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Introdução à Didática da Biologia -Caldeira & Araújo (orgs)

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Reitor
Prof. Dr. Herman Jacobus Cornelis Voorwald
Vice-Reitor
Prof. Dr. Júlio Cezar Durigan
Pró-Reitora de Pesquisa
Prof. Dr. Maria José Soares Mendes Giannini
Pró-Reitora de Pós-graduação
Profa. Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge
Pró-Reitora de Graduação
Profa. Dra. Sheila Zambello de Pinho
Pró-Reitor de Extensão Universitária
Profa. Dra. Maria Amélia Máximo de Araújo
Pró-Reitor de Administração
Prof. Dr. Ricardo Samih Georges Abi Rached
FACULDADE DE CIÊNCIAS
Diretor
Prof. Dr. Henrique Luiz Monteiro
Vice-Diretor
Prof. Dr. João Pedro Albino
Programa de Pós-graduação
em Educação para a Ciência
Coordenadora
Profa. Dra. Ana Maria de Andrade Caldeira
Vice-Coordenador
Prof. Dr. Osmar Cavassan
Membros
Profa. Dra. Lizete Maria Orquiza de Carvalho
Prof. Dr. Roberto Nardi
Doutorando Francisco Nairon Monteiro Júnior
(Repres. Discente)
Suplentes
Prof. Dr. Jair Lopes Jr.
Prof. Dr. Washington Luiz Pacheco de Carvalho
Prof. Dr. João José Caluzi
Doutoranda Fulvia Eloá Maricato
(Repres. Discente)
Série
Educação para a Ciência
Conselho Editorial
Prof. Dr.Roberto Nardi (Presidente)
Prof. Dr. Alberto Villani
Profa. Dra. Ana Maria de Andrade Caldeira
Prof. Dr. Antônio Vicente Mara�oti Garnica
Profa. Dra. Ana Maria Lombardi Daibem
Prof. Dr. Fernando Bastos
Pós-graduação em Educação para a Ciência
Área de Concentração: Ensino de Ciências
Faculdade de Ciências – Unesp
Campus de Bauru
Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01
Campus Universitário – Vargem Limpa
CEP: 17033 – 360 – Bauru – São Paulo – Brasil
Fone/Fax: (14) 3103 – 6077 ou 3103-6177
E-mail: pgfc@fc.unesp.br
Site: www.fc.unesp.br/fc/pos/index.html
Copyright do texto © 2009 Autores
Copyright da edição © 2009 Escrituras Editora
Todos os direitos desta edição reservados à
Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda.
Rua Maestro Callia, 123
Vila Mariana – São Paulo, SP – 04012-100
Tel.: (11) 5904-4499 – Fax: (11) 5904-4495
escrituras@escrituras.com.br
www.escrituras.com.br
Diretor editorial
Raimundo Gadelha
Coordenação editorial
Mariana Cardoso
Assistente editorial
Ravi Macario
Revisão
Alexandre Teotonio
Jonas Pinheiro
Projeto grá�co, capa e editoração eletrônica
Renan Glaser
Impressão
RETTEC Artes Grá�cas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Introdução à Didática da Biologia/Ana Maria de Andrade Caldeira, Elaine
Sandra Nicolini Nabuco de Araujo, organizadoras. – São Paulo: Escrituras
Editora, 2009. – (Educação para a ciência; 10)
Vários autores.
Bibliogra�a.
ISBN 978-85-7531-328-2
1. Biologia – Estudo e ensino 2. Prática de ensino 3. Professores –
Formação pro�ssional I. Caldeira, Ana Maria de Andrade. II. Araujo, Elaine
Sandra Nicolini Nabuco de. III. Série.
09-04237
CDD-570.7
Índices para catálogo sistemático:
1. Biologia: Estudo e ensino 570.7
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Obra em conformidade com o Acordo
Ortográ�co da Língua Portuguesa
Sumário
Apresentação……………………………………………………………
……………………
Parte A – A área de Didática da
Biologia……………………………………………
I. A Didática como área de conhecimento
……………………………………………
Ana Maria de Andrade Caldeira; Fernando Bastos
II. A Transposição Didáctica e o Ensino da Biologia
…………………………………
Graça Simões de Carvalho
III. Formação de professores de Biologia
………………………………………………
Fernando Bastos
Parte B – A natureza da Biologia e o Ensino
………………………………………
IV. Didática e Epistemologia da
Biologia………………………………………………
Ana Maria de Andrade Caldeira
V. História da Biologia no Ensino: Needham, Spallanzani e a geração
espontânea…
Maria Elice Brzezinski Prestes; Lilian Al-Chueyr Pereira Martins
VI. Instrumentos e técnicas nas Ciências Biológicas
…………………………………
Roberto de Andrade Martins
VII. Bioética e o Ensino de Biologia
……………………………………………………
Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo; Caroline Belotto Batisteti
Parte C – Aprendizagem de conceitos biológicos
………………………………
VIII. A relação pensamento e linguagem: formação de conceitos cientí�cos
em ciências naturais
Ana Maria de Andrade Caldeira
IX. A Epistemologia genética de Piaget: algumas considerações
……………….
Marcelo Carbone Carneiro
Parte D – Ensino de conceitos
biológicos…………………………………………
X. A integração conceitual no Ensino de Biologia:uma proposta
hierárquica de organização do conhecimento biológico
Fernanda A. Meglhioratti; Fernanda Rocha Brando; Mariana A. B. S. de
Andrade;
Ana Maria de Andrade Caldeira
XI. Projetos didáticos: interdisciplinares e temáticos
……………………………….
Maria de Lourdes dos Santos
XII. A resolução de problemas no Ensino de Ciências e Biologia
………………
Mariana A. Bologna Soares de Andrade; Luciana M. Lunardi Campos
XIII. A prática avaliativa no contexto do Ensino de Biologia
…………………
Lourdes Aparecida Della Justina; Daniela Frigo Ferraz
Parte E – Espaços de ensino e
aprendizagem……………………………………
XIV. Biologia – ensino
prático……………………………………………………………
Myriam Krasilchik
XV. Uma aula de Biologia: re�exões e revelações sobre o ensino, a
aprendizagem e o conhecimento escolar ……………………………………
Luciana M. Lunardi Campos
XVI. O Ensino de Biologia em espaços não formais
………………………………
Elaine S. Nicolini Nabuco de Araujo
XVII. Os ambientes naturais e a Didática das Ciências Biológicas
……………
Patrícia Gomes Pinheiro da Silva; Osmar Cavassan; Tatiana Seniciato
Apresentação
Introdução à Didática da Biologia traz subsídios para pensar a Didática
como campo de investigação na área de Ensino de Biologia na Educação em
Ciências. O livro compila artigos oriundos de pesquisas realizadas por alunos
do curso de pós -graduação em Educação para a Ciência, da Faculdade de
Ciências – UNESP/ Bauru, e de outros conceituados pesquisadores da área,
destacando também questões que envolvem a Filoso�a da Ciência. A primeira
parte do livro, A área de Didática da Biologia, compreende três capítulos, que
fornecem uma visão geral das principais questões discutidas no livro. O
primeiro capítulo, “A Didática como área de conhecimento”, apresenta essa
disciplina como um campo de investigação, que analisa a relação professor-
aluno articulada a uma área de conhecimento especí�ca (Biologia, Física,
Química, etc.). Ao assumir essa perspectiva, busca desvincular a Didática da
ideia de um conjunto de técnicas a serem aprendidas, às vezes associada a uma
visão de ciência em que a observação e o trabalho experimental são as fontes
principais de aquisição de saberes. No segundo capítulo “A Transposição
Didáctica e o Ensino da Biologia” aborda-se, numa primeira parte, os conceitos
e as controvérsias em torno da Didática e, numa segunda parte, a origem, o
desenvolvimento e as aplicações do modelo de transposição Didática. O
terceiro capítulo, “Formação de professores de Biologia” centra-se em temáticas
sobre a formação inicial nos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas.
Os capítulos quatro, cinco, seis e sete compõem a segunda parte do livro,
intitulada A natureza da Biologia e o Ensino. O capítulo quatro, “Didática e
epistemologia da Biologia” procura explorar uma das relações desse cenário
complexo; trata-se do campo de pesquisas compreendido entre a Didática e a
Epistemologia, especi�camente sobre o conhecimento biológico. Propõe uma
discussão de aspectos epistemológicos da Biologia nos cursos de formação
inicial de professores e pesquisadores de Ciências Biológicas, visando a uma
atitude re�exiva em busca de uma aprendizagem menos dogmática e mais
dialética dos conceitos cientí�cos. “História da Biologia no Ensino: Needham,
Spallanzani e a geração espontânea” é o título do capítulo cinco, que traz uma
abordagem histórica sobre o longo debate que se deu durante o século XVIII e
envolveu dois naturalistas, John Tuberville Needham (1713-1781) e Lazzaro
Spallanzani (17291799). A exploração Didática dessa controvérsia pode
contribuir para a natureza do conhecimento no ensino. O capítulo seis,
“Instrumentos e técnicas nas Ciências Biológicas”, forneceuma visão geral
sobre o emprego de instrumentos e técnicas na Biologia, para centrar-se em
seguida, em um exemplo especí�co – o estudo de Aristóteles sobre o camaleão.
Oferece também um panorama histórico sobre o modo pelo qual novos
instrumentos e técnicas de estudo foram introduzidos na Biologia ao longo dos
séculos. São discutidas, de forma mais detalhada, algumas técnicas de estudo
especí�cas: os procedimentos de observa ção, desenho e reprodução de �guras
de história natural; os processos de conservação de espécimes animais e
vegetais; e o desenvolvimento do microscópio e seu uso nos estudos biológicos.
