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SEMINÁRIO TEOLÓGICO PREBISTERIANO JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO FLORIANO DO Ó DO NASCIMENTO JÚNIOR A ANTROPOLOGIA OBSERVADA NA IDADE MODERNA São Paulo-SP 2019 2 SEMINÁRIO TEOLÓGICO PREBISTERIANO JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO A ANTROPOLOGIA OBSERVADA NA IDADE MODERNA Floriano do Ó do Nascimento Júnior Trabalho de conclusão da matéria de Monografia 2 apresentado ao Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. Orientador: Rev. Ronaldo Bandeira Henriques 3 SEMINÁRIO TEOLÓGICO PREBISTERIANO JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO A ANTROPOLOGIA OBSERVADA NA IDADE MODERNA Floriano do Ó do Nascimento Júnior Trabalho de conclusão da matéria de Monografia 2 apresentado ao Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. APROVADA EM: 25 DE SETEMBRO DE 2019 BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Rev. Ronaldo Bandeira Henriques ______________________________________ Rev. Donizeti Rodrigues Ladeia ______________________________________ Rev. Walter Bronzelli Czinczel 4 F L O R IA N O D O Ó D O N A S C IM E N T O JU N IO R A A N T R O P O L O G IA O B S E R V A D A N A ID A D E M O D E R N A 2 0 1 9 5 Dedico esta obra a Deus como forma de honrá-lo por seu imenso amor demonstrado em seu plano de salvação. 6 AGRADECIMENTOS A Deus pelo seu sustento em diversos momentos de diversidade e pelo seu amor incondicional. À minha esposa que me deu apoio durante o decorrer dessa caminhada. Aos professores do Seminário JMC pelo ensinamento concedido durante esse período de estudo. Ao reverendo Rubens de Castro pelo seu cuidado como pastor. 7 RESUMO Ao estudar os diversos movimentos filosóficos e sociológicos fica evidenciado o constante esforço do homem em explicar o seu comportamento e de dar um direcionamento no seu modo de agir. Diversos estudiosos apareceram na Idade Moderna para tratar desses assuntos tais como John Locke (1632-1704), Max Weber (1864- 1920), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Jean-Paul Sartre (1905-1980). A grande questão é que todos estes estudiosos acabaram se afastando das Escrituras para explicar suas teses, partindo do pressuposto que o homem tem capacidade por si mesmo de achar seu próprio caminho. Ao menosprezar a queda do homem, eles deram uma falsa liberdade de que cada indivíduo pode desenvolver uma metodologia de vida capaz de se satisfazer afastado do Cristianismo. A consequência do abandono de Deus foi o ser humano elaborando diversas maneiras de viver, mas sem saber quem ele é de fato. As Escrituras trazem informações assertivas sobre o que é o ser humano e dá provas da decadência humana ao se afastar de Deus. PALAVRAS-CHAVE: Antropocentrismo. Decadência humana. Escrituras. Abandono de Deus. 8 ABSTRACT In studying the various philosophical and sociological movements, man's constant effort to explain his behavior and to give direction in his way of acting. Several scholars appeared in the Modern Age to deal with such subjects as John Locke (1632- 1704), Max Weber (1864-1920), Friedrich Nietzsche (1844-1900), and Jean-Paul Sartre (1905-1980). The great question is that all these scholars have turned away from the Holy Scriptures to explain their theses, assuming that man has the capacity for himself to find his own way. By disregarding the fall of man, they gave a false freedom that each individual can develop a methodology of life capable of satisfying themselves away from Christianity. The consequence of the abandonment of God was the human being elaborating diverse ways of living, but without knowing who he really is. The Holy Scriptures bring assertive information about what a human being is and gives evidence of human decay by turning away from God. KEY WORDS: Anthropocentrism. Human decay. Holy Scriptures. Abandonment of God. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 1. O ILUMINISMO: A DESCENTRALIZAÇÃO DO CRIADOR ......................... 15 1.1. NÃO HÁ PRINCÍPIOS INATOS NA MENTE ....................................................... 16 1.2. NÃO HÁ PRINCÍPIOS PRÁTICOS INATOS ........................................................ 17 1.3. A ORIGEM DAS IDEIAS E DO CONHECIMENTO ........................................... 18 1.4. A FORMAÇÃO DA VERDADE ............................................................................... 19 1.4.1. Verdade sobre a existência humana ................................................................... 20 1.4.2. Verdade sobre a existência de Deus ................................................................... 21 1.4.3. Verdade sobre a existência de outras coisas ..................................................... 21 1.5. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 22 2. CAPITALISMO – O HOMEM EM BUSCA DE LUCRO ................................... 24 2.1. A EXTENSÃO DO ESPÍRITO CAPITALISTA E SEU SIGNIFICADO ........... 25 2.2. A RAIZ DO CAPITALISMO ESTÁ NO PROTESTANTISMO .......................... 26 2.3. O ESPÍRITO DO CAPITALISMO ............................................................................ 27 2.4. A ANÁLISE DA DOUTRINA CALVINISTA E SEU RESULTADO ................ 28 2.5. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 29 3. EXISTENCIALISMO – O HOMEM EM BUSCA DE SUA LIBERDADE ..... 32 3.1. O INÍCIO DO EXISTENCIALISMO ....................................................................... 32 3.2. O EXISTENCIALISMO COM SARTRE ................................................................. 34 3.3. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 36 4. NIILISMO: A TRANSVALORIZAÇÃO DA MORAL ........................................ 38 4.1. O CONCEITO DE SUPER HOMEM ....................................................................... 39 4.2. O CONCEITO DE ETERNO RETORNO ................................................................ 40 4.3. A MORTE DE DEUS .................................................................................................. 41 4.4. NIILISMO ..................................................................................................................... 42 4.5. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 42 5. O ANTROPOCENTRISMO PAULINO ................................................................... 44 5.1. A TRANSGRESSÃO DA LEI DE DEUS ................................................................ 45 5.2. AS ESCRITURAS TESTEMUNHAM CONTRA AS ATITUDES HUMANAS 46 5.3. TODOS SÃO CULPADOS DIANTE DE DEUS .................................................... 50 5.4. IMPLICAÇÕES PARA A IDADE MODERNA ..................................................... 52 10 5.5. AVALIAÇÃO DA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER QUANTO À NATUREZA HUMANA ......................................................................................................... 53 5.6. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 54 6. O CONTRASTE ENTRE A BÍBLIA E AS DEMAIS DOUTRINAS ................ 55 6.1. A BÍBLIA E O ILUMINISMO .................................................................................. 55 6.2. A BÍBLIA EO CAPITALISMO ................................................................................ 57 6.3. A BÍBLIA E O EXISTENCIALISMO ...................................................................... 58 6.4. A BÍBLIA E O NIILISMO ......................................................................................... 59 6.5. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 64 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 66 11 INTRODUÇÃO A tentativa dos filósofos da Idade Moderna é explicar quem é o ser humano baseado nele mesmo, depois abandonar a visão transcendental, ou seja, a partir daí, diversos movimentos filosóficos foram desenvolvidos na expectativa de compreender o ser humano a partir de suas observações, eliminando quaisquer aspectos sobrenaturais. O homem tenta explorar uma liberdade e definir seus próprios caminhos para encontrar sentido à sua vida, mas diversas perguntas ficam sem resposta, o que leva o ser humano a buscar novos conceitos para preencher esse vazio. O resultado dessa perda de foco é um ser humano perdido e sem referência absoluta em que cada indivíduo tem a sua própria verdade no pensamento moderno, caminhando para um abismo moral do ponto de vista das Escrituras. Entender esse ponto de vista da queda do ser humano, a partir de uma avaliação dos movimentos filosóficos, ajuda a compreender os pressupostos que o pensamento moderno caminha e assim é possível desenvolver uma apologética mais adequada para o posicionamento do cristão quanto à natureza pecaminosa humana e a necessidade de achar em Cristo o motivo de redenção e remissão dessa natureza. A proposição do trabalho é focar em destacar quatro movimentos dentro da Idade Moderna e avaliar as ideias dos principais pensadores. Serão avaliados os estudiosos John Locke (1632-1704), Max Weber (1864-1920), Friedrich Nietzsche 12 (1844-1900) e Jean-Paul Sartre (1905-1980) em seus respectivos movimentos: Iluminismo, Capitalismo, Niilismo e Existencialismo. No capítulo 1, a partir da obra Ensaio Acerca do Entendimento Humano, Locke (1632-1704) afirma que não há princípios inatos, ou seja, o homem não possui uma preconcepção de quem é Deus ou traços de divindade dentro de si. A partir daí, ele parte da ideia que o homem é como um papel em branco o