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aula 1 ESTUDO DA VIOLENCIA E DA CRIMINALIDADE

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Maquiavel: a violência instrumental constituinte da vida política
Nicolau Maquiavel (1469-1527), em sua obra “O Príncipe”, propôs-se a descrever o papel do príncipe na vida política e as formas de conquista e manutenção do poder, numa perspectiva factual de suas observações sobre a prática social e de experiências como consultor político em sua carreira diplomática em países da Europa (MAQUIAVEL, 2013, p. 15-16, 26-29, 48, 87, 154, 209).
Para esse autor, em sua visão de mundo, a sociedade se estrutura pela divisão entre governados e governantes (MAQUIAVEL, 2013, p. 16-17, 19-20, 51-52). Nela, o conflito é força resultante da existência de interesses e capaz do aumento do poder político e das liberdades nas sociedades (MAQUIAVEL, 2013, p. 16-20, 52-53, 64).
O indivíduo é percebido em sua dualidade e, embora movido por instintos e paixões, possui capacidade racional e de ação sobre o destino (livre-arbítrio) (MAQUIAVEL, 2013, p. 15, 48, 87, 133, 154-156, 207, 209).
O Estado, por sua vez, como domínio territorial do poder político instituído pelo príncipe, para exercício da autoridade sobre os homens com vistas à manutenção da ordem social (MAQUIAVEL, 2013, p. 29-30).
O poder é poder político proveniente do respeito (submissão por amor ou temor) dos governados ao governante. Sua conquista e manutenção pelo príncipe não decorrem do respeito a princípios éticos ou religiosos, mas pela adequada conjugação da astúcia e da força na vida política (MAQUIAVEL, 2013, p. 9-15, 48, 69-70, 87, 154, 209).
Com efeito, segundo essa racionalidade instrumental e estratégica, a violência passa a ser compreendida como necessário instrumento de Estado, constituinte da vida política, e percebida de forma ambígua, segundo critérios de utilitarismo ético e da finalidade pública do bem comum: negativa, quando destrói ou causa ruína ao invés de preservar, ou; positiva, quando seu emprego resulta na conquista e manutenção do poder pelo governante, ou ainda, na manutenção da ordem civil, liberdades e segurança no Estado (MAQUIAVEL, 2013, p. 43, 85-86, 133-135, 155).
Hobbes: a violência generalizada do estado natural
Hobbes (1588-1676), em sua obra “Leviatã” (1651), propôs-se a descrever a natureza humana, seu estado natural e os motivos pelos quais se deve estabelecer um estado civil entre os homens, fundado num pacto social mantido por um Leviatã (HOBBES, 2014, p.107).
Para esse autor, o indivíduo, em sua condição de humanidade, se diferencia dos demais animais por sua qualidade de um “eu” racional egoísta, em constante luta pela sobrevivência, movido por paixões e desejos, e que empiricamente só encontra o outro no mundo, em conflitos cotidianos. O conflito é natural decorrente da busca individual em promover interesses e impor a vontade pessoal sobre os demais (HOBBES, 2014, p.47-48, 51).
Por conseguinte, na medida em que cada indivíduo é governado por sua própria razão, e em seu direito natural, pretende usar o seu poder para se autopreservar e promover ilimitadamente suas liberdades, impondo seus interesses aos demais, em todas as circunstâncias, precisa considerar que o outro também o queira e que os outros possam pretender lhe aniquilar e, para tal, se coligar. Resulta daí uma condição de insegurança e opacidade nas interações sociais, um “estado de natureza” caracterizado pelo temor constante e perigo de morte violenta, por um potencial de violência generalizada de uma “guerra de todos contra todos”, de forma que se todos tudo podem para preservar a vida contra seus inimigos, não há bem nem mal, justiça ou injustiça, sociabilidade ou possibilidade de cooperação e compartilhamento de interesses e valores. Ou seja, não há sociedade no “estado de natureza” (HOBBES, 2014, p.46-48).