Ao �nal, são apresentados alguns comentários sobre o uso desse conhecimento
no ensino da Biologia. O capítulo sete, “Bioética e o Ensino de Biologia”,
discute as modi�cações sofridas pelo conceito de Bioética desde 1970, quando
Van Ressenlaer Potter cunhou o termo, até os dias atuais.Enfatiza a pluralidade
da Bioética, uma vez que esta envolve discussões éticas, legais, sociais,
�losó�cas, religiosas e cientí�cas. Propõe o uso de problematiza ções como uma
das possibilidades de abordagem em sala de aula de assuntos relacionados à
Bioética.
A terceira parte, Aprendizagem de conceitos biológicos, compreende os
capítulos oito e nove. O capítulo oito, “A relação pensamento e linguagem:
formação de conceitos cientí�cos em Ciências naturais”, procura apresentar
considerações teóricas sobre a linguagem como expressão do pensamento e do
desenvolvimento do pensamento complexo, por meio da aprendizagem
signi�cativa de conceitos e termos cientí�cos. No capítulo nove, “A
epistemologia genética de Piaget: algumas considerações” o autor discorre sobre
aspectos dessa teoria que investiga como o conhecimento é elaborado
progressivamente por um sujeito histórico e na relação com os objetos que o
rodeiam.
A quarta parte, Ensino de conceitos biológicos, está constituída por quatro
capítulos. No capítulo dez, “A integração conceitual no Ensino de Biologia:
uma proposta hierárquica de organização do conhecimento biológico”, as
autoras propõem uma abordagem integrada dos conceitos biológicos que pode
ocorrer por meio da utilização de conceitos estruturantes, os quais possibilitam
a conexão de muitos outros conceitos, permitindo a construção de uma rede
conceitual consistente do conhecimento biológico. O capítulo onze, “Projetos
didáticos: interdisciplinares e temáticos”, promove uma re�exão sobre os
projetos de pesquisa e didáticos envolvendo os processos de ensino e
aprendizagem. O capítulo doze, “A resolução de problemas no Ensino de
Ciências e Biologia”, apresenta uma discussão sobre resolução de problemas,
que não se restringe a um método de ensino a ser aplicado, e sim como uma
proposta que contribua para os processos de ensino e de aprendizagem, por
meio de uma adequação à realidade e às necessidades da escola e do professor.
No Capítulo treze, “A prática avaliativa no contexto do Ensino de Biologia” as
autoras propõem a prática re�exiva sistemática na Educação Biológica que
resulte em ações educativas, destacando possíveis equívocos que permanecem
presentes, em especial no que tange à avaliação. Nesse sentido, esse capítulo
apresenta alguns aspectos relacionados ao debate em torno do ato de planejar e
avaliar a ação educativa na escola, em especial durante a formação inicial de
professores de Biologia. O texto caracteriza-se por uma abordagem Didática,
procurando delimitar paralelos entre perspectivas vivenciadas na realidade do
ensino de Biologia, na educação básica e no âmbito da formação inicial de
professores.
A quinta e última parte, denominada Espaços de ensino e aprendizagem, o
capítulo quatorze “Biologia – ensino prático”, uma grata surpresa!, comenta
sobre fundamentação, signi�cado e papel essencial das atividades práticas no
Ensino da Biologia para o desenvolvimento intelectual, social e pessoal dos
alunos. A responsabilidade do professor e dos estudantes na execução dos
exercícios é exempli�cada em processo crescente com o objetivo de ampliar a
capacidade dos estudantes de propor questões e resolver problemas para
programar o aprendizado participativo. O capítulo quinze “Uma aula de
Biologia: re�exões e revelações sobre o conhecimento, o ensino e a
aprendizagem” propõe uma re�exão sobre algumas questões do ensinar
Biologia, baseado em uma cena hipotética: uma aula de Biologia. O propósito
do capítulo dezesseis, “Ensino de Biologia em espaços não formais”, é discutir
o processo de ensino e aprendizagem de Ciências e Biologia que ocorre nos
espaços não formais, tendo em vista a diversidade de locais abertos à visitação
escolar, bem como a multiplicidade de ambiente, nos quais os professores
podem ministrar conteúdos de Biologia (horta, margem de um rio, beira mar,
museus, zoológicos, centros de Ciências, etc.) O capítulo dezessete, “Os
ambientes naturais e a Didática das Ciências Biológicas”, trata das possíveis
aplicações dos ambientes naturais no tocante à Didática das Ciências e,
particularmente, à Didática da Botânica. Para tanto, são considerados pontos
importantes, tais como, a di�culdade em acompanhar a produção do
conhecimento em Botânica, de modo a trazê-la para a sala de aula, a própria
complexidade do conhecimento sobre os vegetais e a falta de entusiasmo de
professores e alunos em lidar com o assunto. As aulas desenvolvidas em
ambientes naturais são também analisadas sob o referencial da teoria de Dewey,
destacando o papel da experiência na construção do conhecimento e na atribui
ção de signi�cado ao que se aprende.
A descrição dos capítulos feita anteriormente mostra que o livro inicia-se
com um panorama geral sobre a disciplina Didática e sobre a formação de
professores. Em seguida suscita re�exões sobre as possibilidades de tornar a
aprendizagem dos conhecimentos cientí�cos menos dogmáticas, por meio da
inserção no ensino de discussões acerca da natureza e da história da Biologia,
bem como de debates bioéticos. Envereda então para a exposição dos diferentes
aspectos envolvidos na aprendizagem e no ensino de conceitos biológicos na
escola e nos diferentes espaços formais.
Dada a qualidade das temáticas e sua importância para a re�exão sobre o
ensino de Ciências e Biologia, aconselhamos sua leitura a professores da educa
ção básica, do ensino superior, pesquisadores e demais interessados no ensino e
aprendizagem desta área do conhecimento.
Roberto Nardi
Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências 
Programa de pós-graduação em Educação para a Ciência 
Professor Adjunto do Departamento de Educação
Faculdade de Ciências
Unesp, Campus de Bauru
PARTE A
A área de Didática da Biologia
I. A Didática como área de conhecimento
Ana Maria de Andrade Caldeira1
Fernando Bastos2
Apresentaremos, ao longo deste capítulo, algumas ideias gerais que
pensamos ser úteis para discutir em que consiste a disciplina Didática e qual a
sua razão de ser.
Atuamos há vários anos como docentes e pesquisadores na área de Didática
das Ciências Naturais.
Quando iniciamos, no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, as
aulas da disciplina Didática das Ciências, costumamos perguntar aos
licenciandos o que esperam desse aprendizado. Geralmente respondem que
esperam aprender a ensinar. Essa resposta, que pareceria ideal, se esmiuçada
melhor, mostra-se associada, porém, a ideias restritas do aprender a ensinar: dar
uma boa aula usando bem os recursos audiovisuais disponíveis, saber falar bem,
controlar os alunos para que prestem atenção, entre outras. Ideias desse tipo
estão muito próximas à concepção preestabelecida de uma disciplina de
Didática que ensinará um conjunto de técnicas adequadas ao bom professor, e
distantes, por outro lado, das concepções atuais, que propõem uma visão
sistêmica do processo de ensino e aprendizagem. Percebemos também que os
interesses prioritários dos graduandos situam-se mais em estudos dos conceitos
biológicos – ou, por exemplo, em saber como desenvolver atividades
experimentais – doque na discussão de temas gerais de Educação e Ensino.
Esse quadro sugere uma visão de Didática como um conjunto de técnicas a
serem aprendidas, às vezes associada a uma visão de ciência em que a
observação e o trabalho experimental são as fontes principais de aquisição de
saberes. Além disso, uma parte dos licenciandos acredita que os conhecimentos
em Didática e outras áreas da Educação têm pouca ou nenhuma
“aplicabilidade”, de modo que a aprendizagem da docência deverá ocorrer
principalmente “na prática” e através da própria prática (LIPPE e BASTOS,
2008). Podemos supor que tais ideias estão ligadas a uma concepção
empiricista do fazer cientí�co (concep ção esta que é frequentemente reforçada
pela mídia, inclusive), bem como à percepção cotidiana do trabalho do
professor como algo que se dá centrado em sua própria atuação.
É nosso objetivo mostrar aqui, porém, uma outra compreensão de Didática
– a da Didática como campo de investigação que analisa a relação professor-
aluno articulada a uma área de conhecimento especí�ca (Biologia, Física,
Química etc.), e visando à formação de um sujeito que vive em uma sociedade
em constante transformação, da qual é preciso compreender a gênese, para
participar ativamente desses processos. Assim, a Didática é muito mais ampla
que a concepção que os graduandos apresentam inicialmente, pois requer
pesquisar e entender as possibilidades de articular teoria e prática.
Consequentemente, um desa�o importante a ser enfrentado nos cursos de
licenciatura é superar a dicotomia entre as preconcepções aqui referidas (ensino
como aplicação de técnicas, ciência como observação etc.) e a visão de Didática
que se busca atingir no decorrer da formação inicial, proporcionando estudos e
pesquisas que permitam aos licenciandos construírem relações e saberes que
deem suporte para sua atuação em sala de aula, e articulem conhecimentos
especí�cos (em Biologia, Física e demais áreas) bem como conhecimentos
pedagógicos (em Didática, Filoso�a da Educação etc.).