qual monta a sua própria história através de suas experiências. Isso não quer dizer que foi anulado a razão. A questão é que a experiência fornece as ideias para gerar o conhecimento. A ideia é o objeto do conhecimento. Todo o conhecimento é formado pelo homem e este é a porta de abertura para que o ser humano se afastasse de Deus dentro da Idade Moderna. O capítulo 2 traz a visão de Weber (1864-1920) responsabilizando o protestantismo pelo surgimento e degradação do ser humano a partir do capitalismo. Para Weber (1864-1920), o capitalismo não é uma busca desenfreada por dinheiro, mas começa com uma ação racional apurada e calculada. O problema é quando Weber (1864-1920) começa a discutir sobre o início do capitalismo como se conhece (busca desenfreada pelo lucro). Ele começa a estabelecer as bases na ética protestante, especialmente, com Calvino (1509-1564). A implantação da Reforma trouxe novos conceitos bem diferentes do que o catolicismo vinha pregando com relação ao trabalho. Enquanto, o trabalho era visto como algo de baixo nível para os católicos, o protestantismo elava o status do trabalho para algo divino. Primeiro, Weber (1864- 1920) trata a questão de que o protestantismo apresenta o trabalho como uma vocação dada e que cada individuo precisa cumprir aquilo que Deus assim o vocacionou. Assim, Weber (1864-1920) entende que a visão calvinista não se pode gastar com coisas luxuosas como forma de ostentação, pois isso era mau para Deus, portanto, a ideia seria trabalhar mais e com isso ganhar mais dinheiro. Por fim, Weber (1864-1920) diz sobre como o protestantismo alienou o homem a trabalhar em busca do lucro: [...] surgiu uma ética econômica especificamente burguesa. Com a consciência de estar na plenitude da graça de Deus e visivelmente por Ele abençoado, o empreendedor burguês, desde que permanecesse dentro dos limites da correção formal, que sua conduta moral estivesse intacta e que não fosse questionável o uso que fazia da riqueza, poderia perseguir seus interesses pecuniários o quanto quisesse, e sentir que estava cumprindo um dever com isso. Além disso, o poder do ascetismo religioso punha lhe à disposição trabalhadores sóbrios, conscienciosos e extraordinariamente 13 ativos, que se agarravam ao seu trabalho como a um propósito de vida desejado por Deus 1 . O próximo capítulo traz as ideias de Sartre (1905-1980) sobre o homem. Ele parte do princípio que o existencialismo é uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade. Tal doutrina está fundamentada afirmando que a existência precede a essência, ou seja, o homem parte da subjetividade para construir sua essência. Isso implica que o homem é o responsável pelas suas ações. Aqui, Sartre (1905-1980) enfatiza a ausência de Deus e isso implica que o homem não deve satisfações de seus atos e também não há um conceito do que é certo ou errado. A responsabilidade do homem é por aquilo que ele faz. Essa é a liberdade que o homem tem, pensando no existencialismo. No capítulo que fala sobre o niilismo, Nietzsche (1844-1900) descreve como o homem precisa aprender a sobrepor a moral de sua época para viver sem muletas, ou seja, abandonar a moral cristã. O ser humano que consegue viver de acordo com seus instintos, superando as adversidades da vida sem a necessidade de Deus, atinge um patamar acima dos demais sendo chamado de “Super Homem”. Para alcançar tal nível, Nietzsche (1844-1900) fala que Deus está morto e elabora um exercício (Eterno Retorno) para verificar se cada indivíduo está vivendo segundo seus próprios conceitos e instintos. De maneira geral, o homem precisa se desconstruir de seus conceitos, influenciados pela sociedade. Neste ponto, ele se encontra no “vazio”, precisando se reconstruir a partir da sua maneira de pensar e de sentir. O capítulo 5 irá falar sobre como são os pensamentos, os sentimentos e atitudes do homem de acordo com a Bíblia. Para isso, será analisada a passagem de Romanos 3.9-20. A situação descrita nesta passagem coloca o homem como um ser decaído moralmente e incapaz de realizar obras boas e essa visão começa desde os primórdios da criação do mundo com a queda de Adão. A ênfase dessa queda está no fato de alcançar a todos os seres humanos independente de qual época estejam o que leva ao último capítulo. Este capítulo trará uma comparação dos movimentos filosóficos em relação às Escrituras. A construção das ideias de cada autor (Locke, Weber, Sartre e Nietzsche) 1 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 4ª Edição. Trad.: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 137. 14 para dar o direcionamento ao homem tem uma falha principal em comum: a centralização do homem como ponto de partida. Deus foi destituído da sua posição como referência de moralidade. O teocentrismo deu lugar ao antropocentrismo. A superioridade das Escrituras explica o resultado desastroso dessa inversão. 15 1. O ILUMINISMO: A DESCENTRALIZAÇÃO DO CRIADOR Alister McGrath (1956) comenta que o início do Iluminismo se deu por volta de 1750. A principal característica desse período é a declaração da onicompetência da razão humana. Issoimplica que a razão era capaz de explicar tudo sobre Deus e a moralidade, anulando assim a questão da revelação sobrenatural 2 . A visão teocêntrica deu lugar ao antropocentrismo. A Ciência já dava esse tom ao mostrar qual era a origem do conhecimento: a partir do raciocínio humano. Os conceitos da Ciência Medieval eram baseados na síntese das ideias da Grécia antiga com a teologia cristã. Seguindo o pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.) , os escolásticos acreditavam que toda criatura tinha seu próprio lugar no universo e que era proveniente de Deus. Essa forma de pensar afirmava a existência de “esferas misteriosas” girando em torno da Terra a qual era fixa. Essa teoria conhecida como geocêntrica baseou-se também nas Escrituras em Josué 10.12,13; Eclesiastes 1.5 e em vários salmos 3 . 2 MCGRATH, Alister. Paixão pela Verdade. Trad.: Hope Gordon Silva. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 137. 3 Cf. CLOUSE, Robert G.; PIERARD, Richard V.; YAMAUCHI, Edwin M. Dois Reinos: A igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. Trad.: Suzana Klassen. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 348 – 349. 16 No começo do século XVI, Nicolau Copérnico (1473-1543) começa a dar os primeiros passos para essa mudança de mentalidade. Apesar de adotar algumas ideias medievais como epiciclos e movimento circular perfeito dos corpos celestes, seu raciocínio foi baseado no método dedutivo. A partir de cálculos matemáticos, ele definiu que o Sol seria o centro do universo e que os demais planetas, inclusive a Terra, giravam em torno dele (teoria do heliocentrismo). Seguindo essa linha, Galilei Galilei (1564-1642) e Johann Kepler (1571-1630) fizeram aprimoramentos nos cálculos matemáticos e fortalecimento dessa nova teoria 4 . A ciência medieval acabou perdendo mais espaço com os estudos de Isaac Newton (1643-1727) na metade do século XVII. Suas contribuições para a matemática e física foram precisas, sendo que até os dias atuais, são amplamente utilizadas para estudo dos princípios da física. Sua abordagem era pautada em três princípios: experimentação; simplicidade e uso da matemática 5 . Neste mesmo período surge a figura de John Locke (1632-1704) o qual influenciou o movimento do Iluminismo através de seus escritos na área filosófica. Uma de suas principais obras é Ensaio Acerca do Entendimento Humano, explicando que todo o conhecimento é derivado da experiência e não provenientes de conceitos inatos ao homem. A seguir, serão apresentados os argumentos de Locke (1632-1704) de como o homem pode conhecer a si mesmo e sua realidade ao redor. 1.1. NÃO HÁ PRINCÍPIOS INATOS NA MENTE Locke (1632-1704) começa afirmando que não há princípios inatos no homem. Essa proposição está vinculada à sua leitura de um autor chamado Ralph Cudworth (1617-1688) o qual vinculava a certeza da existência de Deus com o conhecimento inato do homem 6 . O que Locke (1632-1704) queria anular era o dogmatismo individual o que poderia transformar m certezas irredutíveis. A produção de verdade está mais vinculada ao fator de aceitação do maior número de pessoas (assentimento geral). 4 Cf. CLOUSE, Robert G.; PIERARD, Richard V.; YAMAUCHI, Edwin M. Dois Reinos: A igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. p. 350- 351. 5 Ibid., p. 353. 6 LOCKE; John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. Trad.: Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultura, 1999, p. 9. 17 A análise prossegue, contra argumentando com diversas proposições da existência de o homem constituir um pré-conhecimento de verdades. As crianças, por exemplo, não possuem verdades intrínsecas capazes de serem expressas e dizer que elas tomam conhecimento dessas verdades quando alcançam a idade da razão, ainda assim, não prova o inatismo 7 . O acordo universal (assentimento geral) também não constitui como prova ao inatismo, tendo em vista o meio que foi utilizado para essa concordância universal entre os homens 8 . Isso implica que não há como chegar ao assentimento geral sem que haja discussões, conversas ou análises em grupo para se chegar a conceitos morais mais profundos. Sendo assim, os passos pelos quais a mente alcança várias verdades são iniciadas com ideias particulares, preenchendo a mente vazia. Posteriormente, algumas dessas ideias são depositadas na memória as quais são designadas por nome. Em outro momento, a mente abstrai e apreende gradualmente o uso dos nomes gerais. A partir daí, há o enriquecimento das ideias e linguagem, materiais com que exercita sua faculdade discursiva. O resultado é a visibilidade do uso da razão, de acordo com o emprego desses materiais 9 . 