Com efeito, assim como a sociabilidade somente pode ser estabelecida no “estado de natureza” por meio do contrato (do qual decorrem a justiça, equidade e cooperação de direitos), a sociedade civil somente pode ser estabelecida por um contrato social entre os homens e um poder superior que possa obrigá-los ao seu cumprimento (HOBBES, 2014)
Dessa forma, a sociedade civil se inaugura com a instituição de um Estado e designação de um Leviatã, que é a própria personificação do Estado e da soberania popular, para quem o povo transfere suas liberdades naturais ilimitadas, numa decisão racional motivada pelo medo de morte violenta, para garantir o bem comum de paz, segurança e preservação da vida, pela estabilidade e garantia de uma ordem jurídica estabelecida por um Leviatã (HOBBES, 2014, p.47, 61.
O poder é o poder político decorrente da soberania popular, personificada na autoridade do Leviatã (paradigma da representação política). O Estado é percebido como corpo político materializador da autoridade soberana do Leviatã. Assim, como pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras, e quem tem direito a um fim tem direito aos meios, é possível perceber a violência como extensão da soberania, tanto antecipadamente, como meio de coerção para a preservação da paz, ordem jurídica e segurança, quanto para seu reestabelecimento (HOBBES, 2014,p.9, 61, 63, 104).
A violência generalizada existente no “estado de natureza” é inerente à natureza humana. Do temor individual à violência generalizada, característica do direito natural de uso generalizado dos meios próprios de violência por cada indivíduo, resulta a associação dos indivíduos por meio da constituição de um Estado. E, com a instituição do Estado, já não se admite mais a violência generalizada. Apenas admite-se a violência pelo Leviatã, no exercício de sua soberania, com vistas à importância do bem futuro e defesa comum.
Como o Leviatã é soberano e detém em si a exclusividade do estabelecimento da vontade popular, não é possível sequer uma discussão quanto à legitimidade ou justiça de suas ações ou emprego de violência após a definição do contrato social (HOBBES, 2014, p. 55-56, 61-63, 76, 104).
Marx: a violência como força histórica de transformação da sociedade
Para Karl Marx (1818-1883), o indivíduo se realiza no mundo pelo trabalho, que permite o desenvolvimento da totalidade de suas capacidades, bem como a externalização de sua capacidade criativa e de transformação de sua realidade. Mas, na ideia de tendência histórica, o estágio de desenvolvimento das forças produtivas e de divisão do trabalho determinam as formas e padrões de propriedade, de valorização do trabalho e de relações entre os indivíduos, bem como o sistema cultural de necessidades, suas ideias, linguagem, moral, religião e consciência.
Com efeito, na sociedade capitalista, com a propriedade privada e apropriação dos meios de produção e a exploração econômica pelo capital, os indivíduos apresentam-se alienados não apenas dos meios de produção, mas também por ideologias e consciência de classes que se diferenciam, condicionadas pela divisão do trabalho e pelo regime de propriedade (MARX; ENGELS, 2005, p. 15-17, 21-22, 26, 29, 35-36, 38-39, 41-43, 98-99).
A sociedade civil compreende todo o conjunto das relações e padrões de produção materiais (infraestrutura) e de organização, interação e valores socioculturais (superestrutura) dos indivíduos numa determinada etapa do desenvolvimento das forças produtivas e regime de propriedade. Com efeito, caracteriza-se pelo conflito, pela “luta de classes” em razão do antagonismo de interesses entre as classes existentes e pela existência de classes dominadas e uma classe dominante (que exerce dominação político e social sobre as demais). Na sociedade civil, os indivíduos, inicialmente isolados “uns contra os outros”, diante de condições de vida, produção e interesses comuns, e na medida em que precisam travar uma luta comum contra outra classe, formam uma classe produtiva, cuja cultura, formas e padrões de interação, bem como consciência que tendem a se autonomizar em relação a esses indivíduos, e, por conseguinte, passa a subordiná-los em sua vida pessoal (MARX; ENGELS, 2005, p. 15-17, 51, 71-72, 83-85, 90-91, 111).
Para Marx, “o trabalho é o principal poder sobre os indivíduos”. Opoder social é a força produtiva material e social (cultural e simbólica), multiplicada pela cooperação dos indivíduos, que não é voluntária ou natural, mas sim condicionada pela força de produção da divisão do trabalho.
O poder político é o poder de imposição de interesses privilegiados da classe dominante à todas as demais classes, na forma de vontade livre da coletividade (MARX; ENGELS, 2005, p. 29, 35-36, 38-39, 41-43, 71-72, 83-85, 90-91, 98-99, 102, 106).
