.
No capítulo nove, “Ensino e aprendizagem de Ecologia em ecossistemas
naturais característicos da restinga de Ilha Comprida, SP”, os autores, pela
análise semiótica peirceana, investigaram o ecossistema da ilha integrando
estudantes de 1 a 16 anos na temática ecológica e cultural da região. Em
contato com ecossistemas, os alunos passaram por um processo dinâmico de
aprendizagem e semiose, “pondo os conhecimentos em prática” e, ao mesmo
tempo, elaborando signos ecológicos.
Desse modo, o livro inicia seu percurso pela discussão do estatuto
epistemológico da Biologia e �naliza, após mostrar aos leitores diferentes
possibilidades de Ensino de Ciências e de Biologia, com um exemplo de teoria
semiótica em ação na aprendizagem das mesmas. Um bom livro para os
professores que querem pensar a construção da inteligência e do método
cientí�co entre os estudantes, já que este apresenta um objetivo importante na
esfera do ensino e da aprendizagem: mostrar que a experiência e o pensamento
devem ser constantemente reformulados na educação em Ciências das gerações
mais novas. Com o livro percebemos que ensinar Ciências é sinônimo de
ensiná-la como método, como um movimento de pensar e fazer.
Marta Bellini
Epistemologia da Biologia:
uma proposta didática para
o Ensino de Biologia1©
Mariana A. Bologna Soares de Andrade 2
Fernanda da Rocha Brando 3
Fernanda Aparecida Meglhioratti 4
Lourdes Aparecida Della Justina 5
Ana Maria de Andrade Caldeira 6
Introdução
As diferentes áreas do conhecimento cientí�co possuem características,
metodologias e objetos próprios que lhes conferem autonomia. Compreender a
Epistemologia de uma determinada Ciência signi�ca, entre outros aspectos,
entender os conceitos que lhe oferecem sustentação. A forma como
determinadas áreas cientí�cas são construídas deve ser socializada, e um
importante espaço para fomentar o debate sobre a construção cientí�ca é o
ambiente escolar. Da mesma forma que a Epistemologia da Ciência contribui
para os cientistas construírem um conhecimento mais consistente de sua área
de pesquisa, os estudos dos aspectos epistemológicos podem contribuir para
um Ensino de Ciências mais signi�cativo e integrado.
No Ensino, os conceitos cientí�cos ganham novos signi�cados adequados
ao contexto em que processos de Ensino e aprendizagem se inserem. Segundo
Sanmartí (2002), embora o conhecimento escolar tenha características
próprias, é importante ressaltar que as discussões que se colocam
principalmente no âmbito da Filoso�a da Ciência têm sido consideradas
fundamentais para o Ensino de Ciências. Assim, quando se pensa na Ciência
faz-se necessário não perder de vista os processos de produção do
conhecimento cientí�co como atividade humana historicamente
contextualizada, sendo este um dos instrumentos para o trabalho educativo.
Wortmann (1996) recomendou que as investigações que contemplem o
estabelecimento de relações entre a Didática, a Epistemologia e a História da
Ciência sejam intensi�cadas para promover a ampliação da compreensão do
conteúdo conceitual das diferentes áreas do conhecimento. Nesse sentido, a
Epistemologia da Ciência passa a ser um importante componente no Ensino de
Ciências.
A partir do reconhecimento dos estudos epistemológicos como uma
importante ferramenta tanto na compreensão dos fundamentos de
determinada área da Ciência quanto para seu Ensino, nosso grupo de
pesquisadores7, procura discutir quais seriam os fundamentos básicos do
conhecimento biológico que se apresentam como necessários na formação de
professores de Biologia. Isto possibilita, a nosso ver, que professores em
formação compreendam a natureza do conhecimento biológico.
Epistemologia da Biologia
O termo Epistemologia é utilizado com diferentes signi�cados, dos quais,
um dos adotados por nós é o sentido dado por Lebrun (2006) ao colocar a
disciplina como parte da Filoso�a da Ciência, sendo entendida como o campo
de conhecimento que discute os diversos problemas da Ciência, buscando
compreender seus signi�cados.
Carneiro (2003) destaca dois tipos de abordagens sobre o signi�cado de
Epistemologia. Uma primeira visão de Epistemologia aponta-a como sinônimo
da Filoso�a da Ciência e se aproxima do positivismo de Comte. Nesse caso, a
Epistemologia seria o estudo do conhecimento cientí�co, considerado o único
verdadeiro. Uma segunda tradição, mais próxima de Kant, de�ne o termo
Epistemologia como teoria do conhecimento, isto é, algo que busca
compreender como o sujeito conhece as coisas. Neste sentido a Epistemologia é
o ramo da Filoso�a que trata da relação entre sujeito e objeto. O problema de
investigação é o de estabelecer a forma como esse conhecimento é construído
pelo sujeito em sua relação com os objetos e qual o papel da percepção nesta
relação, isto é, saber como o sujeito intervém na organização e na construção
dos objetos que o rodeiam. No sentido contemporâneo a Epistemologia da
Ciência se aproximadessa segunda visão pela qual todo conhecimento é
entendido como construção cognitiva que emerge da relação entre sujeito e
objeto.
A partir da compreensão de que a Ciência é um processo histórico e social
surgem outros problemas com os quais a Epistemologia da Ciência se
preocupa. Um dos problemas centrais é entender quais fundamentos, conceitos
e metodologias sustentam cada uma das diferentes áreas do conhecimento
cientí�co. Algumas de�nições de Epistemologia enfatizam este seu aspecto, por
exemplo, no âmbito disciplinar. Japiassú e Marcondes (1996, p. 84) de�niram
Epistemologia como “a disciplina que toma por objeto […] as Ciências em via
de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de estruturação
progressiva”. Nesse sentido, pode-se a�rmar que a Epistemologia é o estudo dos
conceitos centrais de uma disciplina que fornece sustentação para a
estruturação sistemática desta como uma área de conhecimento consolidado.
Ainda de acordo com a abordagem da Epistemologia como o estu-do dos
fundamentos de uma Ciência, Lebrun (2006) evidenciou-a enquanto re�exão
sobre a natureza e sobre o objeto de uma Ciência. Acrescentou ainda que
quando um estudioso “questiona a Ciência” que pratica, ele está fazendo
Epistemologia. O estilo epistemológico, segundo Lebrun, trata-se da:
[…] atenção dada ao caráter autóctone [próprio] dos princípios que uma Ciência
apresenta e ao caráter singular dessa montagem teórica que permite determinar os
objetos de forma até então inédita – ou seja, […] àquilo que uma Ciência
descobre, sua maneira própria de produzir enunciados ou regras que possibilitam
sua edi�cação (LEBRUN, 2006, p. 134-135).
Lebrun (2006) evidenciou que ao fazer Epistemologia o indivíduo está
re�etindo sobre um corpo teórico de enunciados relativamente estáveis,
procurando compreender como isso se articula e funciona nesta região teórica,
para que dela possa surgir a própria Ciência.
Ao defender a Epistemologia enquanto disciplina bem fundamentada,
Lebrun (2002) referenciou ao menos duas condições necessárias: cada Ciência
deve ser considerada antes de tudo naquilo que ela tem de diferente e único,
deve ser encarada como um objeto dotado de um funcionamento singular;
nenhuma Ciência deve se apresentar como uma reunião de verdades, mas se
oferecer como tema possível de um exame histórico ou �lológico:
a) histórico: as Ciências são aventuras contingentes e suas proposições podem ser
tratadas enquanto acontecimentos […]
b) �lológico: é possível conferir-lhes o estatuto de um texto e considerar cada uma
delas como um corpus de fórmulas (enunciados, protocolos, indicações de
pesquisa…) no qual se deposita um trabalho coletivo, cujas articulações exprimem
escolhas ou decisões (LEBRUN, 2006, p. 137-138).
