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Tópicos em Ensino de Química 2 3 Tópicos em Ensino de Química COMISSÃO AUTORAL: Eliana Moraes de Santana (Organizadora) Erivanildo Lopes da Silva (Organizador) Maria Eunice Ribeiro Marcondes Daisy de Brito Rezende Rita de Cássia Suart Simone Alves de Assis Martorano Leonardo Maciel Moreira Michele Marcelo Silva Bortolai Camila Strictar Pereira Marcos Vogel Camila Fernandes Mari Elaine Angelina Colagrande Ivete Maria dos Santos Viviane Borges Dias Rafaela Rocha de Oliveira 4 Copyright © dos autores Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos dos autores. Eliana Moraes de Santana; Erivanildo Lopes da Silva [Organizadores] Tópicos em ensino de Químicas. São Carlos: Pedro & João Editores, 2014. 252p. ISBN 978‐85‐7993‐1??‐? 1. Ensino de Química. 2. Formação de professores. 3. Aulas de Química. 4. Autores. I. Título. CDD – 370 Capa: Marcos Antonio Bessa‐Oliveira, Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito Conselho Científico da Pedro & João Editores: Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Nair F. Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Rogério Drago (UFES/Brasil). Pedro & João Editores www.pedroejoaoeditores.com.br 13568‐878 ‐ São Carlos – SP 2014 5 SUMÁRIO Prefácio Maria Eunice Ribeiro Marcondes Apresentação Daisy de Brito Rezende Capítulo 1: Contextualização no Ensino de Ciências: significados e epistemologia Erivanildo Lopes da Silva e Maria Eunice Ribeiro Marcondes Capítulo 2: O uso de Temas Químicos Sociais como proposta de ensino de Química Marcos Vogel e Camila Fernandes Mari Capítulo 3: A Experimentação no Ensino de Química: Conhecimentos e Caminhos Rita de Cassia Suart Capítulo 4: A História e Filosofia da Ciência no Ensino de Química: Uma proposta para o ensino de Cinética Química. Simone Alves de Assis Martorano e Maria Eunice Ribeiro Marcondes Capítulo 5: O Teatro na Educação em Ciências: Articulações Leonardo Maciel Moreira e Daisy de Brito Rezende Capítulo 6: Ludicidade, Atividades Lúdicas e Jogos como instrumentos mediadores da aprendizagem de Ciências Naturais Eliana Moraes de Santana e Daisy de Brito Rezende 7 11 15 37 63 89 115 139 6 Capítulo 7: O conceito de mol: estratégia de ensino por meio de um jogo virtual educativo Elaine Angelina Colagrande Capítulo 8: A Teoria das Representações Sociais como ferramenta para pesquisa e ensino (de Química) Camila Strictar Pereira e Daisy de Brito Rezende Capítulo 9: As aulas de Química e as relações colaborativas em relatos de práticas discentes Michele Marcelo Silva Bortolai Capítulo 10: Formando professores de Ciências Naturais para Educação Inclusiva: em foco o currículo dos cursos de licenciatura em Química das Universidades Estaduais Baianas. Ivete Maria dos Santos, Viviane Borges Dias e Rafaela Rocha de Oliveira. Sobre os autores 173 197 211 233 249 7 PREFÁCIO As Ciências da Natureza são hoje consideradas uma das ferramentas que nos auxiliam a compreender melhor o mundo físico e intervir na realidade. Assim, o ensino de ciências ganha uma dimensão relevante para a promoção de uma alfabetização científica que possibilite aos jovens mobilizar seus conhecimentos para julgar e tomar suas próprias decisões. As pesquisas em ensino de ciências e nossas próprias experiências como professores têm mostrado que o processo ensino‐aprendizagem das disciplinas científicas é complexo. Reportando‐nos especificamente ao ensino e aprendizagem de Química, tema desta obra, reconhecemos, por um lado, a riqueza de situações sociais, políticas, tecnológica, econômicas e ambientais que essa ciência propicia para que se possa efetivar, em sala de aula, uma educação científica cidadã. Por outro lado, reconhecemos que a aprendizagem da Química, para além da memorização, não é um processo simples, pois envolve processos cognitivos de altas ordens, uma vez que a compreensão dos fenômenos químicos requer que se construam explicações ao nível das partículas submicroscópicas, das interações interatômicas e intermoleculares, que se estabeleçam relações entre as propriedades, mensuráveis, e os modelos idealizados da estrutura da matéria. Ainda, não podemos nos esquecer do papel que a linguagem química tem, podendo ser uma ferramenta útil para a representação das transformações químicas, das substâncias, mas que, muitas vezes, é tão enfatizada que transforma a aprendizagem dessa ciência em evocações memorísticas sem que os alunos atribuam significados a tal linguagem. Além desses aspectos, devemos considerar, também, como o ensino das ciências, incluindo a Química, pode influenciar a visão dos alunos sobre a natureza da ciência. Sabemos que a ciência é associada, no senso comum, ao estabelecimento de verdades, geralmente incontestáveis. Assim, outro desafio nada trivial do ensino de Química é contribuir para que os estudantes construam uma visão 8 mais realista sobre a ciência, que entendam a ciência como uma construção humana, histórica social, com avanços, entraves e disputas. Trazer subsídios para que possamos aprofundar nossas reflexões sobre os problemas de ensino da química e apresentar propostas de sugestões visando buscar caminhos para a superação desses problemas é o objetivo deste livro. Escrito por novos pesquisadores, a obra apresenta resultados de projetos de investigações desenvolvidos por eles durante o período em que se dedicaram a seus estudos de pós‐graduação. Os autores, em sua maioria, são oriundos do Programa de Pós‐Graduação Interunidades de Ensino de Ciências, da Universidade de São Paulo, do qual fazem parte o Instituto de Física (IFUSP), o Instituto de Química (IQUSP), o Instituto de Biociências (IBUSP) e a Faculdade de Educação (FEUSP). Os autores realizaram seu mestrado acadêmico no Programa, um deles completou o doutorado e outros, atualmente, estão desenvolvendo seus estudos de doutorado, neste ou em outros Programas de Pós‐ Graduação. O Programa Interunidades surgiu em 1973, com o oferecimento do mestrado em ensino de Física. Nessa época, faziam parte o IFUSP e a FEUSP. A partir de 1999, o Programa passou a oferecer o mestrado em ensino de Química, com a inclusão do IQUSP. O mestrado em ensino de biologia se iniciou alguns anos depois, em 2006, abrangendo, então o IBUSP. O Programa Interunidades passou a oferecer, em 2009, o doutorado em ensino de física e em ensino de química. Atualmente, está em andamento o projeto de inclusão do doutorado em ensino de biologia. Esse Programa já formou centenas de mestres, tem uma grande relevância no cenário nacional, com vários de seus ex‐alunos participando de grupos de pesquisa e do ensino de graduação de muitas universidades brasileiras. Os autores são, em sua maioria, docentes de universidades federais, em diferentes regiões do país. Também, vários deles foram ou são, atualmente, professores de Química de ensino médio. Assim, essas 9 experiências lhes conferem uma vivência dos problemas de sala de aula, objeto de muitas das pesquisas realizadas por eles. Os vários capítulos que compõem a obra abrangem uma gama variada de assuntos importantes no ensino de química, desde propostas de estratégias para o ensino de conceitos,reflexões sobre abordagens de ensino, aprendizagem, até a formação de professores e a pesquisa em ensino de química, trazendo sugestões, análises, discussões que contribuem para o aprofundamento de nossos conhecimentos, tanto no âmbito teórico quanto no prático. O ensino do conceito de mol, assunto considerado de difícil cognição, é tratado no capítulo 7, em que uma estratégia de jogo virtual é apresentada. Os capítulos 6 e 5 discutem, respectivamente, o emprego de jogos e atividades lúdicas e jogos teatrais como mediadores do processo de ensino‐aprendizagem. Quanto a abordagens, tem‐se no capítulo 3, uma discussão sobre atividades experimentais no ensino; no capítulo 4 é apresentada uma experiência de inserção da história e filosofia da ciência nas aulas de Químicas, particularmente no ensino de cinética química; os capítulos 1 e 2 tratam de questões relativas à contextualização social do ensino de Química, o capítulo 1 apresentando uma discussão teórica sobre o tema e o capítulo 2 voltando‐se a aspectos