A divisão do trabalho para dominação política e social do Estado
O Estado e suas instituições são instrumentos da superestrutura (relações e padrões de organização, interação e valores socioculturais) que, ao lado de outros como o direito e as ideologias, são meios capazes de forçar a representação dos interesses da classe dominante como sendo de interesse geral, garantindo a dominação política e social, os interesses burgueses e sua propriedade, tanto no interior como no exterior (MARX; ENGELS, 2005, p. 29, 35-39, 41-43, 71-72, 83-85, 90-91, 98-102, 106).
Mas, como o direito e todas as instituições mediadas pelo Estado têm a função de estimular o nacionalismo e consolidar a dominação política e social pela classe dominante, especialmente os exércitos e a polícia que se constituem em recurso de violência ou ameaça para garantir a manutenção de seus interesses, a revolução somente poderia ocorrer de forma violenta, por meio de violência revolucionária. É possível se identificar em Marx, distintivamente, a violência praticada pelas classes dominantes, enquanto dominação social (apropriação dos meios de produção, exploração econômica pelo capital, e alienação) e política (apropriação dos meios de organização e produção da vida social), em relação à violência revolucionária, como meio contra as classes dominantes e as estruturas de dominação (MARX; ENGELS, 2005, p. 29, 35-39, 41-43, 71-72, 83-85, 90-91, 98-102, 106).
Com efeito, a revolução somente poderia ocorrer de forma violenta, por meio de violência revolucionária, e o conflito percebido como “luta de classes”, mecanismo pelo qual potencialmente ocorrem as mudanças sociais, força histórica de “transformação revolucionária da sociedade” (MARX; ENGELS, 2005, p. 63-65).
Weber: a violência física legítima e sua monopolização pelo Estado moderno
Para Max Weber (1864-1929), os “indivíduos” são autores inequívocos de seus destinos, centro e causa de suas atividades, em sua luta para construírem uma vida plena de significado. Embora estejam atrelados a valores socioculturais de sua comunidade histórica na interpretação de sua realidade social, podem, por outro lado, atribuir um “sentido subjetivo” a determinados aspectos dela e empreender ações independentemente, segundo um pluralismo de motivos correspondentes à lógica própria (racionalidades) de seu campo de ação social, pela qual orientam suas ações sociais e relações sociais (Apud WEBER; KALBERG, 2010, p. 15-16, 22, 25, 33, 40-41, 96, 99, 111).
Ideia de violência em Weber
O conflito entre os indivíduos é decorrente desses diferentes tipos de racionalidades que se autonomizam, impelem os indivíduos à impô-las aos demais, ou seja, ao poder e à dominação sobre os demais campos sociais e sobre o seu próprio mundo social (Apud WEBER; KALBERG, 2010, p.36-37, 64-65).
Preocupado com esse fenômeno da colonização do mundo social pelas racionalidades e consequente crise de valores e legitimidade, Weber distingue entre “poder” e “dominação legítima”: “poder” é capacidade de controlar os indivíduos, fazendo com que façam aquilo que se quer, ainda que com resistência ou oposição; “dominação” é forma de exercício de poder caracterizada pela probabilidade de que um grupo determinável de indivíduos (em consequência de vários motivos) oriente sua ação social a emitir ordens, somada à probabilidade de que outro grupo, também determinável, oriente sua ação social para a obediência (em consequência de vários motivos), e que as ordens sejam, de fato, cumpridas em nível sociologicamente relevante e “dominação legítima”, que é relação de mando e obediência voluntária, ou seja, é situação de exercício de poder em que se atribui certo grau de legitimidade à relação de dominação, em que a obediência adquire uma característica voluntária, independe dos motivos (orientação para a ação social), em contraste com o efeito do poder, não possuindo resistência ou oposição, mas sim adesão (Apud WEBER; KALBERG, 2010, p.68-69).
