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1 A coletivização de ações individuais após o veto Ada Pellegrini Grinover Sumário: 1 – Âmbito de aplicação do novo CPC: processos individuais; 2 – Acesso à justiça pela via coletiva e pela via individual; 3 – Ações coletivas, individuais, individuais com efeitos coletivos e pseudoindividuais; 4 – Coletivização das ações individuais; 5 – A coletivização de ações individuais no novo CPC: 5.1 - ações individuais repetitivas aglomeradas em uma única ação em defesa de direitos individuais homogêneos; 5.2 - A conversão da ação individual em ação coletiva em defesa de interesses difusos ou coletivos (vetada); 6 – Incidente de resolução de demandas repetitivas e coletivização de processos individuais: técnicas complementares e não excludentes; 7 - Os fundamentos do veto ao art. 333; 8 - Conclusões 1 – Âmbito de aplicação do novo CPC: processos individuais. A escolha política dos redatores e dos parlamentares que se ocuparam do anteprojeto e projetos do novo Código de Processo Civil foi no sentido deste restringir sua disciplina ao processo individual, deixando intacto o minissistema de processos coletivos, constituído principalmente pela Lei da Ação Civil Pública e pelas disposições processuais do Código de Defesa do Consumidor1. No entanto, dois artigos inseridos no Projeto de CPC poderiam exercer grande influência sobre as ações coletivas brasileiras. Mas um deles foi vetado. 2 – Acesso à justiça pela via coletiva e pela via individual. O acesso à Justiça para a fruição de direitos fundamentais, e sobretudo prestacionais, que a Constituição declara solenemente serem de aplicação imediata (art. 5º, par. 1º) é aberto a todos, por força do disposto no inc. XXXV do art. 5º, o que significa que tanto a coletividade, para a defesa de direitos metaindividuais, como o indivíduo, para a defesa de direitos subjetivos, podem ajuizar quer ações coletivas quer ações individuais. E as estatísticas mostram que, apesar da plena operatividade do minissistema das ações coletivas e dos esforços dos que a elas são legitimados (principalmente 1 O minissistema está sendo objeto, há algum tempo, de tentativas de aperfeiçoamento, encontrando-se atualmente em andamento no Senado Federal projeto de lei, integrante de uma série de três projetos de atualização do CDC, o qual trata exatamente das ações coletivas. 2 Ministério e Defensoria Pública e, em menor medida, as associações), os processos coletivos ainda são subutilizados no Brasil, havendo grande preponderância de ações individuais em relação às coletivas. Isto significa fragmentar a prestação jurisdicional, fomentar a contradição entre julgados, tratar desigualmente os que estão exatamente na mesma situação (jurídica ou fática) e assoberbar os tribunais, que devem processar e julgar em separado milhares, ou centenas de milhares de demandas repetitivas, quando um único julgamento em ação coletiva poderia resolver a questão erga omnes2. Principalmente agora que a jurisprudência do STJ se pacificou, posicionando-se pela inaplicabilidade do óbice relativo à competência territorial (art. 16 da LAC) e a favor da coisa julgada de âmbito nacional.3 É certo que o Projeto de novo CPC, desde o anteprojeto apresentado ao Senado pela Comissão de Juristas por este nomeada, previu um incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 776 do Novo Código) que de alguma maneira pode amenizar o problema: mas aqui ainda se trata de uma técnica para agrupar demandas e julgar algumas delas por amostragem, aplicando às demais, que ficam suspensas, a mesma tese (exclusivamente de direito). As ações ainda são individuais e as decisões, embora uniformes, só operam inter partes. É uma técnica que visa à celeridade e à uniformidade de decisões, mas ainda não se trata de verdadeira coletivização e nenhuma influência essa técnica exerce sobre o minissistema de processos coletivos. Para que isso ocorresse, era preciso dar um passo mais e aglomerar ou transformar ações individuais em ações coletivas, com efeitos erga omnes. Mas, que demandas coletivizar e como coletivizar? Aqui, seja-me permitida uma pequena digressão. 3– Ações coletivas, individuais, individuais com efeitos coletivos e pseudoindividuais 2 Embora com os temperamentos previstos no minissistema 3 Corte Especial do STJ, relator Min. Salomão: ver www.direitoprocessual.org.br , Jurisprudência comentada. 