mais práticos dessa temática, discutindo o emprego de temas sociais relacionados à Química. A aprendizagem de conceitos, especificamente de transformação química, substância e mistura, é discutida no capítulo 9, com o relato de uma experiência de ensino que se foi analisada a construção desses conceitos pelos alunos. A formação de professores de ciências para a educação inclusiva é o tema do capítulo 10, em que é discutido como as universidades vêm contemplando, na prática, tal temática. A teoria das representações sociais, na pesquisa e no ensino de Química, é tratada no capítulo 8, apresentando suas potencialidades para a identificação de concepções e representações sobre a ciência dos diversos grupos sociais envolvidos no universo da escola. A leitura dessa obra, escrita por educadores e fruto de seus trabalhos de pesquisa, muito poderá contribuir para ampliarmos 10 nossos conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem da Química, para que tenhamos uma visão abrangente da pesquisa em ensino de ciências e para que possamos refletir sobre nossas práticas de ensino. As interações entre a prática de ensino e a pesquisa aqui tratadas e aprofundadas, certamente, nos auxiliarão a vislumbrar possibilidades de intervenção tendo em vista a melhoria da educação em Química de nossos alunos. Profa. Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes IQ‐Universidade de São Paulo 11 APRESENTAÇÃO Um dos grandes desafios de qualquer país que pretenda ter condições mínimas para o exercício da democracia é o de construir um sistema público de educação que garanta um ensino de qualidade a todos seus cidadãos. Esta ideia não é nova, sendo a base do ideal republicano de educação francês, já no final do século XVIII. Hoje em dia, mais ainda, o acesso à instrução de qualidade constitui‐se em um dos direitos fundamentais de qualquer ser humano, em sociedades em que os indivíduos dependem, cada vez mais, de sua capacidade de obtenção, seleção e julgamento da enorme quantidade de informações úteis e inúteis com as quais são confrontados diariamente, para que possam compreender o contexto em sua tomada de decisões. Neste contexto, o papel do ensino das Ciências da Natureza é da maior relevância. Por sua própria natureza epistemológica, a compreensão mais ampla da complexa relação entre o mensurável e os modelos/hipóteses/teorias que orientam e, por outro lado, decorrem dessas observações podem contribuir para minimizar o dogmatismo e os preconceitos. Onde não há lugar para verdades absolutas, não há porque exibir um apego desmedido por quaisquer ideias. Por outro lado, a percepção clara do papel do Homem na construção das Ciências Naturais possibilita não só apreciar a beleza desse empreendimento, como perceber, mais facilmente, que ele é moldado por fatores econômico/ histórico/sociais. Em outras palavras, a Química não está em todo lugar e jamais está no dia a dia. O que está em todo lugar são os fenômenos naturais, que inspiraram a elaboração das respectivas disciplinas porque de fato, os olhares da Física, da Química, da Biologia e das Geociências sobre a Natureza são diferenciados e é bom que o sejam, porque a época do Iluminismo já se extinguiu há muito. Estamos na era dos 12 trabalhos em equipes multidisciplinares que possam, eventualmente, chegar a produzir saberes transdisciplinares. Neste pano de fundo, surge este livro, condensando alguns trabalhos de pesquisa acadêmica sobre Ensino de Química, muitos deles desenvolvidos durante os estudos pós‐graduados dos autores no Programa Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo, um programa pioneiro em sua configuração multidisciplinar, como detalhado no prefácio escrito pela Dra. Maria Eunice Ribeiro Marcondes, do Instituto de Química daquela instituição de ensino. Os artigos agrupados neste livro trazem contribuições importantes no que tange a aspectos teóricos (Capítulos 1, 3, 5 e 8) ou à prática do Ensino de Química (2, 4, 6 ,7, 9 e 10) em sala de aula, no Brasil. Assim, há propostas de abordagens lúdicas, tendo sido aprofundados aspectos teórico‐metodológicos envolvidos na adoção desta abordagem em sala de aula. Fundamentalmente, os autores defendem que a prática das atividades lúdicas possa exercer um papel muito mais importante do ponto de vista cognitivo do que aquele da simples memorização, que tem sido a proposta subjacente à maioria das atividades relatadas na literatura no Brasil e no exterior (Capítulos 5, 6 e 7). As atividades lúdicas podem contribuir para o desenvolvimento de várias habilidades tais como: argumentação, trabalho em grupo e redação. Os dois Capítulos iniciais abordam o importante problema da contextualização, cotidianidade e temas sociais nos processos de ensino e aprendizagem de Química, tema importante tanto nos documentos que regem a educação em nosso País, como no exterior, em que se discute, cada vez mais, não só como ensinar, mas o que ensinar. A resposta a estas indagações implica na definição clara de valores que possam nortear as decisões adotadas. Nos Capítulos 3 e 4, são abordados dois aspectos centrais para a compreensão da Química: o papel da experimentação, em que se faz uma retrospectiva sobre esta temática e o ensino de cinética, em que se apresenta uma proposta de ensino. 13 No Capítulo 8 há uma apresentação da Teoria das Representações Sociais, proposta por Serge Moscovici, que se tem mostrado uma ferramenta interessante para a compreensão de concepções do chamado “saber comum”, de vários grupos sociais, nos mais diversos campos, desde a saúde púbica aos bancos escolares. Já o Capítulo 9 são discutidos os processos de ensino e aprendizagem sob a perspectiva sócio‐construtivista, no qual é analisado a estruturação cognitiva dos conceitos químicos: transformação, substância e mistura, através de atividades realizadas com os alunos em um laboratório conjugado com sala de aula. Finalmente, no Capítulo 10 é abordada a educação inclusiva e a formação de professores em distintas universidades baianas, objetivando contemplar essa temática nos currículos dos cursos de licenciatura em Química. A principal beleza do Ensino de Ciências é que o saber pode ser libertador. Por isso, é importante a pesquisa acadêmica sobre os processos de ensino e aprendizagem e o compartilhar de seus resultados, que possam contribuirpara melhorar este ensino. Mais do que prescrição, nossa ambição é de que esses estudos possam suscitar novas dúvidas e questionamentos e novos temas de pesquisa, ampliando o diálogo, tão necessário para que nossas reflexões possam ser mais efetivas. Como pesquisadora da área e professora desde muito tempo, não posso me furtar a dizer que é nossa obrigação cidadã exigir um ensino público de qualidade, em todos os níveis, em nosso País. Mais do que tudo, a real implementação de nossas propostas implica em uma política de Estado para a Educação no Brasil porque o ensino, de uma maneira geral, assim como o ensino de Ciências, não pode ficar à mercê do governante da vez. Enquanto não houver melhores condições de trabalho (escolas em tempo integral para alunos e professores) e valorização real da profissão (salários compatíveis com as responsabilidades inerentes à profissão), continuar‐se‐á a produzir bons trabalhos de pesquisa, e há obrigação de fazê‐lo, mas os professores da rede pública continuarão com poucas condições práticas de fazer mudanças. Não se alteram contextos por voluntarismo, mas pela mudança objetiva das condições: na Finlândia, 14 a carreira de professor é uma das mais disputadas no Ensino Superior, porque há real valorização social da função. Só palavras não bastam. Profa. Dra. Daisy de Brito Rezende Instituto de Química Universidade de São Paulo 15 CAPÍTULO 1: CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS: SIGNIFICADOS E EPISTEMOLOGIA Erivanildo Lopes da Silva Universidade Federal de Sergipe Maria Eunice Ribeiro Marcondes Universidade de São Paulo APRESENTAÇÃO Ao professor é apresentado o desafio, bastante complexo, de contribuir para a formação dos alunos enquanto cidadãos críticos e preocupar‐se, ainda, com os conhecimentos a serem ensinados a eles. Nesse sentido, a contextualização dos conteúdos ensinados vem sendo apresentada como uma possibilidade relevante no processo de ensino e aprendizagem. Existem muitos discursos favoráveis a ideia de formar o aluno para exercer uma cidadania crítica e que, para esse fim, a contextualização é importante. Porém, mesmo interessados em colocar as ideias de contextualização em suas salas de aula, o entendimento manifestado por muitos dos professores sobre esse tema parece ser superficial. Diferentes enfoques teóricos e metodológicos procuram dar significado ao ensino contextualizado, como se pode depreender de documentos oficiais como os PCNEM (Brasil, 1999) e os PCN+ (Brasil, 2003) e de trabalhos de pesquisa acadêmica. Em meio a essas ponderações, neste capítulo procura‐se problematizar conceitualmente e epistemologicamente as possíveis ideias de contextualização. 