Para Weber, o Estado moderno é uma associação política caracterizada pelo monopólio do uso legítimo da força física em seu território. Embora o “uso da força física” não seja o meio normal, ou o único meio para exercer dominação entre os homens, o Estado é considerado como a única fonte legítima de direito à violência para monopólio do exercício do poder de coerção, capaz de neutralizar a luta pelo poder entre indivíduos e grupos provenientes de diferentes domínios sociais (responsável pela distribuição desigual de poder e pela crise de valores e legitimidade na sociedade moderna), impondo uma ordem social hierarquizada e mantendo a dominação entre os homens (WEBER, 1967, p.55-56).
Com efeito, para Weber, a violência privada para a resolução de conflitos, inclusive a praticada pelos indivíduos e grupos em sua ação política de luta pelo poder, perde sua legitimidade. Enquanto a violência praticada pelo Estado e seus agentes, por sua vez, é percebida como violência legítima, como instrumento específico de poder de coerção do Estado para regular as relações sociais. Mas, não como único instrumento, em que pese ser instável o poder por coerção, pois o Estado não pode, portanto, subsistir muito tempo sem algum tipo de legitimidade. Necessitando, por isso, exercer algum tipo de dominação legítima: tradicional, carismática e/ou racional-legal (WEBER, 1967, p.55-56).
Norbert Elias: a violência política existente no processo de pacificação
Norbert Elias (1897-1990), em “O processo civilizador”, percebe que os indivíduos, em sua personalidade e padrões culturais de valor e comportamento, estão condicionados a longo prazo pela estrutura social e relações sociais de poder, por meio de processos de interiorização de coerções sociais, e nesse sentido faz a distinção entre “sociedade” e “civilização” (ELIAS, 2001, p. 8-15, 217-219).
Sociedade: Para Elias (2001, p. 8-15, 217-219), cada “sociedade” possui sua visão de mundo, cultura e moralidade, bem como estruturas sociais e formas de produção de conhecimento próprios de seu tempo histórico, bem como correspondentes padrões sociais de conflito e de relações de poder.
Civilização: Pelo termo “civilização” pretende referir-se ao longo processo histórico de transformação cumulativa da sociedade ocidental, ainda que não intencionalmente planejado ou racionalizado, mas no sentido de uma evolução sociocultural e moral da humanidade, bem como do avanço no conhecimento científico, tecnológico e sobre a natureza, o indivíduo e a sociedade, pelo qual ocorre a conformação entre estruturas sociais (diferenciação social), formas de controle social e o ajustamento da conduta dos indivíduos (uniformização e estabilização).
Ideia de violência em Elias
A partir desta inicial distinção entre sociedade e civilização, Elias percebe como “processo civilizatório” (civilizador do homem) esse processo histórico da civilização ocidental, capaz de promover a integração social ao mesmo passo da diferenciação funcional, pela internalização de conflitos sociais por meio da interiorização psíquica das coações sociais que produzem o autocontrole constante e diferenciado e a normalização do comportamento dos indivíduos (ELIAS, 2001, p.116, 146).
Segundo Elias, o Estado moderno se formou pela livre competição por vantagens econômicas e oportunidades de consumo, e pela monopolização do poder militar, da jurisdição e da violência em suas fronteiras nacionais. Com essa monopolização e o uso da força física pelo Estado (violência política) em situações públicas de instabilidade social e violência ilegal, ocorre a estabilização e pacificação da vida social,criando-se espaços normalmente livres de atos de violência física. Desses novos espaços sociais pacificados surgem mecanismos sociais diversos controle e interiorização de coações sociais, capazes de autolimitação das paixões e sentimentos dos indivíduos por precaução de seu superego, bem como o viés da internalização psíquica de conflitos sociais. Ainda nesses espaços, se decantam formas de violência não física (tal como a humilhação, subjugação e a violência econômica, por exemplo) que antes já existiam, mas encontravam-se misturadas.
Mas, em Elias (2001, p. 219-222, 224, 238, 280) é possível notar que a paz não é percebida como unidirecional ou estática, na medida em que o conflito é percebido como fenômeno recorrente no processo histórico de conformação das estruturas sociais, relações de poder e conduta dos indivíduos. Com efeito, o uso da violência política pelo Estado sob o discurso da pacificação somente pode proclamar um Estado de paz historicamente precária e instável. De forma que seu uso, em alguns casos, pode fortalecer insatisfações, inquietações e instabilidades.