1.2. NÃO HÁ PRINCÍPIOS PRÁTICOS INATOS Novamente, Locke (1632-1704) procura combater as possíveis situações práticas que podem levar à conclusão do inatismo. A justiça, por exemplo, não pode ser considerada princípio moral inato, pois consiste na concordância de um grupo de pessoas (assentimento geral) 10 . De maneira geral, as regras morais necessitam de provas e, portanto, não pode ser considerada com inata. A razão humana é o árbitro para se definir essas regras. Assim sendo, as virtudes são proveitosas para o homem, tendo em vista que é da 7 LOCKE; John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. p. 38. 8 Ibid., p. 37. 9 Ibid., p. 41. 10 Ibid., p. 45. 18 vontade e lei de Deus o cumprimento de tais regras, pois o Senhor chamará a todos para prestação de suas contas 11 . Para dar maior ênfase sobre a virtude não ser inata é que os homens têm princípios práticos opostos e que nações inteiras rejeitam várias regras morais 12 . O ponto aqui é a falta de universalidade dos princípios morais, pois se estes princípios fossem inatos, deveria haver consenso geral (assentimento geral) sem a necessidade de discussão de ideias. 1.3. A ORIGEM DAS IDEIAS E DO CONHECIMENTO As ideias surgem com base na consciência dos pensamentos do homem. Se há algo inato do ser do homem são as ideias. Elas resultam das experiências que o homem tem a partir dos seus sentidos com o meio externo. Além disso, existe outra fonte de ideias que seria a percepção das operações da própria mente. Assim, surge uma série de ideias que são observações das ações do interior humano, tais como, a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, o raciocinar, etc 13 . Locke (1632-1704) divide as ideias em simples e complexa. A primeira é estabelecida com base na sensação e reflexão e a segunda são as interações das ideias simples 14 . Assim, a partir da formação, percepção e retenção dessas ideias, o ser humano é capaz de adquirir o conhecimento e é apenas desta maneira que consiste em formar o conhecimento 15 . Existe dois graus de conhecimento: intuitivo e demonstrativo. O primeiro diz respeito ao acordo ou desacordo de duas ideias imediatamente por elas mesmas, sem a intervenção de qualquer outra 16 . Como exemplo disso, a mente percebe que branco não é preto, ou que círculo não é quadrado. Já a segunda consiste no acordo ou desacordo de quaisquer ideias, mas não imediatamente 17 . O exemplo disso seria verificar um copo com água e outro com álcool em que não é possível definir de forma imediata e intuitiva 11 LOCKE; John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. p. 46. 12 Ibid., p. 47. 13 Ibid., p. 57 e 58. 14 Ibid., p. 91. 15 Ibid., p. 211. 16 Ibid., p. 217. 17 Ibid., p. 218. 19 cada substância. Assim, caso o conhecimento não seja intuitivo ou demonstrativo, trata- se de fé ou opinião denominado aqui de sensitivo 18 . Com base nas informações sobre ideia e conhecimento, pode se tratar sobre a formação de verdades dentro da mente humana. 1.4. A FORMAÇÃO DA VERDADE Conformediz Locke (1632-1704), “a verdade consiste numa investigação de várias épocas. [...] não apenas vale nosso cuidadoso exame para averiguar em que consiste, e deste modo adquirir familiaridade com a sua natureza, como ainda observar de que modo a mente a distingue da falsidade” 19 . Fica claro qual é o parâmetro para estabelecer aquilo que é verdadeiro e falso: a mente. Neste contexto aparece o conceito de proposição para julgar se algo é verdadeiro ou não. A proposição surge da união ou separação de sinais, e de que modo as coisas significadas por elas concordam ou discordam entre si. Vale destacar que os tipos de proposições são mental e verbal e os tipos de sinais são ideias e palavras 20 . Vale ressaltar as teorias de René Descartes (1596-1650) acerca do entendimento da moral humana as quais influenciaram sobre o conceito de formação da verdade. Antes de tudo, Descartes (1596-1650) procura dar um direcionamento sobre a compreensão da união da alma com o corpo. Essa concepção não busca dar um conhecimento pleno desta união, mas sim tenta mostrar o que ocorre no divisível (matéria; corpo) a partir do indivisível (pensamento; mente). A união de alma e corpo aponta para duas ciências: a Moral e a Medicina 21 . Em sua obra Discurso do Método, Descartes (1596-1650) descreve sobre a moral provisória. Conforme exposto por Gonçalves, “A moral provisória é um período anterior à realização do método cartesiano onde não há estagnação da procura da verdade e sim um trabalho de preparação à realização do mesmo” 22 . A ideia aqui é de estabelecer 18 LOCKE; John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. p. 221. 19 Ibid., p. 243. 20 Ibid., p. 243. 21 CIVITA, Victor. Os Pensadores, Descartes, Vol. XV. Trad.: J. Guinsburg e Bento Prado Júnior, São Paulo: Abril S.A., 1973, p. 22 e 23. 22 GONÇALVES, Angela, A Moral Provisória em René Descartes. A Semana Acadêmica do PPG em Filosofia da PUCRS, Porto Alegre, 2008. Disponível em: http://editora.pucrs.br/anais/semanadefilosofia/XII/13.pdf. Acesso em: 06/11/2019, p. 3. 20 parâmetros mínimos para que o indivíduo possa desenvolver ações práticas para questões não filosóficas da vida, ou seja, fornecer um direcionamento para suas atitudes para que o mesmo possa viver o mais satisfeito possível. Para isso, Descartes (1596- 1650) estabelece quatro máximas: obedecer às regras e costumes do país, retendo constantemente a religião em Deus; ser firme e o mais resoluto possível nas ações; modificar seus desejos antes de modificar a ordem do mundo e, em geral, crer que nada está em nosso poder a não ser o próprio pensamento; ocupar seu tempo em cultivar a razão na busca da verdade 23 . Descartes (1596-1650), em seu livro As Paixões da Alma, traz a ideia de como obter e se contentar com um conhecimento imperfeito, porém, suficiente para estabelecer fundamentos certos em moral. A conclusão tirada é de viver em conformidade com a vontade estabelecida firmemente dentro de cada ser humano 24 . No final das contas, a moral provisória se equipara com a moral das paixões para se chegar à verdade. Mediante o conhecimento e formação de verdades, Locke (1632-1704) desenvolve argumentos sobre o conhecimento do homem sobre a existência humana, divina e de outras coisas. 1.4.1. Verdade sobre a existência humana A existência humana está baseada no conhecimento intuitivo, tendo em vista que qualquer ser humano pensa, raciocina, sente prazer e dor. Caso haja dúvidas sobre a existência das demais coisas, a própria dúvida seria um sinal da existência do indivíduo 25 . Aqui há uma ligação com a frase de René Descartes (1596-1650) quando diz “penso, logo existo”. A ideia de Descartes (1596-1650) era de por em dúvida tudo o que existe para se chegar ao conhecimento absoluto. Ao aplicar esse método, a conclusão chegada foi que não há como duvidar da sua própria dúvida baseada no seu pensamento, logo o homem existe pela sua atividade de pensar 26 . Locke (1632-1704) provavelmente 23 Ibid., p. 3 a 5. 24 CIVITA, Victor. Os Pensadores, Descartes, Vol. XV. Trad.: J. Guinsburg e Bento Prado Júnior, São Paulo: Abril S.A., 1973, p. 23. 25 Ibid., p. 265. 26 Observações de aula do rev. Felipe Fontes nas aulas de filosofia. 21 se utiliza desse princípio para comprovar a existência humana, não só porque o homem pensa, mas ele expande para os sentimentos de prazer e dor do ser humano como requisitos para evidenciar esta existência. 1.4.2. Verdade sobre a existência de Deus A verdade sobre a existência de Deus está baseada no conhecimento demonstrativo. Embora Deus não tenha deixado ideias inatas sobre o seu ser, ele capacitou o homem de sentidos, percepção e razão para descobri-lo 27 . O desenvolvimento para demonstrar a existência de Deus começa com a criação. Tendo em vista que o homem não pode produzir sua essência (o ser) é preciso que exista um ser eterno como o início de tudo e que seja o motor inicial da vida 28 . Além disso, este ser é a fonte de todo o poder, tendo em vista que ele é o início de tudo e deve ter tudo o que existe, algo bem semelhante ao que Tomás de Aquino (1225-1274) diz sobre suas cinco vias para provar a existência de Deus e também aqueles que acreditam na Teoria do Designer Inteligente (TDI). Por fim, pela capacidade de percepção e conhecimento humano, Locke (1632- 1704) conclui que este ser é congnoscente (aquele que é capaz de conhecer), tendo em vista que se ele é o início de tudo, não havia conhecimento, logo este ser é o que manifesta todo o conhecimento por ele ser a fonte 29 . A conclusão é que este ser é Deus pelos atributos falados. 1.4.3. Verdade sobre a existência de outras coisas Para demonstrar sobre o conhecimento da existência das coisas externas, o autor traz o aspecto do conhecimento sensitivo, tendo em vista que não há “conexão necessária da existência real com qualquer ideia que um homem tem em sua memória, de qualquer outra existência”. Apenas quando há a manifestação externa de outro ser através de alguma operação real é que se pode notar o ser de outra pessoa 30 . 27 LOCKE; John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. p. 267. 