16 CONTEXTUALIZAÇÃO E COTIDIANO NO ENSINO DE CIÊNCIAS A contextualização é defendida por diversos educadores, pesquisadores e grupos ligados à educação como um “meio” de possibilitar ao aluno uma educação para a cidadania concomitantemente à aprendizagem significativa de conteúdos. A contextualização se apresenta como um modo de ensinar conceitos das ciências ligados à vivência dos alunos, seja ela pensada como recurso pedagógico ou como princípio norteador do processo de ensino. Então, trata‐se de pensar numa abordagem que busque estreitar a relação entre conceitos e contextos, com vistas a ensinar para a formação do cidadão. Esse debate se potencializou na década de 1990, a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). Esse documento oficial sugere que, partindo de estudos preliminares do cotidiano, o aluno pode construir e reconstruir conhecimentos que permitam uma leitura mais crítica do mundo físico e possibilitem tomar decisões fundamentadas em conhecimentos científicos, favorecendo o exercício da cidadania (BRASIL, 1999). Mais tarde, em 2002, outro documento oficial ajudou a ampliar a discussão sobre contextualização no ensino de Ciências. Nesse material é proposto que a contextualização contribua para dar significação aos conteúdos, facilitando assim, o estabelecimento de relações desses conteúdos com outros campos do conhecimento (Brasil, 2002). Para tal, o ensino deve enfatizar situações problemáticas reais, de forma crítica, que possibilitem ao aluno desenvolver competências e habilidades específicas como analisar dados, informações, argumentar, concluir, avaliar e tomar decisões a respeito da situação. Recentemente, em 2006, foram publicadas as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) que, por sua vez, reforçam a contextualização como norteador das abordagens de ensino. É nítida a importância atribuída à contextualização no ensino de Ciências por esses documentos, contudo, neles, é incipiente uma discussão epistemológica a respeito. A discussão nesse âmbito é realizada na esfera da pesquisa acadêmica. Podemos destacar nesse sentido, um dos primeiros 17 trabalhos sobre a contextualização no ensino de Química, pós PCNEM, realizado por Santos e Mortimer (1999). Os autores, ao investigarem as concepções de um grupo de professores, identificaram três diferentes entendimentos: contextualização como estratégia de ensino‐ aprendizagem para facilitar a aprendizagem, contextualização como descrição científica de fatos e processos do cotidiano do aluno e contextualização como desenvolvimento de atitudes e valores para a formação de um cidadão crítico. Numa discussão mais conceitual, González (2004) apresenta três possíveis dimensões para a contextualização. A primeira se refere à contextualização histórica, que se caracteriza por mostrar como e porque surgem as ideias e teorias científicas, uma espécie de entendimento dos contextos históricos que envolveram os estudos dos cientistas em suas épocas. Na segunda dimensão, a contextualização metodológica, o autor aponta que os conceitos não devem ser postos como fins em si mesmos, que estes, na sua gênese, sofreram influências de conhecimentos das diversas áreas do conhecimento humano. Por último, a dimensão da contextualização socioambiental, que se caracteriza como um modo de ver a utilidade da ciência em nosso entorno e no modo de interagir com o mundo. Esses enfoques são mais atuais e parecem relegar ao esquecimento uma ideia já existente no ensino de Química, o estudo sobre o cotidiano. Não se trata de afirmar que contextualização e cotidiano no ensino têm o mesmo significado, embora algumas convergências existam. Um estudo pormenorizado e comparativo entre os dois conceitos podem auxiliar a compreender as diferenças e aproximações entre essas duas vertentes. O renomado estudioso do Ensino de Química, Mansur Lutfi (1992), apresenta algumas possíveis contribuições para fomentar esse debate, pois traz em seu estudo diferentes interpretações para o cotidiano no ensino. Segundo o autor, uma dessas abordagens caracteriza‐se pela exploração de sensacionalismos e curiosidades para realizar aproximações entre os conceitos que se quer ensinar e o contexto, chamado de cotidiano. O professor recorre a exemplificações de fatos ligados à vivência do aluno para ilustrar conteúdos que estão apresentadas sendo 18 abordados, ou responde a curiosidades trazidas pelos alunos, numa abordagem apenas superficial desses fatos. Mas, podem ocorrer entendimentos menos simplistas, como a introdução de tópicos referentes a contextos sociais, relacionados ao tema científico em estudo,como, por exemplo, a descrição do processo industrial de produção de ácido sulfúrico quando o professor está abordando ácidos. O conteúdo químico em si, entretanto, é o mais importante. Lutfi é contrário a essas concepções de cotidiano apresentadas, e, apoiando‐se nas ideias de cotidiano de Agnes Heller1, e utilizando a frase “buscar extrair conhecimentos extraordinários do ordinário”, propõe entender como o conhecimento escolar (conceitual) que estudamos aparece em nossa vida diária (contexto). Para o autor, o cotidiano vai além de uma mera ligação de conceitos químicos com problemas sociais, nesse sentido o conteúdo químico passa a ser instrumento necessário para o aluno entender e modificar o meio social. O termo cotidiano há tempos tem se caracterizado por uma abordagem de conhecimentos científicos com alusões a situações ligadas ao dia a dia das pessoas. Chassot (2001) ressalta que o ensino que promove o estudo do cotidiano dessa forma virou uma espécie de modismo, que traz embutido o propósito de ensinar pura e simplesmente os conceitos científicos. Para o autor, há um reducionismo nessa perspectiva de relacionar contexto e conceito. Assim, adotar o estudo de fenômenos e fatos do cotidiano pode recair numa análise superficial de situações vivenciadas por alunos e professores, que por diversos fatores, não são problematizadas e, consequentemente, não analisadas numa dimensão mais sistêmica, como parte do mundo físico e social. Embora algumas abordagens do cotidiano possam ser questionadas elas trazem, intuitivamente, o objetivo maior de pensar a formação do aluno com vistas à compreensão de sua realidade social, por vezes socialmente desfavorável. Então, visando dirimir visões equivocadas e colocar esse objetivo numa perspectiva mais tangível, Lutfi (1992) defende sua teoria social, pois afirma que só com a reflexão sobre o 1 HELLER, A. Cotidiano e história. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1989. 