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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Reitor Prof. Dr. Herman Jacobus Cornelis Voorwald Vice-Reitor Prof. Dr. Júlio Cezar Durigan Pró-Reitora de Pesquisa Prof. Dr. Maria José Soares Mendes Giannini Pró-Reitora de Pós-graduação Profa. Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge Pró-Reitora de Graduação Profa. Dra. Sheila Zambello de Pinho Pró-Reitor de Extensão Universitária Profa. Dra. Maria Amélia Máximo de Araújo Pró-Reitor de Administração Prof. Dr. Ricardo Samih Georges Abi Rached FACULDADE DE CIÊNCIAS Diretor Prof. Dr. Henrique Luiz Monteiro Vice-Diretor Prof. Dr. João Pedro Albino Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência Coordenadora Profa. Dra. Ana Maria de Andrade Caldeira Vice-Coordenador Prof. Dr. Osmar Cavassan Membros Profa. Dra. Lizete Maria Orquiza de Carvalho Prof. Dr. Roberto Nardi Doutorando Francisco Nairon Monteiro Júnior (Repres. Discente) Suplentes Prof. Dr. Jair Lopes Jr. Prof. Dr. Washington Luiz Pacheco de Carvalho Prof. Dr. João José Caluzi Doutoranda Fulvia Eloá Maricato (Repres. Discente) Série Educação para a Ciência Conselho Editorial Prof. Dr.Roberto Nardi (Presidente) Prof. Dr. Alberto Villani Profa. Dra. Ana Maria de Andrade Caldeira Prof. Dr. Antônio Vicente Mara�oti Garnica Profa. Dra. Ana Maria Lombardi Daibem Prof. Dr. Fernando Bastos Pós-graduação em Educação para a Ciência Área de Concentração: Ensino de Ciências Faculdade de Ciências – Unesp Campus de Bauru Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 Campus Universitário – Vargem Limpa CEP: 17033 – 360 – Bauru – São Paulo – Brasil Fone/Fax: (14) 3103 – 6077 ou 3103-6177 E-mail: pgfc@fc.unesp.br Site: www.fc.unesp.br/fc/pos/index.html Copyright do texto © 2009 Autores Copyright da edição © 2009 Escrituras Editora Todos os direitos desta edição reservados à Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda. Rua Maestro Callia, 123 Vila Mariana – São Paulo, SP – 04012-100 Tel.: (11) 5904-4499 – Fax: (11) 5904-4495 escrituras@escrituras.com.br www.escrituras.com.br Diretor editorial Raimundo Gadelha Coordenação editorial Mariana Cardoso Assistente editorial Ravi Macario Revisão Alexandre Teotonio Jonas Pinheiro Projeto grá�co, capa e editoração eletrônica Renan Glaser Impressão RETTEC Artes Grá�cas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Introdução à Didática da Biologia/Ana Maria de Andrade Caldeira, Elaine Sandra Nicolini Nabuco de Araujo, organizadoras. – São Paulo: Escrituras Editora, 2009. – (Educação para a ciência; 10) Vários autores. Bibliogra�a. ISBN 978-85-7531-328-2 1. Biologia – Estudo e ensino 2. Prática de ensino 3. Professores – Formação pro�ssional I. Caldeira, Ana Maria de Andrade. II. Araujo, Elaine Sandra Nicolini Nabuco de. III. Série. 09-04237 CDD-570.7 Índices para catálogo sistemático: 1. Biologia: Estudo e ensino 570.7 Impresso no Brasil Printed in Brazil Obra em conformidade com o Acordo Ortográ�co da Língua Portuguesa Sumário Apresentação…………………………………………………………… …………………… Parte A – A área de Didática da Biologia…………………………………………… I. A Didática como área de conhecimento …………………………………………… Ana Maria de Andrade Caldeira; Fernando Bastos II. A Transposição Didáctica e o Ensino da Biologia ………………………………… Graça Simões de Carvalho III. Formação de professores de Biologia ……………………………………………… Fernando Bastos Parte B – A natureza da Biologia e o Ensino ……………………………………… IV. Didática e Epistemologia da Biologia……………………………………………… Ana Maria de Andrade Caldeira V. História da Biologia no Ensino: Needham, Spallanzani e a geração espontânea… Maria Elice Brzezinski Prestes; Lilian Al-Chueyr Pereira Martins VI. Instrumentos e técnicas nas Ciências Biológicas ………………………………… Roberto de Andrade Martins VII. Bioética e o Ensino de Biologia …………………………………………………… Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo; Caroline Belotto Batisteti Parte C – Aprendizagem de conceitos biológicos ……………………………… VIII. A relação pensamento e linguagem: formação de conceitos cientí�cos em ciências naturais Ana Maria de Andrade Caldeira IX. A Epistemologia genética de Piaget: algumas considerações ………………. Marcelo Carbone Carneiro Parte D – Ensino de conceitos biológicos………………………………………… X. A integração conceitual no Ensino de Biologia:uma proposta hierárquica de organização do conhecimento biológico Fernanda A. Meglhioratti; Fernanda Rocha Brando; Mariana A. B. S. de Andrade; Ana Maria de Andrade Caldeira XI. Projetos didáticos: interdisciplinares e temáticos ………………………………. Maria de Lourdes dos Santos XII. A resolução de problemas no Ensino de Ciências e Biologia ……………… Mariana A. Bologna Soares de Andrade; Luciana M. Lunardi Campos XIII. A prática avaliativa no contexto do Ensino de Biologia ………………… Lourdes Aparecida Della Justina; Daniela Frigo Ferraz Parte E – Espaços de ensino e aprendizagem…………………………………… XIV. Biologia – ensino prático…………………………………………………………… Myriam Krasilchik XV. Uma aula de Biologia: re�exões e revelações sobre o ensino, a aprendizagem e o conhecimento escolar …………………………………… Luciana M. Lunardi Campos XVI. O Ensino de Biologia em espaços não formais ……………………………… Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo XVII. Os ambientes naturais e a Didática das Ciências Biológicas …………… Patrícia Gomes Pinheiro da Silva; Osmar Cavassan; Tatiana Seniciato Apresentação Introdução à Didática da Biologia traz subsídios para pensar a Didática como campo de investigação na área de Ensino de Biologia na Educação em Ciências. O livro compila artigos oriundos de pesquisas realizadas por alunos do curso de pós -graduação em Educação para a Ciência, da Faculdade de Ciências – UNESP/ Bauru, e de outros conceituados pesquisadores da área, destacando também questões que envolvem a Filoso�a da Ciência. A primeira parte do livro, A área de Didática da Biologia, compreende três capítulos, que fornecem uma visão geral das principais questões discutidas no livro. O primeiro capítulo, “A Didática como área de conhecimento”, apresenta essa disciplina como um campo de investigação, que analisa a relação professor- aluno articulada a uma área de conhecimento especí�ca (Biologia, Física, Química, etc.). Ao assumir essa perspectiva, busca desvincular a Didática da ideia de um conjunto de técnicas a serem aprendidas, às vezes associada a uma visão de ciência em que a observação e o trabalho experimental são as fontes principais de aquisição de saberes. No segundo capítulo “A Transposição Didáctica e o Ensino da Biologia” aborda-se, numa primeira parte, os conceitos e as controvérsias em torno da Didática e, numa segunda parte, a origem, o desenvolvimento e as aplicações do modelo de transposição Didática. O terceiro capítulo, “Formação de professores de Biologia” centra-se em temáticas sobre a formação inicial nos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas. Os capítulos quatro, cinco, seis e sete compõem a segunda parte do livro, intitulada A natureza da Biologia e o Ensino. O capítulo quatro, “Didática e epistemologia da Biologia” procura explorar uma das relações desse cenário complexo; trata-se do campo de pesquisas compreendido entre a Didática e a Epistemologia, especi�camente sobre o conhecimento biológico. Propõe uma discussão de aspectos epistemológicos da Biologia nos cursos de formação inicial de professores e pesquisadores de Ciências Biológicas, visando a uma atitude re�exiva em busca de uma aprendizagem menos dogmática e mais dialética dos conceitos cientí�cos. “História da Biologia no Ensino: Needham, Spallanzani e a geração espontânea” é o título do capítulo cinco, que traz uma abordagem histórica sobre o longo debate que se deu durante o século XVIII e envolveu dois naturalistas, John Tuberville Needham (1713-1781) e Lazzaro Spallanzani (17291799). A exploração Didática dessa controvérsia pode contribuir para a natureza do conhecimento no ensino. O capítulo seis, “Instrumentos e técnicas nas Ciências Biológicas”, forneceuma visão geral sobre o emprego de instrumentos e técnicas na Biologia, para centrar-se em seguida, em um exemplo especí�co – o estudo de Aristóteles sobre o camaleão. Oferece também um panorama histórico sobre o modo pelo qual novos instrumentos e técnicas de estudo foram introduzidos na Biologia ao longo dos séculos. São discutidas, de forma mais detalhada, algumas técnicas de estudo especí�cas: os procedimentos de observa ção, desenho e reprodução de �guras de história natural; os processos de conservação de espécimes animais e vegetais; e o desenvolvimento do microscópio e seu uso nos estudos biológicos. Ao �nal, são apresentados alguns comentários sobre o uso desse conhecimento no ensino da Biologia. O capítulo sete, “Bioética e o Ensino de Biologia”, discute as modi�cações sofridas pelo conceito de Bioética desde 1970, quando Van Ressenlaer Potter cunhou o termo, até os dias atuais.Enfatiza a pluralidade da Bioética, uma vez que esta envolve discussões éticas, legais, sociais, �losó�cas, religiosas e cientí�cas. Propõe o uso de problematiza ções como uma das possibilidades de abordagem em sala de aula de assuntos relacionados à Bioética. A terceira parte, Aprendizagem de conceitos biológicos, compreende os capítulos oito e nove. O capítulo oito, “A relação pensamento e linguagem: formação de conceitos cientí�cos em Ciências naturais”, procura apresentar considerações teóricas sobre a linguagem como expressão do pensamento e do desenvolvimento do pensamento complexo, por meio da aprendizagem signi�cativa de conceitos e termos cientí�cos. No capítulo nove, “A