28 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad.: Alexandre Correia. Disponível em: https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf. Acesso em: 17/08/2019, p. 130. 29 LOCKE; John. Ibid. p. 268 30 LOCKE; John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. p. 275. 22 O conhecimento sensitivo está interligado com a interação dos sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato) com o objeto externo para provar a existência do mesmo, uma vez, por meio dos sentidos, há a segurança de o homem não ser enganado. Além disso, eles se complementam para dar o testemunho da existência das coisas externas 31 . 1.5. CONCLUSÃO Para Locke (1632-1704), a formação do conhecimento e da verdade é alcançada a partir do próprio ser humano. O homem não possui conhecimento ou qualquer tipo de princípio inato. Sua formação de conhecimento e da verdade se dá por meio da interação dos seus sentidos com o meio em que vive com base na interpretação de sua mente. Esse tipo de cosmovisão trouxe o amadurecimento para a autonomia do homem, a liberdade para buscar o conhecimento fora da graça de Deus. Francis Schaeffer (1912-1984) traz uma boa explicação de como isso se acentuou. Ele traz a visão implantada por Tomás de Aquino (1225-1274) sobre a graça e a natureza em planos diferentes. Enquanto o primeiro plano envolve a divindade de Deus e tudo o que existe no campo celestial, o segundo trata da criação, ou seja, o que existe na esfera terrena. 32 Na época de Immanuel Kant (1724-1804) e Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778), essa dicotomiase intensificou de tal forma a substituir a graça pela liberdade. Kant (1724-1804), por exemplo, desvincula o campo dos fenômenos com o mundo noumenal dos universais (objeto ou evento posto que é conhecido sem o uso dos sentidos). Com isso, a natureza ganha o status de autônoma e o determinismo que até então estava restrito à área da física começa a ser aplicada para o ser humano. Rousseau (1712-1778) tenta preservar a liberdade humana, negando a própria civilização como elemento inibidor dessa liberdade, afinal de contas, o homem já estava sendo reduzido a uma máquina 33 . Locke (1632-1704) contribuiu para construir uma cosmovisão antropocêntrica em que o homem, a partir do seu raciocínio, consegue explicar a si mesmo, Deus e tudo 31 Ibid., p. 276 e 277. 32 SCHAEFFER, Francis. A Morte da Razão. Trad.: Gabrielle Gregersen. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 21. 33 Ibid., p. 46 e 47. 23 o que existe ao seu redor. A partir daí, o afastamento do homem em relação ao que ao seu Criador torna-se mais acentuada e as linhas filosóficas para explicar o ser do homem torna-se mais complicada. 24 2. CAPITALISMO – O HOMEM EM BUSCA DE LUCRO Após avaliar o Iluminismo, a humanidade continua com sua tentativa de explicar a natureza humana. Um dos nomes mais influentes dentro do capitalismo é o filósofo e economista Adam Smith (1723-1790) o qual defendia ideias economistas liberais diante de um cenário mercantilista promovido pelos reis absolutistas 34 . A premissa básica defendida por Smith (1723-1790) era que o governo não precisava interferir na economia. O mercador ou comerciante poderia regular as negociações e preços do mercado baseado no interesse próprio. O resultado seria a construção de uma sociedade em que a economia seria regularizada pela iniciativa privada, segundo os interesses do povo. Assim sendo, cada indivíduo tem possibilidade de crescer conforme sua vontade de trabalhar e de se desenvolver. O que Smith (1723- 1790) queria era o bem estar da sociedade a partir do crescimento econômico de cada indivíduo 35 . 34 FERREIRA, Ramiro Gomes. Adam Smith: A História e o que o Pai da Economia Moderna Tem a Nos Ensinar Sobre A Vida. Clube do Valor, 31/08/2018. Disponível em: https://clubedovalor.com.br/adam- smith/. Acesso em: 21/06/2019. 35 Ibid. 25 Embora demonstrasse grande benevolência através de obras secretas de caridade 36 , o capitalismo que ele almejava, não atingiu esse ponto de estruturar uma sociedade mais igualitária e justa para todos. Os problemas do capitalismo já existiam desde o século XVI com a chegada de países europeus no continente americano. Os portugueses e espanhóis extraíram uma grande quantidade de ouro e prata o que levou a economia da Europa a um desequilíbrio. O aumento das riquezas desenfreadas de diversos banqueiros trouxe um aumento dos preços dos produtos de maneira geral, o que elevou as diferenças sociais. Até mesmo a própria igreja que era contra empréstimos a juros acaba cedendo diante desse novo cenário 37 . A nova perspectiva econômica traz consequências graves para as profissões de maneira geral. Com os salários não acompanhando o aumento da inflação as greves surgem como uma forma de demonstrar o descontentamento de diversas classes. A greve ocorrida em Lyon em 1539 dos impressores, por exemplo, traz o alto nível de insatisfação por conta da insuficiência dos salários, pelo excessivo número de aprendizes e pela má distribuição das horas de trabalho. 38 Na tentativa de explicar as atitudes humanas dentro do capitalismo no século XIX e suas origens, Max Weber (1864-1920) escreveu o livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. A seguir será resumido o que Weber (1864-1920) visualizava sobre o homem e o capitalismo. 2.1. A EXTENSÃO DO ESPÍRITO CAPITALISTA E SEU SIGNIFICADO O capitalismo não é uma busca desenfreada por dinheiro, mas começa com uma ação racional apurada e calculada. O ponto aqui é a possibilidade de se obter lucro perante algum negócio que se vá fazer, ou seja, a partir de um balanço inicial da empresa aplica-se a provável lucratividade com base no negócio a se fazer para se ter 36 FERREIRA, Ramiro Gomes. Adam Smith: A História e o que o Pai da Economia Moderna Tem a Nos Ensinar Sobre A Vida. 37 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. Trad.: Valdyr Carvalho Luz. 2ª Edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 199 e 200. 38 Ibid., p. 218 e 219. 26 um balanço final positivo em relação ao inicial. É importante que o cálculo seja feito em dinheiro, não importando quais métodos de contabilidade serão aplicados 39 . A ganância e o impulso em ganhar dinheiro estão presentes em qualquer profissional, porém não está associado à definição de capitalismo na sua forma pura. Vale destacar que as empresas capitalistas estão sempre em busco do lucro, mas é no sentido racional para que haja a devida manutenção de cada empresa, caso contrário, elas entrariam em extinção 40 . A racionalidade aqui mencionada está vinculada com o estudo dos cálculos de lucratividade. Seria a estimativa de quanto uma empresa poderá lucrar a partir da realização de um negócio. Por ser algo estimado de acordo com as circunstâncias, o grau de racionalidade sofre interferências o qual pode ser mais ou menos preciso 41 . A dúvida que paira é por que o Ocidente conseguiu desenvolver esse capitalismo racional e o Oriente não seguiu a mesma linha? A resposta é porque é uma questão específica da cultura do Ocidente. A causa de a cultura ocidental ser tão focada no capitalismo racional está na influência das ideias religiosas no desenvolvimento de um espírito econômico 42 . Embora haja outros aspectos causais, o autor se limita ao fator da religião para explicar o desenvolvimento do capitalismo na sociedade ocidental. 2.2. A RAIZ DO CAPITALISMO ESTÁ NO PROTESTANTISMO A avaliação da raiz do capitalismo começa com a observação de que os mais prósperos eram em sua maioria protestantes e tal fato, não se restringe a uma nação. O desenvolvimento estava principalmente nas cidades que aderiram ao protestantismo no século XVI. A Igreja nunca deixou de exercer sua influência, porém, com o advento da Reforma, houve uma modificação no controle que a Igreja exercia sobre os membros. Essa diferença entre o Catolicismo e o Protestantismo podia ser notada a partir da especialização da mão de obra e no envolvimento no trabalho. A proporção de católicos era menor que os protestantes na moderna indústria. Conforme diz Weber (1864-1920): 39 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Trad.: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 27. 40 Ibid., p. 26. 41 Ibid., p. 27. 42 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. p. 32. 27 “A explicação desses casos é, sem dúvidas que as peculiaridades mentais e espirituais adquiridas do meio ambiente, especialmente do tipo de educação favorecido pela atmosfera religiosa da família e do lar, determinaram a escolha da ocupação e, por isso, da carreira” 43 . Enquanto o Catolicismo fundamenta suas doutrinas em suas práticas de se abster do materialismo com o objetivo de aprimorar sua espiritualidade, o Protestantismo critica esse modo de viver. 