19 cotidiano é que se pode impedir a alienação da vida cotidiana. Assim, o estudo dos aspectos da vida cotidiana, nessa óptica, pode ser um campo muito rico para ser explorado no ensino de Química. Trata‐se de pensar os aspectos sociais do cotidiano como fonte de problematização a ser analisada com base no conhecimento científico. Dessa forma, o conceito químico é apresentado em função do contexto, sendo que essas duas esferas não são mais ou menos importantes uma em relação a outra. O cotidiano, numa perspectiva social, impõe inevitavelmente uma discussão das ideias de libertação propostas por Paulo Freire (1987, 2002, 2004). Para Freire, não existe educação neutra, ela é vista como construção e reconstrução de significados de uma dada realidade e prevê a ação do homem sobre essa realidade (FEITOSA, 1999). “A compreensão da realidade social, e consequentemente a sua transformação, acontecem por meio de codificações e decodificações da realidade concreta do educando” (FREIRE, 2002). O ensino, nessa perspectiva, parte de saberes práticos do aluno, dos saberes de senso comum, dos saberes populares, porém sem ficar preso a eles. Para tal, Freire propôs um método próprio de ensinar, mundialmente conhecido e reconhecido, no qual são defendidas a politização e a dialogicidade do ato educativo. A aprendizagem sob a perspectiva político‐pedagógica do método de Paulo Freire (2002) envolve determinadas etapas: • Investigação temática – pesquisa do universo vocabular e do modo de vida das pessoas da localidade (Estudo da Realidade). A coleta de dados não deve ser rígida como na pesquisa tradicional, deve procurar investigar como o educando sente e vive sua realidade. Da vida do educando são desvelados os conhecimentos a serem trabalhados. • Tematização/codificação – O autor salienta a importância da seleção de palavras geradoras que impliquem nos temas geradores que, por sua vez, permitam interdisciplinaridade ‐ distribuição pelas ciências dos homens (BRANDÃO, 2006) ‐, aprendizagem global, não fragmentada e ainda possibilite integração entre contexto concreto e teórico. 20 • Problematização/decodificação – etapa de problematizar, levantar questões a respeito dos conhecimentos que integram o tema gerador e, principalmente, questões sociais relacionadas a ele. Este é o momento em que o professor deve propiciar aos alunos um estudo da situação problema embasado em conhecimentos das ciências (BRANDÃO, 2006), possibilitando aos alunos um novo olhar para o problema, uma nova forma de entendê‐lo e consequentemente superá‐lo. Freire (2002) chama a atenção que não é simplesmente distribuir os conhecimentos sistematizados, é procurar por meio da dialogicidade uma síntese entre esse conhecimento e o conhecimento menos sistematizado do aluno. Assim, um estudo do cotidiano não é apenas ficar no campo da exemplificação de aspectos do dia a dia das pessoas. Também não é usar o cotidiano como “trunfo” para motivar os alunos a aprenderem conteúdos científicos, muito menos “camuflar” com fatos e fenômenos do dia a dia o ensino de Ciências. Nesta perspectiva, podemos afirmar que cotidiano e contextualização são sinônimos. CONTEXTUALIZAÇÃO COMO PROBLEMATIZAÇÃO DA ESFERA SOCIAL E O MOVIMENTO CTS Levando em consideração os entendimentos aqui apresentados sobre o cotidiano e a contextualização no ensino de Ciências, pode‐se afirmar que há aproximações com algumas das ideias do movimento CTS (Ciência‐Tecnologia‐Sociedade). Ao ensino de Ciências com enfoque CTS delega‐se a função de preparar os futuros cidadãos para que participem ativamente no processo democrático de tomada de decisões na sociedade. Para tal, objetiva‐se que os alunos possam compreender as interações entre ciência, tecnologia e sociedade; desenvolver a capacidade de resolver problemas e tomar decisões relativas às questões com as quais se deparam como cidadãos. Nessa perspectiva, presume‐se que os alunos percebam a ciência e a tecnologia como derivadas de processos provenientes de construtos da mente humana e, por essa 21 razão, sofrem, inegavelmente, interferências de juízos e valores das pessoas (ACEVEDO‐DIAZ, 1996; TRIVELATO, 2000). O movimento CTS surgiu com a perspectiva de compreender melhor a ciência e a tecnologia no seu contexto social (ACEVEDO DIAZ, 1996). Trouxe, em sua concepção, rompimento com a visão neutra e salvacionista da ciência, assim como a ideia de que a tecnologia determina os caminhos da ciência e da sociedade, o determinismo tecnológico (AULER, 2003). Assim posto, o movimento CTS nasceu como um contraponto a uma visão cientificista de excessiva valorização da ciência, de crença cega em seus resultados e que entendia os caminhos da tecnologia como inexoráveis (AULER, 2003). Assim, o movimento CTS, já em seu início, vinha trazendo consigo uma preocupação com problemas sociais relacionados aos conhecimentos científicos e tecnológicos, revendo o modelo unidirecional de desenvolvimento: mais ciência é igual a mais tecnologia, o que provoca mais riqueza, que, ao final, resulta em mais bem estar social (CEREZO, 1999). Segundo Cerezo (1999), a participação pública nas iniciativas institucionais relacionadas à regulação da ciência e da tecnologia foi aumentando, o que contribuiu para que surgissem, então, instrumentos de avaliação das tecnologias e de impactos ambientais, assim como instituições reguladoras em diferentes partes do mundo (CEREZO,1999). Na área educacional, Cachapuz (1999) aponta o enfoque CTS como uma nova alternativa para o ensino de Ciências, por evocar um ensino contextualizado com situações problemas relativas a contextos reais, que contemplam as vertentes sociedade e ambiente. Tem‐se claramente uma forma de contextualização no ensino de Ciências, o fato de se procurar romper com visões descontextualizadas da atividade científica, e promover uma problematização de conhecimentos elaborados que considera aspectos sociais, históricos, éticos como foco da discussão (VILCHES et al., 2001b). Nas orientações CTS, o contexto adotado como objeto de estudo deve fornecer questões que perpassem por conhecimentos das três áreas. Entre alguns modelos metodológicos para esse estudo, podemos destacar o sugerido por Aikenhead (1994), conforme ilustrado na figura 1. 22 Figura 1. Modelo de abordagem CTS de Aikenhead. De acordo com este modelo, como mostra a figura 1, a situação de estudo deve partir de questões sociais (Society), devem ser estudados: as tecnologias relacionadas ao tema abordado (Technology, techniques e products) e os conteúdos científicos (Science, concepts and skills). Dessa forma, o conhecimento científico é definido em função do tema e da tecnologia. Tendo em vista os conhecimentos científicos abordados, retorna‐se ao estudo da tecnologia correlacionados. Ao final, conforme apresenta o modelo, retoma‐se a questão social. Esse estudo sistemático, segundo o autor, permite a tomada de decisão, informada, sobre a questão social. Na abordagem sugerida pelo autor, em que o enfoque está no estudo de aspectos sociais, a contextualização é o princípio norteador do ensino, o que significa um entendimento mais complexo do que a simples exemplificação do cotidiano. O ensino de Ciências tem como ponto de partida o contexto social, recorrendo a conhecimentos científicos e tecnológicos para compreender a situação de contexto. Esse estudo permite um novo olhar para analisar e julgar essa situação, a partir de conhecimentos sistematizados adquiridos nas interfaces C&T. Hoje, ampliando o enfoque CTS, discute‐se a assim chamada Alfabetização Científica e Tecnológica (ACT), partindo‐se do pressuposto que todas as pessoas devem ter conhecimentos sobre ciência e tecnologia para que possam influenciar e participar de tomadas de decisão sobre questões dessa natureza. Auler (2003) aponta duas perspectivas para a educação no sentido ACT: a 23 perspectiva reducionista, concebida como um simples incremento de conhecimentos sócio tecnológicos no ensino de Ciências; e a perspectiva ampliada que, segundo o autor, busca a compreensão de interações entre Ciência‐Tecnologia‐Sociedade e suas associações ao ensino de conceitos. Nessa perspectiva ampliada, os alunos devem ter conhecimentos científicos e tecnológicos, dos procedimentos e processos da ciência, e de aspectos filosóficos, históricos e sociais relacionados à ciência e à tecnologia. Esse entendimento de alfabetização científica se aproxima do nível de alfabetização científica multidimensional definido por Bybee (1997), em que os alunos, além de entenderem os processos da ciência, entendem dimensões históricas, sociais e filosóficas da ciência e da tecnologia; fazem relações entre as disciplinas científicas, entre ciência e tecnologia e assuntos importantes para a sociedade, além de compreendem os procedimentos e processos de investigação da ciência, bem como aspectos tecnológicos a ela relacionados (Bybee, 1997). As considerações apresentadas sobre abordagens CTS e ACT mostram que são possíveis entendimentos mais complexos quando nos referimos à contextualização no ensino. Essa complexidade fica clara, por exemplo, pela defesa que muitos educadores fazem, no ensino de Ciências, de uma abordagem temática com base em estudos de questões sociais, envolvidas por situações amplas e complexas, que requeiram uma abordagem interdisciplinar, não se reduzindo a mera aproximação de disciplinas (AULER, 2003). A abordagem temática é adotada como princípio metodológico por vários autores, como, por exemplo, a “Abordagem Temática” proposta por Auler (2001, 2003) e por Delizoicov e Angotti (1991), os “Temas Sociais” propostos por Santos (1992) e as “Situações‐Problema”, nos trabalhos de Cachapuz (1999, 2004). Vimos, então, que várias das orientações ACT refletem, em muito, as do movimento CTS e, ainda, as ideias da pedagogia de Freire. Ao se aceitar essa perspectiva de contextualização, a seleção dos conteúdos que devem constar na programação das disciplinas rompe com a sequência tradicional, metodologicamente sistematizada, dos currículos pautados exclusivamente em conceitos científicos (DELIZOICOV et al., 2002). 