epistemologia genética de Piaget: algumas considerações” o autor discorre sobre aspectos dessa teoria que investiga como o conhecimento é elaborado progressivamente por um sujeito histórico e na relação com os objetos que o rodeiam. A quarta parte, Ensino de conceitos biológicos, está constituída por quatro capítulos. No capítulo dez, “A integração conceitual no Ensino de Biologia: uma proposta hierárquica de organização do conhecimento biológico”, as autoras propõem uma abordagem integrada dos conceitos biológicos que pode ocorrer por meio da utilização de conceitos estruturantes, os quais possibilitam a conexão de muitos outros conceitos, permitindo a construção de uma rede conceitual consistente do conhecimento biológico. O capítulo onze, “Projetos didáticos: interdisciplinares e temáticos”, promove uma re�exão sobre os projetos de pesquisa e didáticos envolvendo os processos de ensino e aprendizagem. O capítulo doze, “A resolução de problemas no Ensino de Ciências e Biologia”, apresenta uma discussão sobre resolução de problemas, que não se restringe a um método de ensino a ser aplicado, e sim como uma proposta que contribua para os processos de ensino e de aprendizagem, por meio de uma adequação à realidade e às necessidades da escola e do professor. No Capítulo treze, “A prática avaliativa no contexto do Ensino de Biologia” as autoras propõem a prática re�exiva sistemática na Educação Biológica que resulte em ações educativas, destacando possíveis equívocos que permanecem presentes, em especial no que tange à avaliação. Nesse sentido, esse capítulo apresenta alguns aspectos relacionados ao debate em torno do ato de planejar e avaliar a ação educativa na escola, em especial durante a formação inicial de professores de Biologia. O texto caracteriza-se por uma abordagem Didática, procurando delimitar paralelos entre perspectivas vivenciadas na realidade do ensino de Biologia, na educação básica e no âmbito da formação inicial de professores. A quinta e última parte, denominada Espaços de ensino e aprendizagem, o capítulo quatorze “Biologia – ensino prático”, uma grata surpresa!, comenta sobre fundamentação, signi�cado e papel essencial das atividades práticas no Ensino da Biologia para o desenvolvimento intelectual, social e pessoal dos alunos. A responsabilidade do professor e dos estudantes na execução dos exercícios é exempli�cada em processo crescente com o objetivo de ampliar a capacidade dos estudantes de propor questões e resolver problemas para programar o aprendizado participativo. O capítulo quinze “Uma aula de Biologia: re�exões e revelações sobre o conhecimento, o ensino e a aprendizagem” propõe uma re�exão sobre algumas questões do ensinar Biologia, baseado em uma cena hipotética: uma aula de Biologia. O propósito do capítulo dezesseis, “Ensino de Biologia em espaços não formais”, é discutir o processo de ensino e aprendizagem de Ciências e Biologia que ocorre nos espaços não formais, tendo em vista a diversidade de locais abertos à visitação escolar, bem como a multiplicidade de ambiente, nos quais os professores podem ministrar conteúdos de Biologia (horta, margem de um rio, beira mar, museus, zoológicos, centros de Ciências, etc.) O capítulo dezessete, “Os ambientes naturais e a Didática das Ciências Biológicas”, trata das possíveis aplicações dos ambientes naturais no tocante à Didática das Ciências e, particularmente, à Didática da Botânica. Para tanto, são considerados pontos importantes, tais como, a di�culdade em acompanhar a produção do conhecimento em Botânica, de modo a trazê-la para a sala de aula, a própria complexidade do conhecimento sobre os vegetais e a falta de entusiasmo de professores e alunos em lidar com o assunto. As aulas desenvolvidas em ambientes naturais são também analisadas sob o referencial da teoria de Dewey, destacando o papel da experiência na construção do conhecimento e na atribui ção de signi�cado ao que se aprende. A descrição dos capítulos feita anteriormente mostra que o livro inicia-se com um panorama geral sobre a disciplina Didática e sobre a formação de professores. Em seguida suscita re�exões sobre as possibilidades de tornar a aprendizagem dos conhecimentos cientí�cos menos dogmáticas, por meio da inserção no ensino de discussões acerca da natureza e da história da Biologia, bem como de debates bioéticos. Envereda então para a exposição dos diferentes aspectos envolvidos na aprendizagem e no ensino de conceitos biológicos na escola e nos diferentes espaços formais. Dada a qualidade das temáticas e sua importância para a re�exão sobre o ensino de Ciências e Biologia, aconselhamos sua leitura a professores da educa ção básica, do ensino superior, pesquisadores e demais interessados no ensino e aprendizagem desta área do conhecimento. Roberto Nardi Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências Programa de pós-graduação em Educação para a Ciência Professor Adjunto do Departamento de Educação Faculdade de Ciências Unesp, Campus de Bauru PARTE A A área de Didática da Biologia I. A Didática como área de conhecimento Ana Maria de Andrade Caldeira1 Fernando Bastos2 Apresentaremos, ao longo deste capítulo, algumas ideias gerais que pensamos ser úteis para discutir em que consiste a disciplina Didática e qual a sua razão de ser. Atuamos há vários anos como docentes e pesquisadores na área de Didática das Ciências Naturais. Quando iniciamos, no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, as aulas da disciplina Didática das Ciências, costumamos perguntar aos licenciandos o que esperam desse aprendizado. Geralmente respondem que esperam aprender a ensinar. Essa resposta, que pareceria ideal, se esmiuçada melhor, mostra-se associada, porém, a ideias restritas do aprender a ensinar: dar uma boa aula usando bem os recursos audiovisuais disponíveis, saber falar bem, controlar os alunos para que prestem atenção, entre outras. Ideias desse tipo estão muito próximas à concepção preestabelecida de uma disciplina de Didática que ensinará um conjunto de técnicas adequadas ao bom professor, e distantes, por outro lado, das concepções atuais, que propõem uma visão sistêmica do processo de ensino e aprendizagem. Percebemos também que os interesses prioritários dos graduandos situam-se mais em estudos dos conceitos biológicos – ou, por exemplo, em saber como desenvolver atividades experimentais – doque na discussão de temas gerais de Educação e Ensino. Esse quadro sugere uma visão de Didática como um conjunto de técnicas a serem aprendidas, às vezes associada a uma visão de ciência em que a observação e o trabalho experimental são as fontes principais de aquisição de saberes. Além disso, uma parte dos licenciandos acredita que os conhecimentos em Didática e outras áreas da Educação têm pouca ou nenhuma “aplicabilidade”, de modo que a aprendizagem da docência deverá ocorrer principalmente “na prática” e através da própria prática (LIPPE e BASTOS, 2008). Podemos supor que tais ideias estão ligadas a uma concepção empiricista do fazer cientí�co (concep ção esta que é frequentemente reforçada pela mídia, inclusive), bem como à percepção cotidiana do trabalho do professor como algo que se dá centrado em sua própria atuação. É nosso objetivo mostrar aqui, porém, uma outra compreensão de Didática – a da Didática como campo de investigação que analisa a relação professor- aluno articulada a uma área de conhecimento especí�ca (Biologia, Física, Química etc.), e visando à formação de um sujeito que vive em uma sociedade em constante transformação, da qual é preciso compreender a gênese, para participar ativamente desses processos. Assim, a Didática é muito mais ampla que a concepção que os graduandos apresentam inicialmente, pois requer pesquisar e entender as possibilidades de articular teoria e prática. Consequentemente, um desa�o importante a ser enfrentado nos cursos de licenciatura é superar a dicotomia entre as preconcepções aqui referidas (ensino como aplicação de técnicas, ciência como observação etc.) e a visão de Didática que se busca atingir no decorrer da formação inicial, proporcionando estudos e pesquisas que permitam aos licenciandos construírem relações e saberes que deem suporte para sua atuação em sala de aula, e articulem conhecimentos especí�cos (em Biologia, Física e demais áreas) bem como conhecimentos pedagógicos (em Didática, Filoso�a da Educação etc.). Um outro problema a ser enfrentado, percebido pelos professores que ministram a disciplina Didática das Ciências, está em selecionar textos que permitam ao futuro professor uma compreensão satisfatória desse campo especí�co de conhecimento. Isso porque, no caso em análise, como em outros, grande parte da literatura disponível ao licenciando nas bibliotecas das universidades é composta de materiais que focalizam somente temas gerais de educação (sem referência aos conteúdos de ensino), ou de materiais que focalizam somente conhecimentos básicos em determinadas áreas das Ciências naturais (Zoologia, Genética, Bioquímica, Geologia etc.); assim, são poucos os textos que ajudam os licenciandos a construírem a articulação desejável entre as áreas do conhecimento que estão em jogo (por exemplo, entre Educação e Biologia). Tendo em vista as di�culdades aqui relatadas, o presente capítulo tem como objetivo (1) caracterizar a Didática como uma área do conhecimento acadêmico, mapeando algumas das principais correntes que contribuíram para a sua constituição; e (2) mostrar de que forma as especi�cidades do ensino de Biologia têm feito emergir uma subárea da Didática que poderia ser nomeada como Didática da Biologia. 