Um outro problema a ser enfrentado, percebido pelos professores que
ministram a disciplina Didática das Ciências, está em selecionar textos que
permitam ao futuro professor uma compreensão satisfatória desse campo
especí�co de conhecimento. Isso porque, no caso em análise, como em outros,
grande parte da literatura disponível ao licenciando nas bibliotecas das
universidades é composta de materiais que focalizam somente temas gerais de
educação (sem referência aos conteúdos de ensino), ou de materiais que
focalizam somente conhecimentos básicos em determinadas áreas das Ciências
naturais (Zoologia, Genética, Bioquímica, Geologia etc.); assim, são poucos os
textos que ajudam os licenciandos a construírem a articulação desejável entre as
áreas do conhecimento que estão em jogo (por exemplo, entre Educação e
Biologia).
Tendo em vista as di�culdades aqui relatadas, o presente capítulo tem
como objetivo (1) caracterizar a Didática como uma área do conhecimento
acadêmico, mapeando algumas das principais correntes que contribuíram para
a sua constituição; e (2) mostrar de que forma as especi�cidades do ensino de
Biologia têm feito emergir uma subárea da Didática que poderia ser nomeada
como Didática da Biologia.
1. As origens da Didática
Ensinar, na sua forma mais simples de transmissão de experiências dos
antepassados, é uma prática que pode ser encontrada desde os povos
primitivos, não como atividade especializada, mas como elemento
fundamentalmente ligado à sobrevivência dos grupos. Segundo Monroe
(1952), o surgimento de uma �gura que assume o papel de sistematizar o
conhecimento a ser transmitido é uma das distinções entre as sociedades
primitivas e as sociedades do mundo antigo. Essas �guras, denominadas de
xamãs, feiticeiros ou sacerdotes em diferentes culturas, podem ser considerados
os primeiros professores. Povos como hindus, chineses, gregos, romanos
tiveram seus modelos de educação organizados em função de suas culturas e
comprovam a existência milenar do ato de integrar os mais novos na cultura
em que estavam inseridos. A Idade Média, por sua vez, foi em parte marcada
por uma educação religiosa que visava ao domínio do espírito. Assim, podemos
dizer que há milênios as sociedades identi�cam formas de preservar suas
culturas por meio das atividades de educação. Embora de diferentes maneiras e
com objetivos especí�cos de cada época ou cultura, o ensinar foi sempre uma
atividade considerada importante para o desenvolvimento dos povos.
Um marco importantíssimo da história da educação, particularmente no
que diz respeito a esforços de sistematização de ideias sobre o ensino, pode ser
encontrado no trabalho de Comênio (1592-1670).
Comênio escreve em 1651 o livro Didática Magna - Tratado da arte
universal de ensinar tudo a todos. Segundo Cambi (1999) podemos considerar
essa obra como uma primeira sistematização do discurso pedagógico
relacionando aspectos técnicos de formação com re�exões sobre o homem.
Nesse novo contexto, os homens seriam livres para exercer sua iniciativa
empreendedora ou negociar sua força de trabalho, de tal modo que a educação
para todos tornar-se-ia uma necessidade.
Alves (2005) localiza, na obra de Comênio, os alicerces de uma nova forma
de organização do trabalho didático, idealizada e implementada de maneira a
compatibilizar-se com o modo de produção nascente (capitalista). Essa nova
forma de organiza ção, que no entender do autor predomina até os tempos
atuais, possui as seguintes características, entre outras: (a) o mestre medieval –
que dominava de uma só vez todo o acervo cultural relevante para educação, e
desenvolvia seu trabalho por meio de uma relação educativa individualizada do
tipo preceptor-pupilo – é substituído pelo mestre moderno, que detém apenas
uma pequena parcela do conhecimento a ser transmitido aos educandos (uma
“matéria” de ensino, um saber-fazer), e ministra suas lições para plateias
numerosas; este mestre moderno, em comparação com o medieval, recebe
pagamento inferior e ensina a um número maior de alunos; é, portanto, aquele
que se a�gura economicamente viável para a tarefa “de ensinar tudo a todos”; (b)
como o mestre moderno deve dar conta de um conteúdo bem delimitado, e é
visivelmente menos erudito que o mestre medieval, cria-se um instrumento de
apoio a seu trabalho, o manual didático, que contém o conjunto completo de
lições e exercícios, �xando o programa de ensino, e prevenindo a eventual
incapacidade do mestre; (c) os alunos, por sua vez, passam a ser organizados em
grupos mais ou menos numerosos, conforme o seu grau de adiantamento e o
propósito de sua formação; (d) quanto ao local para a realização do trabalho
educativo, são construídos estabelecimentos de ensino dotados de salas de aula
numerosas, gabinetes para administração e coordenação e dependências
especiais (biblioteca, refeitório, almoxarifado etc.).
Assim, seguindo o exemplo da manufatura e, depois, da fábrica, o trabalho
didático passa por um processo de racionalização (ALVES, 2005; TARDIF,
2004), que nada mais é que a subdivisão do empreendimento a ser realizado
em setores e etapas (as matérias de ensino, os anos, séries, graus, níveis),
con�ando esses setores e etapas a “operários especializados” (os professores),
que executam suas incumbências com o auxílio das ferramentas consideradas
adequadas (livros didáticos e outros recursos pertinentes).
Essa concepção de educação foi revolucionária em seu início, pois estava
alinhada com as transformações que conduziram à superação do sistema feudal,
mas, como também gerou, a partir do século XX, abordagens de ensino ditas
tecnicistas, que têm sido fortemente criticadas por entenderem o currículo
escolar como se fosse uma linha de montagem da indústria de bens de
consumo (TARDIF, 2004).
Embora a obra de Comênio remonte ao século XVII, foi durante o período
da Revolução Francesa (século XVIII) – com o processo de industrialização, a
substituição das ideias medievais e as demandas por direitos civis e políticos –
que se criaram as condi çõespara a efetiva implantação e disseminação de uma
escola para todos (CAMBI, 1999).
Nesse período e nos subsequentes, apesar de a organização geral do
trabalho didático nas escolas ter permanecido a mesma (ALVES, 2005), os
debates sobre educação tiveram prosseguimento, buscando dar conta das metas
e questões que se julgavam relevantes.Assim, Rosseau, Pestalozzi e Herbart
foram alguns dos pensadores que procuraram desenvolver métodos de educar,
em conformidade com suas �loso�as de formação dos sujeitos.
Herbart (1776-1841) pode ser considerado o iniciador da pesquisa
epistemológica em pedagogia. Para ele, a pedagogia deveria ter o objetivo de
formar o homem harmonicamente como pessoa responsável (CAMBI, 1999).
Partindo do pressuposto de que a criança precisava ser governada, educada,
dirigida por pais e por professores para que fosse formada para atuar na
sociedade futura, entendia que o professor deveria ser bem preparado e ter
condições de desenvolver o trabalho escolar.
Esse modelo tinha, entre outras, as seguintes características: (a) as
atividades escolares estavam centradas somente na �gura do professor, que fazia
exposições orais dos conhecimentos, e ao aluno caberia o papel passivo de
receptor; (b) o aluno deveria ser capaz de repetir os conhecimentos
selecionados pelo professor, sem ter espaço previsto para perguntar, duvidar,
levantar novas hipóteses ou sugerir novos temas de estudo; (c) a competição
entre colegas era estimulada por meio de notas e prêmios; (d) essa Didática (de
aprendizagem por recepção e repetição) previa cinco passos para o
desenvolvimento das aulas – os chamados passos de Herbart (preparação,
apresentação, associação, generaliza ção e aplicação); (e) nesse método, o aluno,
sendo passivo, poderia ser aprovado com distinção sem nunca ter dirigido uma
única pergunta ao professor.
Ainda que hoje tais ideias nos pareçam obsoletas, Herbart teve o mérito de
descrever uma ordem para o trabalho pedagógico, e destacar o professor como
centro do processo educativo (CAMBI,1999).
Segundo Cambi (1999), a revolução copernicana na educação deu-se
quando a criança foi colocada no centro do processo educativo. Os fundamentos
�losó�cos e cientí�cos para essa renovação da pedagogia vieram das obras de
autores como Dewey, Decroly, Claparède, Ferrière e Montessori, culminando
num movimento internacional que teve muita in�uência nas práticas
cotidianas escolares, e que foi chamado de ativismo, educação nova ou
escolanovismo.
Um fator importante para o surgimento dos debates que culminaram no
movimento escolanovista foi a sucessiva constatação das de�ciências da escola
que era oferecida à população em meados do século XIX e períodos
subsequentes. Entendiam os defensores da renovação educacional que o ensino
escolar precisava ser organizado em conformidade com a natureza da própria
criança (por exemplo, em conformidade com sua atividade espontânea e suas
fases de desenvolvimento), e que tal pressuposto fundamental não estava sendo
respeitado na prática, gerando diversos problemas para o ensino escolar.
Cabe lembrar que, para alguns autores atuais, as ideias escolanovistas
(incluindo aquelas que foram posteriormente derivadas dos trabalhos de
Piaget) in�uenciaram as práticas escolares de forma a rebaixar o nível do ensino
oferecido à maioria da população, colocando-se, portanto, a serviço dos
interesses das elites capitalistas (SAVIANI, 1987; DUARTE, 2005).
Tal crítica, independentemente de como nos posicionemos em relação a ela
(e os posicionamentos têm sido variados), não constitui argumento, porém,
que apague a contribuição do movimento escolanovista para o estudo e
compreensão das diversas questões relativas ao ensino escolar.
John Dewey (1859-1952) é considerado por muitos o autor mais ilustre e
crítico da educação nova; assim sendo, suas ideias serão brevemente
comentadas aqui. No seu entendimento sobre experiência (vivenciada pelo
indivíduo), esclarece que nem todas as experiências têm um caráter genuíno ou
educativo. Indica experiências que, embora tenham efeito agradável, podem
não concorrer para o desenvolvimento de atitudes esperadas. Ressalta que a sala
de aula tradicional proporciona experiências do tipo errado, levando à
insensibilidade às ideias, à perda do ímpeto de aprender, ao automatismo dos
exercícios, à limitação das capacidades ou à deterioração do gosto pelos livros.