24 Há certos apontamentos que distinguem abordagens CTS ou ACT daquelas que visam a transformação da realidade social. Teixeira (2003) aponta que as questões sociais devem ser estudadas com vistas a compreendê‐las e transformá‐las, aspecto que para o autor, não é contemplado no movimento CTS, pois, geralmente, o ensino nessa perspectiva se restringe ao estudo de questões relativas aos impactos sociais provocados pela ciência e tecnologia. Contudo, o autor afirma que as duas perspectivas apresentam mais compatibilidades do que divergências. Na interface das duas perspectivas de contextualização, assim amenizando as possíveis críticas a ambas, destacamos os momentos pedagógicos de Delizoicov e Angotti (1991). Estes autores propuseram um modelo de ensino de Ciências baseado no processo de codificação‐ problematização‐decodificação de Freire, constituído de três momentos pedagógicos: problematização, organização (do conhecimento) e aplicação do conhecimento. Na problematização, Delizoicov e Angotti (1991) apresentam a articulação de conhecimentos com temas geradores para instrumentalizar o aluno para melhor compreensão e, consequentemente, atuação na sociedade contemporânea. Nessa abordagem, a conceituação científica é subordinada ao tema. Segundo os autores, deve‐se apresentar aos alunos situações reais, conhecidas e vivenciadas por eles, envolvidas nos temas, e os alunos devem ser desafiados a exporem o que pensam sobre o tais situações. A meta é problematizar o conhecimento que os alunos manifestam, inicialmente em pequenos grupos e, em seguida, ampliar a discussão para toda a sala. Metodologicamente, o professor deve fomentar a discussão das respostas dos alunos. Esta etapa é fundamental para que o professor possa explorar explicações contraditórias e mostrar limitações no conhecimento, até o momento discutido, característico do senso comum dos alunos. Segundo os autores, o ponto culminante desta etapa é fazer o aluno sentir necessidade em adquirir novos conhecimentos. O segundo momento pedagógico é a organização do conhecimento, que se caracteriza pela etapa em que os conhecimentos selecionados devem ser necessários para a compreensão dos temas e da problematização inicial, portanto devem ter um caráter interdisciplinar 25 para possibilitar responder às perguntas que foram construídas na problematização. Já, o terceiro momento pedagógico destina‐se a abordar sistematicamente o conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno, para que possa analisar e interpretar a situação inicial e ainda aplicá‐lo em outras situações problemáticas. Cabe ressaltar que nesse momento, o conhecimento científico tem o propósito de vir a “servir” pararesolver outras situações problemáticas. É fundamental que o aluno possa perceber essa aplicação e apoderar‐se desse conhecimento, utilizando‐o para ter um novo olhar sobre o problema inicial e solucionar outro problema relacionado aos mesmos conhecimentos científicos. Os três momentos pedagógicos, segundo os autores, fornecem fundamentação para a realização de um ensino de Ciências na dimensão ACT que considera aspectos da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire. A contextualização no ensino de Ciências que privilegia o estudo de contextos sociais com aspectos políticos, econômicos e ambientais, fundamentado em conhecimentos das ciências e tecnologia, se apresenta como um caminho adequado para desenvolver um ensino que contribua para a formação de um aluno crítico, atuante e, sempre que possível, transformador de uma realidade desfavorável. Nessa perspectiva, o ensino contextualizado não deve ater‐se a exemplificações de fatos, fenômenos, processos etc. A contextualização no ensino proposta como descrição científica desses aspectos pode garantir uma aprendizagem mais significativa aos alunos, embora essa visão dificilmente promova o desenvolvimento de atitudes e valores ou transformação social. Porém, ainda assim, essa visão pode ser considerada como um avanço em relação à simples introdução de exemplos. Desse modo, defendemos que o ensino de Ciências, e da Química em particular, contextualizado deva considerar um contexto social amplo que possa ser estudado a partir dos conhecimentos elaborados. Assim, esse estudo poderá fornecer subsídios para o aluno entender seu meio físico social com vistas a intervir nessa realidade. Para tal, é necessário que se criem espaços nas aulas para que os alunos possam 26 analisar e discutir suas ideias e de seus colegas, possam reconsiderá‐ las a luz das discussões e conhecimentos novos, revendo seus posicionamentos e seu modo de agir frente ao que foi estudado. SOBRE AS TENDÊNCIAS DE CONTEXTUALIZAÇÃO E OS ENTENDIMENTOS DOS PROFESSORES Como já relatado anteriormente, Santos e Mortimer (1999a) verificaram três diferentes entendimentos sobre a contextualização no ensino por parte de um grupo de professores: (i) contextualização como estratégia de ensino‐aprendizagem para facilitar a aprendizagem, (ii) contextualização como descrição científica de fatos e processos do cotidiano do aluno e (iii) contextualização como desenvolvimento de atitudes e valores para a formação de um cidadão crítico. Os autores apontaram que grande parte dos professores pesquisados entende a contextualização como uma descrição científica de fatos e processos do cotidiano do aluno. Numa espécie de desdobramento deste trabalho, os autores (1999b) investigaram as concepções de outro grupo de professores sobre a contextualização no ensino de Química. Nessa pesquisa foram entrevistados 41 professores que adotavam como recurso instrucional o material “Química e Sociedade” 2, que aborda o conteúdo químico por meio de temas envolvendo questões ambientais, sociais, econômicas e éticas. Os resultados apontaram que todos os professores identificaram a formação da cidadania como principal objetivo do Ensino Médio e reconheceram a contextualização como um princípio curricular fundamental para esse fim. Porém, Santos e Mortimer chamam a atenção que dezessete por cento (17%) dos professores, mesmo apresentando concordância com a contextualização como princípio, manifestaram ter dificuldades em desenvolver atividades neste sentido. Os demais apontaram que, de algum modo, incorporaram a contextualização na sua prática. Os autores ainda destacam que esse grupo de professores entende a contextualização 2 SANTOS, Wildson Luiz Pereira dos; MÓL, Gerson de Souza (Coordenadores). Química e Sociedade. São Paulo: Nova Geração, 2004. 