1. As origens da Didática Ensinar, na sua forma mais simples de transmissão de experiências dos antepassados, é uma prática que pode ser encontrada desde os povos primitivos, não como atividade especializada, mas como elemento fundamentalmente ligado à sobrevivência dos grupos. Segundo Monroe (1952), o surgimento de uma �gura que assume o papel de sistematizar o conhecimento a ser transmitido é uma das distinções entre as sociedades primitivas e as sociedades do mundo antigo. Essas �guras, denominadas de xamãs, feiticeiros ou sacerdotes em diferentes culturas, podem ser considerados os primeiros professores. Povos como hindus, chineses, gregos, romanos tiveram seus modelos de educação organizados em função de suas culturas e comprovam a existência milenar do ato de integrar os mais novos na cultura em que estavam inseridos. A Idade Média, por sua vez, foi em parte marcada por uma educação religiosa que visava ao domínio do espírito. Assim, podemos dizer que há milênios as sociedades identi�cam formas de preservar suas culturas por meio das atividades de educação. Embora de diferentes maneiras e com objetivos especí�cos de cada época ou cultura, o ensinar foi sempre uma atividade considerada importante para o desenvolvimento dos povos. Um marco importantíssimo da história da educação, particularmente no que diz respeito a esforços de sistematização de ideias sobre o ensino, pode ser encontrado no trabalho de Comênio (1592-1670). Comênio escreve em 1651 o livro Didática Magna - Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Segundo Cambi (1999) podemos considerar essa obra como uma primeira sistematização do discurso pedagógico relacionando aspectos técnicos de formação com re�exões sobre o homem. Nesse novo contexto, os homens seriam livres para exercer sua iniciativa empreendedora ou negociar sua força de trabalho, de tal modo que a educação para todos tornar-se-ia uma necessidade. Alves (2005) localiza, na obra de Comênio, os alicerces de uma nova forma de organização do trabalho didático, idealizada e implementada de maneira a compatibilizar-se com o modo de produção nascente (capitalista). Essa nova forma de organiza ção, que no entender do autor predomina até os tempos atuais, possui as seguintes características, entre outras: (a) o mestre medieval – que dominava de uma só vez todo o acervo cultural relevante para educação, e desenvolvia seu trabalho por meio de uma relação educativa individualizada do tipo preceptor-pupilo – é substituído pelo mestre moderno, que detém apenas uma pequena parcela do conhecimento a ser transmitido aos educandos (uma “matéria” de ensino, um saber-fazer), e ministra suas lições para plateias numerosas; este mestre moderno, em comparação com o medieval, recebe pagamento inferior e ensina a um número maior de alunos; é, portanto, aquele que se a�gura economicamente viável para a tarefa “de ensinar tudo a todos”; (b) como o mestre moderno deve dar conta de um conteúdo bem delimitado, e é visivelmente menos erudito que o mestre medieval, cria-se um instrumento de apoio a seu trabalho, o manual didático, que contém o conjunto completo de lições e exercícios, �xando o programa de ensino, e prevenindo a eventual incapacidade do mestre; (c) os alunos, por sua vez, passam a ser organizados em grupos mais ou menos numerosos, conforme o seu grau de adiantamento e o propósito de sua formação; (d) quanto ao local para a realização do trabalho educativo, são construídos estabelecimentos de ensino dotados de salas de aula numerosas, gabinetes para administração e coordenação e dependências especiais (biblioteca, refeitório, almoxarifado etc.). Assim, seguindo o exemplo da manufatura e, depois, da fábrica, o trabalho didático passa por um processo de racionalização (ALVES, 2005; TARDIF, 2004), que nada mais é que a subdivisão do empreendimento a ser realizado em setores e etapas (as matérias de ensino, os anos, séries, graus, níveis), con�ando esses setores e etapas a “operários especializados” (os professores), que executam suas incumbências com o auxílio das ferramentas consideradas adequadas (livros didáticos e outros recursos pertinentes). Essa concepção de educação foi revolucionária em seu início, pois estava alinhada com as transformações que conduziram à superação do sistema feudal, mas, como também gerou, a partir do século XX, abordagens de ensino ditas tecnicistas, que têm sido fortemente criticadas por entenderem o currículo escolar como se fosse uma linha de montagem da indústria de bens de consumo (TARDIF, 2004). Embora a obra de Comênio remonte ao século XVII, foi durante o período da Revolução Francesa (século XVIII) – com o processo de industrialização, a substituição das ideias medievais e as demandas por direitos civis e políticos – que se criaram as condi çõespara a efetiva implantação e disseminação de uma escola para todos (CAMBI, 1999). Nesse período e nos subsequentes, apesar de a organização geral do trabalho didático nas escolas ter permanecido a mesma (ALVES, 2005), os debates sobre educação tiveram prosseguimento, buscando dar conta das metas e questões que se julgavam relevantes.Assim, Rosseau, Pestalozzi e Herbart foram alguns dos pensadores que procuraram desenvolver métodos de educar, em conformidade com suas �loso�as de formação dos sujeitos. Herbart (1776-1841) pode ser considerado o iniciador da pesquisa epistemológica em pedagogia. Para ele, a pedagogia deveria ter o objetivo de formar o homem harmonicamente como pessoa responsável (CAMBI, 1999). Partindo do pressuposto de que a criança precisava ser governada, educada, dirigida por pais e por professores para que fosse formada para atuar na sociedade futura, entendia que o professor deveria ser bem preparado e ter condições de desenvolver o trabalho escolar. Esse modelo tinha, entre outras, as seguintes características: (a) as atividades escolares estavam centradas somente na �gura do professor, que fazia exposições orais dos conhecimentos, e ao aluno caberia o papel passivo de receptor; (b) o aluno deveria ser capaz de repetir os conhecimentos selecionados pelo professor, sem ter espaço previsto para perguntar, duvidar, levantar novas hipóteses ou sugerir novos temas de estudo; (c) a competição entre colegas era estimulada por meio de notas e prêmios; (d) essa Didática (de aprendizagem por recepção e repetição) previa cinco passos para o desenvolvimento das aulas – os chamados passos de Herbart (preparação, apresentação, associação, generaliza ção e aplicação); (e) nesse método, o aluno, sendo passivo, poderia ser aprovado com distinção sem nunca ter dirigido uma única pergunta ao professor. Ainda que hoje tais ideias nos pareçam obsoletas, Herbart teve o mérito de descrever uma ordem para o trabalho pedagógico, e destacar o professor como centro do processo educativo (CAMBI,1999). Segundo Cambi (1999), a revolução copernicana na educação deu-se quando a criança foi colocada no centro do processo educativo. Os fundamentos �losó�cos e cientí�cos para essa renovação da pedagogia vieram das obras de autores como Dewey, Decroly, Claparède, Ferrière e Montessori, culminando num movimento internacional que teve muita in�uência nas práticas cotidianas escolares, e que foi chamado de ativismo, educação nova ou escolanovismo. Um fator importante para o surgimento dos debates que culminaram no movimento escolanovista foi a sucessiva constatação das de�ciências da escola que era oferecida à população em meados do século XIX e períodos subsequentes. Entendiam os defensores da renovação educacional que o ensino escolar precisava ser organizado em conformidade com a natureza da própria criança (por exemplo, em conformidade com sua atividade espontânea e suas fases de desenvolvimento), e que tal pressuposto fundamental não estava sendo respeitado na prática, gerando diversos problemas para o ensino escolar. Cabe lembrar que, para alguns autores atuais, as ideias escolanovistas (incluindo aquelas que foram posteriormente derivadas dos trabalhos de Piaget) in�uenciaram as práticas escolares de forma a rebaixar o nível do ensino oferecido à maioria da população, colocando-se, portanto, a serviço dos interesses das elites capitalistas (SAVIANI, 1987; DUARTE, 2005). Tal crítica, independentemente de como nos posicionemos em relação a ela (e os posicionamentos têm sido variados), não constitui argumento, porém, que apague a contribuição do movimento escolanovista para o estudo e compreensão das diversas questões relativas ao ensino escolar. John Dewey (1859-1952) é considerado por muitos o autor mais ilustre e crítico da educação nova; assim sendo, suas ideias serão brevemente comentadas aqui. No seu entendimento sobre experiência (vivenciada pelo indivíduo), esclarece que nem todas as experiências têm um caráter genuíno ou educativo. Indica experiências que, embora tenham efeito agradável, podem não concorrer para o desenvolvimento de atitudes esperadas. Ressalta que a sala de aula tradicional proporciona experiências do tipo errado, levando à insensibilidade às ideias, à perda do ímpeto de aprender, ao automatismo dos exercícios, à limitação das capacidades ou à deterioração do gosto pelos livros. Contrariamente a essa situação, o educador, ao determinar o ambiente educativo, deve estar atento aos seguintes aspectos, para que a experiência educativa seja válida: a busca de interação com as necessidades e capacidades daqueles a quem ensina; as características de sua atuação em termos de o que faz, como faz, como fala e o tom de suas palavras; os materiais de apoio