Assim, Elias (2001, p. 217-219, 224) identificava como instrumentos de controle social e imposição de valores, além do poder estatal decorrente da monopolização do uso da violência legítima pelos governantes e constrangimento de seu uso ilegal pelos governados (controle da violência), o poder das forças sociais de interdependência e interinfluência entre os indivíduos (“força relativa dos jogadores”) e de suas ações nos mais variados campos da vida social, mediante outros instrumentos de coerção social, tal como a vergonha, repugnância e a exclusão dos membros moralmente inaptos à convivência pelo autocontrole dos grupos sociais.
Aproximação crítica em Jürgen Habermas
Em “Direito e democracia: entre facticidade e validade” (1997), o filósofo social alemão Jürgen Habermas discute sobre legitimidade de valores e normas jurídicas.
Para esse autor, o direito moderno somente pode encontrar legitimação social (validez) por meio de uma fundamentação intersubjetiva para as normas e valores entre todos os destinatários da norma, com vistas à formação do consenso (formação racional, discursiva e dialógica da opinião e da vontade políticas) e delimitação do dissenso, por meio da participação democrática e cidadania ativa de uma necessária ação comunicativa e política deliberativa (HABERMAS, 1997, p. 123-125).
Dessa forma, critica o uso da violência estatal como forma de conferir validade à ordem jurídica de um Estado que, para garantir sua soberania, precisa conferir validade às suas decisões acoplando normas penais ao direito legislado, elevando sua vontade ao nível de “vontade do Estado” pelo poder de sanção estatal e violência, sobrevivendo com suas ficções autoproduzidas e uma interpretação puramente funcionalista dos direitos subjetivos.
Para esse autor, o direito moderno somente pode encontrar legitimação social (validez) por meio de uma fundamentação intersubjetiva para as normas e valores entre todos os destinatários da norma, com vistas à formação do consenso (formação racional, discursiva e dialógica da opinião e da vontade políticas) e delimitação do dissenso, por meio da participação democrática e cidadania ativa de uma necessária ação comunicativa e política deliberativa (HABERMAS, 1997, p. 123-125).
Dessa forma, critica o uso da violência estatal como forma de conferir validade à ordem jurídica de um Estado que, para garantir sua soberania, precisa conferir validade às suas decisões acoplando normas penais ao direito legislado, elevando sua vontade ao nível de “vontade do Estado” pelo poder de sanção estatal e violência, sobrevivendo com suas ficções autoproduzidas e uma interpretação puramente funcionalista dos direitos subjetivos.
Aproximação crítica em Hannah Arendt
Procurando desmistificar a percepção equivocada de vinculação entre “poder”, “Estado” e “violência”, a filósofa Hannah Arendt, em sua obra “Da Violência”, denunciou a degradação da ação política pelo aumento e instrumentalização da violência (ARENDT, 1985, p. 9, 25, 37-38). 
“O poder é realmente parte da essência de todo governo, mas o mesmo não se dá com a violência. A violência é, por sua própria natureza, instrumental; como todos os meios, está sempre à procura de orientação e de justificativas pelo fim que busca. [...] O poder não precisa de justificativas, sendo inerente à própria existência das comunidades políticas; mas precisa, isto sim, de legitimidade. [...] O poder é originado sempre que um grupo de pessoas se reúne e age de comum acordo, porém a sua legitimidade deriva da reunião inicial e não de qualquer ação que possa se seguir” (ARENDT, 1985, p.37-38).
Dessa forma, Arendt (1985, p. 3-4, 26-30, 38-39, 41) distinguia “poder” e violência” percebendo-os como fenômenos intrínsecos (que geralmente se apresentam juntos), mutuamente exclusivos (na medida em que a violência aparece como reação ao decréscimo de poder político e à ausência do diálogo), de forma que a violência não pode ser pensada como fonte de poder:
“O poder e a violência se opõem: onde um domina de forma absoluta, o outro está ausente. A violência aparece onde o poder esteja em perigo, mas, deixando-a percorrer o seu curso natural, o resultado será o desaparecimento do poder. Tal coisa significa que não é correto pensar na não-violência como o oposto da violência; falar do poder não-violento é realmente uma redundância. A violência pode destruir o poder, mas é incapaz de criá-lo” (ARENDT, 1985, p. 41).