3 As ações coletivas, de objeto indivisível e que tendem a uma sentença cujos efeitos atuam erga omnes (embora com algum temperamento), veiculam pretensões também coletivas, relativas à tutela de interesses difusos, coletivos s.s. (esses, de objeto indivisível) ou individuais homogêneos (que são direitos subjetivos, divisíveis, que podem ser tratados coletiva e indivisivelmente, em razão da origem comum e de sua homogeneidade, na fase de conhecimento, mas que na fase de liquidação se titularizam e se dividem). Exemplos típicos de ações coletivas são as pretensões formuladas, por exemplo, em ação civil pública que objetive a reconstituição do meio ambiente ou, no campo da saúde, para a aprovação, pela Anvisa, de um novo medicamento e sua distribuição gratuita pelo SUS. Aqui, a sentença, favorável ou desfavorável, beneficiará ou prejudicará a todos. No outro extremo, encontram-se as ações tipicamente individuais, em que a pretensão também é pessoal, veiculando um direito subjetivo. Assim, uma demanda individual pode ser ajuizada pretendendo uma indenização ocasionada pelo vício do produto ou, no campo da saúde, objetivando o fornecimento de um medicamento, de internação hospitalar, de cirurgia no exterior. Aqui, os efeitos da sentença só colherão as partes, não prejudicando nem beneficiando terceiros. Mas existe também um plano intermediário, com duas hipóteses distintas: a) a ação é ajuizada como sendo individual, mas na verdade, em função do pedido, os efeitos da sentença acabam atingindo a coletividade. Assim se um indivíduo, invocando seu direito subjetivo, pretende o fechamento de uma casa noturna, em virtude do ruído que o perturba, ou de uma fábrica poluente, que o atinge, a sentença, favorável ou desfavorável, atingirá todos os membros da comunidade que sofriam os efeitos da casa noturna ou da fábrica poluente. Neste caso, teremos uma ação individual com efeitos coletivos. De nada adianta afirmar que a coisa julgada atua inter partes, por se tratar de ação individual, porque (ainda que reflexamente) atingirá a todos. E há ainda uma outra hipótese b) trata-se das ações que denominamos pseudoindividuais, porque o pedido, embora baseado num direito subjetivo, na verdade só pode ser formulado coletivamente, pois só pode afetar diretamente a todos. Trata-se de casos em que a relação de direito material, jurídica ou de fato, é unitária, e só pode ser resolvida de maneira igual para todos. Se se tratasse de litisconsórcio, estaríamos perante o litisconsórcio unitário,de natureza facultativa. 4 Clássico é o exemplo, no processo individual, do pedido de anulação de assembléia, em que qualquer acionista pode ajuizar a demanda; mas, tratando- se de relação jurídica de direito material unitária, a assembléia será anulada para todos ou validada para todos. Neste caso, entendemos que a coisa julgada deve atuar erga omnes (como já sustentava Chiovenda, seguido por Barbosa Moreira), seja em caso de procedência ou de improcedência, e isto em função da unitariedade da relação de direito material. Talvez se possa invocar aqui uma nova espécie de substituição processual, em que o autor é substituto processual em relação a todos os demais acionistas. Exemplo clamoroso de ações pseudoindividuais, que foram julgadas erroneamente como individuais, foi o de centenas de milhares de ações individuais que pediam a isenção do pagamento da tarifa telefônica. Aqui, por disposição do direito material, a relação jurídicaera unitária, pois ou a tarifa necessariamente devia ser igual para todos, de modo que ou era paga por todos ou não era paga por ninguém4. 4 – Coletivização das ações individuais Feita essa distinção, e tendo presente a diferença entre a tutela de direitos difusos ou coletivos (stricto sensu) e individuais homogêneos, pode-se responder à pergunta formulada no final do n.2: que demandas coletivizar, e como coletivizar? As demandas puramente individuais só podem ser coletivizadas quando se tratar de demandas repetitivas, por intermédio de uma única ação coletiva em defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, que decidirá a questão uma vez por todas, passando os indivíduos diretamente à fase de liquidação e execução, a título pessoal5. As ações individuais ficarão 4 Kazuo Watanabe sustentou, em parecer, que a questão só poderia ser tratada coletivamente, por se tratar de ação pseudoindvidual (Relação entre demanda coletiva e demandas individuais, in Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, coord. Ada Pellegrini Grinover, Aluísio Castro Mendes e Kazuo Watanabe, SP, RT, 2002, pp. 156/160.. Mas o Ministro Teori Zavaski, à época no STJ, não acolheu a tese, julgando (contra o voto do Ministro Herman Benjamin), no conflito de competência n. 47.731-DF, uma ação individual e afirmando que todas as demais deveriam ter seu curso normal. A decisão foi tomada por maioria, com diferença de um voto. Já no Rio Grande do Sul, determinou- se a suspensão de todas as ações individuais, enquanto não se julgasse a coletiva. Ver R. Extr. n. 75.369/RS, em que a Ministra Carmen Lúcia negou seguimento ao agravo em RE contra Acórdão do TJRS que decidiu pela conveniência da suspensão das ações individuais em razão da macrolide trazida pela ação coletiva. 