Contrariamente a essa situação, o educador, ao determinar o ambiente
educativo, deve estar atento aos seguintes aspectos, para que a experiência
educativa seja válida: a busca de interação com as necessidades e capacidades
daqueles a quem ensina; as características de sua atuação em termos de o que
faz, como faz, como fala e o tom de suas palavras; os materiais de apoio
utilizados; e o arranjo social em que se inserem os agentes participantes do
processo.
Dewey pressupõe a linguagem como instrumento do pensar, assumindo o
ponto de vista de que: “embora a linguagem não seja o pensamento, é necessária
ao pensamento e à comunicação” (DEWEY, 1959, p. 226). Para ele, a linguagem
tem importância não só a partir de palavras orais e escritas, mas também em
suas expressões não verbais. Assim, o pensamento trabalha não com meras
coisas, mas com seus signi�cados.
O pensamento surgiria de uma situação diretamente experimentada,
articulada pela linguagem. Sugere o autor que percorramos nossa própria
experiência para veri�carmos a origem de nossos pensamentos. É improvável
que tenham surgido do nada. Pode ser que tenhamos di�culdades em localizar
suas origens; mas, se conseguirmos seguir o �o das ideias, encontraremos
alguma situação vivida ou sofrida e não apenas pensada.
Assim, para o autor, a principal di�culdade da escola, em não conseguir
fazer com que os alunos pensem “verdadeiramente”, está situada na falta de
situações experimentadas que os obriguem a pensar para resolverem seus
con�itos. Diante disso, as aulas devem estar estruturadas de acordo com os
seguintes passos pedagógicos:
(a) identi�cação de uma situação-problema;
(b) localização do que deve ser investigado;
(c) formulação de hipóteses e experimentação;
(d) avaliação das hipóteses.
Esses passos forneceriam elementos de re�exão para acalmar o espírito
duvidoso em uma situação de incerteza.
Para Dewey, o conhecimento é resultante de um processo de indagação,
que ele chama de “lógica”. Conforme explica Anísio Teixeira (1955), a lógica a
que Dewey se refere não é a teoria do conhecimento adquirido ou da
demonstração desse conhecimento, mas, sim, o próprio processo de adquirir
conhecimento, em que as operações de investigação exercem o controle do
processo de indagação a �m de produzir asserções garantidas.
Dewey, ao se referir à formação do pensamento, discute a relação entre
concreto e abstrato. Examinando a máxima “partir do concreto para o
abstrato”, frequentemente utilizada pelos professores, o autor rea�rma que há
um equívoco em se pensar que um processo possa ser educativo utilizando-se
de objetos sem um ato de pensar. A�rma que, no contato com as coisas, há um
conjunto de inferências, que podem suscitar interpretações. São pensamentos,
percepções de sentidos e juízos que vão conjuntamente se constituindo em
signi�cações. Isso explica grande parte das di�culdades que os professores de
Ciências encontram quando colocam demasiada fé no poder que as atividades
práticas possuem em termos de promover conhecimentos abstratos ou
cienti�camente válidos entre os alunos.
No Brasil, a in�uência dos escolanovistas foi bastante destacada até a
primeira metade do século XX, contribuindo para valorizar a ideia de uma
aproximação entre o ensino escolar e os processos do aluno, mas sofreu críticas
em razão de pressupor uma aprendizagem por associação de conceitos e não
considerar a inserção social do aluno e da escola.
O escolanovismo clássico perdeu força no Brasil a partir da implantação da
ditadura militar (1964-1985).
O regime militar adotou para o país um modelo econômico baseado no
crescimento industrial, que demandava mão de obra quali�cada.Diante desse
cenário, as políticas públicas para o setor da educação passaram a ser elaboradas
tendo em vista a formação da mão de obra considerada necessária para a meta
desenvolvimentista. Essas políticas adotaram concepções de ensino e
aprendizagem que eram �loso�camente coerentes com a ideologia
desenvolvimentista, no caso, as concepções tecnicistas.
As concepções tecnicistas foram desenvolvidas tomando-se por base os
trabalhos de autores como Skinner e outros psicólogos behavioristas ou
comportamentalistas, e compreendiam o professor como um especialista que
domina e aplica em aula uma série de técnicas elaboradas com base nos
conhecimentos da Psicologia comportamental, técnicas estas que permitiriam
planejar, executar e avaliar o ensino com e�cácia; de acordo com esse modo de
compreender o trabalho educativo, o domínio de um conjunto de técnicas
permitiria ao professor de�nir com clareza os objetivos instrucionais e os passos
necessários para atingi-los, bem como regular o progresso do aluno por meio
das etapas instrucionais previamente de�nidas. Note-se que esse tipo de visão,
embora também tributário das discussões que buscavam um ensino de acordo
com “a natureza dos indivíduos”3 , entrava em duro choque com o
escolanovismo clássico, recolocando o professor no centro do processo educativo.
Dadas as condições existentes na época (diretrizes adotadas pelas políticas
públicas, promessas geradas pela Psicologia comportamental, preocupações
cienti�cistas na pesquisa em educação etc.), as concepções tecnicistas tiveram
grande divulgação no meio educacional e in�uenciaram consideravelmente os
debates na área de Didática. Após algum tempo, porém (e principalmente
durante a década de 1980), as abordagens tecnicistas sofreram duras críticas, as
quais argumentavam, por exemplo:
(a) que os alunos carregam consigo visões de mundo, conhecimentos
prévios, motiva ções etc., que interferem sobre a aprendizagem e
tornam totalmente �ctício o rígido controle da aprendizagem almejado
pelos behavioristas;
(b) que uma boa forma de ensinar não pode estar assentada no pressuposto
eticamente inaceitável do controle dos comportamentos indivíduais.
Nesse mesmo período, um marco importante do desenvolvimento do
debate pedagógico no Brasil foi registrado: a ampliação dos cursos de Pós-
graduação em Educação, a partir da década de 1980 (e, portanto, já num
momento de reabertura política) fazendo com que um número crescente de
pesquisadores passasse a investigar e analisar os processos educativos nas escolas
do país. Essas pesquisas, que foram in�uenciadas pela obra de autores como
Paulo Freire, Gramsci, Bourdieu e Passeron, entre outros, proporcionaram uma
visão critica sobre o ensino, a aprendizagem e seus contextos sociais, políticos e
econômicos no Brasil, revertendo, de certa forma, a tendência encontrada em
períodos anteriores, nos quais a in�uência predominante da escola nova ou do
tecnicismo deixou em segundo plano um enfoque mais crítico em educação.
As discussões recentes sobre educação escolar quase sempre ressaltam a
importância de se buscar um ensino que tenha relação com o cotidiano e a
experiência do aluno. Consideram, portanto, como fontes potenciais de
aprendizagem, a experiência pessoal e os contextos (familiares, escolares e
sociais) dos quais os alunos são integrantes. Desses contextos advêm
explicações (às vezes de senso comum), que são signi�cadas a partir do
estabelecimento de relações (inclusive de natureza afetiva), e também múltiplas
formas de experiência, que educam conforme o grau de signi�cação a elas
atribuído. As relações estabelecidas nos grupos, nos espaços de encontro social,
nas instituições como igrejas, associações etc., oferecem um conjunto de
experiências que, hoje em dia, acrescidas das in�uências midiáticas, constituem
o contexto social em que consciência e valores estão sendo formados e
signi�cados. O conhecimento cientí�co se encontra difuso no conjunto dessas
informações, que se vinculam aos aspectos mais variados da vida em sociedade
(política, trabalho, produção, comércio, consumo, saúde, meio ambiente,
cultura, lazer etc.). Para a escola, portanto, caberia o papel de, por meio do
conhecimento cientí�co, fornecer elementos re�exivos que orientassem os
educandos em suas escolhas referentes à vida pessoal e à coletividade em que se
inserem.
Mas a escola está espantada com a velocidade das mudanças no mundo
atual, mudanças estas que, embora proporcionem certos aportes de
“modernização” (vide avanços tecnológicos em vários setores), não têm
revertido o quadro geral de desigualdade econômica, social e política
encontrado em países como o Brasil; assim, a escola, na tentativa de enfrentar
os desa�os que se apresentam, estabiliza-se, agora, como instituição mais de
“educação” do que de “ensino”. Busca, na vinculação da educação às questões
sociais, uma opção metodológica para o seu projeto pedagógico. Contudo, essa
opção por vezes se esvazia, ao não dar conta do conhecimento cientí�co
necessário para re�etir sobre como os elementos das relações sociais se
constituem e se estabelecem, e sobre como a experiência pessoal é afetada pelo
contexto. Cabe ao professor que hoje formamos entender essa realidade e
buscar transformá-la por meio do estabelecimento de espaços de diálogo na
construção do projeto pedagógico da escola, nas atividades interdisciplinares
com seus pares, no trabalho didático com seus alunos e em sua atuação mais
geral em sociedade.
Essa breve descrição de algumas etapas da evolução dos debates sobre
ensino procura mostrar que, em função de questões colocadas em diferentes
momentos históricos, ligadas às preocupações com a educação para as novas
gerações, autores como Comênio, Herbart, Dewey e vários outros que os
sucederam, apresentaram re�exões, propostas e investigações que
gradativamente �zeram emergir um novo campo de estudos acadêmicos, visto
como importante para o enfrentamento dos desa�os educacionais: o campo da
Didática.