Uma boa Epistemologia deveria, para o autor, destacar as
descontinuidades, rompendo com o discurso da verdade muitas vezes
encontrada nos trabalhos cientí�cos. Nesse sentido o estudo epistemológico da
Biologia pode contribuir para a compreensão da construção do conhecimento
cientí�co, pois de acordo com Canguilhem (2002), o desenvolvimento da
Biologia tem um “estatuto de descontinuidade”, a história desta Ciência é uma
sequência de rupturas e de invenções. Faz-se, então, necessário, que os
fenômenos biológicos sejam compreendidos por meio da lógica da construção
do conhecimento biológico. Entendemos, desta forma, que ao discutirmos
sobre a Epistemologia, alguns pressupostos dessa Ciência possam ser melhor
compreendidos.
A Biologia como uma Ciência autônoma
Nas pesquisas em Ensino de Biologia podem ser observadas duas questões
frequentes: a fragmentação do conhecimento biológico e a necessidade de
discussão de conceitos fundamentais que estruturem a Biologia como campo
cientí�co coerente e uni�cado. Ernst Mayr em seu livro Biologia, Ciência única
(2005) fez considerações signi�cativas sobre os princípios básicos que regem o
conhecimento e a forma de interpretarmos os fenômenos biológicos. As
considerações desse autor são apresentadas resumidamente a seguir.
A constituição da Biologia como Ciência é recente. Talvez por isso, ainda
hoje, muitos fenômenos próprios desse conhecimento sejam compreendidos a
partir de Ciências que se consolidaram antes da Biologia, como a Física e a
Química. Entretanto, dentro do desenvolvimento da Epistemologia da
Biologia tem-se acentuado as discussões sobre princípios e características
próprias do conhecimento biológico que lhe conferem autonomia. Mayr
explicou que mesmo entre os anos de 1970 e 1980 vários �lósofos, tais como
Hull (1974), Ruse (1973) e Sober (1993)8, ainda escreviam Filoso�a da
Biologia baseados principalmente no quadro conceitual das Ciências Físicas.
Para o especialista, esse monopólio exercido pelas Ciências Físicas foi
abandonado por alguns autores por perceberem que os fundamentos
estritamen-te �sicalistas não eram adequados para a Filoso�a da Biologia.
Mayr, já em 1950, compreendia que para uma abordagem satisfatória da
disciplina, seria necessário recorrer aos conceitos especí�cos da própria
Biologia.
Mayr explicou que o entendimento da Biologia como uma Ciência
individual do mundo vivo ocorreu, entre outros motivos, pelo reconhecimento
da existência de princípios especí�cos da mesma, tais como a complexidade dos
sistemas vivos, a Biologia Evolucionista como Ciência Histórica, o papel do
acaso, o pensamento holístico e a limitação ao mesocosmo9.
Para Mayr, os sistemas biológicos se diferenciam de sistemas inanimados
pela sua alta complexidade, pois são dotados de qualidades como reprodução,
metabolismo, replicação, regulação, adaptação, crescimento e organização
hierárquica. Além disso, são sistemas ricos em propriedades emergentes, pois
novas características ou propriedades podem surgir em cada novo nível de
integração hierárquica. Outro conceito biológico especí�co é o de evolução, no
qual se inserem as ideias de variedade populacional e de seleção natural,
conceito introduzido por Darwin e que gera discussões até nos dias atuais.
Mayr destacou que para diferenciar os processos biológicos daqueles que
ocorrem no mundo inanimado precisa-se compreendê-los pela causalidade
dual, na qual os sistemas vivos apresentam um duplo controle, ou seja, estão
sujeitos tanto às leis naturais quanto aos programas genéticos que possuem,
sendo que estes foram construídos ao longo do processo evolutivo.
Pela inviabilidade de experimentos que possam reproduzir os fenômenos
biológicos e dar respostas às questões evolucionistas foi introduzido na Biologia
o método de narrativas históricas, o qual consiste na construção de narrativas
sobre a história evolutiva de determinado grupo de seres vivos. Um exemplo de
narrativa histórica são as considerações em relação à extinção dos dinossauros:
Uma primeira narrativa sugeria que eles haviam sido vítimas de uma epidemia
particularmente virulenta, contra a qual não puderam adquirir imunidade. Uma
boa quantidade de objeções sérias, no entanto, foi levantada contra esse cenário,
que foi assim, substituído por uma nova proposta, de acordo com a qual a
extinção teria sido causada por uma catástrofe climática. […] Quando, porém, o
físico Walter Alvarez postulou que a extinção dos dinossauros tinha sido causada
pelas consequências do impacto de um asteroide na Terra, todas as observações se
encaixaram nesse novo cenário (MAYR, 2005, p. 480).
Depois de construídas, essas narrativas têm seus valores explicativos
testados tanto pela lógica como pela presença de novas evidências.
Um outro aspecto a ser considerado é que as leis presentes nas Ciências
físicas perdem espaço nas Ciências Biológicas devido à complexidade e à
aleatoriedade envolvendo os seres vivos. Para Mayr (2005, p. 50):
O produto de um processo evolutivo é em geral o resultado de uma interação de
inúmeros fatores secundários. O acaso, no que diz respeito ao produto funcional e
adaptativo, é o grande gerador de variação.
Dessa forma, Mayr (2005, p. 46) destacouque os conceitos biológicos
não carregam o caráter de lei como nas Ciências Exatas:
Uma das diferenças mais fundamentais entre biologia e as chamadas ciências
exatas é que nelas as teorias são usualmente baseadas em conceitos, enquanto nas
ciências físicas são baseadas em leis naturais.
Assim, o pensamento reducionista, tão presente no discurso �sicalista, não
dá conta de explicar os sistemas biológicos, pois os últimos apresentam
interações entre todos os níveis de organização dos sistemas. Portanto,
decompor em partes menores oferece apenas uma explicação parcial dos
mesmos, “é precisamente essa interação das partes que fornece suas
características mais pronunciadas à natureza, como um todo, ou ao
ecossistema, ao grupo social, aos órgãos de um simples organismo” (MAYR,
2005, p. 51).
A Biologia, para Mayr, encontra relevância nos fenômenos que ocorrem
no mesocosmos. O autor ainda descreveu outros dois mundos, no que
concerne à acessibilidade para os órgãos dos sentidos: o microcosmo, das
partículas elementares e suas combinações e o macrocosmo, de dimensões
cósmicas.
Em resumo, Mayr considerou que fazer uma Filoso�a da Biologia implica
concebê-la como uma Ciência que apresenta elementos que a carac-terizam
como uma forma única de olhar o mundo vivo, com características que a
diferenciam de outras Ciências, como a Física, por exemplo.
A Epistemologia da Biologia no contexto do Ensino
A partir da discussão dos princípios elencados no item anterior, tendo em
vista que os acontecimentos biológicos ocorrem de forma integrada, que os
seres vivos apresentam uma complexidade de forma e função, que a evolução
dos seres é um processo capaz de ser interpretado por meio de narrativas
históricas, perguntamos: por que a Biologia, muitas vezes no contexto de
Ensino, é apresentada de forma fragmentada?
Ao falarmos sobre Ensino de Biologia, com frequência nos remete-mos à
ideia dos “blocos fechados” de disciplinas que a compõe, como a Botânica, a
Zoologia, a Citologia, a Ecologia, a Genética, entre outras. Entretanto,
considerando o suporte da Epistemologia da Biologia, essas divisões perdem
seu sentido. Ao estudar o conhecimento biológico por meio de subáreas,
podemos perder a complexidade dos fenômenos biológicos.
Inferimos que a forma fragmentada pela qual a Biologia é apresentada,
tanto no Ensino Médio como nos cursos de graduação, seja uma “cópia” das
linhas de pesquisas que foram se consolidando ao longo do desenvolvimento
das Ciências Biológicas. Na pesquisa, essa fragmentação em um determinado
momento histórico permitiu a especi�cidade e o aprofundamento de
determinados conhecimentos, todavia, mesmo na pesquisa, há hoje uma busca
por estudar os fenômenos complexos de forma interdisciplinar. No contexto
escolar, essa interdisciplinaridade deve estar ainda em maior evidência,
auxiliando a produção de um conhecimento integrado pelos alunos.