5 Aqui, é preciso tomar muito cuidado com a necessária homogeneidade dos direitos individuais: como já escrevi, os direitos só serão homogêneos, podendo ser tratados coletivamente, quando houver prevalência das questões comuns sobre as individuais (Ada Pellegrini Grinover, Da “class action for damages” à ação de 5 necessariamente suspensas, com a exceção de casos de urgência. Esta é a única coletivização possível, e dependerá da iniciativa dos legitimados. Mas, se se tratar de uma ação individual com efeitos coletivos ou de uma ação pseudoindividual, por sua própria natureza deveria ela ser convertida em ação coletiva em defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos (stricto sensu). Não é possível tratá-la como individual, porque individual não é, e a coletivização deve ser feita ope judicis. Claro que, nesses casos, o contraditório deverá ser preservado e a deverá ser permitida a presença do autor original no pólo ativo. 5 – A coletivização de ações individuais no novo CPC As duas técnicas foram previstas no novo Código de Processo Civil. 5.1 - ações individuais repetitivas aglomeradas em uma única ação em defesa de direitos individuais homogêneos. A primeira técnica visa a reunir ações individuais repetitivas em uma única ação em defesa de direitos individuais homogêneos. Transcreva-se a disposição: “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo- lhe: X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o ministério Pública, a Defensoria Pública e, na medida do possível outros legitimados a que se referem os arts. 5º. da Lei no. 7.347, de 24de julho de 1985, e 82 da Lei no. 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.” Trata-se aqui de estimular os legitimados às ações coletivas a ajuizarem a ação (que só poderá ser em defesa de direitos individuais homogêneos). Não se especifica, porém, que as ações individuais ficarão suspensas – ressalvados os casos em que a suspensão ocasionaria prejuízos ao demandante individuas – classe brasileira: dos requisitos de admissibilidade, in “O processo – estudos e pareceres”, São Paulo, Ed. Dpj, 2ª ed., 2000, pp. 238/255. Se as questões individuais forem predominantes, a sentença condenatória genérica não terá nenhuma utilidade, pois nas liquidações cada interessado deverá fazer a prova completa do nexo causal, que dará tanto trabalho quanto uma ação individual de conhecimento. É por isso que surgem inúmeros problemas na liquidação de certas sentenças condenatórias genéricas, em ações coletivas em defesa de interesses individuais que não são homogêneas. Trata-se aqui de ações pseudocoletivas... 6 nem se os autores de demandas individuais poderão ingressar no processo coletivo como litisconsortes. Esse dispositivo não foi vetado. 5.2 – A conversão da ação individual em ação coletiva em defesa de interesses difusos ou coletivos (vetada). A segunda técnica de coletivização inserida no novo Código era a prevista no art. 333, que a denominava de conversão da ação individual em ação coletiva. Esta técnica visava à coletivização de ações impropriamente ajuizadas como individuais, mas que na verdade só poderiam ser propostas como ações coletivas em defesa de interesses difusos ou coletivos. Reproduza-se o texto vetado: CAPÍTULO IV - DA CONVERSÃO DA AÇÃO INDIVIDUAL EM AÇÃO COLETIVA Art. 333. Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ouvido o autor, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que: I – tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei no.8.078, de11 de setembro de 1990, e cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do individuo e da coletividade; II – tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, pela sua natureza ou por disposição de lei,deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo. § 1º. O requerimento de conversão poderá ser formulado por outro legitimado a que se referem os arts. 5º. da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e 82 da Lei no. 8.078, de 11de setembro de 1990. § 2º. A conversão não pode implicar a formação de processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogêneos. § 3º. Não se admite a conversão, ainda, se: I – já iniciada, no processo individual, a audiência de instrução e julgamento; ou II – houver processo coletivo pendente com o mesmo objeto; ou III – o juízo não tiver competência para o processo coletivo que seria formado. 