2. A Didática das Ciências naturais
A partir de meados do século XX, professores e pesquisadores interessados
no ensino escolar de conteúdos de Física, Química, Biologia, Astronomia etc.,
passaram gradativamente a apontar e debater, de modo mais sistemático, os
enormes desa�os que se colocavam à educação escolar na área de Ciências
naturais. Esse movimento, que percorreu diversas etapas e sofreu in�uência de
correntes da Didática Geral e outros campos, levou à estruturação, na década
de 1970, de um novo ramo da pesquisa em Educação: a Didática das Ciências.
Cachapuz, Praia, Gil Pérez, Carrascosa e Martinez-Terrades (2001, p. 159)
entendem que um novo campo cientí�co surge aliado às seguintes condições:
– a existência de uma problemática relevante, susceptível de despertar
um interesse su�ciente que justi�que os esforços necessários ao seu
estudo;
– o caráter especí�co dessa problemática, que impeça o seu estudo por
outro corpo de conhecimentos já existente e;
– o contexto sociocultural, bem como recursos humanos e condições
externas.
As Ciências naturais exibem características próprias em termos de objetos
que estudam, metas que perseguem, métodos de pesquisa e linguagens que
empregam, tipos de produtos �nais que disponibilizam etc. Essas características
particulares fazem com que o ensino de Ciências naturais se defronte com
desa�os que lhe são próprios, e que podem levar (e efetivamente têm levado,
em muitos casos) à rejeição dos estudos cientí�cos por parte dos alunos e ao
fracasso escolar.
A partir da década de 1970, físicos, biólogos e outros pro�ssionais das áreas
de Ciências naturais, reconhecendo os problemas especí�cos que as aulas de
Ciências suscitavam, e entendendo que as abordagens vigentes (ensino por
transmissão, pedagogias tecnicistas, discussões genéricas nas áreas de Didática
Geral, Metodologia do Ensino, entre outras) não davam conta dos problemas
detectados, buscaram novos referenciais teóricos e novos desenhos de pesquisa
para tentar compreender e fazer progredir a educação escolar em Ciências.Dentre os referenciais teóricos então elaborados destacam-se aqueles que
tiveram in�uência de autores da Psicologia cognitiva, como Piaget e Ausubel, e
da �loso�a da ciência, como Kuhn, Lakatos e Bachelard.
Piaget publicara há muito tempo uma obra em que descrevia as concepções
das crianças sobre o mundo que as rodeia, e essa ideia (de identi�car as
concepções das crianças) foi então retomada, dando origem ao chamado
Movimento das Concepções Alternativas, que foi um esforço concentrado dos
pesquisadores em ensino de Ciências no sentido de mapear o que os alunos da
escola básica pensavam a respeito de diversos componentes e processos do
mundo natural. Assim, no �nal da década de 1980, os pesquisadores tinham à
sua disposição um vasto acervo de informações e análises sobre as ideias dos
alunos em todas as principais áreas das Ciências naturais que eram objeto de
estudo na escola básica (Mecânica, Termologia, Eletricidade, Evolução,
Genética, Biologia Celular, Fisiologia Humana, Astronomia etc.). Ficou claro
também que as concepções dos alunos diferiam das concepções cientí�cas e
eram resistentes à mudan ça, podendo constituir obstáculos à aprendizagem.
As ideias dos alunos sobre o mundo natural eram um problema especí�co
do ensino de Ciências e, para compreender sua gênese e evolução, isto é, como
essas ideias surgiam, que características assumiam e por meio de quais
processos se transformavam – e, ainda, de que forma interferiam sobre a
aprendizagem escolar –, os pesquisadores buscaram auxílio na própria
Psicologia cognitiva e também em abordagens da �loso�a da ciência que eram
entendidas como coerentes com a Psicologia cognitiva (Kuhn, Lakatos,
Bachelard etc.).
Os referenciais teóricos que embasaram as pesquisas em ensino de Ciências
nesse período (provenientes da Psicologia cognitiva e da �loso�a da ciência)
adotavam visões construtivistas acerca do processo de elaboração do
conhecimento no indivíduo e na ciência. Em outras palavras, entendiam o
conhecimento como construção humana, isto é, como uma forma possível de
representação da realidade, e não como a realidade em si mesma; ou – pode-se
dizer ainda – o conhecimento aparece, nessas vertentes, como uma criação da
mente humana que organiza a realidade, e não como algo preexistente na
natureza, à espera de ser descoberto. Daí o fato de as propostas para o ensino
de Ciências surgidas nessa época e em momentos posteriores terem sido
classi�cadas como construtivistas.
A �loso�a da ciência, analisando os diversos episódios da História da
Ciência, identi�cava os fundamentos dos conhecimentos cientí�cos atuais e,
com isso, contribuía para uma re�exão sobre as características das concepções
alternativas dos alunos e os questionamentos e aprendizagens que poderiam
fazê-las evoluir.
Por outro lado, houve em diversos momentos o surgimento de críticas
segundo as quais a escola existente não estava ajudando o aluno a desenvolver
seu pensamento lógico (décadas de 1960 e 1970) e a adquirir ferramentas para
sua atuação como cidadão em uma sociedade marcada por problemas como a
miséria, a fome, a desigualdade, os problemas ambientais, as guerras entre
outras di�culdades (década de 1980). Diante de tais questionamentos, os
pesquisadores em Educação em Ciências gradativamente propuseram e
investigaram várias possibilidades para a estruturação do ensino escolar. Uma
delas foi a própria inserção de conteúdos de história e �loso�a da ciência no
currículo. Outra foi o estudo, pelos alunos, de questões atuais que
propiciassem a percepção das relações entre ciência e sociedade ou, de forma
mais especi�cada, a percepção das relações entre ciência, tecnologia, sociedade
e ambiente (relações CTSA). Esperava-se, com isso, que o aluno(a) melhorasse
seu conhecimento sobre os métodos de trabalho dos cientistas, o que
contribuiria para o desenvolvimento de suas habilidades de raciocínio; e (b)
desenvolvesse uma compreensão mais realista e crítica acerca da ciência e de seu
funcionamento, sendo capaz de entender que o conhecimento cientí�co não é
absoluto e, da mesma forma que as demais produções humanas, pode servir a
interesses econômicos e políticos que não condizem com o princípio
democrático da busca de melhoria das condições de existência para a maioria
da população.
Outras questões investigadas nas últimas décadas (1980, 1990, 2000), e
que re�etem a preocupação com as especi�cidades do ensino de Ciências,
foram as seguintes:
– a resolução de problemas (no ensino de Física, Biologia etc.);
– o trabalho didático com atividades práticas (de observação de
aspectos do mundo natural ou de realização de experimentos em sala
de aula ou laboratório);
– a aprendizagem e uso de formas de representação e recursos de
linguagem característicos das Ciências naturais (termos técnicos,
formas de estrutura ção da linguagem verbal, símbolos, grá�cos,
tabelas, equações, esquemas, modelos e assim por diante).
Os debates em Didática Geral, apoiando-se em subsídios de áreas como
Psicologia da Educação e Filoso�a da Educação, ajudaram a estabelecer
gradativamente aquilo que se pode chamar de princípios gerais para a ação
Didática. Exemplos de tais princípios são os seguintes:
– focar o trabalho pedagógico em conteúdos e atividades de ensino que
tenham sentido em termos de formação intelectual e cultural como
também formação para a cidadania;
– incentivar os questionamentos e a participação intelectual dos alunos;
– estar atento ao tipo de ‘bagagem’ que o aluno traz;
– relacionar o conteúdo de ensino a situações e exemplos com os quais
os alunos já estejam familiarizados etc.
A Didática das Ciências vem incorporando e adaptando esses princípios de
acordo com suas próprias questões.
Nota-se porém que uma contribuição importante da pesquisa em Didática
das Ciências tem a ver com a tentativa de evitar que princípios para a ação e
outras elaborações relevantes sejam pensados de forma isolada.
De fato, alguns trabalhos desenvolvidos nas décadas de 1980 e 1990
buscam integrar diferentes aportes originários da pesquisa acadêmica de
maneira a propor quadros gerais que orientem a abordagem de conteúdos
cientí�cos.
Mais especi�camente, esses trabalhos têm reunido princípios para a ação
Didática, conhecimentos acerca de concepções dos alunos e sua evolução,
re�exões epistemológicas, estudos sobre resolução de problemas etc., em
propostas de modelos de ensino, tais como o ensino por mudança conceitual, o
ensino por pesquisa, o ensino por investigação-estruturação e o ensino baseado na
noção de per�l conceitual (CACHAPUZ, 2000; MORTIMER, 2000;
ASTOLFI e DEVELAY, 1990).
Assim, a contribuição da Didática das Ciências aparece também por meio
da elaboração, investigação e discussão de modelos (para o ensino escolar) que
busquem dar resposta às diversas questões que se colocam para a Educação em
Ciências.
O avanço das pesquisas na área de Didática das Ciências tem gerado,
portanto, uma série de contribuições para a re�exão sobre o ensino escolar.
Todavia, a sociedade está em constante mudança, gerando transformações
no cotidiano das pessoas; além disso, veri�ca-se, em diferentes esferas da
sociedade (no meio acadêmico, nos setores da iniciativa privada, nas entidades
da sociedade civil, nas instâncias de decisão política, entre outras.), uma
disputa a respeito do papel que o ensino escolar deveria exercer.