O conhecimento escolar tem características próprias, assim, para se
estudar as estratégias, conceitos e métodos de uma Ciência, deve-se pensar em
como fazer uma transposição didática adequada. Como a�rma Bellini (2007),
os conhecimentos escolares e os conhecimentos cientí�cos não são sinônimos,
pois no contexto da escola, a lógica cientí�ca está disposta de uma outra forma,
atendendo a interesses sociais mais amplos. No entanto, mesmo considerando
os diferentes contextos dos cientistas e da escola, a autora evidenciou que
podemos aproximar as bases epistemológicas da Biologia às do ensino dessa
Ciência.
Para Bellini (2007), na Ciência Física, por exemplo, os cientistas recorrem
às atividades operatórias, tais como a experimental e a matemática e, quando
nos referimos ao Ensino de Física, muitas pesquisas têm apontado, como
recurso didático, a utilização de processos de experimentação e observação de
fenômenos em sala de aula. Já na Ciência Matemática, os especialistas recorrem
principalmente às atividades dedutivas. Estudos sobre aprendizagem de
Matemática apontam que o processo de cognição de crianças e jovens está
ligado à compreensão e à clareza dos enunciados, às relações numéricas, ao
espaço ou a outro tema da Matemática. Esses estudos, segundo Bellini, que
salientam as diferentes formas de Ensino para as diferentes Ciências não
decorrem somente de debates em torno das questões sobre metodologias de
Ensino, mas também de estudos sobre Epistemologia.
Dessa forma, Bellini (2007, p. 32), recorrendo aos estudos sobre a
Epistemologia da Biologia de Piaget, explicou que em relação às diferenças
epistemológicas, o pensamento biológico tem uma forte tendência
experimental, ou seja, “não pode prescindir dos seres naturais – homens,
animais, plantas”. No entanto, devemos destacar que todo conhecimento é
uma construção teórica em que não há o acesso direto ao mundo real. Ou seja,
também no saber biológico cada observação e experimentação é guiada por
aquele conhecimento que o sujeito já possui. No contexto cientí�co, são as
fundamentações teóricas que norteiam a análise de dados.
O conhecimento biológico possui certas especi�cidades relacionadas à
complexidade de seu próprio objeto de pesquisa, a vida. Devido à
complexidade dos fenômenos biológicos e à emergência de novas propriedades
em níveis superiores de organização, na Biologia as predições são mais difíceis
de serem realizadas do que na Física e na Química. Se pensarmos, por exemplo,
na teoria sintética da evolução, considerada um eixo integrador dos
conhecimentos biológicos, veremos que ela se apoia em um pensamento
populacional, ou seja, possui uma forma de pensar probabilística. Portanto, as
diversas Ciências diferem em seus aspectos epistemológicos. Não há um
esquema epistemológico único, o que implica, no âmbito do Ensino, na
utilização de metodologias diferenciadas para cada Ciência, e não a adoção de
um padrão metodológico (BELLINI, 2007).
Por meio dos relatos dos alunos de Licenciatura em Ciências Biológicas,
percebemos que algumas questões inerentes à Epistemologia da Biologia não
fazem parte, em geral, do repertório do Ensino e da pesquisa biológica, o que
acaba acarretando em uma formação fortemente empirista e determinista da
Ciência entre professores e pesquisadores, como já evidenciado por alguns
autores, tais como; Harres, (1999); Meglhioratti, (2004); Brando e Caldeira,
(2005); Scheid, et al., (2007).
É necessário que se pratique no ambiente escolar e universitário uma
abordagem que contextualize a Ciência e o conhecimento, em contraposição a
uma postura, tomada por muitos professores e pesquisadores, de conceber o
conhecimento biológico como um conjunto de conteúdos prontos e acabados
organizados em disciplinas. O conhecimento biológico, assim como a educação
cientí�ca em geral, deve considerar o caráter dinâmico e vivo dos diversos
processos e contextos ético, histórico, �losó�co e tecnológico no qual o
conhecimento é produzido. Assim, os estudantes devem aprender além das
Ciências atuais, algo acerca da natureza da Ciência e sua relação com a
existência humana (SILVA FILHO, 2002).
A Biologia possui características próprias e não deve ser reduzida ao corpo
conceitual e teórico de outras Ciências. No entanto, isso não signi�ca que ela
não dependa dos estudos realizados em outros campos do conhecimento
cientí�co, tais como a física e a Química. A Biologia, ao mesmo tempo em que
está intrinsecamente relacionada com as outras Ciências e é dependente dos
estudos desenvolvidos nelas, apresenta características que lhe conferem
autonomia. Portanto, sem deixar de considerar a interdependência existente
entre as diversas Ciências, tais como as Ciências Físicas, Químicas, entre
outras, não podemos seguir na Biologia o mesmo modelo de Ensino e de
compreensão conceitual das outras Ciências, pois ela apresenta uma
Epistemologia própria.
Um ponto a ser considerado como fundamental para uma mudança na
compreensão do conhecimento biológico é a inserção de discussões
epistemológicas na formação de professores de Biologia e Ciências. Percebemos
nos cursos de formação de docentes,para os diferentes níveis de Ensino, como
ainda estão ausentes as discussões epistemológicas da Biologia e como essa
carência acarreta distorções conceituais que podem, posteriormente, re�etir no
Ensino da disciplina, como evidenciaremos no exemplo a seguir.
Em recente discussão com um grupo de mestrandos e doutorandos de um
programa de pós-graduação em Genética, uma das pesquisadoras deste
trabalho pôde perceber como conceitos fundamentais do conhecimento
biológico estão ausentes nos discursos de pós-graduandos, futuros professores
universitários. Em uma aula, na qual os conceitos de Genética estavam sendo
discutidos, o professor indagou como os pós-graduandos explicariam, a partir
da teoria sintética da evolução, algumas questões atuais de Genética, tais como,
o desenvolvimento do sistema de reconhecimento de receptores especí�cos para
enzimas. Para a surpresa do professor, e também da pesquisadora, todos os
alunos pós-graduandos entendiam que a teoria sintética da evolução não seria a
melhor forma de explicar a história dos fenômenos biológicos. A melhor teoria
seria, para tais alunos, a do design inteligente10. Percebe-se, na discussão com
os alunos, que a melhor explicação para a complexidade dos sistemas de
receptores seria uma força que teria orientado o desenvolvimento de um
esquema de reconhecimento “tão perfeito”. Nessa situação, o professor
procurou evidenciar aos alunos que esse sistema não é “tão perfeito”, que
possui falhas e é o resultado de um processo de interação biológica sem
tendência à perfeição.
O exemplo citado anteriormente evidencia nossa preocupação em relação
à formação inicial de biólogos e professores de Biologia. Também nos faz
pensar como a concepção empirista/determinista da Biologia, em geral sem
uma re�exão sobre aspectos epistemológicos do conhecimento biológico, pode
levar a uma compreensão reducionista da Biologia. Como evidenciou Mathews
(1994), a separação entre a educação cientí�ca e a Filoso�a resulta em uma
educação distorcida.
Matthews (1995) argumentou que a inclusão de componentes de História
e de Filoso�a da Ciência no currículo pode contribuir para huma-nizar as
Ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da
sociedade, e também para um entendimento mais integral dos conteúdos
abordados. Isto é, pode haver uma contribuição para a superação do abismo da
falta de signi�cação que se diz ter dominado as salas de aula nas áreas das
Ciências, nas quais as fórmulas e equações são recitadas sem que muitos
cheguem, a saber, o que signi�cam. Dessa forma, a inserção de discussões de
História e Filoso�a da Ciência em cursos de formação de professores possibilita
que, ao chegar à sala de aula, o professor desenvolva uma forma de pensar
coerente com a construção histórica da ciência.
A constituição de um grupo de pesquisas em
Epistemologia da Biologia
A partir das discussões levantadas nos tópicos anteriores, um grupo de
pesquisas em Epistemologia da Biologia foi constituído no início de 2007 a �m
de promover um espaço de discussão e pesquisa entre sujeitos de diferentes
níveis de Ensino (graduandos de um curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas, pós-graduandos e professores universitários) sobre os aspectos
epistemológicos do conhecimento biológico. Esse grupo foi organizado de
forma que os participantes fossem ao mesmo tempo sujeitos de pesquisa e
pesquisadores. Assim, a partir das discussões geradas, os estudantes de
graduação desen-volvem projetos de pesquisas e Trabalhos de Conclusão de
Curso (TCC) sob a orientação e análise de professores e pós-graduandos.