2.3. O ESPÍRITO DO CAPITALISMO O desafio é mostrar como o capitalismo tornou-se aceitável dentro da sociedade. Aquilo que poderia ser uma simples busca desenfreada pelo dinheiro e que poderia ser algo desonroso transforma-se em uma característica positivo. Mais do que isso, o capitalismo faz parte do ethos do indivíduo, ou seja, faz parte dos seus princípios morais.Ao contrário do que dizem os católicos sobre a busca do materialismo ser corruptível, a mentalidade do capitalismo moderno tinha algo diferente. Não parecia ser um egocentrismo para aqueles que tinham o capitalismo como padrão de vida. A explicação para tal fato é que a busca pelo dinheiro ganhou um status de ser transcendente e que sai da esfera da racionalidade. O homem não ganha dinheiro para o seu prazer, mas parte do princípio de ideias religiosas para obter a satisfação. Benjamin Franklin (1706-1790) tinha como lema Provérbios 22.29 (Vês um homem diligente em seus afazeres? Ele estará acima dos reis) que servia um direcionador para trabalhar arduamente e ganhar dinheiro. Assim “o ganho de dinheiro na moderna ordem econômica é, desde que feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da eficiência em certo caminho; e essas eficiência e virtude são, como agora se tornou fácil de ver, o alfa e o ômega da verdadeira ética de Franklin (1706-1790) 44 ”. O capitalismo moderno não é sem escrúpulos ao mesmo tempo traz uma seleção daqueles que conseguem melhor sobreviver devido suas aptidões econômicas. Em lugares onde houve atraso no desenvolvimento burguês capitalista, nota-se a busca de 43 Ibid., p. 41. 44 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. p. 51. 28 interesses egoístas na obtenção do dinheiro, porém essa não é a visão predominante da sociedade da época 45 . 2.4. A ANÁLISE DA DOUTRINA CALVINISTA E SEU RESULTADO O principal movimento doutrinário responsável pelo capitalismo é o calvinismo. Sua doutrina influenciou países como Inglaterra, Holanda e França. A questão aqui são os fatos históricos como fator causal para explicar como surgiu o capitalismo 46 . O foco da doutrina calvinista está na predestinação a qual serviria de base e de grande influência para uma das principais confissões no meio reformado: a Confissão de Fé de Westminster. Nela são destacados alguns capítulos sobre a ausência de liberdade humana em escolher a Deus, os decretos divinos quanto a alguns homens serem destinados para a vida eterna e outros para a morte eterna, a vocação efetiva que Deus produz na vida do predestinado e de como o Senhor entrega a Satanás todo aquele que está predestinado para a morte eterna 47 . A doutrina da predestinação levou Weber (1864-1920) a concluir que Calvino (1509-1564) havia transformado o Deus amoroso do Novo Testamento em um ser terrível o qual, por meio dos seus decretos imutáveis, torna impossível de se obter sua graça àqueles que não foram predestinados 48 . Ao mesmo tempo, ao observar aqueles que eram predestinados, essa doutrina produziu santos autoconfiantes ao combater quaisquer dúvidas e tentações do diabo 49 . Para demonstrar a efetividade dessa fé, as boas obras eram os sinais dos santos regenerados, ainda que tais obras não implicassem em conquistar a salvação 50 . A salvação não era mais como um passe de mágica tão demonstrada no catolicismo em que o padre pudesse transformar o pão e o vinho no corpo e sangue de Jesus (transubstanciação). O homem para sair do estado natural (status naturae) para o estado 45 Ibid., p. 54. 46 Ibid., p. 83. 47 Ibid., p. 84 e 85. 48 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. p. 87. 49 Ibid, p. 92. 50 Ibid., p. 94. 29 da graça (status gratiae) devia seguir uma rígida conduta moral em que todas as atitudes deveriam apontar para Deus 51 . Esse tipo de vida ascética acabou “vazando” para o meio secular. A partir daqui, existe a possibilidade de interligar o espirito capitalista com esse novo tipo de vida regrada, que não ficava mais dentro de mosteiros, mas dentro da sociedade. O calvinismo dentro do seu aspecto ascético acabou influenciando neste sentido outras doutrinas protestantes. Assim, o trabalho ganhou um status divino em que a religião conseguiu disponibilizar “trabalhadores sóbrios, conscienciosos e extraordinariamente ativos, que se agradavam a seu trabalho como a um propósito de vida desejado por Deus” 52 . O que era visto era uma mentalidade ascética e frugal com relação ao dinheiro. Não havia espaço para o consumismo desenfreado, portanto, a poupança era algo bem visto entre os protestantes. Assim, era natural existir o enriquecimento de todos aqueles que adotavam esse estilo de vida. O importante era não produzir riquezas baseadas em desonestidade ou por avareza 53 . Essa foi a mentalidade deixada no século XVII pelos protestantes a seus sucessores utilitaristas. A classe burguesa surgiu com essa intuição de acumular riqueza desde que dentro dos limites da correção formal e sem peso na consciência. Por fim, foi validada a distribuição desigual da riqueza como um ato divino o que posteriormente, foi tomado pelo meio secular para pagamento de baixos salários à massa de trabalhadores e artesãos 54 . 2.5. CONCLUSÃO Max Weber (1864-1920) tentou fazer uma leitura de sua realidade com base nos fundamentos protestantes e relacioná-los ao capitalismo moderno. Ele demonstra ter pesquisado e avaliado as mudanças de cultura introduzidas pela Reforma Protestante, em especial, a doutrina calvinista. 51 Ibid., p. 98. 52 Ibid., p. 137. 53 Ibid., p. 133 e 134. 54 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. p. 137. 30 Com a vinda da Revolução Industrial, o capitalismo trouxe um cenário de grande desigualdade. Dentro das famílias, o sustento ficava por conta do homem, enquanto a mulher cuidava do lar e dos filhos. A classe trabalhadora sofria com as pesadas jornadas de expediente, baixos salários, condições insalubres, moradia inadequada e falta de segurança social, caso ocorresse algum acidente com o marido enquanto que havia protestantes e judeus ocupando cargos no setor bancário 55 . De fato, Weber (1864-1920) tinha bons indícios para interligar a ética capitalista com o protestantismo, mas a sua avaliação acabou sendo tendenciosa conforme será falado no último capítulo. O que fica claro em seus escritos é que o Protestantismo apenas trouxe conceitos para a implantação do espírito capitalista, mas não fazia parte da desigualdade criada naquela época. Max Weber (1864-1920) traz a concepção de que o espírito capitalista de sua época faz parte do ethos. Este espírito faz parte da essência humana, causado pelos conceitos protestantes. Ao descrever essa ética racional, que traz desigualdade, Weber (1864-1920) aponta para qual é o deus que os homens servem: o dinheiro. Algo a se destacar é a avaliação histórica da mudança de perspectiva do trabalho do Catolicismo para o Protestantismo. Enquanto o primeiro trazia o trabalho como algo que deturpa o ser humano, o segundo traz conceitos elevando a um status divino. De certo modo, os conceitos protestantes trouxe o progresso necessário para a implantação das indústrias, tendo sua parcela de contribuição para a Revolução Industrial. Infelizmente, o autor não abordou em qual momento o Protestantismo se desvinculou do espírito capitalista. Levando em consideração que a Reforma surgiu no século XVI e a doutrina calvinista foi mais desenvolvida e difundida no século XVII, uma boa explicação seria o surgimento do Iluminismo em que o homem busca as respostas em si mesmo e não em Deus conforme visto no capítulo anterior. As práticas protestantes sobre a valorização do trabalho permaneceram, mas, na época de Weber (1864-1920), o que predominava era o antropocentrismo e não mais o trabalho como um meio de glorificar a Deus. Conforme diz Veith (1951) acertadamente: “As sociedades e economias foram repensadas e reprojetadas. A constituição americana e a economia de mercado livre, assim como as ciências humanas naturais, tinhamtido sua 55 CLOUSE, Robert G.; PIERARD, Richard V.; YAMAUCHI, Edwin M. Dois Reinos: A igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. p. 448 e 449. 31 origem numa visão mundial bíblica, embora se coadunassem com as teorias do Iluminismo” 56 . 56 VEITH JR., Gene Edward. Tempos Pós-modernos. Trad.: Hope Gordon Silva. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p.28. 32 3. EXISTENCIALISMO – O HOMEM EM BUSCA DE SUA LIBERDADE O existencialismo teve seu início com princípios teocêntricos, porém, a chegada de novos autores ocasionou na descentralização de Deus para a centralidade do homem. Um dos maiores representantes desse movimento foi Jean-Paul Sartre (1905-1980) o qual descreve o homem como um ser totalmente capaz de buscar seu livre arbítrio sem critérios ou parâmetros para o definir. Este movimento é marcado pelo homem tentando buscar sua liberdade. 3.1. O INÍCIO DO EXISTENCIALISMO O existencialismo surge com Soren Kierkegaard (1813-1855) no século XIX 57 . Sua visão não era eliminar a lei moral, porém se houvesse algum conflito entre a questão ética e a religiosa, o ético deveria ser suspendido para obedecer a Deus. Embora tenha considerado o aspecto ético como universal, ou seja, válido para todas as pessoas, os deveres voltados a Deus são prioridade. Este é o paradoxo da fé 58 . 57 CELETI, Filipe Rangel. Existencialismo. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Disponível em: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/filosofia/existencialismo.htm. Acesso em: 11/03/2018. 58 GEISLER, Norman L. Ética Cristã: Alternativas e Questões Contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 20. 