Assim, novas questões teóricas e práticas se apresentam para a apreciação
crítica e investigação por parte da Didática e de outros campos da pesquisa em
Educação:
– os problemas do contexto social e a multiplicidade de variáveis que
afetam o dia a dia da sala de aula;
– as in�uências da mídia e das novas tecnologias no cotidiano dos
alunos de diferentes idades;
– a baixa qualidade da escola pública em muitos contextos de todo
país, a despeito dos alegados projetos e investimentos realizados pelo
poder público;
– mudanças polêmicas nas políticas públicas para a Educação, tais
como a instituição da progressão continuada e do ensino apostilado;
– a oposição que muitas vezes se colocaentre a abordagem de
conteúdos procedimentais e “atitudinais” e a abordagem de conteúdos
conceituais (colocamos as “atitudes” entre aspas porque sabemos que a
proposição de uma determinada atitude como sendo a mais desejável é
uma questão ideológica e de valores);
– a inclusão no currículo de um número crescente de temas com
característica “interdisciplinar” ou “transversal” (tecnologia, problemas
ambientais, sexualidade, drogas, educação para o consumo,
multiculturalismo, problemas socioeconômicos, leis de proteção ao
menor, educação para o trânsito, entre outros.), temas estes cuja
pertinência ou não precisaria ser discutida caso a caso;
– a própria contribuição, a�nal, do ensino de ciência, Biologia etc.,
para a construção de uma sociedade mais igualitária, justa,
democrática, livre, solidária.
Tomemos como exemplo a questão da Educação Ambiental, citada acima.
O tema é, com certeza, de grande relevância social. Assim, as escolas elaboram
inúmeros projetos sobre água, lixo, esgotos, rios poluídos, práticas agrícolas
nocivas e assim por diante, na tentativa de “conscientizar” os alunos e também
a comunidade local. No entanto, esses projetos frequentemente se concentram
nos procedimentos e atitudes que deveriam ser seguidos, dando pouco
destaque aos conteúdos conceituais correspondentes (fatores bióticos e
abióticos do ecossistema, relações entre eles, equilíbrio de um ecossistema,
condições para a manutenção de equilíbrio para citar alguns.). Os alunos são
alertados para determinadas relações de causa e efeito (banhos prolongados de
chuveiro elétrico fazem aumentar a “conta de luz”, o uso da técnica da
queimada na lavoura vai desgastando a fertilidade do solo etc.), entretanto não
sabem a explicação cientí�ca para tais fatos. Além disso, di�cilmente se discute
que as decisões e ações importantes em termos de consequências ambientais
não se guiam apenas por uma eventual preocupação com o bem-estar das
pessoas, mas também – e às vezes principalmente – por interesses econômicos e
políticos.
Em síntese, os projetos de Educação Ambiental desenvolvidos nas escolas
podem apresentar problemas de esvaziamento dos conteúdos conceituais e de
ausência de discussão crítica.
O esvaziamento dos conteúdos conceituais di�culta ou inviabiliza, por
exemplo:
(a) a percepção das relações entre os conhecimentos estabelecidos pela
ciência e as formas de intervenção ambiental consideradas adequadas;
(b) o desenvolvimento da capacidade de pensar lógica e criticamente,
uma vez que não há compreensão dos porquês das propostas
ambientais defendidas;
(c) a possibilidade de transferência dos conhecimentos adquiridos para
outros contextos em que se note a ameaça ou existência de degradação
ambiental;
(d) a possibilidade de que os alunos consigam participar do debate
político utilizando argumentação cienti�camente fundamentada; e, por
�m,
(e) a própria possibilidade de que o processo vivenciado pelos alunos se
constitua em educação cientí�ca genuína.
Quanto à fragilidade da discussão crítica nos projetos citados, tal problema
pode levar os alunos a pensar que os problemas ambientais se resolvem a partir
da mudança de procedimentos e atitudes em nível de indivíduo (“se o cidadão
comum �zer sua parte, não jogar lixo no chão entre outras atitudes, as coisas
mudam”), e a pensar que o conhecimento cientí�co é su�ciente para convencer
as pessoas leigas, as autoridades, os empresários a não desperdiçarem, a não
desmatarem, a não poluírem etc.
Faz-se necessário, desse modo, investigar caminhos para que o ensino
escolar de Ciências, Biologia e outras disciplinas, ao buscar, acertadamente,
uma abordagem que tenha relação com a vida do aluno, não secundarize os
conteúdos conceituais, e não passe ao largo da discussão sobre aspectos
econômicos, sociais, políticos, culturais e históricos dos temas em questão.
As abordagens buscadas poderão recorrer à história e à �loso�a da ciência,
bem como ao estudo das relações CTSA. Insistimos, porém, na necessidade de
que o ensino de conteúdos conceituais seja priorizado e sirva como suporte
para amplos diálogos que ampliem a compreensão de mundo do aluno, numa
perspectiva em que as Ciências naturais e outras formas de conhecimento
(�loso�a, história, literatura, música, artes plásticas e demais disciplinas) sejam
vistas como abordagens complementares para a interpretação da realidade em
que vivemos (KNELLER, 1980).
Tal perspectiva poderia ser representada na ideia de que a escola propicie a
todos os cidadãos os conhecimentos para uma ampla alfabetização cientí�ca
capaz de subsidiar as diversas decisões pessoais e coletivas que fazem parte de
suas vivências.
A alfabetização cientí�ca de que falamos corresponderia a uma capacidade
de leitura e interpretação do mundo natural importante para o cidadão poder
participar informadamente dos movimentos sociais e dos diversos foros de
decisão que cuidam de questões cruciais para o desenvolvimento da sociedade
tais como produção econômica, preservação ambiental, saúde, educação,
cultura, habitação, transportes entre outras.
A referida formação também reverteria para ações em nível individual –
por exemplo, planejar a construção de sua moradia levando em conta o local
apropriado em relação à incidência de raios solares e correntes de ar, materiais
com conforto térmico e acústico, relações entre custo e benefício como
também impactos causados no ambiente; e lançar mão de conhecimentos
cientí�cos que os permitam compreender o diálogo empreendido em uma
consulta médica, auxiliando o diagnóstico com informações pertinentes e
entendendo o raciocínio médico, bem como as implicações decorrentes dos
tratamentos e procedimentos prescritos.
Esses exemplos referem-se a uma formação que identi�camos acima como
alfabetização cientí�ca, e que seria importante para todos os cidadãos,
independentemente das áreas que escolhessem para sua atuação pro�ssional.
No entanto, também é necessário buscar a formação de cientistas que
promovam a autonomia cientí�co-tecnológica do país nas diversas áreas do
conhecimento.
Para atender a essas necessidades, há uma di�culdade inerente: como
educar cienti�camente a todos e potencializar a formação de jovens
interessados nas carreiras de pesquisa? A opção por uma educação cientí�ca
geral pode resultar num tratamento super�cial de conceitos cientí�cos que
desestimulem os jovens interessados em ciência? Ou, ainda, se optarmos por
currículos calcados nas relações lógicas e complexas do conhecimento
cientí�co, podemos impedir uma formação cientí�ca geral para aqueles jovens
que se dirigem a outras áreas de conhecimento?
Além disso, como enfrentar o desinteresse dos alunos de Educação Básica
para as áreas de Ciências naturais? Trata-se de um problema metodológico do
ensino dessas áreas ou trata-se de um desinteresse real à maioria dos jovens de
hoje?
Portanto, podemos dizer que continuam surgindo a todo momento
diversas questões que necessitam ser pesquisadas por um campo especí�co da
Didática, isto é, a Didática das Ciências.
Feitas as várias considerações sobre as origens e a estruturação da Didática
Geral e da Didática das Ciências Naturais, é oportuno propormos, agora, uma
de�nição de Didática. Encontramos uma de�nição possível em Libâneo, para
quem a Didática constitui-se em disciplina que
[…] estuda as relações entre ensino e aprendizagem, integrando
necessariamente outros campos cientí�cos, especialmente a teoria do
conhecimento (que investiga métodos gerais do processo de
conhecimento), a Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
(que investiga os processos internos de cognição), os conteúdos e
métodos particulares das Ciências das artes ensinadas, os
conhecimentos especí�cos que permitem compreender os contextos
socioculturais e institucionais da aprendizagem de ensino (LIBÂNEO,
2008, p. 60).
Como vimos, a pesquisa acadêmica em Didática das Ciências vem sendo
desenvolvida de forma autônoma desde a década de 1970, e produziu uma
série de elaborações teóricas importantes. No entanto, o trabalho de um
professor(de Biologia, Ciências ou qualquer outra disciplina) não se faz
somente com base em “teoria”. Ele se faz levando em conta uma série de outros
“saberes” que o professor vai desenvolvendo ao longo da vida, dentre eles os
“saberes experienciais” (TARDIF, 2004), originários da re�exão sobre as
situações da prática (pro�ssional). Nesse sentido, a Didática deve lidar não
apenas com o problema de produzir teorias sobre o ensino, mas também com o
problema de compreender o signi�cado da prática e as possibilidades de
articulação entre teoria e prática na formação e no trabalho dos professores.
3. A Didática como disciplina de articulação entre teoria e prática
As discussões atuais sobre formação de professores destacam a importância
dos conhecimentos teóricos em Educação na re�exão sobre a prática docente,
levantando, portanto, a questão da relação que se estabelece (ou deveria
estabelecer-se) entre teoria e prática (TARDIF, 2004).
Nos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas, é comum, num
primeiro momento, os graduandos entenderem que a Didática deve ser a
disciplina em que aprenderão a colocar em prática (nas situações de ensino) a
teoria que estudaram nas demais disciplinas (LIPPE e BASTOS, 2007). Isso
sugere uma concepção em que a teoria antecede à prática, e a prática poderia
ser desenvolvida com sucesso aprendendo-se e aplicando-se um conjunto de
técnicas e regras especí�cas do ensinar. Assim, a visão inicial dos licenciandos
pode guardar certa semelhança com as concepções tecnicistas que se
disseminaram no Brasil na década 1970 e que foram acima citadas.