27 como sinônimo de abordagem de situações do cotidiano, ou seja, uma descrição científica de fatos e processos do cotidiano do aluno. Santos e Mortimer caracterizam tal entendimento como um reducionismo do princípio curricular da contextualização. Pesquisas com professores abordando a contextualização com enfoque CTS aparecem em maior número na literatura, embora ainda representem pouco no universo educacional (AULER; DELIZOICOV, 2006). No cenário internacional podemos destacar alguns trabalhos importantes, entre eles, a pesquisa de Acevedo‐Diaz et al. (2002). Esses autores realizaram um estudo comparativo entre as atitudes e crenças CTS de 654 professores em exercício e de 389 professores em formação. Nessa pesquisa, os autores adotaram o questionário de opiniões COCTS3 (Vazques‐Alonso et al. 2006), um recurso metodológico de investigação que explora as possíveis ênfases que os investigados dão aos conhecimentos de ciência, tecnologia ou sociedade. Os autores puderam extrair diversas implicações a respeito das crenças e atitudes CTS, por exemplo, que os professores sustentam crenças inadequadas sobre as relações CTS, o que aponta a necessidade de uma formação específica para o enfoque CTS. Acevedo Diaz (1996) chama a atenção que, embora a temática CTS esteja presente nos meios educacionais, não são muitos os professores que conhecem suficientemente o que significa a educação CTS, e ainda menos, os que se interessam pela temática. No que tange ao universo brasileiro, as pesquisas CTS junto a professores, embora escassas, são significativas. Entre algumas, podemos destacar a pesquisa publicada em um artigo que apresenta dados resultantes da tese de doutorado de Décio Auler (AULER; DELIZOICOV, 2006). Nesse trabalho, os autores apresentam as compreensões de um grupo de professores de Ciências sobre interações CTS. Vale salientar que eles tinham como finalidade respaldar ações no processo de formação inicial e continuada de professores de Ciências. A pesquisa contou com a metodologia de entrevistas semiestruturadas que focavam algumas temáticas CTS, entre elas: 3 COCTS – “Cuestionario de Opiniones de Ciencia, Tecnologia y Sociedad” 28 manipulação genética, clonagem, produção/distribuição de alimentos, carência alimentar, poluição, automação/ robotização, desemprego, internet, crise energética. Auler e Delizoicov (2006) buscavam avaliar o pensar de um conjunto de professores em termos de aproximações e distanciamentos relativos aos parâmetros associados às construções históricas sobre CTS: • Superação do modelo de decisões tecnocráticas; • Superação da perspectiva salvacionista/redentora atribuída à Ciência‐Tecnologia; • Superação do determinismo tecnológico. Porém, vale salientar que em um estudo preliminar, com auxílio de um instrumento metodológico de coletas de dados, similar ao COCTS, o VOSTS, idealizado por Aikenhead e Ryan4, os autores verificaram contradições nas concepções dos professores, o que ajudou a consolidar os parâmetros das construções históricas sobre CTS. As entrevistas, embasadas nas temáticas citadas acima, foram realizadas com professores formados em cursos de Licenciaturas em Ciências, Física, Química e Biologia. Na análise das entrevistas, Auler e Delizoicov (2006) destacaram, inicialmente, a significativa rejeição por parte dos professores da perspectiva salvacionista atribuída à Ciência‐ Tecnologia. Porém, o estudo apontou tendências concordantes com o modelo de decisões tecnocráticas e com o determinismo tecnológico. Apenas dois professores apresentaram indicativos de superação das três referidasconstruções históricas. Em âmbito geral, os resultados da pesquisa, segundo os autores, apontaram incoerência e falta de compreensão sobre as interações CTS da maioria dos professores pesquisados. Trivelato (1993), em sua tese de doutoramento, procurou avaliar o impacto de sugestões curriculares na linha CTS que podem gerar mudanças na atividade docente. Para tal, a autora, em parceria com um grupo de pesquisa, elaborou um curso de atualização com propostas de materiais didáticos CTS de autoria do próprio grupo. 4 AIKENHEAD, G. S., RYAN, A. G. e FLEMING, R. W. Views on Science Technology‐Society (VOSTS), Form CDN, Mc.5, Canadá. 1989. 29 Para coleta de dados, foram realizadas entrevistas e observação da prática docente dos professores participantes na pesquisa. Vale ressaltar que, de modo geral, os professores apresentaram declarações positivas em relação ao curso e uso dos materiais instrucionais. Para essa pesquisa, seis professores concordaram em ter suas práticas observadas. A autora aponta que, dos seis, apenas um desenvolveu em suas aulas atividades sugeridas durante o curso, alguns fizeram alusão à temática CTS, e outros nem mesmo efetuaram qualquer tipo de menção ao tema. Trivelato aponta que, embora mostrassem interesse, os professores alegaram dificuldades para realização de atividades como as sugeridas no curso em sua prática docente, além de se sentirem despreparados para desenvolverem materiais com esse caráter. Diante do quadro verificado, a autora realizou uma nova etapa de coleta de dados. Para tal, contou com três professores envolvidos nas etapas de: planejamento, construção do curso (incluindo a elaboração de material instrucional) e participação como cursista. Assim, ficou evidenciado que as propostas CTS provocaram algum impacto somente na prática dos professores que participaram de todo o processo do curso. Vilches et al. (2001a) apontam que os professores apresentam um discurso favorável a um enfoque CTS no ensino, porém, na prática, resistem a um currículo CTS por considerarem que, dessa forma, ocorreria um desvio no ensino de conceitos científicos e, também, por demandar tempo, com o agravante de que as aulas poderiam se tornar muito subjetivas. Cerezo (1999) aponta que um fator considerado problemático para implementar um currículo CTS no contexto ibero‐ americano é a carência de materiais com essas características e os que existem, poucos professores têm acesso. Segundo Vilches et al. (2001a), os professores que participam de cursos entendem a discussão, porém quando percebem, estão novamente realizando a mesma prática de sempre, adaptando o que foi aprendido à velha forma de ensinar. A maioria dos pesquisadores é categórica em afirmar que não bastam novos materiais e cursos para professores. 30 A NECESSIDADE DE PROBLEMATIZAR A CONTEXTUALIZAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Os estudos apresentados demonstram que existem diversas lacunas entre as ideias de contextualização dos professores, seja no âmbito CTS ou não, e as perspectivas de contextualização no campo teórico. Assim, devem‐se buscar caminhos para a formação inicial e continuada de professores que possam problematizar as ideias de contextualização no ensino de Química, sistematizar os conhecimentos pertinentes a esta problematização e contribuir para aplicação de concepções mais elaboradas de contextualização no ensino. Em trabalhos colaborativos com professores, a construção de materiais didáticos vem sendo defendida como uma alternativa na formação de professores do ensino de Ciências. Essa prática pode contribuir para uma aproximação do discurso do professor à sua prática cotidiana. As ações com os professores podem se dar nas discussões desencadeadas na construção e reconstrução de materiais didáticos (MAZZEU, 1998). Tenreiro‐Vieira e Vieira (2006), no âmbito CTS, defendem que é necessário explorar a construção e validação em conjunto – investigadores e professores – de materiais didáticos nas ações junto a professores no ensino de Ciências, pois podem ser criadas condições propícias para introduzir com eficácia as inovações desejadas. Para tal, apresentam algumas fases de construção e validação do material didático: (i) estudo dos pressupostos teóricos do saber disciplinar e do saber pedagógico no planejar e construir do material, (ii) implementação dos materiais desenvolvidos no contexto de sala de aula e (iii) coleta de evidências sobre o impacto dos materiais desenvolvidos nas aprendizagens dos alunos e reflexão conjunta sobre os materiais didáticos. Auler (2003) aponta para a importância do desenvolvimento de materiais didáticos com abordagem temática de maneira a serem feitas intervenções, mesmo que pontuais, no contexto escolar, contribuindo para a evolução na prática do professor. Essa postura também é adotada por outros grupos de pesquisa no país, várias sãos as iniciativas que vem, há algum tempo, atribuindo elevado grau de 31 importância à construção de materiais didáticos por parte dos professores em parceria com pesquisadores, seja essa construção na formação continuada (Marcondes et al., 2007), ou na