7 § 4º. Determinada a conversão, o juiz intimará o autor do requerimento para que , no prazo fixado, adite ou emende a petição inicial, para adaptá-la à tutela coletiva. § 5º. Havendo aditamento ou emenda da petição inicial , o juiz determinará a intimação do réu para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias. § 6° 0 autor originário da ação individual atuará na condição de litisconsorte unitário do legitimado para condução do processo coletivo. § 7° 0 autor originário não é responsável por qualquer despesa processual decorrente da conversão do processo individual em coletivo. § 8° Apos a conversão, observar-se-ão as regras do processo coletivo, § 9° A conversão poderá ocorrer mesmo que o autor tenha cumulado pedido de natureza estritamente individual, hipótese em que o processamento desse pedido dar-se-á em autos apartados. § 10. O Ministério Público deverá ser ouvido sobre o requerimento previsto no caput, salvo quando ele próprio o houver formulado. Aqui cuidava-se da coletivização de uma demandaindividual com efeitos coletivos (art. 333, I) ou de demanda pseudoindividual (art. 333, II) e a ação coletiva trataria da defesa de direitos difusos ou coletivos (ss). Mas havia graves defeitos na redação do dispositivo6. - a conversão devia se fazer ex-officio e não a requerimento dos legitimados, e muito menos após ouvidos os autores individuais (que podem ser milhares ou até milhões): a obrigatoriedade da conversão está na necessidade de atingir uma sentença com efeitos erga omnes (art. 334, I) ou de tratar unitariamente a relação de direito material (art. 334, II). - os legitimados podem ajuizar a qualquer momento a ação coletiva, à qual ficaria apensada a individual, pelo fenômeno da continência. Para quê eles pediriam a conversão? 6 O Substitutivo da Câmara dos Deputados acabou acolhendo a proposta de redação formulada por comissão do Ministério Público de São Paulo, que complementou a proposta inicial, de Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe que não continha as impropriedades acima indicadas. 8 - não há conveniência na exclusão da coletivização quando já iniciada a audiência de instrução e julgamento (pois a prova poderia ingressar como emprestada no processo coletivo); - se houver processo coletivo pendente com o mesmo objeto, é evidente que não há necessidade de coletivização, mas a solução deveria será a extinção dos processos individuais, aplicando-se ao caso o disposto no par. 9º. 6 – Incidente de resolução de demandas repetitivas e coletivização de processos individuais: técnicas complementares e não excludentes. Esclareça-se, por oportuno, que a coletivização de demandas individuais, possibilitada nos dispositivos do novo Código acima comentados, complementa, mas não colide, com outra técnica prevista no Código futuro, que também poderá ser útil à molecularização de demandas individuais. Trata- se do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 e ss. do novo Código), que se destina a reunir e selecionar uma ou algumas causas de natureza repetitiva, para que sirva de parâmetro para o julgamento das demais, que ficam suspensas. Esta técnica, oriunda do direito alemão e conhecida como caso piloto ou julgamento por amostragem, já existe no sistema vigente , que a reserva para o recurso especial (art. 543-C do Código em vigor) e que será estendida para os juízes de primeiro tribunais de segundo grau. Mas os objetivos e os efeitos próprios do incidente diferem dos do ajuizamento da demanda coletiva do inc. X do art. 139 e da conversão do art.333 Explica-se: a)O incidente de resolução de demandas repetitivas se aplicará quase que exclusivamente a demandas individuais. Isso porque, segundo a posição recentemente tomada pelo STJ7, a competência territorial do órgão jurisdicional não mais limitará a coisa julgada erga omnes de caráter nacional 7 A Corte Especial do STJ definiu, por dez votos a três, que não se aplica às ações coletivas a restrição da coisa julgada ao âmbito da competência territorial do juízo, prevista na Lei 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública. A decisão foi manifestada em recurso repetitivo e comemorada por representar a revisão de entendimentos anteriores do STJ, que insistiam em manter a restrição territorial dos efeitos da decisão coletiva, contra o entendimento de toda a doutrina especializada.De acordo com o relator, Ministro Luís Felipe Salomão, “a eficácia da decisão deve se pautar por seus limites objetivos e subjetivos, delimitados pelo pedido. A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual ‘a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário’ (REsp 293.407-SP, Quarta Turma), em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide". 