Por outro lado, esses mesmos licenciandos podem apresentar,
simultaneamente, concepções de característica quase opostas, que chamaremos
de empiricistas (LIPPE e BASTOS, 2007), e que a�rmam que os
conhecimentos acadêmicos em educação “não servem para nada”, não restando
outra alternativa senão a aprendizagem da docência ocorrer “na prática” (isto é,
de forma empírica).
No entanto, uma discussão atualizada sobre a relação entre teoria e prática
na forma ção e no trabalho do professor não deveria recorrer a nenhuma das
duas posições extremas aqui citadas, ou seja, nem a concepções tecnicistas, nem
a concepções empiricistas.
Ao contrário, procura-se hoje uma relação em que teoria e prática se
complementam e continuadamente se transformam por meio da atividade
humana, conforme de�nido por Rays:
O conhecer é ação que não exclui a teoria da prática e a prática da
teoria, ao tratar de problemas concretos em suas relações históricas. É
assim que o ato de conhecer, entendido como ação, como atividade
consciente, transforma-se na verdadeira força motriz da evolução
sociocultural e da determinação de seu desenvolvimento futuro (RAYS,
2008, p. 37).
Para estimular esse modo de articulação entre teoria e prática, porém, é
preciso, em primeiro lugar, que os próprios cursos de graduação busquem um
isomor�smo (uma semelhança) entre a formação recebida pelo futuro professor
(conteúdos, métodos etc.) e o tipo de educação que esse professor é chamado a
desenvolver (MARCELO GARCÍA, 1999).
Conforme Cunha (2008) podemos pensar em duas concepções de ensino,
uma como reprodução de conhecimento, outra como produção de
conhecimento.
Entendemos que a concepção de ensino como reprodução de
conhecimentos está presente em grande parte dos cursos de formação de
professores, e se manifesta por meio de práticas fortemente centradas na �gura
do professor, nas quais os conhecimentos cientí�cos atuais são apresentados
como verdades, desconsiderando a produção histórica e �losó�ca deles
mesmos. Tais práticas exigem um aluno passivo que não questione os
conhecimentos fornecidos e reproduza, nas avaliações propostas pelo professor,
as mesmas certezas ensinadas.
Outras práticas são possíveis, porém.
Os pesquisadores da área de Didática têm discutido e investigado caminhos
para buscar um ensino como produção de conhecimentos, em que alunos (da
escola básica ou da universidade) possam não só aprender os saberes acabados,
mas também desenvolver habilidades do pensar por meio desses saberes, e
construir atitudes condizentes com o seu progresso enquanto seres humanos e
cidadãos.
Assim, se os cursos de licenciatura pretendem formar um professor que seja
capaz de (1) atuar com autonomia intelectual, (2) articular teoria e prática e (3)
re�etir criticamente sobre sua prática pro�ssional, então é importante que esses
cursos estruturem suas próprias atividades de acordo como uma concepção que
proponha o ensino como produção de conhecimentos. Ou seja, é importante
que o licenciando seja estimulado a conhecer, debater, re�etir criticamente,
avaliar, investigar, propor soluções, analisar situações práticas, aplicar
conhecimentos etc., desde o período de formação inicial.
Um outro aspecto importante da discussão sobre a articulação teoria-
prática é re�etir sobre quais são os saberes relevantes para o exercício da docência,
e que lugar ocupam a “teoria” e a “prática” no âmbito desses saberes.
Conforme citado anteriormente, as abordagens recentes para o ensino de
Ciências (e de outras disciplinas escolares) propõem um professor que busque
atuar em aula de modo a fomentar o diálogo entre os conhecimentos das
Ciências naturais e as experiências e contextos nos quais os alunos estão
inseridos, o que requer que ele não apenas possua conhecimentos de natureza
conceitual (em Ciências naturais, educação, �loso�a da ciência, entre outras.),
mas também desenvolva determinadas habilidades e atitudes sem as quais não
conseguirá estabelecer uma interação produtiva entre os alunos e o saber.
Reconhece-se hoje que uma formação com tais características depende de
inúmeras aprendizagens, não podendo ser obtida a partir de simples “pacotes
estanques” de teoria (conhecimentos em Psicologia, Didática, para citar
algumas) e prática (experiências de estágio e atuação pro�ssional).
Para Tardif (2004), os saberes necessários à docência originam-se de fontes
variadas – família, ambiente de vida, escola primária e secundária, cursos de
forma ção inicial e continuada, materiais curriculares e didáticos, experiência
pro�ssional e assim por diante –, e englobam
(a) saberes pessoais;
(b) saberes provenientes da formação escolar anterior (de nível primário
e secundário);
(c) saberes da formação pro�ssional (oriundos de áreas como
Organização Escolar, Psicologia da Educação, Didática, Filoso�a da
Educação);
(d) saberes disciplinares (em Biologia, Física, Química, Astronomia
etc.);
(e) saberes curriculares (conhecimentos sobre livros didáticos,
programas de ensino, documentos o�ciais norteadores dos currículos
escolares, por exemplo);
(f ) saberes experienciais (oriundos do exercício da pro�ssão).
Assim, o futuro professor, ao ingressar em seu curso de licenciatura, já
possui uma série de crenças, saberes e disposições desenvolvidos em etapas
anteriores de sua história de vida, os quais irão interagir de diferentes maneiras
com aportes proporcionados pelo currículo de formação inicial. Além disso,
nesse momento, a maioria dos licenciandos ainda não dispõe de um acervo
considerável de “saberes experienciais” diretamente oriundos de situações da
“prática” (docente).
É nesse cenário (e em cenários futuros, já de atuação pro�ssional) que pode
desenhar-se, portanto, uma determinada relação entre teoria e prática.
No caso dos cursos que estão sendo aqui focalizados (cursos de licenciatura
em Ciências Biológicas), cabe distinguir, em primeiro lugar, dois campos mais
ou menos paralelos (e às vezes interligados) de articulação entre teoria e prática:
(1) o campo da Biologia, em que a teoria e a prática aparecem como
elementos do trabalho do biólogo; note-se que o conhecimento da
“prática” que se desenvolve aqui (por exemplo, o conhecimento de
procedimentos do trabalho de laboratório) não garante, por si só, a
atuação bem-sucedida em situações futuras de “prática” da docência;
(2) o campo do ensino (de Ciências e Biologia), em que a teoria e a
prática aparecem como elementos do trabalho do professor (de Ciênciase Biologia).
Concentraremos nossa análise principalmente na tentativa de compreender
a relação entre teoria e prática no campo do ensino.
No campo em questão (o do ensino), a “teoria” pode ser entendida como
produ ção acadêmica em educação, e aparece nos cursos de licenciatura com o
intuito de que o futuro professor construa “saberes da formação pro�ssional”
(TARDIF, 2004), os quais possam funcionar como subsídios efetivos para a
estruturação e desenvolvimento da “prática” (da docência).
A relação que se busca entre teoria e prática, no entanto, não é a mesma
que as concepções tecnicistas defendem.
Entende-se que os conhecimentos acadêmicos em educação auxiliam o
professor a formar uma teoria pessoal e fundamentada sobre ensino. Essa
“teoria” pessoal se relaciona com as situações da “prática” por meio de um
movimento permanente de diálogo, no qual ambos os polos modi�cam-se
mutuamente. De um lado, a teoria (pessoal do professor) fornece subsídios
para o planejamento, a condução, a análise, a avaliação e o aperfeiçoamento da
prática; de outro lado, a prática fornece elementos de feedback importantes
para a construção de “saberes experienciais” (TARDIF, 2004) e para a contínua
revisão da teoria. Trata-se, pois, de um processo que tem como um de seus
pilares a atividade de re�exão sobre a prática, sobre a teoria e sobre articulação
entre teoria e prática na busca dos objetivos propostos para as diferentes etapas
de ensino.
Por exemplo: um professor, em parte por in�uência da “teoria” a que ele
teve acesso (produção acadêmica em educação), e em parte por in�uência de
sua experiência de trabalho (conhecimento sobre como os alunos interagem
com as situa ções de aula), incluiu em sua teoria pessoal de ensino a convicção
de que vale à pena envolver os alunos em processos de indagação acerca dos
fenômenos naturais; ele então planeja e desenvolve um conjunto de aulas que
se inicia com as perguntas dos alunos sobre os animais de um jardim zoológico,
e que tem prosseguimento com uma visita ao zoo da cidade; conforme essas
atividades avançam, porém, o professor precisará avaliar passo a passo os
diversos acontecimentos de aula (isto é, das situações da prática), a �m de
ajustar a proposta inicial às necessidades de aprendizagem dos alunos
(BASTOS, 2008); nesse processo, o professor também estará avaliando e
eventualmente revisando diversos aspectos de sua teoria pessoal, à medida que
esses aspectos se mostrem adequados ou não como elementos norteadores da
prática; o professor pode notar a necessidade, por exemplo, de estratégias que
limitem ou direcionem os questionamentos dos alunos, para que as aulas não
percam seu foco.
Assim, considerando as descrições aqui apresentadas, o professor que se
pretende formar é aquele que se educa como um pro�ssional re�exivo ou ainda
como um intelectual crítico (MARCELO GARCÍA, 1999; CONTRERAS,
1997; TARDIF, 2004).
Tal professor considera a produção acadêmica em Didática e outras áreas
dos estudos em educação e é capaz de utilizar essa produção como um dos
elementos importantes para uma re�exão que vise ao aperfeiçoamento do
ensino oferecido a seus alunos.
Em síntese, entendemos a Didática como campo de estudos cuja produção
busca contribuir para a formação de um professor que articule teoria e prática
de maneira re�exiva e, lançando mão das especi�cidades de sua área de atuação
(Biologia, Física, Química etc.), permita o desenvolvimento do aluno como
sujeito que compreende e atua em seu meio social.