inicial (Batinga et al., 2009). Como bem apontam Tenreiro‐Vieira e Vieira (2006), a elaboração desses materiais exige um aprofundamento teórico, assim como uma reflexão sobre os objetivos que se quer alcançar com a adoção de uma perspectiva de contextualização em sala de aula. A elaboração de materiais visando o ensino CTS deveria considerar aspectos como os apontados por Santos (2001): o desenvolvimento de compreensão por parte dos alunos de seu papel responsável na sociedade, a apresentação das relações entre ciência, tecnologia e sociedade e o estabelecimento de relações entre desenvolvimento científico e tecnológico e a sociedade, e abordar diferentes pontos de vista sobre questões e opções. Ainda, considerando o envolvimento dos alunos, materiais destinados ao ensino CTS deveriam contemplar possibilidades de direcionar os alunos para a busca de soluções para os problemas, e para o desenvolvimento de competências de tomada de decisão, de encorajar o aluno a ações e reflexões sobre consequências dessas ações, e de colaborar para que o aluno possa ampliar seus pontos de vista e tenham visões mais amplas sobre a ciência e a tecnologia e a sociedade, incluindo aspectos éticos e de valores pessoais e coletivos. (Santos, 2001, p. 141). REFLEXÕES FINAIS No ensino de ciências, e consequentemente no ensino de Química, verificou‐se na literatura a atribuição de diversos entendimentos ou dimensões para a contextualização, como: exemplificação de cunho motivacional; estudo científico de situações, fatos ou fenômenos; estudo do contexto científico de dada época para entender certo conhecimento; estudo de questões sociais para o desenvolvimento de atitudes e valores, e o estudo das questões sociais visando à transformação do meio social. 32 É fato que a contextualização nos últimos tempos, principalmente pós PCNEM, 1999, vem fazendo parte de inúmeras discussões na área da formação continuada de professores. Porém, dentre todos esses entendimentos, destacam‐se três perspectivas de contextualização no ensino de Ciências para uma discussão mais sistematizada, por considerarmos que essas fornecem elementos para o delineamento teórico: (i) a contextualizaçãocomo exemplificação, ou entendimento, ou informação do cotidiano – que pode ser caracterizada por compreensão de situações problemáticas, aplicação de conteúdos científicos emoldurados por situação do dia a dia do aluno, com ênfase na informação e não no desenvolvimento de competências, atitudes ou valores, (ii) a contextualização como entendimento crítico de questões científicas e tecnológicas relevantes que afetam a sociedade ‐ essa orientação é característica do movimento CTS que, em geral, propõe a abordagem de temas de interesse social que permitam o desenvolvimento de atitudes e valores para que os alunos enfrentem um mundo cada vez mais tecnológico e possam atuar, com responsabilidade, frente a questões problemáticas da ciência e da tecnologia relacionadas à sociedade e (iii) contextualização como perspectiva da transformação da realidade social – caracterizada pela ênfase no entendimento crítico dos aspectos sociais e culturais ligados à ciência e tecnologia, em outras palavras, a inserção da prática social no ensino com vistas à transformação social. Existe uma aproximação possível entre as duas últimas perspectivas de contextualização, cotidiano e a orientação ACT. Essa aproximação é possível tendo em vista que tais perspectivas defendem o estudo sistemático de um contexto social apoiado em conhecimentos científicos e tecnológicos, por meio da abordagem temática como foco de estudo de situações amplas, complexas, de cunho social, que requeiram uma abordagem interdisciplinar. Importante considerar que essa aproximação deve estar embasada em referenciais que permitam interpretar tais perspectivas. 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACEVEDO‐DIAZ, J. A. Cambiando la práctica docente en la enseñanza de las ciencias a través de CTS. Revista Borrador, v.13, 1996. Disponível em: < http://www.campus‐oei.org/salactsi/acevedo2.htm>. Acesso em: 04 fev. 2013. ACEVEDO DÍAZ, J. A. ALONSO, Á. V. MANASSERO, M. A. M. ROMERO, P. A. Persistencia de lãs actitudes y creencias CTS en la profesión docente. Enseñanza de las Ciencias. v.1, n.1, 2002. 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Mortimer e seus colaboradores (2000) apresentam alguns fatores, tais como: o ensino ritualístico da Química e os dogmas científicos que tomam o lugar dos princípios5 dentre outros fatores que se sedimentam nas práticas cotidianas dos professores em sala de aula. Os currículos, orientados pelos sumários de livros, adotam o princípio de que o aprendizado de Química deve se restringir aos conteúdos conceituais, o que, na realidade atual, não é mais suficiente para a sociedade. Porém, é consenso entre os pesquisadores da área, ser indispensável a leitura crítica de mundo pelas lentes da Química, o que tem sido amplamente enfatizado na literatura sobre o papel do ensino da Química na formação do cidadão [(Santos & Mortimer, 1999); (Santos & Schnetzeler, 1996); (Auler & Delizoicov, 2006); (Angotti & Auth, 2001)]. A potencialidade de ensinar a partir da perspectiva da formação de um sujeito capaz de tomar decisões é importante para a constituição de uma educação emancipadora e o 5 Os princípios da Ciência Química se baseiam na investigação do mundo para entender o comportamento da matéria. 38 ensino de Química não pode se isentar dessa responsabilidade. Dessa forma, deve estar presente nas aulas de Química a decisão de trabalhar as propostas a partir de temáticas que possibilitem às pessoas se posicionarem de maneira consciente frente aos fatos do cotidiano. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9.394/96) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) salientam que o enfoque tecnicista da aprendizagem ‐ que implica em priorizar o acúmulo de informações específicas, ainda hoje paradigma da educação no Brasil, ‐ não satisfaz mais as necessidades da sociedade brasileira. Assim, os PCNs enfatizam que o ensino, nos níveis Fundamental e Médio, deve favorecer a formação geral do indivíduo, ao invés de se voltar para a formação de um profissional específico. Segundo a concepção dos processos de ensino/aprendizagem sugerida nesses documentos, o aprender implica no desenvolvimento das capacidades de pesquisa e criação, em detrimento do exercício maçante da memorização: os alunos deveriam ser incentivados à busca de informações e à apropriação dos instrumentos que lhes permitam analisá‐las e selecioná‐las, tornando‐se, cada vez mais, os senhores de sua aprendizagem. Em meados da década de noventa do século passado, alguns autores (Santos & Schnetzler, 1996) já discutiam que formar para a cidadania deveria ser o princípio da educação básica brasileira e, que o ensino de ciências não deveria valorizar o acúmulo de informações, mas sim, a criatividade, nas atividades práticas experimentais, nas atividades lúdicas, nas discussões de textos, nas resoluções de problemas, pois, pensar ciências relaciona‐se, diretamente, com a formação de pessoas que possam participar ativamente dessa sociedade. Em trabalho posterior, Santos & Mortimer (1999), escrevem, também, sobre a importância de se discutir as “(…) dimensões sociais, ambientais, tecnológicas, políticas, éticas e econômicas do conhecimento científico no ensino médio.” (p.1), aspectos importantes para elevar a escola de um patamar de repetidora de atividades, para outro, de criadora de posicionamentos. 