33 Apesar de ser existencialista, sua fé era embasada no Deus das Escrituras, diferentemente, de outros representantes como Sartre (1905-1980) e Heidegger (1889- 1976). Martin Heidegger (1889-1976) foi outro grande precursor do existencialismo o qual deixou sua contribuição para este movimento fora dos conceitos do cristianismo. As ideias principais de Heidegger (1889-1976) quanto ao “ser” são: o ser é autônomo, independente e indefinível; a existência é o modo de ser deste ente que é o homem; a existência do homem, o possibilita de transcender o seu próprio eu; o homem só existe porque está essencialmente ligado ao tempo; a morte é a única maneira de atingir a individuação, ou seja, conquistar a totalidade de sua vida 59 . Outro ponto importante desenvolvido por Heidegger (1889-1976) foi a linguagem a qual possui interação com o ser. Para isso, ele relaciona dois tipos de linguagem com o ser: A linguagem original exprime diretamente o ser, mostra-o, revela- o e o traz para a luz; A linguagem derivada consiste nas fases de resposta e proclamação 60 . Por fim, o destaque fica para o conceito de verdade desenvolvida por Heidegger (1889-1976). Conforme Pardal diz: A verdade passa a ser agora definida como adequação do olhar ao objeto, como correspondência entre o modo de ver a natureza da coisa. Encontrado, por exemplo, na fórmula aristotélico-escolástica; segundo a qual a verdade é a adequação do intelecto com a coisa. A verdade se torna mais uma relação sujeito-objeto (base de toda nossa concepção de epistemologia central no pensamento moderno; mas que se origina de acordo com esta interpretação) 61 . Este ponto é importante, pois ajuda a entender um pouco a visão desenvolvida por Sartre (1905-1980). A verdade deve partir do próprio homem de acordo com o seu ser. Esta ideia é semelhante em Sartre em que ele nega os conceitos de moralidade de seu tempo para construir novos conceitos de acordo com o pensamento de cada indivíduo. 59 PARDAL, Poliana Priscila Matos. Conceitos do existencialismo vistos sob a ótica de Martin Heidegger. Disponível em: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/conceitos-existencialismo- vistos-martin-heidegger.htm. Acesso em: 11/03/2018. 60 Ibid. 61 Ibid. 34 3.2. O EXISTENCIALISMO COM SARTRE Para avaliar o pensamento de Sartre (1905-1980) será utilizado o artigo escrito por ele intitulado O Existencialismo é um Humanismo. O objetivo é verificar quais são as atitudes do homem e como ele é enxergado dentro do existencialismo. Na ótica de Sartre (1905-1980), o Existencialismo declara que “toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana” 62 . Isto implica na seguinte conclusão: para que a interpretação dos fatos existentes seja verdadeira ou falsa, há a necessidade do pensamento humano. Uma das frases que resumiria essa ideia é que a essência precede a existência. A partir dessa conclusão, houve a formulação do entendimento da essência do homem a partir de Deus como criador, ou seja, o Senhor produziu o homem mediante determinadas técnicas e para funções específicas, materializando, certos conceitos do criador. Vale ressaltar que o autor está avaliando o pensamento antes do século XVIII com base na sua conclusão analisada. Depois do século XVIII, entra em cena o ateísmo e o homem como o conceito universal, porém a conclusão de Sartre (1905-1980) continua sendo válida (a essência precede a existência). A diferença está no referencial da essência em que o homem procedente da selva e o burguês possuem as mesmas características básicas 63 . Provavelmente, Sartre (1905-1980) está comparando a origem do homem a partir de Charles Darwin (1809-1882) e o homem moderno de sua época. A essência de ambos são as mesmas, apenas mudando os propósitos que cada um possuía. A linha existencialista defendida por Sartre (1905-1980) elimina a existência de Deus, tornando o homem o centro do universo. Assim, a partir da existência do homem, ele mesmo consegue definir a sua essência. As implicações para tal fato são: “o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo. [...] O homem é, antes de mais nada, 62 SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Trad.: Rita Correia Guedes. Paris: Les Éditions Nagel, 1970, p. 2. 63 Ibid., p. 4. 35 aquilo que se projeta num futuro, e que tem a consciência de estar se projetando no futuro. 64 ” Assim, todo e qualquer mudança que o homem realiza é de sua inteira responsabilidade com base em suas escolhas. A consequência é a eliminação daquilo que é certo ou errado, pois cada um tem o direito de descobrir e definir o que irá ser sem se preocupar se há algum padrão a ser seguido. Na verdade, o único padrão que existe é o da própria pessoa ao fazer suas escolhas de vida. Esta é a nova linha redefinida por Sartre (1905-1980): “a existência precede a essência”. Colocando o mundo no topo do mundo, o novo modo de vida se preocupa com o sentimento humano de maneira que ninguém pode ter sofrimento. O mais importante é que cada ser humano possui o poder de decidir para onde direcionar sua vida. Sendo assim, ao eliminar a existência de Deus, o foco é o individualismo, é a capacidade de cada um criar a sua própria verdade. Até aqui pode ser visto as teorias do Iluminismo e, em específico, a ideia desenvolvida por Locke (1632-1704). O pilar central para montar suas verdades é a frase de Descartes (1596-1650): “penso, logo existo”, presente também no livro Ensaio Acerca do Entendimento Humano. “Para que haja uma verdade qualquer, é necessário que haja uma verdade absoluta; e esta simples e fácil de entender; está ao alcance de todo o mundo; consiste no fato de eu me apreender a mim mesmo, sem intermediário” 65 . Uma das consequências que torna atrativa esse tipo de pensamento é a que atribui ao homem uma dignidade, tendo em vista para descobrir sua própria existência, é necessário descobrira existência do outro. Assim, nas palavras de Sartre (1905-1980) “a descoberta da minha intimidade desvenda-me, simultaneamente, a existência do outro como uma liberdade colocada na minha frente, que só pensa e só quer ou a favor ou contra mim. Desse modo, descobrimos imediatamente um mundo a que chamaremos de intersubjetividade e é nesse mundo que o homem decide o que ele é e o que são os outros” 66 . 64 Ibid,, p. 4. 65 SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. p. 12. 66 Ibid., p. 13. 36 Sartre (1905-1980) leva em consideração diversos pontos que vão de encontro com sua filosofia. O primeiro deles seria que qualquer pessoa poderia fazer o que bem entender. O autor esclarece que não é bem assim, tendo em vista que os fatores externos influenciam na sua escolha, ainda que não seja o fator decisivo 67 . Outra questão é que não há como julgar os outros, pois a verdade para um não pode ser a mesma para o outro. Realmente, cada um pode criar a sua verdade conforme o progresso de cada ser humano, porém, existe a possibilidade de julgar o outro, pois cada um escolhe perante os outros e se escolhe perante os outros. Em outras palavras, cada um pode fazer o julgamento de outros mediante seus próprios valores, sem a necessidade de mudar o outro, pois este último possui seus critérios de verdade. Esta é a liberdade que cada um tem de criar suas verdades e de julgar. O resultado é que este questionamento é verdadeiro e falso, simultaneamente. O último questionamento é que não há seriedade nos valores desenvolvidos, pois cada um pode escolher os seus valores. Partindo da premissa que não existe Deus, os valores precisam ser inventados. Alias se não for assim, a vida fica sem sentido. O fato é que o existencialismo exalta as atitudes e valores criados pelo homem e não o próprio homem em si como fazem os humanistas e é aí que está a chave para levar em consideração os valores criados. Esta é uma doutrina de ação em que não há margem para o desespero, mas sim, para o otimismo em que independente da existência de Deus, os existencialistas criarão seus próprios valores 68 . 3.3. CONCLUSÃO O existencialismo de Sartre (1905-1980) pode ser resumido em dois pontos: o homem é uma bolha vazia, flutuando no mar do nada e o homem está condenado à liberdade 69 . Este novo ser humano deve construir sua própria escala de valores sem se preocupar com a imposição de valores externos. O que importa é o seu próprio pensamento em relação a si mesmo e em relação ao mundo. 67 SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. p. 15. 68 Ibid., p. 18 e 19. 69 GEISLER, Norman L. Ética Cristã: Alternativas e Questões Contemporâneas. p. 25 e 26. 37 Isso não significa que o existencialista pode fazer tudo sem levar em consideração o meio externo, porém o fator determinante é o seu próprio “eu”. Assim, embora alguém possa julgar o outro, este último possui seus próprios valores morais. O foco é a rejeição da ética atual, principalmente, naquilo que são preceitos vinculados a Deus. A ideia é que independente da existência ou não de Deus, o homem é capaz de criar sua própria ética e caminhar por si mesmo com base no seu progresso de pensamento. 38 4. NIILISMO: A TRANSVALORIZAÇÃO DA MORAL A palavra niilismo no seu sentido denotativo significa “vazio”. Esta palavra foi utilizada pela primeira vez pelo filósofo alemão Friedrich Heinrich Jacobi (1743-1819) em 1799, contudo o movimento niilista surgiu o século XIX na Rússia 70 . O niilismo possui variações conceituais. Os russos, exemplo, aplicavam o niilismo no âmbito da religiosidade, rejeitando a questão da divindade, essência espiritual, existência da alma e princípios absolutos 71 . Nietzsche (1844-1900), um dos maiores representantes do niilismo, ao descrever sua visão, traz essa ideia de rompimento com os valores morais de sua época de tal forma a se esvaziar para depois reconstruir conforme os conceitos que cada indivíduo formou dentro de si. 4.1. PARA ENTENDER ESSE MOVIMENTO É NECESSÁRIO EXPLICAR AS IDEIAS DE “SUPER HOMEM”, “ETERNO RETORNO” E “A MORTE DE DEUS”. PARA ISSO, SERÁ UTILIZADA SUA OBRA CREPÚSCULO DOS 70 SANTANA, Ana Lucia. Niilismo. Disponível em: https://www.infoescola.com/filosofia/niilismo/. Acesso em: 25/08/2019. 