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1 Professora Adjunta do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp – Bauru, SP; e
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP
(anacaldeira@fc.unesp.br).
2Professor Assistente Doutor do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências, Unesp –Bauru.
SP; e do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência, Unesp – Bauru, SP
(bastos@fc.unesp.br).
3 Nesse caso, a situação considerada “natural” no âmbito do processo de instrução era aquela em que as
pessoas aprendiam principalmente (ou exclusivamente) por condicionamento.
II. A Transposição Didáctica e o Ensino da Biologia
Graça Simões de Carvalho1
Neste capítulo aborda-se, numa primeira parte, os conceitos e as
controvérsias à volta da didáctica e, numa segunda parte, a origem, o
desenvolvimento e a aplicação do modelo de transposição didáctica. Assim, no
início do capítulo refere-se a divergência quanto a interpretação do termo
didáctica entre línguas latinas e a língua inglesa, a preocupação de associar as
didácticas às suas disciplinas especí�cas dos saberes, bem como a confusão
entre didáctica e pedagogia e ainda a ânsia da distinção entre estas duas
Ciências que, embora distintas, trabalham a mesma realidade: a sala de aula.
Depois daapresentação de uma colectânea de enunciados de diversos autores,
tentando de�nir didáctica, a primeira parte deste capítulo termina com alguns
princípios norteadores de estudos em didáctica.
Na segunda parte, refere-se a origem do conceito de transposição didáctica
(TD) emergente na área da didáctica da matemática e a sua apropriação pelas
didácticas em Ciências, em especial pela didáctica da Biologia. É dada ênfase à
importância das práticas sociais de referência e dos valores ( modelo KVP)
subjacentes aos conteúdos de ensino na transposição didáctica e apresenta-se,
como exemplos, alguns dados obtidos no desenvolvimento do projecto
BIOHEAD -CITIZEN que envolveu a comparação da transposição didáctica
de conteúdos socialmente controversos de Biologia (reprodução, Genética,
educação para a saúde, educação ambiental, evolução) para manuais escolares
de 19 países, dentro e fora da Europa. Esta segunda parte termina com a
apresentação do modelo de demora da transposição didáctica (DTD), que se
reporta à diferença de tempo entre a data da publicação do trabalho cientí�cos
e a sua entrada nos programas escolares e nos manuais, fortemente dependente
dos valores e das práticas sociais. Este capítulo termina enfatizando a relevância
da utilização destes modelos didácticos como instrumentos valiosos para
estudos em didáctica, nomeadamente na didáctica da Biologia.
1. Didáctica: Conceitos e controvérsias
Tanto quanto se sabe o termo didáctica foi inicialmente proposto pelo
fundador da teoria pedagógica, Jan Amos Komensky, mais conhecido por
Comenius (15921670), que escreveu a famosa obra Didactica Magna,
publicada em 1657, em latim, tendo então lançado “as fundações para uma
nova pedagogia centrada na experiência, em exemplos concretos, em métodos
intuitivos e dando atenção à ordem pela qual os estádios de desenvolvimento se
seguem uns aos outros” (LEGENDRE, 1993, p. 357).
1.1. Didácticas especí�cas (ou disciplinares)
O termo didáctica tem origem na palavra grega didaktikos que signi�ca
“ciência, ou ramo auxiliar da pedagogia que se ocupa dos métodos e técnicas
do ensino em geral; conjunto de métodos e técnicas especí�cas do ensino de
uma determinada disciplina” (ACL, 2001, p. 1251) mas na língua inglesa, o
conceito de didactics evoluiu culturalmente num sentido considerado
pejorativo como “tendo a feição de um professor autoritário” (SYKES, 1982, p.
266) ou “uma tendência para instruir ou dar lições” (CHEVALLARD, 1999,
p. 6), muito associado à perspectiva “behaviorista” do ensino (HOPMANN,
1992), o que tem di�cultado a incorporação desta designação – como por
exemplo, Didactics of Biology – no seio dos investigadores anglófonos que
estudam os processos de ensino-aprendizagem de uma dada disciplina – como
por exemplo, Biologia.
Pelo contrário, o termo didáctica nas diversas línguas latinas e também em
alemão, didaktik, refere-se ao estudo cientí�co de uma dada realidade de
ensino-aprendizagem, ou seja, à conceptualização das preocupações cientí�cas
que distinguem a vida de uma dada disciplina em função dos saberes a serem
ensinados e aprendidos. É por isso que a didáctica não deve ser entendida
como uma disciplina por si só, mas antes pelo contrário,devem existir tantas
didácticas quanto as disciplinas dos diversos saberes(TOCHON, 1999). A
investigação em didáctica teve o seu primeiro forte avanço na área do ensino da
matemática (CHEVALLARD, 1985; BROUSSEAU, 1986; 1998), tendo-se
depois estendido ao ensino das Ciências, como é o caso da didáctica da
Biologia (ASTOLFI et al., 1997; CLÉMENT, 1998; DE VECHI e
GIORDAN, 2002).
As diversas didácticas especí�cas (Didáctica da Biologia, Didáctica da
Matemática, Didáctica da Língua Portuguesa, etc.) desenvolvem-se “em séria
investigação, com fortes raízes nos seus respectivos saberes, analisados neles
próprios e para eles próprios, realizada por especialistas de disciplinas, por
formadores de professores, e por e com os professores de disciplinas”
(TOCHON, 1999, p. 10). Neste sentido, a didáctica de uma disciplina
descreve e desenha o processo de ensino -aprendizagem, numa perspectiva
construtivista da aprendizagem (MORF, 1994), tendo em consideração os
clássicos três aspectos fundamentais do triângulo didáctico (DEVELAY, 1992):
o aluno – o saber disciplinar – o professor (Figura 1). Com este modelo,
DEVELAY (1992, p. 74) passa em revista “os conceitos reivindicados pela
didáctica das Ciências e da matemática: os conceitos de representação (ou
concep ção), de transposição didáctica e de contrato didáctico” (Figura 1),
assuntos que tratamos na segunda parte deste capítulo (item 2.2).
Figura 1 – O triângulo didáctico.
1.2. Na confusão entre didáctica e pedagogia
Trabalhando numa perspectiva de análise social e �losó�ca do fenómeno
educacional, também Bertrand (1979; 1995), Houssaye (1979; 1988) e
Bertrand e Houssaye (1999), têm vindo a desenvolver modelos do triângulo
pedagógico que assentam em dois princípios fundamentais (BERTRAND e
HOUSSAYE, 1999, p. 45):
(1) Cada situação pedagógica inclui relações entre aluno, saber e
professor.
(2) Toda a abordagem de ensino, seja ela pedagógica ou didáctica,
focaliza-se prioritariamente em certas relações de entre certos
componentes estruturantes e reduz as outras relações a um status
secundário.
Estes autores caracterizam o triângulo pedagógico com quatro
componentes principais: o aluno – o saber a ensinar – o professor/sociedade –
as interacções pedagógicas entre os anteriores três elementos (Figura 2). A
alusão à sociedade refere-se ao facto de outras pessoas, que não o próprio
professor (o mundo em geral, o ambiente), sendo que o professor desempenha
um papel determinante nas interacções pedagógicas (BERTRAND e
HOUSSAYE, 1999).
Figura 2 – O triângulo pedagógico.
Estamos, pois, perante dois modelos idênticos – o triângulo didáctico e o
triângulo pedagógico – que re�ectem em si mesmo a confusão existente entre
os conceitos de didáctica e de pedagogia. Na verdade, a didáctica e a pedagogia
referem-se a uma mesma realidade, a sala de aula. Diversas de�nições de
didáctica (ver mais adiante – p. 38) referem-se frequentemente a questões
pedagógicas e ao contexto pedagógico, no entanto os didactas tendem a marcar
distinção entre estas duas abordagens, considerando “a pedagogia mais geral
que a didáctica, menos cientí�ca e por isso com menor status” (BERTRAND e
HOUSSAYE, 1999, p. 41). Mas esta é uma matéria de grande controvérsia já
que, por exemplo, por um lado podemos veri�car que Meirieu (1993) assume
que a pedagogia se refere aos objectivos educacionais e a didáctica aos
programas e métodos e Mialaret (1976) considera que a didáctica é uma
componente da pedagogia, enquanto que Mialaret (1982)2 diz precisamente o
contrário.
A distinção entre estas duas abordagens é, de facto, difícil, uma vez que,
como acima referimos, ambas actuam na mesma realidade da sala de aula. Os
didactas tendem a focalizar-se mais nas aprendizagens de um dado conteúdo
do que na relação professor-aluno como é apanágio dos pedagogos. No
entanto, quanto mais os didactas se prendem nos processos de aprendizagem
(incluindo a Psicologia cognitiva), mais tendem a afastar-se da realidade e da
complexidade do contexto da sala de aula, pelo que precisam, por outro lado,
de recorrer aos contextos de sala de aula (diversidade social, multicultural,
plural).
Assim, podemos considerar dois polos de abordagem em que a didáctica se
preocupa sobretudo com a investigação das aprendizagens dos conteúdos,
enquanto que a pedagogia tem principalmente em conta a complexidade da
sala de aula para as aprendizagens. Os didactas e os pedagogos exercem a sua
actividade ao longo de um continuum entre estes dois polos – um polo
focalizado nos processos de aprendizagem (didáctica) e outro na complexidade
da sala de aula (pedagogia) –, não se encontrando neste continuum uma clara
zona de distinção entre a didáctica e a pedagogia.
Figura 3 – O continuum da actividade dos Didactas e dos Pedagogos na
mesma realidade, a sala de aula.
1.3. Tentando de�nir Didáctica

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