As discussões e trabalhos desenvolvidos no grupo são orientados pelas
seguintes questões: o que caracteriza a Biologia como área cientí�ca especí�ca?
Quais são os conceitos centrais e uni�cadores do conhecimento biológico?
Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o
Ensino desta?
Entendemos que a escolha da Epistemologia da Biologia como tema de
estudos do grupo contribui para a discussão dos conceitos fundamentais da
disciplina, permitindo a integração de uma ampla gama de conceitos
biológicos. Além disso, permite a inserção dos graduandos de um curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas em um contexto de pesquisa cientí�ca que
não é comumente abordado nos cursos de Biologia e que não está relacionado
com a visão tradicional de cientista/especialista.
Com a �nalidade de promover a integração dos conceitos biológicos nas
atividades realizadas pelo grupo de pesquisa, construímos categorias de
organização do conhecimento biológico a partir do referencial teórico da
hierarquia escalar proposta por Salthe (1985, 2001). O autor explicou que,
para a utilização desta abordagem, é necessário estipular um nível focal (no
qual ocorre o fenômeno de interesse), bem como os níveis superior e inferior,
compondo, assim, um sistema triádico. Para Salthe (1985, 2001) o nível
superior estabelece condições de contorno para os processos no nível focal,
enquanto o nível inferior estabelece condições iniciadoras potenciais para os
processos focais. Essa representação poder ser esquematizada da seguinte forma:
[nível superior [nível focal [nível inferior]]].
A partir desse referencial teórico e pensando em uma forma de organizar
os diferentes conceitos da Biologia, estabelecemos, segundo considerações
presentes em Meglhioratti; Caldeira; Bortolozzi (2006), três níveis hierárquicos
de organização do conhecimento biológico [ecológico (ambiente externo)
[orgânico (organismo) [genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o
organismo como ponto focal ancorando as relações entre ambiente externo e
interno. Dessa forma, para entender a organização de um determinado ser vivo
é necessário compreender tanto as relações que ocorrem no próprio nível do
organismo (nível orgânico) quanto as propriedades de restrição do nível
superior (ecológico) e as propriedades geradoras do nível inferior (genético-
molecular) (MEGLHIORATTI et al., 2006).
Por meio da estrutura hierárquica proposta, os conceitos em Biologia são
organizados de maneira que permitam a compreensão de que os fenômenos
biológicos de diferentes níveis de complexidade são interdependentes. Essa
estratégia de organização poderia contribuir para a organização do
conhecimento biológico no contexto da educação básica, uma vez que, o
Ensino de Biologia tem sido alvo de crítica por apresentar os conteúdos de
forma fragmentada.
A organização hierárquica é comum no conhecimento biológico, mas a
interação entre os diferentes níveis de organização não tem sido ressal-tada.
Portanto, ao se dividir os diversos níveis de organização dos seres vivos em
sistemas, tais como células, órgãos, organismos, populações, comunidades,
ecossistemas, a �m de melhor estudá-los, a interdependência presente entre eles
não é considerada, evidenciando uma visão estereotipada deste conhecimento,
como um amontoado de conceitos dispersos, desconexos e sem aplicabilidade
na vida real. Somado a isso, não podemos desconsiderar, no contexto de
Ensino, a natureza do conhecimento biológico que apresenta o organismo
como seu principal objeto de estudo, assim como as suas diferentes formas de
organização, das quais propriedades podem emergir fazendo-se necessário o
entendimento da dinâmica complexa que os envolve.
Como o objeto de estudo do conhecimento biológico é o organismo,
entendemos que esse conceito deve ser o nível focal da organização da Biologia.
Assim, como foi explicitado, adotamos nas discussões do grupo três níveis de
organização biológica [ecológico (ambiente externo) [orgânico (organismo)
[genético-molecular (ambiente interno)]]], tendo o conceito de organismo
como ponto focal. Durante o ano de 2007, os debates do grupo, apesar de
abarcar os três níveis de complexidade propostos, teve seu foco de discussão no
conceito de organismo e de vida. No ano de 2008, esse grupo acrescentou
novas discussões teóricas, como o debate em torno do conceito de gene e deecossistemas.
No nível focal de organização do conhecimento biológico encontra-se o
conceito de organismo. Este conceito foi trabalhado, principalmente, por meio
da inserção de discussões teóricas advindas da Filoso�a da Biologia, tais como a
ideia de auto-organização, de emergência e pela percepção dos seres vivos como
sistemas autônomos inseridos dentro de uma rede evolutiva e ecológica de
relações.
No nível superior da estrutura hierárquica proposta para nortear as
discussões do grupo está o enfoque ecológico. O nível ecológico foi abordado
no grupo por meio das discussões que englobam a interação entre os níveis de
populações, comunidades, ecossistemas e biosfera sem, contudo fazer distinções
fragmentadas e estanques desses tipos de organizações. Percebemos que no
Ensino de Ecologia os diferentes níveis de organização dos seres vivos, muitas
vezes, são apresentados de forma fragmentada, como conjuntos de organismos
que se formam isoladamente uns dos outros, não permitindo ao aluno o
entendimento da rede complexa pela qual esses sistemas se organizam, de
forma interligada e interdependente. As características que só emergem devido
à forma com que esses indivíduos se orientam são descon-sideradas como, por
exemplo, àqueles que se organizam em comunidades. Pensamos então que
temas como interações ecológicas e sucessão ecológica, voltados principalmente
para ecologia de comunidades, fossem pertinentes nas discussões do grupo.
Quanto ao nível inferior ao focal, ou seja, o nível genético-molecular, o
grupo tem problematizado o conceito clássico de gene, promovendo uma
discussão sobre o caráter sistêmico do material genético dos organismos como
uma rede de interações moleculares. Nesse nível hierárquico as alterações são
orientadas por uma concepção sistêmica de gene, ou seja, o material genético
não é mais considerado o fator que determina o organismo, mas sim aquele
que delimita e potencializa os indivíduos por meio de uma rede de interações
possibilitando a emergência de novas características nos níveis superiores. Tais
discussões estão embasadas nas pesquisas atuais em genética molecular, as quais
apresentam o gene como uma estrutura com complexos sistemas de interação.
Resultados preliminares
Apresentamos, a seguir, alguns pontos signi�cativos das discussões
ocorridas no grupo, enfocando as diferentes concepções e compreensões dos
participantes acerca da proposta estruturada e apresentada para o
entendimento do conhecimento biológico.
Para melhor caracterizar o desenvolvimento dos encontros do grupo ao
longo dos dois anos de atividades, apresentaremos os dados divididos pelas três
questões já apresentadas nesse texto e que orientaram as atividades: 1) O que
caracteriza a Biologia como área cientí�ca especí�ca?; 2) Quais são os conceitos
centrais e uni�cadores do conhecimento biológico? e; 3) Qual a contribuição
das discussões em Epistemologia da Biologia para o Ensino de Biologia?
Os dados apresentados abaixo foram organizados com base em gravações
de reuniões e entrevistas aplicadas ao longo do desenvolvimento do grupo.
Apresentamos alguns resultados preliminares.
1) O que caracteriza a Biologia como uma área cientí�ca especí�ca?
No início das atividades anuais do grupo e ao longo de seu
desenvolvimento os participantes entraram em contato com textos
introdutórios da Epistemologia da Biologia e, posteriormente, com discussões
especí�cas de cada nível hierárquico. Utilizamos as referências que foram
brevemente apresentadas no início desse texto.
Ao longo das atividades a visão dos alunos sobre a Biologia sofreu
modi�cações. Percebemos que os alunos desenvolveram uma visão mais pau-
tada nas concepções próprias dessa Ciência.