71 Ibid. 39 ÍDOLOS E ESTUDOS RELACIONADOS COM A OBRA GAIA CIÊNCIA.O CONCEITO DE SUPER HOMEM Nietzsche (1844-1900) era um defensor de que o homem consegue andar por sua própria conta sem precisar de “muletas”, representadas pela religião ou pela moral da época. No livro Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche (1844-1900) começa com duras críticas contra o sistema e absolutização da verdade. Ele cita “Desconfio de todos os sistematizadores e os evito. A vontade de sistema é uma falta de retidão 72 ”. Essa crítica se estende para a consciência humana a qual exige de cada indivíduo a vivência de padrões morais estabelecidos. Essa moralidade é interligada com os princípios cristãos que servem para imputar medo de exercer sua liberdade. Aqui está o desafio para alcançar o conceito de Super Homem: superar os dilemas gerados pela imposição dos conceitos da sociedade para viver de acordo com seus conceitos construídos com base no pensamento, sentidos e natureza de cada indivíduo. Em determinado ponto, Nietzsche (1844-1900) diz em sua obra: Todo naturalismo na moral, ou seja, toda moral sadia, é denominado por um instinto de vida – algum mandamento da vida é preenchido por determinado cânon de “deves” e “não deves” […]. A moral antinatural, ou seja, quase toda moral até hoje ensinada, venerada e pregada, volta-se, pelo contrário, justamente contra os instintos da vida – é uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e insolente, desses instintos. Quando diz que “Deus vê nos corações”, ele diz Não aos mais baixos e mais elevados desejos da vida, e toma Deus como inimigo da vida… O santo no qual Deus se compraz é o cadastro ideal… A vida acaba onde o “Reino de Deus” começa… 73 O resultado é um ser humano capaz de superar qualquer tipo de tormenta psicológica que ele pudesse passar. Seria um Super Homem capaz de assumir suas próprias convicções e não se deixar dominar pelos aspectos morais de sua época 74 . O movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros (LGBT) no Brasil é um bom exemplo sobre essa ideia de Super Homem, ao abandonar 72 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos Ídolos. Trad.: Paulo César de Souza. Le Livros. Disponível em: http://lelivros.love/book/baixar-livro-crepusculo-dos-idolos-friedrich-nietzsche-em-pdf- epub-e-mobi-ou-ler-online/. Acesso em: 25/10/2018, p. 11. 73 Ibid., p. 28. 74 FERNANDES, Nathan. 4 reflexões que vão te introduzir ao pensamento de Nietzsche. Atualizado em 16/06/2016. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2016/06/4-reflexoes-que- vao-te-introduzir-ao-pensamento-de-nietzsche.html. Acesso em: 28/02/2019. 40 os valores morais e religiosos no aspecto de sexualidade para assumirem o que querem, viver de acordo com seus instintos. 4.2. O CONCEITO DE ETERNO RETORNO Nietzsche (1844-1900) traz um conceito de reflexão diante do cotidiano de um ser humano. O modo rotineiro como cada um desenvolve sua vida refletirá no rumo de cada homem ou mulher deseja trilhar. Na obra Gaia ciência, Nietzsche (1844-1900) faz uma crítica sobre o modo como são desenvolvidos o conhecimento e direcionamento humano sobre a vida. O que é proposto é uma nova forma de olhar para o mundo, que vai além da ciência “[…] a despeito de todos os seus benefícios e aplicações práticas, apenas descreve o mundo como fato75 ”. Aqui está o ponto em que cada indivíduo, a partir das suas interpretações, vontades e desejos, pode fazer do mundo. Cada um pode ir além, até mesmo, dos princípios religiosos para abrir o horizonte do pensamento humano. Para complementar, Rodrigo Pinto diz: O que testemunha a efetividade dessa abertura é o fato de que apenas com uma disposição alegre e feliz é possível compreender, ensinar, aprender e dialogar em torno do vigor, do sentido e do significado do que quer que seja. […] Este é o ensinamento central da gaia ciência, sua própria essência, segundo a qual a alegria corresponde à elevação necessária a toda compreensão, a todo diálogo, a toda sabedoria, a toda virtude, a toda criação 76 . Sobre o eterno retorno, Nietzsche (1844-1900) escreve: O novo centro de gravidade: o eterno retorno do mesmo. A infinita importância do nosso saber, do nosso errar, dos nossos hábitos e maneiras de viver, para tudo o que está para vir. Que fazemos nós do resto da nossa vida – nós que passamos a maior parte dela na mais essencial ignorância? Ensinamos a doutrina – é o meio mais poderoso de a incorporarmos nós próprios. O nosso gênero de felicidade, como doutores da maior doutrina 77 . Assim sendo, quando o indivíduo não consegue alcançar este ponto de alegria, segundo seus próprios extintos, o mesmo vive em constante frustração de acordo com o que ele sente. Daí entra o conceito do Eterno Retorno, em que o homem é levado a 75 PINTO, Rodrigo de Souza Dantas Mendonça. Nietzsche e a Gaia ciência. Philósophos: Revista de Filosofia, v. 4, n. 1, p. 95. 76 Ibid., p. 94. 77 GALVÃO, Túlio Madson de Oliveira. Para além da ciência: por uma gaia ciência. 2012. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Programa de Pós- Graduação em Filosofia, Natal, Rio Grande do Norte, 2012, p. 56 e 57. 41 refletir sobre suas atitudes em relação ao que ele pensa e sente em relação ao mundo. Nietzsche (1844-1900) lança a possibilidade de que se sua vida cotidiana pudesse se repetir por diversas vezes, sem mudar absolutamente nada, qual seria sua reação 78 ? Se isso trazer alegria, com certeza, está vivendo bem a sua vida. 4.3. A MORTE DE DEUS Este ponto seria o complemento para o que foi visto nos dois primeiros. Nietzsche (1844-1900) não sentia confortável com a ideia de um Deus que podia punir os homens pelos seus feitos de acordo com sua lei divina. Conforme já dito em sua obra Crepúsculo dos Ídolos, os princípios cristãos são considerados como antinaturais, ou seja, vai contra a natureza humana. Por isso, Nietzsche (1844-1900) diz: Qual pode ser a nossa doutrina? - Que ninguém dá ao ser humano características, nem Deus, nem a sociedade, nem seus pais ancestrais, nem ele próprio […]. Ninguém é responsável pelo fato de existir, por ser assim ou assado, por se achar nessas circunstâncias, nesse ambiente […]. Nós é que inventamos o conceito de “finalidade”: […] Cada um é necessário, é um pedaço de destino, pertence ao todo, está no todo – não há nada que possa julgar, medir, comparar, condenar nosso ser, pois isto significaria julgar, medir, comparar, condenar o todo… Mas não existe nada fora do todo! 79 . O todo como é colocado seria a contribuição de cada indivíduo dentro da sociedade. A ideia principal seria o fato de exclusão dos ideais cristãos. O ser humano tem a capacidade de formar suas próprias doutrinas e esse todo seria a medida para tudo o que existe. Por isso, não há como um indivíduo criticar ou julgar o outro, pois isso implicaria na crítica ou julgamento do todo. Assim, a única alternativa seria buscar novas doutrinas, mas, daí, o autor finaliza que não existe nada fora do todo. Aqui fica a clara ideia da exclusão de Deus da sociedade. 4.4. A IGREJA É AMPLAMENTE ATACADA COMO SENDO AQUELA QUE DEBILITOU O HUMANO. NA VISÃO DE NIETZSCHE (1844-1900), ELA FOI A PRINCIPAL CRIADORA DA MORAL DESTRUTIVA QUE PERMEAVA A SUA ÉPOCA. ELE FEZ UMA COMPARAÇÃO COM A FISIOLOGIA “NA LUTA CONTRA A BESTA, TORNAR DOENTE PODE 78 NIETZSCHE - ETERNO RETORNO (FILME: QUANDO NIETZSCHE CHOROU). Direção e Produção: Pinchas Perry, 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lv6M0AYXFIs.b. Acesso em 06/03/2019. 79 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos Ídolos. p. 35. 42 SER O ÚNICO MEIO DE ENFRAQUECÊ-LA 80 ”, OU SEJA, A IGREJA ENFRAQUECEU O HOMEM COM SEUS DOGMAS E CONCEITOS. ISSO SÓ REFORÇA A IDEIA DE TIRAR DEUS DA SOCIEDADE. NIILISMO O Niilismo seria a conclusão de Nietzsche (1844-1900) em relação aos demais pensamentos anteriores. Depois de refletir sobre as atitudes do Super Homem, o conceito de Eterno Retorno na reflexão de como cada indivíduo vive e a morte de Deus como forma de eliminar o agente punitivo, o ser humano cai no vazio, ou seja, ele se torna livre para se refazer de acordo com sua vontade e querer. Ele diz “Abolimos o mundo verdadeiro: que mundo restou? O aparente, talvez?… Não! Como o mundo verdadeiro abolimos também o mundo aparente! (Meio-dia; momento da sombra mais breve; fim do longo erro; apogeu da humanidade 81 ”. A ideia de mundo verdadeiro seria referente ao mundo criado pelos conceitos do cristianismo, ou seja, esse mundo é o que Nietzsche (1844-1900) quer desconstruir. Da mesma forma, o mundo aparente é uma criação de um novo lugar, com base na nova vida pregada nas Escrituras. O resumo das 4 teses levantadas por Nietzsche (1844-1900) direcionam para essa conclusão 82 . O resultado é descrença total nos valores impostos pela sociedade de tal forma que a pessoa cai no vazio absoluto 83 . 4.5. CONCLUSÃO Nietzsche (1844-1900) demostrou um grande ódio pelos valores culturais da sua época, principalmente, no que diz respeito à questão dos valores tradicionais cristãos. Ele procurou desconstruir esses conceitos para construir a figura do Super Homem, dando autonomia para o ser humano de moldar sua própria moral sobrepondo aos conceitos tradicionais de sua história. Geisler resume bem o pensamento de Nietzsche (1844-1900): Nietzsche procura ir além do bem e do mal por meio de transvalorizar a própria natureza do bem e do mal. […] Nietzsche está sem normas éticas relevantes de várias maneiras: Primeiramente, está sem quaisquer normas 80 Ibid., p. 37. 