utilizados; e o arranjo social em que se inserem os agentes participantes do processo. Dewey pressupõe a linguagem como instrumento do pensar, assumindo o ponto de vista de que: “embora a linguagem não seja o pensamento, é necessária ao pensamento e à comunicação” (DEWEY, 1959, p. 226). Para ele, a linguagem tem importância não só a partir de palavras orais e escritas, mas também em suas expressões não verbais. Assim, o pensamento trabalha não com meras coisas, mas com seus signi�cados. O pensamento surgiria de uma situação diretamente experimentada, articulada pela linguagem. Sugere o autor que percorramos nossa própria experiência para veri�carmos a origem de nossos pensamentos. É improvável que tenham surgido do nada. Pode ser que tenhamos di�culdades em localizar suas origens; mas, se conseguirmos seguir o �o das ideias, encontraremos alguma situação vivida ou sofrida e não apenas pensada. Assim, para o autor, a principal di�culdade da escola, em não conseguir fazer com que os alunos pensem “verdadeiramente”, está situada na falta de situações experimentadas que os obriguem a pensar para resolverem seus con�itos. Diante disso, as aulas devem estar estruturadas de acordo com os seguintes passos pedagógicos: (a) identi�cação de uma situação-problema; (b) localização do que deve ser investigado; (c) formulação de hipóteses e experimentação; (d) avaliação das hipóteses. Esses passos forneceriam elementos de re�exão para acalmar o espírito duvidoso em uma situação de incerteza. Para Dewey, o conhecimento é resultante de um processo de indagação, que ele chama de “lógica”. Conforme explica Anísio Teixeira (1955), a lógica a que Dewey se refere não é a teoria do conhecimento adquirido ou da demonstração desse conhecimento, mas, sim, o próprio processo de adquirir conhecimento, em que as operações de investigação exercem o controle do processo de indagação a �m de produzir asserções garantidas. Dewey, ao se referir à formação do pensamento, discute a relação entre concreto e abstrato. Examinando a máxima “partir do concreto para o abstrato”, frequentemente utilizada pelos professores, o autor rea�rma que há um equívoco em se pensar que um processo possa ser educativo utilizando-se de objetos sem um ato de pensar. A�rma que, no contato com as coisas, há um conjunto de inferências, que podem suscitar interpretações. São pensamentos, percepções de sentidos e juízos que vão conjuntamente se constituindo em signi�cações. Isso explica grande parte das di�culdades que os professores de Ciências encontram quando colocam demasiada fé no poder que as atividades práticas possuem em termos de promover conhecimentos abstratos ou cienti�camente válidos entre os alunos. No Brasil, a in�uência dos escolanovistas foi bastante destacada até a primeira metade do século XX, contribuindo para valorizar a ideia de uma aproximação entre o ensino escolar e os processos do aluno, mas sofreu críticas em razão de pressupor uma aprendizagem por associação de conceitos e não considerar a inserção social do aluno e da escola. O escolanovismo clássico perdeu força no Brasil a partir da implantação da ditadura militar (1964-1985). O regime militar adotou para o país um modelo econômico baseado no crescimento industrial, que demandava mão de obra quali�cada.Diante desse cenário, as políticas públicas para o setor da educação passaram a ser elaboradas tendo em vista a formação da mão de obra considerada necessária para a meta desenvolvimentista. Essas políticas adotaram concepções de ensino e aprendizagem que eram �loso�camente coerentes com a ideologia desenvolvimentista, no caso, as concepções tecnicistas. As concepções tecnicistas foram desenvolvidas tomando-se por base os trabalhos de autores como Skinner e outros psicólogos behavioristas ou comportamentalistas, e compreendiam o professor como um especialista que domina e aplica em aula uma série de técnicas elaboradas com base nos conhecimentos da Psicologia comportamental, técnicas estas que permitiriam planejar, executar e avaliar o ensino com e�cácia; de acordo com esse modo de compreender o trabalho educativo, o domínio de um conjunto de técnicas permitiria ao professor de�nir com clareza os objetivos instrucionais e os passos necessários para atingi-los, bem como regular o progresso do aluno por meio das etapas instrucionais previamente de�nidas. Note-se que esse tipo de visão, embora também tributário das discussões que buscavam um ensino de acordo com “a natureza dos indivíduos”3 , entrava em duro choque com o escolanovismo clássico, recolocando o professor no centro do processo educativo. Dadas as condições existentes na época (diretrizes adotadas pelas políticas públicas, promessas geradas pela Psicologia comportamental, preocupações cienti�cistas na pesquisa em educação etc.), as concepções tecnicistas tiveram grande divulgação no meio educacional e in�uenciaram consideravelmente os debates na área de Didática. Após algum tempo, porém (e principalmente durante a década de 1980), as abordagens tecnicistas sofreram duras críticas, as quais argumentavam, por exemplo: (a) que os alunos carregam consigo visões de mundo, conhecimentos prévios, motiva ções etc., que interferem sobre a aprendizagem e tornam totalmente �ctício o rígido controle da aprendizagem almejado pelos behavioristas; (b) que uma boa forma de ensinar não pode estar assentada no pressuposto eticamente inaceitável do controle dos comportamentos indivíduais. Nesse mesmo período, um marco importante do desenvolvimento do debate pedagógico no Brasil foi registrado: a ampliação dos cursos de Pós- graduação em Educação, a partir da década de 1980 (e, portanto, já num momento de reabertura política) fazendo com que um número crescente de pesquisadores passasse a investigar e analisar os processos educativos nas escolas do país. Essas pesquisas, que foram in�uenciadas pela obra de autores como Paulo Freire, Gramsci, Bourdieu e Passeron, entre outros, proporcionaram uma visão critica sobre o ensino, a aprendizagem e seus contextos sociais, políticos e econômicos no Brasil, revertendo, de certa forma, a tendência encontrada em períodos anteriores, nos quais a in�uência predominante da escola nova ou do tecnicismo deixou em segundo plano um enfoque mais crítico em educação. As discussões recentes sobre educação escolar quase sempre ressaltam a importância de se buscar um ensino que tenha relação com o cotidiano e a experiência do aluno. Consideram, portanto, como fontes potenciais de aprendizagem, a experiência pessoal e os contextos (familiares, escolares e sociais) dos quais os alunos são integrantes. Desses contextos advêm explicações (às vezes de senso comum), que são signi�cadas a partir do estabelecimento de relações (inclusive de natureza afetiva), e também múltiplas formas de experiência, que educam conforme o grau de signi�cação a elas atribuído. As relações estabelecidas nos grupos, nos espaços de encontro social, nas instituições como igrejas, associações etc., oferecem um conjunto de experiências que, hoje em dia, acrescidas das in�uências midiáticas, constituem o contexto social em que consciência e valores estão sendo formados e signi�cados. O conhecimento cientí�co se encontra difuso no conjunto dessas informações, que se vinculam aos aspectos mais variados da vida em sociedade (política, trabalho, produção, comércio, consumo, saúde, meio ambiente, cultura, lazer etc.). Para a escola, portanto, caberia o papel de, por meio do conhecimento cientí�co, fornecer elementos re�exivos que orientassem os educandos em suas escolhas referentes à vida pessoal e à coletividade em que se inserem. Mas a escola está espantada com a velocidade das mudanças no mundo atual, mudanças estas que, embora proporcionem certos aportes de “modernização” (vide avanços tecnológicos em vários setores), não têm revertido o quadro geral de desigualdade econômica, social e política encontrado em países como o Brasil; assim, a escola, na tentativa de enfrentar os desa�os que se apresentam, estabiliza-se, agora, como instituição mais de “educação” do que de “ensino”. Busca, na vinculação da educação às questões sociais, uma opção metodológica para o seu projeto pedagógico. Contudo, essa opção por vezes se esvazia, ao não dar conta do conhecimento cientí�co necessário para re�etir sobre como os elementos das relações sociais se constituem e se estabelecem, e sobre como a experiência pessoal é afetada pelo contexto. Cabe ao professor que hoje formamos entender essa realidade e buscar transformá-la por meio do estabelecimento de espaços de diálogo na construção do projeto pedagógico da escola, nas atividades interdisciplinares com seus pares, no trabalho didático com seus alunos e em sua atuação mais geral em sociedade. Essa breve descrição de algumas etapas da evolução dos debates sobre ensino procura mostrar que, em função de questões colocadas em diferentes momentos históricos, ligadas às preocupações com a educação para as novas gerações, autores como Comênio, Herbart, Dewey e vários outros que os sucederam, apresentaram re�exões, propostas e investigações que gradativamente �zeram emergir um novo campo de estudos acadêmicos, visto como importante para o enfrentamento dos desa�os educacionais: o campo da Didática. 