Para ilustrar essas mudanças vamos apresentar as considerações dos
integrantes do grupo sobre o papel das interações entre os diferentes níveis de
organização nos fenômenos biológicos. Na Tabela 1 estão as considerações
coletadas no primeiro dia do grupo e no sétimo encontro. Destes dados foram
estabelecidas três categorias:
1. Categoria A: interação modi�cando o meio. Nessa categoria, a intera-ção é
tida como uma ação do organismo sobre o meio, sem que os níveis internos do
organismo e os níveis externos sejam considerados;
2. Categoria B: interação modi�cando o organismo. Nessa categoria, as
interações dos níveis internos do organismo agem de forma a modi�cá-lo, sem
que os níveis externos sejam considerados;
3. Categoria C: fenômenos biológicos como uma rede de interações entre os
diferentes níveis, nos quais todas as partes constituintes têm a possibilidade de
interferir e sofrer interferência de outros níveis.
Tabela 1 – Quantidade de considerações que remetem a cada categoria
sem que seja identi�cada a consideração de cada membro do grupo.
Percebemos que no início das atividades do grupo os participantes
tendiam a apresentar explicações mais reducionistas para os fenômenos
biológicos, como evidencia a Tabela 1. Na primeira coluna (Primeiro encontro)
quando questionados sobre fenômenos biológicos a maioria das considerações
tinham um dos níveis hierárquicos como base. As falas abaixo exempli�cam,
respectivamente, uma consideração sobre interação que o organismo modi�ca
o meio:
A11: interação é quando o organismo interage com o meio.
Uma consideração sobre o meio interno modi�cando o organismo:
A11: ele está em um processo, ele se modi�ca.
A10: mas como que ele está se modi�cando?
A11: por processos bioquímicos, que faz com que ele mude.
As discussões tornaram-se mais aprofundadas em reconhecer os
fenômenos biológicos por meio das interações entre os diferentes níveis de
organização, como podemos ver em uma consideração feita por um
participante do grupo no sétimo encontro:
Pesquisador 2: e como poderíamos pensar o desenvolvimento de um
organismo?
A08: acho que seria importante que se compreendesse a história dessa espécie,
as interações que ocorreram para modi�car a espécie […] com o ambiente, as
mudanças genéticas […] e também as interações do próprio organismo.
Assim, por meio de análise dos encontros, inferimos que a visão sistêmica
dos fenômenos biológicos, ou seja, compreender que esses fenômenos ocorrem
por meio de interações entre os níveis passou a fazer parte do discurso dos
participantes.
2) Quais são os conceitos centrais e uni�cadores do conhecimento biológico?
Após as atividades iniciais do grupo, nas quais textos introdutórios sobre
Epistemologia da Biologia foram discutidos, as atividades seguiram para um
dos três níveis hierárquicos propostos como base de discussão no grupo. Após
as discussões especí�cas de cada um dos níveis, consideramos que o grupo
chegou a uma compreensão de que os conceitos básicos que integram os
fenômenos biológicos são: o caráter evolutivo e ecológico desses fenômenos. As
categorias abaixo apresentam as considerações do grupo em relação à proposta
de estruturar o estudo do conhecimento biológico pelos três níveis
hierárquicos: ecossistêmico, organísmico e genético-molecular.
1. Categoria A: entendem que faltam níveis intermediários na
representação da proposta;
2. Categoria B: entendem que a proposta restringe outras possibilidades
de estruturação;
3. Categoria C: entendem a importância de estudar as relações entre os
organismos por meio de conceitos estruturantes.
Tabela 2 – Quantidades de considerações em cada categoria
Podemos perceber que os participantes do grupo consideram importante
a estrutura proposta para a discussão do conhecimento biológico, entretanto,
ainda percebemos que a estrutura não possibilita a todos os membros do grupo
uma visão sistêmica dos processos biológicos.
Ao propormos um modelo com os níveis de ambiente interno, organismo
e ambiente externo estruturando as discussões, não incluímos os outros níveis
como foi apontado por dois participantes. Percebemos que, mesmo ao longo
das atividades, ainda existe uma tendência dos participantes a se manter em
uma visão fragmentada, restringindoa percepção sistêmica do conhecimento
biológico. A proposta tem como organização estrutural possibilitar o
desenvolvimento de um pensamento sobre os fenômenos biológicos por meio
de uma visão integrada dos diferentes níveis.
Compreender fenômenos biológicos signi�ca compreender a história
evolutiva e ecológica de um ou mais sistemas (material genético, células,
organismos, comunidades, ecossistemas etc.) bem como os processos pelos
quais esses sistemas interagiram e interagem e que os caracteriza tal como são.
3) Qual a contribuição das discussões em Epistemologia da Biologia para o
Ensino de Biologia?
Ao apontarmos no início desse texto como um dos problemas do Ensino
de Biologia a forma fragmentada como essa Ciência é ensinada na escola, não
tínhamos e nem temos a pretensão de propor um novo modelo de Ensino, mas
fazer apontamentos que possibilitem ao professor desenvolver nos alunos um
pensamento pautado na lógica da Biologia.
Sabemos que ao propor uma abordagem triádica para a organização do
conhecimento biológico poderíamos também estar fragmen-tando tal
conhecimento. Desta forma, como essa proposta pode trazer contribuições para
a formação de professores e, consequentemente, para o Ensino de Biologia?
Organizar o conhecimento biológico a partir de ideias centrais, como
muitas vezes encontramos no ambiente da escola faz-se necessário, de certa
forma, para o desenvolvimento das atividades escolares, uma vez que a Biologia
aborda uma grande quantidade de conceitos, tais como os que se referem ao
corpo humano, a outros animais e aos vegetais. Tendo como proposta
simplesmente o sistema triádico, estaríamos apenas realizando outro tipo de
fragmentação no Ensino. Entretanto, o que torna essa proposta diferenciada
são as discussões sobre o conhecimento biológico, permitindo entender os
fenômenos pelo seu caráter sistêmico, ou seja, integrativo com a história
evolutiva e ecológica, no qual se incorpora o tempo e o espaço na análise dos
fenômenos.
Nos debates realizados pelo grupo, alguns participantes (que já exercem
atividades de docência) apontam como essas discussões mudaram sua forma de
pensar e também de organizar as aulas. Os pontos levantados foram
organizados em três categorias:
1. Categoria A: entendem a relevância das discussões do grupo
apresentando os conceitos de maneira a mostrar o papel das interações em
determinada característica de um sistema;
2. Categoria B: entendem a in�uência do grupo na orientação de
elaboração de aulas com um pensamento próprio da Biologia;
3. Categoria C: entendem a importância das discussões epistemológicas
terem sido aprofundadas por textos de pesquisa recentes em Biologia, o que
possibilitou compreender de maneira mais clara como essa Ciência se constitui.
Tabela 3 – Considerações dos participantes do grupo sobre a in�uência
das atividades para a formação de professores.
Esses dados apontam que as atividade do grupo já re�etem nas práticas
escolares, pois essas considerações foram feitas por participantes que exercem
atividades em escolas (como professores ou como pesquisadores) contemplado,
desta forma, um dos objetivos do grupo que contribui para o Ensino de
Biologia.
Considerações �nais
Entendemos que a apresentação do conhecimento biológico pautado em
um sistema triádico de hierarquia pode ser uma proposta didática para discutir
os conceitos referentes à Biologia de maneira mais integrada. A noção de
interação – fenômeno presente nos e entre os diferentes níveis de organização
dos seres vivos abordados pela Biologia – evidencia-se como conceito central
para a integração dos diferentes níveis de organização biológica abordados no
Ensino.
Se o conhecimento biológico apresenta uma ampla gama de conceitos que
muitas vezes não é viável nem possível de ser abordada conjuntamente,
principalmente quando nos referimos aos diferentes níveis de Ensino, é
necessário que se articule uma metodologia na qual tais conceitos possam ser
entendidos de maneira mais sistêmica. A partir das experiências compartilha-
das no grupo de pesquisa, foi possível perceber que a ideia de interação
perpassa por todos os conceitos biológicos e se evidencia como principal
articuladora dos mesmos.