Reflexões de Hannah Arendt respeito da Segunda Guerra Mundial
Arendt (1985, p. 3-4, 33, 59-60), em suas reflexões políticas sobre os eventos traumáticos da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, denunciou que como a própria substância da violência é regida por uma racionalidade instrumental tipo “meio e fins”, com a prática cultural da violência aplicada ao campo da ação política surge o risco de se autonomizar e destruir o poder, de forma que os seres humanos tenderão a ser dominados pelos meios e o mundo futuro a se transformar em um mundo cada vez mais totalitário e violento.
Assim, percebendo a violência da guerra e dos campos de concentração como negação da condição humana de dignidade e, considerando que toda ação política deve ter a dignidade como fim último, Arendt (1985, p. 3-9, 25-30, 37-39, 41, 59-60, 62) concluiu que a degradação da ação política pelo aumento e instrumentalização da violência levam ao encobrimento do fenômeno essencialmente não violento da legitimação do poder das instituições políticas e das leis de um país, qual seja,a disposição presente e contínua dos cidadãos para agir em concerto, em que pese a potencialidade humana para iniciar dialogicamente algo de novo diante da pluralidade de vontades e opiniões, mas não pela obediência e normalização extraídas da coerção mediante violência ou punição.
Aproximação crítica em Axel Honneth
Para o sociólogo Axel Honneth, em sua obra “Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais” (2003), na cultura ocidental, a “violência” tende a ser percebida segundo um tipo de racionalidade instrumental e estratégica por critérios de utilitarismo ético e da finalidade pública do bem comum, e legitimada pela manutenção da ordem, segurança, da paz e controle social, tanto preventivamente, como meio de coerção, quanto repressivamente, para seu reestabelecimento (Apud HONNETH, 2003; FERRAZ; LOBÃO, 2013, p. 122-123).
Mas, os conflitos sociais não decorrem unicamente da lógica da persecução de interesses e agir estratégico manipulativo desse modelo analítico de conflito, pois essa percepção tende a eliminar o momento normativo de toda luta social. Para esse autor, mesmo em conflitos sociais por poder, é possível se remontar às experiências morais anteriores de desrespeito e lesão às expectativas morais de reconhecimento recíproco (violência moral) nas relações afetiva, jurídica e de estima social (Apud HONNETH, 2003; FERRAZ; LOBÃO, 2013, p. 122-123).
Partindo da percepção da dimensão intersubjetiva da estruturada personalidade dos indivíduos (inspirado em Pierce), bem como do nexo entre desrespeito moral e luta social (estabelecido pela teoria hegeliana da luta por reconhecimento), Honneth (2003) procurou estabelecer um modelo explicativo de conflito social a partir da lógica moral dos conflitos sociais, cuja gramática está inscrita no acúmulo das experiências morais dos sentimentos de desrespeito e injustiça, que servem de impulso às ações coletivas que visam estabelecer, institucional e culturalmente, formas ampliadas de reconhecimento recíproco, por meio das quais ocorrem as transformações sociais pelos padrões reconhecimento.
Através desse modelo honnethiano de luta por reconhecimento, é possível perceber a violência numa perspectiva ampliada, agora para além do padrão de racionalidade instrumental estratégica, alcançando também a racionalidade afetiva, como experiência moral resultante do sentimento de violação de expectativas recíprocas de reconhecimento entre indivíduos e grupos sociais (Apud HONNETH, 2003; FERRAZ; LOBÃO, 2013, p. 122-123).
“[...] sentimentos de desrespeito formam o cerne das experiências morais, inseridas na estrutura das interpretações sociais porque os sujeitos humanos se deparam com expectativas de reconhecimento às quais se ligam as condições de sua integridade psíquica; esses sentimentos de injustiça podem levar a ações coletivas, na medida em que são experienciadas por um círculo inteiro de sujeitos como típicos da própria situação social” (HONNETH, 2003, p.260).
Com efeito, permaneceria sempre em aberto apenas a questão empírica de saber até que ponto um conflito social segue a lógica da persecução de interesses ou a lógica da reação moral? Até que ponto pode justificá-lo, complementá-lo ou retificá-lo? (Apud HONNETH, 2003; FERRAZ; LOBÃO, 2013, p. 122-123).

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