2. A Didática das Ciências naturais A partir de meados do século XX, professores e pesquisadores interessados no ensino escolar de conteúdos de Física, Química, Biologia, Astronomia etc., passaram gradativamente a apontar e debater, de modo mais sistemático, os enormes desa�os que se colocavam à educação escolar na área de Ciências naturais. Esse movimento, que percorreu diversas etapas e sofreu in�uência de correntes da Didática Geral e outros campos, levou à estruturação, na década de 1970, de um novo ramo da pesquisa em Educação: a Didática das Ciências. Cachapuz, Praia, Gil Pérez, Carrascosa e Martinez-Terrades (2001, p. 159) entendem que um novo campo cientí�co surge aliado às seguintes condições: – a existência de uma problemática relevante, susceptível de despertar um interesse su�ciente que justi�que os esforços necessários ao seu estudo; – o caráter especí�co dessa problemática, que impeça o seu estudo por outro corpo de conhecimentos já existente e; – o contexto sociocultural, bem como recursos humanos e condições externas. As Ciências naturais exibem características próprias em termos de objetos que estudam, metas que perseguem, métodos de pesquisa e linguagens que empregam, tipos de produtos �nais que disponibilizam etc. Essas características particulares fazem com que o ensino de Ciências naturais se defronte com desa�os que lhe são próprios, e que podem levar (e efetivamente têm levado, em muitos casos) à rejeição dos estudos cientí�cos por parte dos alunos e ao fracasso escolar. A partir da década de 1970, físicos, biólogos e outros pro�ssionais das áreas de Ciências naturais, reconhecendo os problemas especí�cos que as aulas de Ciências suscitavam, e entendendo que as abordagens vigentes (ensino por transmissão, pedagogias tecnicistas, discussões genéricas nas áreas de Didática Geral, Metodologia do Ensino, entre outras) não davam conta dos problemas detectados, buscaram novos referenciais teóricos e novos desenhos de pesquisa para tentar compreender e fazer progredir a educação escolar em Ciências.Dentre os referenciais teóricos então elaborados destacam-se aqueles que tiveram in�uência de autores da Psicologia cognitiva, como Piaget e Ausubel, e da �loso�a da ciência, como Kuhn, Lakatos e Bachelard. Piaget publicara há muito tempo uma obra em que descrevia as concepções das crianças sobre o mundo que as rodeia, e essa ideia (de identi�car as concepções das crianças) foi então retomada, dando origem ao chamado Movimento das Concepções Alternativas, que foi um esforço concentrado dos pesquisadores em ensino de Ciências no sentido de mapear o que os alunos da escola básica pensavam a respeito de diversos componentes e processos do mundo natural. Assim, no �nal da década de 1980, os pesquisadores tinham à sua disposição um vasto acervo de informações e análises sobre as ideias dos alunos em todas as principais áreas das Ciências naturais que eram objeto de estudo na escola básica (Mecânica, Termologia, Eletricidade, Evolução, Genética, Biologia Celular, Fisiologia Humana, Astronomia etc.). Ficou claro também que as concepções dos alunos diferiam das concepções cientí�cas e eram resistentes à mudan ça, podendo constituir obstáculos à aprendizagem. As ideias dos alunos sobre o mundo natural eram um problema especí�co do ensino de Ciências e, para compreender sua gênese e evolução, isto é, como essas ideias surgiam, que características assumiam e por meio de quais processos se transformavam – e, ainda, de que forma interferiam sobre a aprendizagem escolar –, os pesquisadores buscaram auxílio na própria Psicologia cognitiva e também em abordagens da �loso�a da ciência que eram entendidas como coerentes com a Psicologia cognitiva (Kuhn, Lakatos, Bachelard etc.). Os referenciais teóricos que embasaram as pesquisas em ensino de Ciências nesse período (provenientes da Psicologia cognitiva e da �loso�a da ciência) adotavam visões construtivistas acerca do processo de elaboração do conhecimento no indivíduo e na ciência. Em outras palavras, entendiam o conhecimento como construção humana, isto é, como uma forma possível de representação da realidade, e não como a realidade em si mesma; ou – pode-se dizer ainda – o conhecimento aparece, nessas vertentes, como uma criação da mente humana que organiza a realidade, e não como algo preexistente na natureza, à espera de ser descoberto. Daí o fato de as propostas para o ensino de Ciências surgidas nessa época e em momentos posteriores terem sido classi�cadas como construtivistas. A �loso�a da ciência, analisando os diversos episódios da História da Ciência, identi�cava os fundamentos dos conhecimentos cientí�cos atuais e, com isso, contribuía para uma re�exão sobre as características das concepções alternativas dos alunos e os questionamentos e aprendizagens que poderiam fazê-las evoluir. Por outro lado, houve em diversos momentos o surgimento de críticas segundo as quais a escola existente não estava ajudando o aluno a desenvolver seu pensamento lógico (décadas de 1960 e 1970) e a adquirir ferramentas para sua atuação como cidadão em uma sociedade marcada por problemas como a miséria, a fome, a desigualdade, os problemas ambientais, as guerras entre outras di�culdades (década de 1980). Diante de tais questionamentos, os pesquisadores em Educação em Ciências gradativamente propuseram e investigaram várias possibilidades para a estruturação do ensino escolar. Uma delas foi a própria inserção de conteúdos de história e �loso�a da ciência no currículo. Outra foi o estudo, pelos alunos, de questões atuais que propiciassem a percepção das relações entre ciência e sociedade ou, de forma mais especi�cada, a percepção das relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (relações CTSA). Esperava-se, com isso, que o aluno(a) melhorasse seu conhecimento sobre os métodos de trabalho dos cientistas, o que contribuiria para o desenvolvimento de suas habilidades de raciocínio; e (b) desenvolvesse uma compreensão mais realista e crítica acerca da ciência e de seu funcionamento, sendo capaz de entender que o conhecimento cientí�co não é absoluto e, da mesma forma que as demais produções humanas, pode servir a interesses econômicos e políticos que não condizem com o princípio democrático da busca de melhoria das condições de existência para a maioria da população. Outras questões investigadas nas últimas décadas (1980, 1990, 2000), e que re�etem a preocupação com as especi�cidades do ensino de Ciências, foram as seguintes: – a resolução de problemas (no ensino de Física, Biologia etc.); – o trabalho didático com atividades práticas (de observação de aspectos do mundo natural ou de realização de experimentos em sala de aula ou laboratório); – a aprendizagem e uso de formas de representação e recursos de linguagem característicos das Ciências naturais (termos técnicos, formas de estrutura ção da linguagem verbal, símbolos, grá�cos, tabelas, equações, esquemas, modelos e assim por diante). Os debates em Didática Geral, apoiando-se em subsídios de áreas como Psicologia da Educação e Filoso�a da Educação, ajudaram a estabelecer gradativamente aquilo que se pode chamar de princípios gerais para a ação Didática. Exemplos de tais princípios são os seguintes: – focar o trabalho pedagógico em conteúdos e atividades de ensino que tenham sentido em termos de formação intelectual e cultural como também formação para a cidadania; – incentivar os questionamentos e a participação intelectual dos alunos; – estar atento ao tipo de ‘bagagem’ que o aluno traz; – relacionar o conteúdo de ensino a situações e exemplos com os quais os alunos já estejam familiarizados etc. A Didática das Ciências vem incorporando e adaptando esses princípios de acordo com suas próprias questões. Nota-se porém que uma contribuição importante da pesquisa em Didática das Ciências tem a ver com a tentativa de evitar que princípios para a ação e outras elaborações relevantes sejam pensados de forma isolada. De fato, alguns trabalhos desenvolvidos nas décadas de 1980 e 1990 buscam integrar diferentes aportes originários da pesquisa acadêmica de maneira a propor quadros gerais que orientem a abordagem de conteúdos cientí�cos. Mais especi�camente, esses trabalhos têm reunido princípios para a ação Didática, conhecimentos acerca de concepções dos alunos e sua evolução, re�exões epistemológicas, estudos sobre resolução de problemas etc., em propostas de modelos de ensino, tais como o ensino por mudança conceitual, o ensino por pesquisa, o ensino por investigação-estruturação e o ensino baseado na noção de per�l conceitual (CACHAPUZ, 2000; MORTIMER, 2000; ASTOLFI e DEVELAY, 1990). Assim, a contribuição da Didática das Ciências aparece também por meio da elaboração, investigação e discussão de modelos (para o ensino escolar) que busquem dar resposta às diversas questões que se colocam para a Educação em Ciências. O avanço das pesquisas na área de Didática das Ciências tem gerado, portanto, uma série de contribuições para a re�exão sobre o ensino escolar. Todavia, a sociedade está em constante mudança, gerando transformações no cotidiano das pessoas; além disso, veri�ca-se, em diferentes esferas da sociedade (no meio acadêmico, nos setores da iniciativa privada, nas entidades da sociedade civil, nas instâncias de decisão política, entre outras.), uma disputa a respeito do papel que o ensino escolar deveria exercer. Assim, novas questões teóricas e práticas se apresentam para a apreciação crítica e investigação por parte da Didática e de outros campos da pesquisa em Educação: – os problemas do contexto social e a multiplicidade de variáveis que afetam o dia a dia da sala de aula; – as in�uências da mídia e das novas tecnologias no cotidiano dos alunos de diferentes idades; – a baixa qualidade da escola pública em muitos contextos de todo país, a despeito dos alegados projetos e investimentos realizados pelo poder