O desenvolvimento de uma proposta triádica de Ensino e pesquisa no
grupo de pesquisas em Epistemologia da Biologia por meio de discussão de
temas como auto-organização, emergência e sistemas complexos permitiu aos
participantes do grupo um olhar diferenciado para o conhecimento biológico e
seus fundamentos. Inferimos que a tais participantes é oferecida uma
oportunidade de confronto de opiniões sobre a natureza do conhecimento em
Biologia, objetivando desenvolver um olhar investigativo e crítico sobre as
disciplinas que o compõe, permitindo-lhes uma visão integrada do todo
complexo no qual a disciplina está inserida.
Para melhor exempli�car como esses conceitos são signi�cativos para a
Epistemologia da Biologia e como englobam outras questões também
importantes para a compreensão dessa Ciência apresentamos, de forma breve,
considerações sobre cada um dos níveis hierárquicos.
O nível genético-molecular, – inferior ao organismo (focal) –, e que está
presente em todos os sistemas vivos, deixa de ser considerado determinador das
características do sistema. O material genético carrega grande parte das
informações hereditárias das espécies, ou seja, a sua história evolutiva.
Entretanto, entender como esse material genético possibilita o
desenvolvimento das características dos organismos signi�ca compreender que
ele está dentro de uma rede de interações sistêmica, ou seja, que existem
processos de interação com outros sistemas (organelas, células, ambiente
externo etc.). Com as pesquisas atuais em Biologia, sabemos que o material
genético sofre interferência direta do ambiente. Este, tem o papel voltado tanto
para o desenvolvimento dos indivíduos (animais, vegetais, bactérias etc.)
quanto para a emergência de novas características que serão transmitidas aos
descendentes.
No que concerne ao nível ecológico abordamos principalmente os níveis
de organizações de seres vivos compreendidos desde o indivíduo até os
ecossistemas e biosfera. Enfatizamos, tendo como base a Ciência Ecologia, o
conceito de interação, que ocorre tanto entre indivíduos de mesma espécie,
quanto entre indivíduos de espécies diferentes e destes com o ambiente. É
válido ressaltar que ambiente de um organismo, assim como evidenciou Begon
et al. (2007), consiste em um conjunto de in�uências externas exercidas sobre
ele, as quais são representadas por fatores e fenômenos que podem ser físicos e
químicos (abióticos) ou mesmo outros organismos (bióticos). Isso posto, ao
abordarmos o nível ecológico enfatizamos a relação entre os seres vivos e seus
ambientes, em uma relação evolutiva, lembrando que por meio da seleção
natural, os organismos se ajustam aos seus ambientes por serem “os mais aptos
entre os disponíveis”, ou “os mais aptos até o momento”, pois eles não são “os
melhores imagináveis” (BEGON et al., 2007, p. 29).
Por meio da descrição hierárquica do conhecimento biológico, considera-
se o ser vivo como ponto central da discussão, assumindo sua unidade e
autonomia por meio das relações engendradas pelos seguintes níveis: [ambiente
externo (ecológico/evolutivo) [organismo [ambiente interno
(genético/molecular)]]]. O organismo compreendido como nível focal da
discussão biológica ressalta a autonomia da Biologia em relação às outras áreas
do conhecimento cientí�co, enfatizando-a como uma Ciência do organismo. A
relação entre níveis pode ser modi�cada ao longo do tempo, portanto, a ideia
de interação entre ambiente externo, organismo e ambiente interno pressupõe
a ação modi�cadora constante de um nível em relação ao outro. Assim, o
organismo não é só modi�cado pelo meio, mas também é por ele
transformado. O organismo, nessa perspectiva, não pode mais ser visto como
um ente passivo construído pelo encontro da determinação genética e a seleção
natural. O organismo age e sedetermina em sua relação com o meio, tendo em
sua organização as marcas dessa interação constante.
1 © Projeto � nanciado pelo CNPq.
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP,
bolsista CAPES; (marianabologna@gmail.com).
3 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP,
bolsista BIOTA-FAPESP; (frochabrando@fc.unesp.br).
4 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde.
Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
(fglio@fc.unesp.br).
5 Docente da Universidade Estadual do Oeste de Paraná, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde.
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
(ldella@fc.unesp.br).
6 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP.
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP;
(anacaldeira@fc.unesp.br). .
7 Sobre a formação do grupo de Pesquisas em Epistemologia da Biologia, veri�car atas do VI
ENPEC – 2007.
8 HULL, D. L. Philosophy of biological science. Englewood Cliff s, Nova Jersey, Prentice-Hall,
1974. RUSE, M.  e philosophy of biology. Londres, Hutchinson, 1973. SOBER, E. Philosophy of
biology. Boulder, Colorado, West View Press, 1993.
9 Entende-se como aqueles fenômenos que ocorrem em um “mundo” intermediário entre o
microcosmo (que engloba os átomos, partículas elementares e suas combinações) e o macrocosmo (que
engloba as galáxias e dimensões cósmicas).
10 Segundo a teoria do Design Inteligente, os fenômenos que ocorrem no mundo e, entre eles, os
fenômenos biológicos, ocorreriam determinados por um Designer Supernatural (MANSON, 2003),
argumento contrário ao do papel do acaso apresentado por Mayr (2005) e aceito por nós.
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A interdisciplinaridade
na educação em Ciências:
professores de Ensino Médio em
formação e em exercício
aís Gimenez da Silva Augusto1
Ana Maria de Andrade Caldeira2
Introdução
A área de Ciências da Natureza, no Ensino Médio, é composta pelas
disciplinas de Biologia, Física e Química. Na Rede Pública Estadual de Ensino,
destinam-se, geralmente, duas aulas semanais para cada uma dessas disciplinas,
tempo insu�ciente para desenvolver um conteúdo extenso e complexo, tendo
em vista habilidades e competências para as quais os alunos deveriam ser
formados ao �nal do Ensino Médio.
A tradicional abordagem disciplinar baseia-se no “paradigma cartesiano
ou analítico”. Esta parte do princípio que, quando se tem um grande problema
a ser resolvido, deve-se dividi-lo em partes ou em problemas menores. A soma
da resolução dos pequenos problemas (partes) resulta na solução do problema
como um todo. De acordo com essa visão, o saber ensinado nas escolas
também foi compartimentado em disciplinas (ARGUELLO, 1996).
Buscando superar a fragmentação do conhecimento, na área de Ciências
da Natureza, têm surgido diferentes propostas de trabalho que “dão contexto
aos conteúdos e permitem uma abordagem das disciplinas cientí�cas de modo
inter-relacionado” (PCN, 1998, p. 27). Essas propostas são denominadas
interdisciplinares.
A Resolução CNE/98 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
propõe que o ensino das Ciências Naturais (Física, Química e Biologia)
envolva o caráter interdisciplinar sem deixar de considerar as especi�cidades
presentes em cada uma das áreas de conhecimento cientí�co. Essa Resolução
aponta o caminho da interdisciplinaridade e o da contextualização para que os
sistemas de ensino possam adequar os conteúdos cientí�cos às necessidades dos
alunos e as do meio social.
A interdisciplinaridade, “palavra-chave” nas discussões atuais sobre
Educação, pretende uma abordagem sistêmica do conteúdo, focalizando as
interações entre as partes (Machado, 2000; Arguello, 1996). Essa abordagem
possibilita a visão global do tema, evitando excessiva fragmentação dos
conhecimentos. Portanto, a interdisciplinaridade é “uma intercomunicação
efetiva entre as disciplinas, por meio da �xação de um objeto comum diante do
qual os objetos particulares de cada uma delas constituem subobjetos”
(MACHADO, 2000, p. 193).
Segundo Klein (2001), pesquisadora norte-americana, os Estados Unidos
é, ao ponto de ser denominado “o eldorado dos estudos interdisciplinares”, o
país onde existe a maior quantidade de estudos a respeito de práticas
interdisciplinares. Os defensores da educação interdisciplinar norte-americana
argumentam que os alunos e alunas submetidos a essa instrução “estão mais
motivados, mais capazes de lidar com questões e problemas complexos, e mais
engajados em pensamentos de nível mais alto” (KLEIN,2001, p. 118):
Eles aprendem a ver conexões e a lidar com a contradição. Mostram mais
criatividade e atenção, e até mesmo, quem sabe, melhor assimilação em virtude
das múltiplas conexões, além de ganhar perspectiva em relação às disciplinas
(KLEIN, 2001, p. 118).