9 e regional. Isso significa que, a partir desse momento histórico, os diversos processos coletivos repetitivos de âmbito local que ainda possam existir serão absorvidos pelo processo coletivo de âmbito nacional ou regional, em face do fenômeno processual da continência (aplicável aos processos coletivos). b) Consequentemente, o incidente de resolução de demandas repetitivas limitar-se-á, na prática, às ações repetitivas individuais. Ocorre que o incidente de conversão da demanda individual em coletiva não se aplicaria, por exclusão expressa, a ações coletivas em defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos (par. 2º), restringindo-se à conversão em ação coletiva em defesa de interesses ou direitos difusos e coletivos, o que tornaria impossível a conversão da tutela individual de direitos subjetivos pessoais em tutela coletiva. c) Em relação às demandas individuais repetitivas, para a solução do problema poderão servir tanto a molecularização prevista no art. 139, X (que não foi vetado) como o incidente de resolução de demandas repetitivas: mas os objetivos e os efeitos das duas técnicas são completamente diferentes. A técnica do art. 139, X, visa a uma coisa julgada erga omnes e o incidente de resolução à uniformidade da jurisprudência. E diferentes também são os efeitos: embora o incidente de resolução de demandas repetitivas possa ser aplicado para casos futuros, haverá um julgamento novo para cada caso repetitivo que aparecer, enquanto na coletivização do art. 139, X, o julgamento da demanda coletiva impedirá o ajuizamento de outras demandas coletivas. 7 – Os fundamentos do veto ao art. 333. Reproduzam-se os fundamentos do veto: “Da forma como foi redigido, o dispositivo poderia levar à conversão de ação individual em ação coletiva de maneira pouco criteriosa, inclusive em detrimento do interesse das partes. O tema exige disciplina própria para garantir a plena eficácia do instituto. Além disso, o novo Código já contempla mecanismos para tratar demandas repetitivas. No sentido do veto manifestou-se também a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB." Entendem-se as razões, exclusivamente corporativas, da OAB. As ações coletivas beneficiam a justiça e a coletividade, como foi visto acima, mas não as advogados. Como poderiam eles ajuizar milhares ou milhões de demandas individuais – como acontece na judicialização da saúde, por exemplo – 10 visando a um objetivo comum, qual seja o pedido de aprovação de um medicamento mais benéfico pela Anvisa e sua distribuição pelo SUS? Uma única ação coletiva resolveria o problema, privando os advogados de seus honorários por milhares de causas esfaceladas. Mas, pode-se admitir que é possível conciliar o interesse público com o interesse dos advogados. Talvez tenha faltado, no dispositivo, ressalvar a recompensa monetária para o advogado que moveu a ação individual convertida em coletiva. Por outro lado, o receio pelo detrimento do interesse das partes é absolutamente descabido, pois a parte está resguardada pelo disposto no § 6° do dispositivo, que já constava da redação original ( “0 autor originário da ação individual atuará na condição de litisconsorte unitário do legitimado para condução do processo coletivo”).Por outro lado, como se viu acima, o mecanismo já previsto no Código (o incidente de resolução de demandas repetitivas) nada tem a ver com a conversão da ação individual em coletiva. 7 – Conclusões As principais conclusões desse estudo são as seguintes: 1 - Não há que confundir a técnica de coletivização do art. 139, X, com a do art. 333 do novo Código, vetado: a primeira só se aplica à reunião de processos individuais numa única ação coletiva em defesa de direitos individuais homogêneos. A segunda só se aplicaria à conversão da ação impropriamente ajuizada como individual em ação coletivaem defesa de direitos difusos ou coletivos. 2 – A técnica do incidente de resolução de demandas repetitivas é complementar à do art. 139, X, que não foi vetado, mas os objetivos e os efeitos de uma e outra diferem. 3 – Lamenta-se o veto ao art. 333, inspirado em razões corporativas, mas uma disciplina mais criteriosa (depurada das impropriedade que o “caput” e vários de seus parágrafos continham) e que concilie o interesse público com o dos advogados será novamente submetida ao Congresso Nacional. E quem sabe se a disseminada aversão a processos coletivos possa ceder em tempos não muito distantes. 11
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