público; – mudanças polêmicas nas políticas públicas para a Educação, tais como a instituição da progressão continuada e do ensino apostilado; – a oposição que muitas vezes se colocaentre a abordagem de conteúdos procedimentais e “atitudinais” e a abordagem de conteúdos conceituais (colocamos as “atitudes” entre aspas porque sabemos que a proposição de uma determinada atitude como sendo a mais desejável é uma questão ideológica e de valores); – a inclusão no currículo de um número crescente de temas com característica “interdisciplinar” ou “transversal” (tecnologia, problemas ambientais, sexualidade, drogas, educação para o consumo, multiculturalismo, problemas socioeconômicos, leis de proteção ao menor, educação para o trânsito, entre outros.), temas estes cuja pertinência ou não precisaria ser discutida caso a caso; – a própria contribuição, a�nal, do ensino de ciência, Biologia etc., para a construção de uma sociedade mais igualitária, justa, democrática, livre, solidária. Tomemos como exemplo a questão da Educação Ambiental, citada acima. O tema é, com certeza, de grande relevância social. Assim, as escolas elaboram inúmeros projetos sobre água, lixo, esgotos, rios poluídos, práticas agrícolas nocivas e assim por diante, na tentativa de “conscientizar” os alunos e também a comunidade local. No entanto, esses projetos frequentemente se concentram nos procedimentos e atitudes que deveriam ser seguidos, dando pouco destaque aos conteúdos conceituais correspondentes (fatores bióticos e abióticos do ecossistema, relações entre eles, equilíbrio de um ecossistema, condições para a manutenção de equilíbrio para citar alguns.). Os alunos são alertados para determinadas relações de causa e efeito (banhos prolongados de chuveiro elétrico fazem aumentar a “conta de luz”, o uso da técnica da queimada na lavoura vai desgastando a fertilidade do solo etc.), entretanto não sabem a explicação cientí�ca para tais fatos. Além disso, di�cilmente se discute que as decisões e ações importantes em termos de consequências ambientais não se guiam apenas por uma eventual preocupação com o bem-estar das pessoas, mas também – e às vezes principalmente – por interesses econômicos e políticos. Em síntese, os projetos de Educação Ambiental desenvolvidos nas escolas podem apresentar problemas de esvaziamento dos conteúdos conceituais e de ausência de discussão crítica. O esvaziamento dos conteúdos conceituais di�culta ou inviabiliza, por exemplo: (a) a percepção das relações entre os conhecimentos estabelecidos pela ciência e as formas de intervenção ambiental consideradas adequadas; (b) o desenvolvimento da capacidade de pensar lógica e criticamente, uma vez que não há compreensão dos porquês das propostas ambientais defendidas; (c) a possibilidade de transferência dos conhecimentos adquiridos para outros contextos em que se note a ameaça ou existência de degradação ambiental; (d) a possibilidade de que os alunos consigam participar do debate político utilizando argumentação cienti�camente fundamentada; e, por �m, (e) a própria possibilidade de que o processo vivenciado pelos alunos se constitua em educação cientí�ca genuína. Quanto à fragilidade da discussão crítica nos projetos citados, tal problema pode levar os alunos a pensar que os problemas ambientais se resolvem a partir da mudança de procedimentos e atitudes em nível de indivíduo (“se o cidadão comum �zer sua parte, não jogar lixo no chão entre outras atitudes, as coisas mudam”), e a pensar que o conhecimento cientí�co é su�ciente para convencer as pessoas leigas, as autoridades, os empresários a não desperdiçarem, a não desmatarem, a não poluírem etc. Faz-se necessário, desse modo, investigar caminhos para que o ensino escolar de Ciências, Biologia e outras disciplinas, ao buscar, acertadamente, uma abordagem que tenha relação com a vida do aluno, não secundarize os conteúdos conceituais, e não passe ao largo da discussão sobre aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais e históricos dos temas em questão. As abordagens buscadas poderão recorrer à história e à �loso�a da ciência, bem como ao estudo das relações CTSA. Insistimos, porém, na necessidade de que o ensino de conteúdos conceituais seja priorizado e sirva como suporte para amplos diálogos que ampliem a compreensão de mundo do aluno, numa perspectiva em que as Ciências naturais e outras formas de conhecimento (�loso�a, história, literatura, música, artes plásticas e demais disciplinas) sejam vistas como abordagens complementares para a interpretação da realidade em que vivemos (KNELLER, 1980). Tal perspectiva poderia ser representada na ideia de que a escola propicie a todos os cidadãos os conhecimentos para uma ampla alfabetização cientí�ca capaz de subsidiar as diversas decisões pessoais e coletivas que fazem parte de suas vivências. A alfabetização cientí�ca de que falamos corresponderia a uma capacidade de leitura e interpretação do mundo natural importante para o cidadão poder participar informadamente dos movimentos sociais e dos diversos foros de decisão que cuidam de questões cruciais para o desenvolvimento da sociedade tais como produção econômica, preservação ambiental, saúde, educação, cultura, habitação, transportes entre outras. A referida formação também reverteria para ações em nível individual – por exemplo, planejar a construção de sua moradia levando em conta o local apropriado em relação à incidência de raios solares e correntes de ar, materiais com conforto térmico e acústico, relações entre custo e benefício como também impactos causados no ambiente; e lançar mão de conhecimentos cientí�cos que os permitam compreender o diálogo empreendido em uma consulta médica, auxiliando o diagnóstico com informações pertinentes e entendendo o raciocínio médico, bem como as implicações decorrentes dos tratamentos e procedimentos prescritos. Esses exemplos referem-se a uma formação que identi�camos acima como alfabetização cientí�ca, e que seria importante para todos os cidadãos, independentemente das áreas que escolhessem para sua atuação pro�ssional. No entanto, também é necessário buscar a formação de cientistas que promovam a autonomia cientí�co-tecnológica do país nas diversas áreas do conhecimento. Para atender a essas necessidades, há uma di�culdade inerente: como educar cienti�camente a todos e potencializar a formação de jovens interessados nas carreiras de pesquisa? A opção por uma educação cientí�ca geral pode resultar num tratamento super�cial de conceitos cientí�cos que desestimulem os jovens interessados em ciência? Ou, ainda, se optarmos por currículos calcados nas relações lógicas e complexas do conhecimento cientí�co, podemos impedir uma formação cientí�ca geral para aqueles jovens que se dirigem a outras áreas de conhecimento? Além disso, como enfrentar o desinteresse dos alunos de Educação Básica para as áreas de Ciências naturais? Trata-se de um problema metodológico do ensino dessas áreas ou trata-se de um desinteresse real à maioria dos jovens de hoje? Portanto, podemos dizer que continuam surgindo a todo momento diversas questões que necessitam ser pesquisadas por um campo especí�co da Didática, isto é, a Didática das Ciências. Feitas as várias considerações sobre as origens e a estruturação da Didática Geral e da Didática das Ciências Naturais, é oportuno propormos, agora, uma de�nição de Didática. Encontramos uma de�nição possível em Libâneo, para quem a Didática constitui-se em disciplina que […] estuda as relações entre ensino e aprendizagem, integrando necessariamente outros campos cientí�cos, especialmente a teoria do conhecimento (que investiga métodos gerais do processo de conhecimento), a Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem (que investiga os processos internos de cognição), os conteúdos e métodos particulares das Ciências das artes ensinadas, os conhecimentos especí�cos que permitem compreender os contextos socioculturais e institucionais da aprendizagem de ensino (LIBÂNEO, 2008, p. 60). Como vimos, a pesquisa acadêmica em Didática das Ciências vem sendo desenvolvida de forma autônoma desde a década de 1970, e produziu uma série de elaborações teóricas importantes. No entanto, o trabalho de um professor(de Biologia, Ciências ou qualquer outra disciplina) não se faz somente com base em “teoria”. Ele se faz levando em conta uma série de outros “saberes” que o professor vai desenvolvendo ao longo da vida, dentre eles os “saberes experienciais” (TARDIF, 2004), originários da re�exão sobre as situações da prática (pro�ssional). Nesse sentido, a Didática deve lidar não apenas com o problema de produzir teorias sobre o ensino, mas também com o problema de compreender o signi�cado da prática e as possibilidades de articulação entre teoria e prática na formação e no trabalho dos professores. 