81 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos Ídolos. p. 25. 82 Ibid., p. 23. 83 FERNANDES, Nathan. 4 reflexões que vão te introduzir ao pensamento de Nietzsche. Atualizado em 16/06/2016. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2016/06/4-reflexoes-que- vao-te-introduzir-ao-pensamento-de-nietzsche.html. Acesso em: 28/02/2019. 43 absolutas. Deus está morto e todos os valores absolutos morreram com Ele. Em segundo lugar, Nietzsche está sem normas objetivas. Cada indivíduo cria sua própria variedade de valores. Em terceiro lugar, está sem normas cristãs. Nietzsche é profunda e irrevogavelmente anti-cristão 84 . Embora os pensamentos de Sartre (1905-1980) e Nietzsche (1844-1900) sejam semelhantes, a diferença está em como cada um combate a moral de suas épocas. Geisler faz uma boa diferença entre estes pensadores: [...] Nietzsche disse que as normas éticas objetivas devem ser trans-avaliadas pela vontade de poder do indivíduo irreligioso, e Sartre disse que devem ser totalmente rejeitadas. [...] Nietzsche designa um domínio extramoral para os super-homens, e Sartre declara que tudo é completamente amoral para todos os homens. A razão porque Sartre rejeita qualquer tipo de ética objetiva é que, para ele, a totalidade da vida humana é absurda 85 . 84 GEISLER, Norman L. Ética Cristã: Alternativas e Questões Contemporâneas.p. 25. 85 Ibid., p. 25. 44 5. O ANTROPOCENTRISMO PAULINO Após uma breve avaliação de como os homens agem segundo os movimentos filosóficos estudados, a questão que fica é: qual é posição das Escrituras em relação ao homem? Desde a queda de Adão, a Bíblia afirma que o pecado invadiu o homem e isso o afetou de diversas maneiras. Uma das melhores passagens para explicar esse estrago está em Romanos 3.9-20. Através dessa passagem, será feito um estudo minucioso de qual é o ponto de vista das Escrituras em relação ao homem. Essa passagem traz revelações interessantes sobre a natureza humana, que contempla anseios da humanidade. É observada, ao longo da história, necessidade de explicar a natureza. Ao longo desta análise, serão vistas as divergências de entendimento quanto a quem Paulo se refere no texto escolhido. Para sanar essa questão, será feito um levantamento do contexto da passagem, o contexto de algumas passagens bíblicas fora da carta e um estudo gramatical das palavras principais em grego para entender quem são as pessoas a quem Paulo se refere. 45 Este capítulo busca não só responder à problemática sobre quem são as pessoas condenadas que Paulo descreve, mas também avaliar o comportamento, atitudes e pensamentos do ser humano de maneira geral. 5.1. A TRANSGRESSÃO DA LEI DE DEUS Em Rm 3.9, é apresentada uma pergunta para introduzir a conclusão sobre o que foi falado em Romanos 1.18 – 3.8. O apóstolo Paulo traz a descrição dos gentios em Rm 1.18-32 86 . Paulo faz uma acusação prévia aos gentios sobre a deturpação dos seus atos diante de Deus. O autor tem o cuidado de expor sobre a iniquidade em que se encontram, demonstrando que todos possuem o conhecimento da existência de Deus, por meio de seus atributos revelados na criação. Mesmo tendo esse conhecimento, os gentios desprezaram a Deus e adotaram imagens corruptíveis. A consequência foi que os gentios foram entregues às suas paixões e deturpações morais, sendo indesculpáveis diante de Deus. A continuação dessa acusação vai até o verso 16 do cap. 2 da carta em que Paulo começa a inserir seus argumentos de condenação contra os que vivem debaixo da lei. Para aqueles que têm a lei, no caso, a revelação do Antigo Testamento, seriam julgados conforme suas obras, mas os gentios que não conheceram a lei, eles mesmos servem de referência para serem condenados, pois Deus imprimiu em seus corações a sua lei, testemunhando-lhes também a consciência e seus pensamentos. A partir do cap. 2 verso 17 ao cap. 3 verso 8, Paulo trata sobre a condenação dos judeus diante da lei (Torá). Eles acreditavam ser irrepreensíveis e isso era motivo de se gloriarem, porém Paulo demonstra que para ser justificado pela lei deveriam cumprir de maneira exemplar. O resultado é que mesmo os judeus sendo os portadores dos oráculos de Deus não tinham como se justificarem. Diante da exposição que Paulo faz, ele pergunta se judeus e gentios cristãos e até mesmo o próprio apóstolo teria qualquer vantagem. A ideia trazida do verbo “temos” é de uma ação rotineira e de ênfase, ou seja, a pergunta que Paulo faz é: “Estamos tendo mesmo qualquer vantagem?”. A resposta de Paulo é um sonoro “NÃO”, pois ele já demonstrou de uma vez por todas e com veemência que tanto judeus como gregos estão 86 Cf. MURRAY, John. Comentário Bíblico Fiel – Romanos. São José dos Campos: Fiel, 2003, p. 64. HENDRIKSEN, William; Comentário do Novo Testamento: Romanos. Trad.: Valter Graciano Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 88-89. 46 debaixo do pecado conforme exposição do apóstolo em Rm 1.18 – 3.8. Vale ressaltar que não havia distinção entre gregos e gentios na visão dos judeus. Qual seria essa vantagem que Paulo menciona em sua pergunta? Como o apóstolo questiona a todos os seus ouvintes incluindo-se sobre este grupo, a ideia de vantagem seria referente à natureza humana daqueles que são cristãos (judeus, gentios convertidos) em relação aos que não são crentes, ou seja, Paulo quer enfatizar a depravação total de qualquer ser humano neste momento 87 . Esta tese é reforçada por ver apenas descrições sobre a corrupção humana e nada sobre a graça transformadora de Deus por meio de Cristo entre o trecho de Rm 1.18 – 3.20. Ao expandir o tema da depravação total, a origem encontra-se em Adão. Paulo trará essa questão no capítulo 5 de Romanos ao apontar para Adão como o representante da humanidade e foi a partir dele que o pecado entrou no mundo, afetando toda a natureza humana. Conforme diz Dunn, Paulo avalia o pecado como uma força dentro do mundo o qual funciona dentro e sobre o homem de maneira negativa 88 . Esse autor define bem o que significa a expressão “debaixo do pecado”. Diante do domínio dessa força sobre o ser humano, o resultado final desse domínio é a morte espiritual destacada principalmente no cap. 7 quando Paulo expõe sobre um “eu” fictício para demonstrar o homem escravizado pelo pecado. Esta escravização ocorre, pois o pecado afetou o centro da vontade humana: o coração. As Escrituras trazem que é do coração de onde se procedem as fontes de vida (Provérbios 4.23), ou seja, aqui está o principal centro para influenciar o intelecto, a vontade e as emoções de um ser humano 89 . Pode se dizer que a transgressão da lei de Deus tem sua sede no coração, pois está contaminado pelo pecado. 5.2. AS ESCRITURAS TESTEMUNHAM CONTRA AS ATITUDES HUMANAS Para reforçar a ideia de que todo ser humano é pecador e que está condenado, Paulo não fica apenas no seu contexto atual. Ele faz diversas citações fora da sua época para dar maior ênfase de que o pecado afetou qualquer ser humano em qualquer momento da história. 87 HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Romanos. p. 159-160. 88 DUNN, James D. G. World Biblical Commentary Vol.38ª . University of Durham, 1988. 89 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Trad.: Odayr Olivetti. 4ª Edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 216. 47 A partir do capítulo 1 de Romanos do verso 10 até o 18, Paulo traz uma lista de passagens do Antigo Testamento que apontam para os atos deturpados do ser humano. O verso 10 começa com uma conjunção conformativa, ou seja, a partir daqui, o homem transgride a lei de Deus conforme as atitudes descritas a seguir. A locução verbal “está escrito” enfatiza que as atitudes descritas começa na percepção de cada autor do citado do Antigo Testamento e transcorre até os tempos de Paulo, perdurando para todas as futuras gerações. Paulo começa com um versículo que está em Eclesiastes 7.20 (Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque). O apóstolo quer destacar a visão do autor de Eclesiastes de que nem mesmo naquele contexto, não existia o grupo dos “justos” o qual servia como padrão referencial. A compreensão nacional judaica sobre serem justos é aqui confrontada 90 . Por outro lado, havia um grupo de romanos que se gabavam por seguir o estoicismo, ou seja, vivam de maneira racional, anulando os prazeres da vida (paixões, luxúria e demais emoções) segundo uma lei natural divina 91 . Assim, Paulo, aproveitando-se do contexto romano e judaico sobre os padrões de justiça, abala as estruturas dos seus ouvintes. Qualquer um que se julgasse justo, seja pela lei judaica ou por algum resquício de conceitos do estoicismo, foi derrubado pelo apóstolo. Paulo cita novos versículos do Antigo Testamento em Rm 3.11-12, fazendo alusão agora ao livro de Salmos 14.1-3. Em Sl 14.2, o salmista diz que do céu olha o Senhor para os filhos dos homens, ou seja, Paulo traz qual é a visão de Deus para o seu contexto atual. Assim, o apóstolo está afirmando que Deus vê que o entendimento humano foi corrompido pelo pecado. Assim como é habitual para o ser humano respirar, o pecado
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