Gardner (1999) a�rmou que é necessário que o aluno tenha domínio de
algumas disciplinas para estar apto a trabalhar interdisciplinarmente. Libâneo
(2000) concordou com essa visão; a�rmando que a disciplinaridade é um passo
necessário à interdisciplinaridade. Logo, o Ensino Médio é o nível da Educação
Básica propício à prática interdisciplinar, considerando que os (as) estudantes já
têm um certo conhecimento das disciplinas provenientes do Ensino
Fundamental.
Segundo Fazenda (2002, p. 23), o movimento interdisciplinar na
educação “é mais atual do que nunca”. A interdisciplinaridade vem se popu-
larizando nas escolas brasileiras, apoiada, porém, em práticas intuitivas, sem o
aporte teórico necessário.
O número de projetos educacionais que se intitulam interdisciplinares vem
aumentando no Brasil numa progressão geométrica, seja em instituições públicas
ou privadas, em nível de escola ou de sistema de ensino. Surgem da intuição ou da
moda, sem lei, sem regras, sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura
provisoriamente difundida (FAZENDA, 2002, p. 34).
Fazenda (2002) ressaltou que os professores e professoras não foram
preparados nas universidades para trabalhar interdisciplinarmente, pelo
contrário, foram formados no paradigma cartesiano e sentem-se inseguros
frente à nova tarefa de integrar as disciplinas.
Para Morin, as reformas educacionais devem ser originadas dos próprios
professores: “trata-se de um trabalho que deve partir do universo docente, o
que comporta evidentemente a formação de formadores e autoeducação dos
educadores” (MORIN, 2002, p. 35).
Por essas razões, decidimos investigar como os professores de Ensino
Médio, da área de Ciências da Natureza, concebem e estrutu-ram a prática
pedagógica interdisciplinar, no curso de formação em serviço, denominado
Pró-Ciências; e, também, quais os pressupostos para a construção de projetos
interdisciplinares no Ensino Médio. O conceito de Efeito Estufa foi o tema
escolhido por ser entendido como um possível eixo articulador entre os saberes
das áreas de atuação dos docentes em questão. Em Biologia, este tema
geralmente é abordado como um fator ambiental quando se ensina Ecologia,
contudo sua compreensão requer o entendimento de conceitos de Física e
Química como os gases-estufa e calor. O tratamento dos conteúdos dessas três
disciplinas de forma integrada possibilita um ensino contextualizado e,
portanto, mais signi�cativo.
O Projeto Pró-Ciências
O Programa de Apoio ao Aperfeiçoamento de Professores de Ensino
Médio em Matemática e Ciências, conhecido como Pró-Ciências, foi
�nanciado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) e pela Secretaria Nacional de Ensino e Tecnologia do Ministério da
Educação (Semtec/MEC), e objetivava a aproximação entre as escolas da rede
pública de ensino e as universidades, a �m de ligar a pesquisa produzida nestas
à prática no Ensino Médio.
O projeto Pró-Ciências – desenvolvido na Faculdade de Ciências da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Bauru – teve como tema
principal “Conceito de Energia: Física, Química e Biologia – uma visão
interdisciplinar”. O referido projeto, que envolveu professores das disciplinas
de Física, Química e Biologia do Ensino Médio das escolas públicas estaduais,
teve início em agosto de 2002 e encerrou em dezembro do mesmo ano. Esse
projeto objetivou promover a melhoria no ensino das Ciências Naturais e suas
tecnologias em nível médio pela articulação do binômio ensino e pesquisa,
tendo como referencial teórico a História e Filoso�a da Ciência e utilizando a
Informática como recurso didático na construção das atividades de caráter
interdisciplinar.
Foram selecionados 34 professores das Diretorias de Ensino de Lins e
Marília que iam todos os sábados até o campus de Bauru e reuniam-se das 8h
às 17h. Desses, seis desistiram ao longo do processo. Dessa forma, somente 28
professores concluíram todas as etapas. Na proposta inicial, os docentes seriam
igualmente selecionados entre licenciados em Física, Química e Biologia. Na
seleção dos participantes, as Diretorias Regionais não respeitaram essa
proporcionalidade necessária para um melhor desenvolvimento de um projeto
interdisciplinar, pois muitos professores não eram portadores de diplomas
especí�cos para as disciplinas que ministravam. A Tabela 1 apresenta a seguinte
constituição.
Tabela 1 – Formação superior dos professores-alunos que participaram do
projeto Pró-Ciências.
Os professores-alunos tiveram aulas de fundamentação teórico-
metodológica, além dos respectivos conteúdos de Física, Química e Biologia
relacionados ao conceito de energia. Essas aulas foram ministradas por
docentes dos Departamentos de Física e Educação da Faculdade de Ciências.
Após terem cursado as disciplinas, os professores-alunos foram divididos
em quatro grupos que deveriam, obrigatoriamente, ser formados por docentes
das três disciplinas (Física, Química e Biologia) que o projeto contemplava.
Dentro deste tema mais amplo (Conceito de Energia), os professores-alunos
escolheram temas mais especí�cos sobre os quais procuraram desenvolver
atividades interdisciplinares para serem aplicadas na sala de aula e publicadas
na página do Pró-Ciências na Internet: wwwp.fc.Unesp.br/~lavarda/procie. O
tema “Efeito Estufa” foi proposto, por ser objeto da presente pesquisa, mas a
escolha dos temas �cava a critério dos grupos. Dentre os itens escolhidos, dois
grupos optaram por Efeito Estufa, enquanto os outros dois escolheram como
temas “A camada de Ozônio” e “Produção de energia elétrica e o impacto
ambiental”.
No decorrer do projeto Pró-Ciência, a Secretaria de Estado da Educação
diminuiu o número total de horas previstas de 220 para 120 horas. Sendo
assim, o Pró-Ciências, originalmente previsto para acabar no mês de janeiro,
terminou em dezembro. Para suprir essa diminuição das horas, os professores-
alunos realizaram parte das atividades em casa e as apresentaram nos últimos
sábados destinados ao projeto. Ao �nal, o curso totalizou 184 horas, divididas
entre as desenvolvidas na Unesp e nas escolas em que os professores-alunos
lecionavam. A carga horária �cou distribuída da seguinte forma: 108 horas
referentes às disciplinas; 72 horas para o desenvolvimento de atividades
didáticas; 4 horas para a apresentação de seminário do projeto �nal
desenvolvido pelos professores-alunos.
Concepções de professores sobre a interdisciplinaridade
Na primeira aula do projeto Pró-Ciências, investigamos quais eram as
concepções dos professores-alunos sobre o conceito de interdisciplinaridade,
por meio de questionários dissertativos. A Tabela 2 resume as concepções
desses professores3 a respeito do conceito de interdisciplinaridade.
A necessidade de envolvimento entre as diferentes disciplinas ou áreas do
conhecimento para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar é quase
um consenso entre os professores-alunos entrevistados, já que 96,4%
mencionou esse aspecto como um dos pilares mais claros e importantes para a
formação do conceito de interdisciplinaridade. Embora atividades
colaborativas, isto é, que envolvam dois ou mais docentes, sejam ideais, um
trabalho interdisciplinar também pode ser implementado por um único
educador disposto a integrar conteúdos de outras disciplinas com os de sua
área.
A maioria dos professores-alunos entrevistados (67,8%) também apontou
a importância de se ter um tema amplo uni�cador das disciplinas, ou de
colocá-lo em uma posição supradisciplinar. De fato, o tema a ser estudado deve
estar acima das disciplinas e, ao mesmo tempo, pertencer a cada área dos
saberes que o compõe. A maneira como esse tema será abordado é de extremaimportância nesse tipo de trabalho. Para Machado (2000), a escolha de um
tema pelo qual “bor-boletearão” as diferentes disciplinas ou a tentativa de
trabalho em grupo por docentes apegados aos seus pontos de vista e aos seus
objetos de estudo são os tipos de projetos que os professores geralmente deno-
minam interdisciplinares, mas que, na realidade, não o são. Essa concepção que
o autor nos advertiu pode ser detectada como presente na maioria das respostas
analisadas.