3. A Didática como disciplina de articulação entre teoria e prática As discussões atuais sobre formação de professores destacam a importância dos conhecimentos teóricos em Educação na re�exão sobre a prática docente, levantando, portanto, a questão da relação que se estabelece (ou deveria estabelecer-se) entre teoria e prática (TARDIF, 2004). Nos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas, é comum, num primeiro momento, os graduandos entenderem que a Didática deve ser a disciplina em que aprenderão a colocar em prática (nas situações de ensino) a teoria que estudaram nas demais disciplinas (LIPPE e BASTOS, 2007). Isso sugere uma concepção em que a teoria antecede à prática, e a prática poderia ser desenvolvida com sucesso aprendendo-se e aplicando-se um conjunto de técnicas e regras especí�cas do ensinar. Assim, a visão inicial dos licenciandos pode guardar certa semelhança com as concepções tecnicistas que se disseminaram no Brasil na década 1970 e que foram acima citadas. Por outro lado, esses mesmos licenciandos podem apresentar, simultaneamente, concepções de característica quase opostas, que chamaremos de empiricistas (LIPPE e BASTOS, 2007), e que a�rmam que os conhecimentos acadêmicos em educação “não servem para nada”, não restando outra alternativa senão a aprendizagem da docência ocorrer “na prática” (isto é, de forma empírica). No entanto, uma discussão atualizada sobre a relação entre teoria e prática na forma ção e no trabalho do professor não deveria recorrer a nenhuma das duas posições extremas aqui citadas, ou seja, nem a concepções tecnicistas, nem a concepções empiricistas. Ao contrário, procura-se hoje uma relação em que teoria e prática se complementam e continuadamente se transformam por meio da atividade humana, conforme de�nido por Rays: O conhecer é ação que não exclui a teoria da prática e a prática da teoria, ao tratar de problemas concretos em suas relações históricas. É assim que o ato de conhecer, entendido como ação, como atividade consciente, transforma-se na verdadeira força motriz da evolução sociocultural e da determinação de seu desenvolvimento futuro (RAYS, 2008, p. 37). Para estimular esse modo de articulação entre teoria e prática, porém, é preciso, em primeiro lugar, que os próprios cursos de graduação busquem um isomor�smo (uma semelhança) entre a formação recebida pelo futuro professor (conteúdos, métodos etc.) e o tipo de educação que esse professor é chamado a desenvolver (MARCELO GARCÍA, 1999). Conforme Cunha (2008) podemos pensar em duas concepções de ensino, uma como reprodução de conhecimento, outra como produção de conhecimento. Entendemos que a concepção de ensino como reprodução de conhecimentos está presente em grande parte dos cursos de formação de professores, e se manifesta por meio de práticas fortemente centradas na �gura do professor, nas quais os conhecimentos cientí�cos atuais são apresentados como verdades, desconsiderando a produção histórica e �losó�ca deles mesmos. Tais práticas exigem um aluno passivo que não questione os conhecimentos fornecidos e reproduza, nas avaliações propostas pelo professor, as mesmas certezas ensinadas. Outras práticas são possíveis, porém. Os pesquisadores da área de Didática têm discutido e investigado caminhos para buscar um ensino como produção de conhecimentos, em que alunos (da escola básica ou da universidade) possam não só aprender os saberes acabados, mas também desenvolver habilidades do pensar por meio desses saberes, e construir atitudes condizentes com o seu progresso enquanto seres humanos e cidadãos. Assim, se os cursos de licenciatura pretendem formar um professor que seja capaz de (1) atuar com autonomia intelectual, (2) articular teoria e prática e (3) re�etir criticamente sobre sua prática pro�ssional, então é importante que esses cursos estruturem suas próprias atividades de acordo como uma concepção que proponha o ensino como produção de conhecimentos. Ou seja, é importante que o licenciando seja estimulado a conhecer, debater, re�etir criticamente, avaliar, investigar, propor soluções, analisar situações práticas, aplicar conhecimentos etc., desde o período de formação inicial. Um outro aspecto importante da discussão sobre a articulação teoria- prática é re�etir sobre quais são os saberes relevantes para o exercício da docência, e que lugar ocupam a “teoria” e a “prática” no âmbito desses saberes. Conforme citado anteriormente, as abordagens recentes para o ensino de Ciências (e de outras disciplinas escolares) propõem um professor que busque atuar em aula de modo a fomentar o diálogo entre os conhecimentos das Ciências naturais e as experiências e contextos nos quais os alunos estão inseridos, o que requer que ele não apenas possua conhecimentos de natureza conceitual (em Ciências naturais, educação, �loso�a da ciência, entre outras.), mas também desenvolva determinadas habilidades e atitudes sem as quais não conseguirá estabelecer uma interação produtiva entre os alunos e o saber. Reconhece-se hoje que uma formação com tais características depende de inúmeras aprendizagens, não podendo ser obtida a partir de simples “pacotes estanques” de teoria (conhecimentos em Psicologia, Didática, para citar algumas) e prática (experiências de estágio e atuação pro�ssional). Para Tardif (2004), os saberes necessários à docência originam-se de fontes variadas – família, ambiente de vida, escola primária e secundária, cursos de forma ção inicial e continuada, materiais curriculares e didáticos, experiência pro�ssional e assim por diante –, e englobam (a) saberes pessoais; (b) saberes provenientes da formação escolar anterior (de nível primário e secundário); (c) saberes da formação pro�ssional (oriundos de áreas como Organização Escolar, Psicologia da Educação, Didática, Filoso�a da Educação); (d) saberes disciplinares (em Biologia, Física, Química, Astronomia etc.); (e) saberes curriculares (conhecimentos sobre livros didáticos, programas de ensino, documentos o�ciais norteadores dos currículos escolares, por exemplo); (f ) saberes experienciais (oriundos do exercício da pro�ssão). Assim, o futuro professor, ao ingressar em seu curso de licenciatura, já possui uma série de crenças, saberes e disposições desenvolvidos em etapas anteriores de sua história de vida, os quais irão interagir de diferentes maneiras com aportes proporcionados pelo currículo de formação inicial. Além disso, nesse momento, a maioria dos licenciandos ainda não dispõe de um acervo considerável de “saberes experienciais” diretamente oriundos de situações da “prática” (docente). É nesse cenário (e em cenários futuros, já de atuação pro�ssional) que pode desenhar-se, portanto, uma determinada relação entre teoria e prática. No caso dos cursos que estão sendo aqui focalizados (cursos de licenciatura em Ciências Biológicas), cabe distinguir, em primeiro lugar, dois campos mais ou menos paralelos (e às vezes interligados) de articulação entre teoria e prática: (1) o campo da Biologia, em que a teoria e a prática aparecem como elementos do trabalho do biólogo; note-se que o conhecimento da “prática” que se desenvolve aqui (por exemplo, o conhecimento de procedimentos do trabalho de laboratório) não garante, por si só, a atuação bem-sucedida em situações futuras de “prática” da docência; (2) o campo do ensino (de Ciências e Biologia), em que a teoria e a prática aparecem como elementos do trabalho do professor (de Ciênciase Biologia). Concentraremos nossa análise principalmente na tentativa de compreender a relação entre teoria e prática no campo do ensino. No campo em questão (o do ensino), a “teoria” pode ser entendida como produ ção acadêmica em educação, e aparece nos cursos de licenciatura com o intuito de que o futuro professor construa “saberes da formação pro�ssional” (TARDIF, 2004), os quais possam funcionar como subsídios efetivos para a estruturação e desenvolvimento da “prática” (da docência). A relação que se busca entre teoria e prática, no entanto, não é a mesma que as concepções tecnicistas defendem. Entende-se que os conhecimentos acadêmicos em educação auxiliam o professor a formar uma teoria pessoal e fundamentada sobre ensino. Essa “teoria” pessoal se relaciona com as situações da “prática” por meio de um movimento permanente de diálogo, no qual ambos os polos modi�cam-se mutuamente. De um lado, a teoria (pessoal do professor) fornece subsídios para o planejamento, a condução, a análise, a avaliação e o aperfeiçoamento da prática; de outro lado, a prática fornece elementos de feedback importantes para a construção de “saberes experienciais” (TARDIF, 2004) e para a contínua revisão da teoria. Trata-se, pois, de um processo que tem como um de seus pilares a atividade de re�exão sobre a prática, sobre a teoria e sobre articulação entre teoria e prática na busca dos objetivos propostos para as diferentes etapas de ensino. Por exemplo: um professor, em parte por in�uência da “teoria” a que ele teve acesso (produção acadêmica em educação), e em parte por in�uência de sua experiência de trabalho (conhecimento sobre como os alunos interagem com as situa ções de aula), incluiu em sua teoria pessoal de ensino a convicção de que vale à pena envolver os alunos em processos de indagação acerca dos fenômenos naturais; ele então planeja e desenvolve um conjunto de aulas que se inicia com as perguntas dos alunos sobre os animais de um jardim zoológico, e que tem prosseguimento com uma visita ao zoo da cidade; conforme essas atividades avançam, porém, o professor precisará avaliar passo a passo os diversos acontecimentos de aula (isto é, das situações da prática), a �m de ajustar a proposta inicial às necessidades de aprendizagem dos alunos (BASTOS, 2008); nesse processo, o professor também estará avaliando e eventualmente revisando diversos aspectos de sua teoria pessoal, à medida que esses aspectos se mostrem adequados ou não como elementos norteadores da prática; o professor pode notar a necessidade, por exemplo, de estratégias que limitem ou direcionem os questionamentos dos alunos, para que as aulas não percam seu foco. Assim, considerando as descrições aqui apresentadas, o professor que se pretende formar é aquele que se educa como um pro�ssional re�exivo ou ainda como um intelectual crítico (MARCELO GARCÍA, 1999; CONTRERAS, 1997; TARDIF, 2004). Tal professor considera a produção acadêmica em Didática e outras áreas dos estudos em educação e é capaz de utilizar essa produção como um dos elementos importantes para uma re�exão que vise ao aperfeiçoamento do ensino oferecido a seus alunos. Em síntese, entendemos a Didática como campo de estudos cuja produção busca contribuir para a formação de um professor que articule teoria e prática de maneira re�exiva e, lançando mão das especi�cidades de sua área de atuação (Biologia, Física, Química etc.), permita o desenvolvimento do aluno como sujeito que compreende e atua em seu meio social. Referências bibliográ�cas ALVES, G. L. O trabalho didático na escola moderna: formas históricas. Campinas, Autores Associados, 2005, 154p. ASTOLFI, J. P.; DEVELAY, M. 