39 TEMAS QUÍMICO‐SOCIAIS Diante dessa perspectiva, o uso de Temas Químico‐Sociais no ensino de Química se torna uma ferramenta potente para essa tarefa, pois os temas são extraídos das relações do sujeito com seu contexto (local, regional, nacional ou mundial) e seu desenvolvimento viabiliza a problematização do conteúdo ministrado (Coelho & Marques, 2007). Os temas químicos sociais desempenham papel fundamental no ensino de química para formar o cidadão, pois propiciam a contextualização do conteúdo químico com o cotidiano do aluno, condição essa enfatizada pelos educadores como sendo essencial para o ensino em estudo. Além disso, os temas químicos permitem o desenvolvimento das habilidades básicas relativas à cidadania, como a participação e a capacidade de tomada de decisão, pois trazem para a sala de aula discussões de aspectos sociais relevantes, que exigem dos alunos posicionamento crítico quanto a sua solução. (Santos & Schnetzler, 1996, p. 30) Para Coelho e Marques (2007), os Temas Químico‐Sociais também contribuem para uma melhor organização do planejamento de ensino‐ aprendizagem. Mas o que são os Temas Químico‐Sociais (TQS)? Em trabalho seminal sobre o assunto, Santos & Schnetzler (1996) indicam o que deveriam ser esses temas: (...) Tais temas, comentados a seguir, referem‐se a assuntos relacionados ao conhecimento químico que afetam diretamente a sociedade como, por exemplo, os recursos energéticos e a poluição ambiental (...) No mesmo trabalho, os autores elencam uma série de temas que têm potencial para discussão social. Essas temáticas seriam: Química ambiental; Metais, metalurgia e galvanoplastia; Química dos materiais sintéticos; Recursos energéticos; Alimentos e aditivos químicos; Minerais; Energia nuclear; Medicamentos; Química na agricultura; Bioquímica; Água; Processos industriais; Petróleo, petroquímica; Drogas; Sabões e detergentes; Plásticos;Tintas; 40 Geoquímica; Vestuário; Materiais importados pelo Brasil; Química da arte; Recursos naturais ( ibdem, Tabela 3, p. 31) Em outro trabalho, Santos & Mortimer (1999) indicam que Tais temas envolvem questões multidisciplinares e a discussão de suas possíveis soluções depende da análise de custos e benefícios em relação aos seus aspectos ambientais, econômicos, éticos, sociais e políticos (p.2). Ou seja, os TQS são temáticas que envolvem conceitos da Química e que tenham potencial para discussão em diferentes categorias importantes para a vida do cidadão. Ainda, tais temáticas devem trabalhar a construção de práticas que levem o sujeito à tomada de decisão frente a problemas marcados pela Ciência e a tecnologia (Oliveira & Recena, 2010). Embora os TQS sejam muito importantes para o ensino de Química na perspectiva de formação do cidadão, um cuidado deve ser tomado. Quando for utilizada a abordagem TQS, ela não deve ter o caráter de curiosidade, de procedimento meramente ilustrativo, no qual o aluno se aproxima da temática pelo seu caráter de informação jornalística, sensacionalista. Mas, sim, o aluno deve participar do processo de construção do conhecimento, reconhecendo que os TQS fazem parte da sua vida, de suas decisões e das consequências decorrentes delas. PAPEL DA ATIVIDADE EXPERIMENTAL NOS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM O diálogo professor‐aluno, as discussões nos grupos e as atividades experimentais são componentes importantes para a construção do processo de aprendizagem, sendo espaços profícuos para a construção do conhecimento em Química. No processo de construção do conhecimento, esses três momentos não podem ser encarados de forma desarticulada, sendo que o diálogo e as discussões em grupo podem ocorrer em conjunto com as atividades experimentais. Em atividades de ensino de Química, o 41 papel assumido pelas atividades experimentais é o de promover um ambiente em que o professor e o aluno discutam as temáticas, usando o modo próprio de pensar das ciências. Porém, deve‐se ter o cuidado de não direcionar a atividade experimental à formação de mini‐ cientistas, porque este não é o objetivo do ensino básico. Alguns autores defendem que a atividade experimental é fundamental para motivar e ajudar o aluno a compreender melhor as teorias e, também, os fenômenos que ocorrem na natureza, com muitos dos quais o aluno já teve contato (Rosito, 2000). A experimentação também é um instrumento que dá a liberdade ao professor para planejar aulas com formatos diferenciados (Guimarães, 2009). Concordantes que o docente em química precisa ter consciência da função da experimentação no ensino de ciências, Thomaz (2000) e Rosito (2000) afirmam que a efetividade da adoção das intervenções experimentais para a aprendizagem e para a formação de futuros cidadãos, dependerá das concepções do professor sobre o que ensina, sobre o valor do ensino e aprendizagem e do que é ciência. Para que a experimentação seja mais uma facilitadora dos processos de ensino e aprendizagem, ela não deve ser concebida como apenas um roteiro de aula prática que, em decorrência, se limita a constatar teorias, não oportunizando ao aluno a formulação ou reformulação de conceitos. A atividade deve ser concebida como espaço de discussão e de questionamento por parte de alunos e professores (Guimarães, 2009; Krasilchik, 2000; Thomaz, 2000). A concepção de que a experimentação deve apenas apresentar um caráter dedutivo é utilizada por muitos professores para justificar o seu uso em aulas, objetivando que as mesmas sejam comprovação da teoria. Nesse sentido, entendemos que essa concepção é ultrapassada e que a experimentação nas aulas de Química deve ser fomentadora de discussões, de espaços em que o sujeito, constituído historicamente e que vive em uma sociedade, possa trazer suas inquietações. Portanto, a experimentação deve ser um terreno fértil para a construção de um pensamento reflexivo, que somente pode ser conseguido com uma “experiência exigente” (Giordan, 1999, p.46), fugindo da lógica: experiência que dá certo é aquela que inequivocamente evidencia o fenômeno. 42 PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA No processo de formação inicial em Licenciatura em Química, o governo federal, por meio da Coordenadoria de Pessoal do Ensino Superior (Capes), com o decreto número 7.219, de 24 de junho de 20106, propôs a criação do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID). O decreto, de 2010, apresentava os seguintes objetivos I ‐ incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; II ‐ contribuir para a valorização do magistério; III ‐ elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica; IV ‐ inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando‐lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino‐ aprendizagem; V ‐ incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando‐as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e VI ‐ contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura (Brasil, 2010, p.4). A intenção do programa é a da formação do licenciando para a prática docente, aproveitando a distância que se formou entre a escola, campo de atuação do licenciado, na qual se desenvolve a prática docente, e a Universidade, campo de teorizações dos processos de ensino e aprendizagem, espaço de formação do licenciando. No edital CAPES/DEB no 02/2009 – PIBID , a Licenciatura em Química da UFES, sediada no Centro de Ciências agrárias de Alegre 6 Anteriormente já haviam sido publicados os editais 2007 ‐ EDITAL MEC/CAPES/FNDE ‐ Seleção pública de propostas de projetos de iniciação à docência voltados ao Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID e o edital 2009 ‐ EDITAL CAPES/DEB Nº 02/2009 – PIBID. O programa, em 2010, iria se apoiar em decreto e, posteriormente, em 2013, em lei. 43 (CCA‐UFES), no município de Alegre / ES, que havia sido criada em agosto de 2009, a partir do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), concorre ao edital pela primeira vez. Neste edital, foram aprovados um coordenador de área, vinte e quatro bolsistas e três supervisores para colocar em ação o subprojeto “EXPERIMENTAR É POSSÍVEL”. O subprojeto adotou como nome PIBID‐QUÍMICA‐ALEGRE. Assim, o subprojeto PIBID‐QUÍMICA‐ALEGRE intencionou fazer um processo de formação a partir de discussões sobre as atividades práticas, que seriam pensadas e levadas às escolas parceiras, visando atender os objetivos básicos propostos pelo PIBID‐CAPES. O subprojeto apresentou diferentes formas de ações interventivas desde a sua criação. Atualmente, a ação do subprojeto PIBID‐ QUÍMICA‐ALEGRE, que se apresenta como interface entre as escolas parceiras e a Universidade, são os processos de intervenção, que foram se constituindo a partir de experiências como as que serão relatadas nesse escrito. Hoje, as
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