O termo “projeto” é utilizado por 17,8% dos professores-alunos
entrevistados, como disposto na categoria 3. Segundo Machado (2000, p. 2),
“etimologicamente, a palavra projeto deriva do latim projectus […],
signi�cando algo como um jato lançado para frente.” O autor ainda apontou
três características fundamentais do conceito de projeto: “a referência ao futuro,
a abertura para o novo e o caráter indelegável da ação projetada”
(MACHADO, 2000, p. 5). Os projetos são inerentes às ações pedagógicas já
que, segundo o autor (MACHADO, 2000, p. 20), “a palavra educação sempre
teve seu signi�cado associado à ação de conduzir a �nalidades social-mente
pre�guradas, o que pressupõe a existência e a partilha de projetos coletivos.”
Portanto, um projeto é de grande importância para o início de um trabalho
interdisciplinar bem-sucedido.
Tabela 2 – Concepções de professores de Ensino Médio participantes do
projeto Pró-Ciências, que lecionam as disciplinas Física, Química e Biologia,
sobre o conceito de interdisciplinaridade.
Percebe-se que as concepções, indicadas na categoria 2, asse-melham-se
àquelas apontadas na categoria 4. Tratam-se de entendimentos de que é
necessário um “nó” capaz de fazer a articulação das disciplinas em questão.
Estariam esses professores em uma fase intermediária do entendimento do
conceito de interdisciplinaridade?
As respostas dos docentes, agrupados na categoria 6, diferem das outras
porque procuram de�nir o termo interdisciplinaridade sem se restringir ao
campo educacional, ao se valerem de de�nições generalistas como:
“integração/interação entre diversas áreas do conhecimento”.
As concepções apresentadas nas categorias 5 e 7, re�etem a falta de
conceituação teórica sobre o tema e demonstram carência de re�exões mais
aprofundadas sobre o conceito de interdisciplinaridade.
A seguir, faz-se a análise das respostas dos professores-alunos
entrevistados, em relação à questão: Você normalmente ensina os conceitos
relativos ao Efeito Estufa? De que forma?
Todos os professores-alunos entrevistados responderam a�rmativamente a
essa questão. Na Tabela 3 estão agrupadas as formas utilizadas por eles para
ensinar o tema.
A Categoria 1 compreende as respostas da grande maioria dos professores-
alunos entrevistados (85,7%) que a�rmaram utilizar textos de revistas, jornais
ou exemplos do cotidiano (“comparações com a estufa de plantas” ou “com o
carro fechado sob o sol”) para abordar o tema Efeito Estufa em suas aulas.
Devido à ameaça de ocorrer um aquecimento global em decorrência do
aumento do fenômeno e das tentativas de algumas nações em �rmarem
acordos internacionais para contê-lo, esse tema aparece constantemente na
mídia, e isso pode ser usado como motivador ou “ilustração” para que esse
tópico seja abordado na sala de aula. Vale ressaltar que, frequentemente, jornais
e revistas trazem artigos alarmantes ou catastró�cos a respeito do tema e cabe
ao professor auxiliar os alunos na leitura crítica desses textos.
Tabela 3 – Métodos utilizados por professores de Ensino Médio, da área
de Ciências da Natureza, participantes do projeto Pró-Ciências, para ensinar o
tema Efeito Estufa.
Três dos professores-alunos, que a�rmaram trabalhar com textos de
revistas e jornais (Categoria 1), disseram que após a leitura dos mesmos,
propõem aos alunos re�exões e debates sobre o tema. Na categoria 2 estão
agrupadas as respostas dos professores-alunos que a�rmam utilizar recursos
como ilustrações, desenhos, cartazes ou �lmes para ensinar esse tópico.
Imagens ou esquemas podem tornar mais fácil a compreensão do fenômeno. A
Categoria 3 engloba as respostas dos docentes que ensinam o tema por meio de
aulas teórico-expositivas. Um deles disse que utiliza recursos como
transparências para retroprojetor ao ministrar suas aulas.
Os docentes que tiveram suas respostas reunidas na Categoria 4,
a�rmaram que explicam o tema Efeito Estufa atrelado a outros conteúdos
como a questão ambiental e a ação antrópica no ambiente (no caso dos
professores de Física e Biologia), ligações químicas e termoquímica (no caso
dos professores de Química). Já a Categoria 5, reúne os professores que
utilizam o livro didático para ensinar o tema.
Na Categoria 6, reúnem-se as outras respostas ou metodologias utilizadas
que aparecem uma única vez, isto é, são praticadas por apenas um dos
professores entrevistados. São elas: “a partir das concepções prévias dos alunos”,
“por meio de experimentos”, “mostrando os interesses socioeconômicos e
políticos”, “incentivando observações para que o aluno compreenda o que pode
causar as alterações da temperatura na vida do planeta”, “por meio de
questionário”, “todo e qualquer recurso ajuda”. Sobre essas respostas pode-se
fazer algumas considerações: em relação ao desvelamento das concepções
prévias dos alunos, ressalta-se que isto é apenas o ponto de partida para o
desenvolvimento do tópico de estudo, portanto o professor respondente não
apresentou o método que costuma utilizar para desenvolver o tema. A
a�rmação de dois dos docentes (que utilizam experimentos ou observação das
alterações causadas pelo fenômeno) parecem equivocadas, pois não há
experimentos simples, realizáveis na escola, que possam reproduzir o Efeito
Estufa e as alterações causadas pelo fenômeno. Se essas estiverem ocor-rendo,
só serão observadas a longo prazo por cientistas que fazem medições e
observações durante décadas. Nenhum dos docentes entrevistados apontou a
utilização de projetos interdisciplinares ou a integração com outras disciplinas
para abordar o tema.
Na Tabela 4, foram categorizadas as respostas dos professores-alunos para
a questão: Acha que é possível trabalhar um conceito como, por exemplo, o
Efeito Estufa de forma interdisciplinar entre professores e professoras de
Ensino Médio? Como?
Todos os docentes entrevistados responderam a�rmativamente a esta
questão. A Tabela 4 apresenta a análise das concepções iniciais dos professores-
alunos em relação às estratégias de ensino para o desenvolvimento de um
trabalho interdisciplinar entre a Física, a Química e a Biologia, utilizando o
conteúdo Efeito Estufa como tema.
Tabela 4 – Concepções de docentes de Ensino Médio, das disciplinas
Biologia, Física e Química, sobre como trabalhar um conceito, como o Efeito
Estufa, de forma interdisciplinar.
A Categoria 1, que compreende uma concepção comum à grande maioria
dos docentes entrevistados (90%), explicita o conceito que os professores têm a
respeito do trabalho interdisciplinar, por exemplo, como uma mesa de
negociações na ONU formada por vários países, em que cada um defende seus
pontos de vista, como a�rma Morin (2002). Na verdade, este tipo de trabalho
em que há um tema comum a várias disciplinas, mas, que cada uma delas
desenvolve a faceta do tema que está vinculada ao seu programa de ensino,
utilizando linguagens, métodos e teoria próprios da disciplina, é denominado
multidisciplinar, e não interdisciplinar, pois as barreiras disciplinares se tornam
ainda mais nítidas, ao invés de serem enfra-quecidas. O multidisciplinar
consiste em várias disciplinas desenvolvendo um mesmo tema, mas sem uma
integração efetiva entre elas (MORIN, 2002). Vejamos a resposta de um dos
professores-alunos entrevistados:
Cada um direcionando para a sua área. A Química trabalha causas, efeitos e
consequências (do Efeito Estufa); a Biologia, a interferência no meio; a Física, a
atmosfera; a Geogra�a, as áreas de ocorrência; História, fatos ocorridos no
mundo;