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A Transposição Didáctica e o Ensino da Biologia Graça Simões de Carvalho1 Neste capítulo aborda-se, numa primeira parte, os conceitos e as controvérsias à volta da didáctica e, numa segunda parte, a origem, o desenvolvimento e a aplicação do modelo de transposição didáctica. Assim, no início do capítulo refere-se a divergência quanto a interpretação do termo didáctica entre línguas latinas e a língua inglesa, a preocupação de associar as didácticas às suas disciplinas especí�cas dos saberes, bem como a confusão entre didáctica e pedagogia e ainda a ânsia da distinção entre estas duas Ciências que, embora distintas, trabalham a mesma realidade: a sala de aula. Depois daapresentação de uma colectânea de enunciados de diversos autores, tentando de�nir didáctica, a primeira parte deste capítulo termina com alguns princípios norteadores de estudos em didáctica. Na segunda parte, refere-se a origem do conceito de transposição didáctica (TD) emergente na área da didáctica da matemática e a sua apropriação pelas didácticas em Ciências, em especial pela didáctica da Biologia. É dada ênfase à importância das práticas sociais de referência e dos valores ( modelo KVP) subjacentes aos conteúdos de ensino na transposição didáctica e apresenta-se, como exemplos, alguns dados obtidos no desenvolvimento do projecto BIOHEAD -CITIZEN que envolveu a comparação da transposição didáctica de conteúdos socialmente controversos de Biologia (reprodução, Genética, educação para a saúde, educação ambiental, evolução) para manuais escolares de 19 países, dentro e fora da Europa. Esta segunda parte termina com a apresentação do modelo de demora da transposição didáctica (DTD), que se reporta à diferença de tempo entre a data da publicação do trabalho cientí�cos e a sua entrada nos programas escolares e nos manuais, fortemente dependente dos valores e das práticas sociais. Este capítulo termina enfatizando a relevância da utilização destes modelos didácticos como instrumentos valiosos para estudos em didáctica, nomeadamente na didáctica da Biologia. 1. Didáctica: Conceitos e controvérsias Tanto quanto se sabe o termo didáctica foi inicialmente proposto pelo fundador da teoria pedagógica, Jan Amos Komensky, mais conhecido por Comenius (15921670), que escreveu a famosa obra Didactica Magna, publicada em 1657, em latim, tendo então lançado “as fundações para uma nova pedagogia centrada na experiência, em exemplos concretos, em métodos intuitivos e dando atenção à ordem pela qual os estádios de desenvolvimento se seguem uns aos outros” (LEGENDRE, 1993, p. 357). 1.1. Didácticas especí�cas (ou disciplinares) O termo didáctica tem origem na palavra grega didaktikos que signi�ca “ciência, ou ramo auxiliar da pedagogia que se ocupa dos métodos e técnicas do ensino em geral; conjunto de métodos e técnicas especí�cas do ensino de uma determinada disciplina” (ACL, 2001, p. 1251) mas na língua inglesa, o conceito de didactics evoluiu culturalmente num sentido considerado pejorativo como “tendo a feição de um professor autoritário” (SYKES, 1982, p. 266) ou “uma tendência para instruir ou dar lições” (CHEVALLARD, 1999, p. 6), muito associado à perspectiva “behaviorista” do ensino (HOPMANN, 1992), o que tem di�cultado a incorporação desta designação – como por exemplo, Didactics of Biology – no seio dos investigadores anglófonos que estudam os processos de ensino-aprendizagem de uma dada disciplina – como por exemplo, Biologia. Pelo contrário, o termo didáctica nas diversas línguas latinas e também em alemão, didaktik, refere-se ao estudo cientí�co de uma dada realidade de ensino-aprendizagem, ou seja, à conceptualização das preocupações cientí�cas que distinguem a vida de uma dada disciplina em função dos saberes a serem ensinados e aprendidos. É por isso que a didáctica não deve ser entendida como uma disciplina por si só, mas antes pelo contrário,devem existir tantas didácticas quanto as disciplinas dos diversos saberes(TOCHON, 1999). A investigação em didáctica teve o seu primeiro forte avanço na área do ensino da matemática (CHEVALLARD, 1985; BROUSSEAU, 1986; 1998), tendo-se depois estendido ao ensino das Ciências, como é o caso da didáctica da Biologia (ASTOLFI et al., 1997; CLÉMENT, 1998; DE VECHI e GIORDAN, 2002). As diversas didácticas especí�cas (Didáctica da Biologia, Didáctica da Matemática, Didáctica da Língua Portuguesa, etc.) desenvolvem-se “em séria investigação, com fortes raízes nos seus respectivos saberes, analisados neles próprios e para eles próprios, realizada por especialistas de disciplinas, por formadores de professores, e por e com os professores de disciplinas” (TOCHON, 1999, p. 10). Neste sentido, a didáctica de uma disciplina descreve e desenha o processo de ensino -aprendizagem, numa perspectiva construtivista da aprendizagem (MORF, 1994), tendo em consideração os clássicos três aspectos fundamentais do triângulo didáctico (DEVELAY, 1992): o aluno – o saber disciplinar – o professor (Figura 1). Com este modelo, DEVELAY (1992, p. 74) passa em revista “os conceitos reivindicados pela didáctica das Ciências e da matemática: os conceitos de representação (ou concep ção), de transposição didáctica e de contrato didáctico” (Figura 1), assuntos que tratamos na segunda parte deste capítulo (item 2.2). Figura 1 – O triângulo didáctico. 1.2. Na confusão entre didáctica e pedagogia Trabalhando numa perspectiva de análise social e �losó�ca do fenómeno educacional, também Bertrand (1979; 1995), Houssaye (1979; 1988) e Bertrand e Houssaye (1999), têm vindo a desenvolver modelos do triângulo pedagógico que assentam em dois princípios fundamentais (BERTRAND e HOUSSAYE, 1999, p. 45): (1) Cada situação pedagógica inclui relações entre aluno, saber e professor. (2) Toda a abordagem de ensino, seja ela pedagógica ou didáctica, focaliza-se prioritariamente em certas relações de entre certos componentes estruturantes e reduz as outras relações a um status secundário. Estes autores caracterizam o triângulo pedagógico com quatro componentes principais: o aluno – o saber a ensinar – o professor/sociedade – as interacções pedagógicas entre os anteriores três elementos (Figura 2). A alusão à sociedade refere-se ao facto de outras pessoas, que não o próprio professor (o mundo em geral, o ambiente), sendo que o professor desempenha um papel determinante nas interacções pedagógicas (BERTRAND e HOUSSAYE, 1999). Figura 2 – O triângulo pedagógico. Estamos, pois, perante dois modelos idênticos – o triângulo didáctico e o triângulo pedagógico – que re�ectem em si mesmo a confusão existente entre os conceitos de didáctica e de pedagogia. Na verdade, a didáctica e a pedagogia referem-se a uma mesma realidade, a sala de aula. Diversas de�nições de didáctica (ver mais adiante – p. 38) referem-se frequentemente a questões pedagógicas e ao contexto pedagógico, no entanto os didactas tendem a marcar distinção entre estas duas abordagens, considerando “a pedagogia mais geral que a didáctica, menos cientí�ca e por isso com menor status” (BERTRAND e HOUSSAYE, 1999, p. 41). Mas esta é uma matéria de grande controvérsia já que, por exemplo, por um lado podemos veri�car que Meirieu (1993) assume que a pedagogia se refere aos objectivos educacionais e a didáctica aos programas e métodos e Mialaret (1976) considera que a didáctica é uma componente da pedagogia, enquanto que Mialaret (1982)2 diz precisamente o contrário. A distinção entre estas duas abordagens é, de facto, difícil, uma vez que, como acima referimos, ambas actuam na mesma realidade da sala de aula. Os didactas tendem a focalizar-se mais nas aprendizagens de um dado conteúdo do que na relação professor-aluno como é apanágio dos pedagogos. No entanto, quanto mais os didactas se prendem nos processos de aprendizagem (incluindo a Psicologia cognitiva), mais tendem a afastar-se da realidade e da complexidade do contexto da sala de aula, pelo que precisam, por outro lado, de recorrer aos contextos de sala de aula (diversidade social, multicultural, plural). Assim, podemos considerar dois polos de abordagem em que a didáctica se preocupa sobretudo com a investigação das aprendizagens dos conteúdos, enquanto que a pedagogia tem principalmente em conta a complexidade da sala de aula para as aprendizagens. Os didactas e os pedagogos exercem a sua actividade ao longo de um continuum entre estes dois polos – um polo focalizado nos processos de aprendizagem (didáctica) e outro na complexidade da sala de aula (pedagogia) –, não se encontrando neste continuum uma clara zona de distinção entre a didáctica e a pedagogia. Figura 3 – O continuum da actividade dos Didactas e dos Pedagogos na mesma realidade, a sala de aula. 1.3. Tentando de�nir Didáctica
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