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EDITORIAL Manoel Canuto 2 Revista Os PuRitanOs Soube de certo jovem que frequentava uma Igreja Pentecostal, após ter descoberto as doutrinas da graça, passou a compartilhar com outros irmãos so- bre elas em sua congregação. A liderança ao tomar conhe- cimento do fato eliminou o moço da igreja, especialmente porque estava ensinando a doutrina da Predestinação. Por que esta palavra, predestinação, provoca tanto ódio e incompreensão se ela é encontrada literalmente na inspirada Palavra de Deus Bíblia e por isso mesmo amada por Ele? Muitos afirmam que esta é uma doutrina diabólica, como se uma entidade maligna caprichosamen- te a tivesse criado para anunciar um fatalismo descabido no qual o homem teria sido jogado. Durante grande parte da minha vida vivi no meio pres- biteriano onde eram citados seus símbolos de fé e neles explicitamente se via o ensino glorioso da predestinação. Mas, para ser sincero, eu não sabia com a devida proprie- dade qual o valor e o significado desta verdade bíblica e consoladora. Para mim era algo irrelevante, uma doutrina que, se não falsa, era no mínimo complexa e desprovida de valor prático. Dizia: se você não crê na predestinação, amém, se você crê, amém também. Hoje concluo que eu assim pensava porque em mim não havia conhecimento e sem conhecimento não se tem convicção. Um homem sem convicção não tem profundidade no que crer, não defende e nem vive segundo sua opinião, porque não a tem fundamentada e, quando necessário, jamais fará re- formas em sua vida. Não tem motivações fortes e jamais sofreria por aquilo que acredita, pois tem apenas algo que está no cérebro, mas não no coração, na consciên- cia. A consciência é normativa sobre nossos atos: nos condena ou nos absolve. Uma consciência culpada pode ser maligna ou benigna. Se nos condena levando-nos ao arrependimento é uma bênção, mas se está insensível ou cauterizada, é uma maldição. Para que nossa consciência funcione de forma posi- tiva ela deve ser influenciada por uma convicção pro- funda aplicada pelo Espírito Santo. Essa é a posição de um pregador do evangelho, diz Paulo: “... porque o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção” Por terem profundas convicções, os pastores e os cren- tes da igreja primitiva e muitos que lutaram pela fé refor- mada, foram mortos, jogados às feras, queimados vivos cantando salmos de louvor ao Senhor Deus. Dr. Sproul disse: “O Espírito Santo atua com a Pala- vra... a Palavra e o Espírito andam juntos... O Espírito é o revelador da verdade”. A verdade doutrinária nos traz convicção e se dirige a nossa consciência. Nunca vou esquecer o que disse Dr. Sproul: “Se meu entendimento da predestinação não é correto, então meu pecado é composto, uma vez que eu estava difamando os santos que, por se oporem ao meu ponto de vista, estão defendendo os anjos”. Percebo que muitos que estão em igrejas supostamen- te reformadas chegaram à convicção (quando muito) de que a doutrina da predestinação é bíblica e por isso, cor- reta. Mas neles ainda há um problema. A questão parou na mente, não desceu ao coração, não tocou a consciência. Vou dizer em outras palavras: Não amam a predestinação, não gostam dela, mesmo que o Senhor a ame! Em certo sentido estas pessoas são coerentemente er- radas. Por não amarem esta doutrina que Deus revelou, decidiram que nunca falariam dela e pastores concluíram que nunca pregariam sobre a mesma. Que pena, privar o rebanho daquilo que Deus revelou para edificar a Igreja e consolá-la! É tirar o alimento do rebanho, é deixá-lo com fome e sede de verdades tão confortadoras. Mas falar de predestinação é falar dos decretos de Deus, do seu amor pactual e eterno para com o Seu povo, da Sua soberania, da Sua graça, do seu beneplácito; é falar do Seu chamado eficaz, da Sua justiça imputada a nós, da nossa justificação e glorificação. É falar da nossa rege- neração, da nossa fé, do nosso arrependimento, da nossa salvação; é falar da nossa responsabilidade em sermos santos e ganhar almas para Cristo, da nossa responsabi- lidade de evangelizar os povos. Enfim, é “deixar Deus ser Deus” como disse Lutero ao humanista Erasmus. Que este número nos faça mais humildes e Deus mais grandioso; que sirva para tirar de nós o ceticismo e o preconceito contra a soberania de Deus na salvação, algo que cada vez mais tem sido banido do arraial cristão; que nos mostre que Deus salva eficazmente e unicamente aos seus eleitos, aos que escolheu pelo beneplácito de Sua vontade mediante o lavar regenerador do Espírito Santo; por eles Cristo veio ao mundo e naquela rude cruz se fez maldito: “E lhe porás o nome de Jesus porque ele salvará o seu povo dos pecados deles”, disse o anjo a José (Mt 1:21). Aos eleitos Deus chama e por Ele somos trazidos a Cristo. Boa leitura! Predestinação REVISTA OS PURITANOS Recife, Ano XIX - Número 4 Editor Manoel Canuto mscanuto@uol.com.br Conselho Editorial Josafá Vasconcelos e Manoel Canuto Revisores Manoel Canuto Tradutores Linda Oliveira, Márcio Dória e Josafá Vasconcelos Projeto Gráfico Miolo e Capa Heraldo F. de Almeida Impressão Facioli Gráfica e Editora Ltda. Fone: 11- 6957-5111 — São Paulo-SP OS PURITANOS é uma publicação trimestral da CLIRE — Centro de Literatura Reformada R. São João, 473 - São José, Recife-PE, CEP 52020-120 Fone/Fax: (81) 3223-3642 E-mail: ospuritanos@gmail.com DIRETORIA CLIRE: Ademir Silva, Adriano Gama, Waldemir Magalhães. Revista Os PuRitanOs 3 Que São os Decretos de Deus? Deus, que faz todas as coisas segundo o conselho da Sua própria vontade, predestina os homens segundo o Seu próprio propósito. Johannes G. Vos Comentário do Catecismo Maior de Westminster OS DECRETOS DE DEUS Pergunta 12. O que são os decretos de Deus? R. Os decretos de Deus são os atos sábios, livre e santos do conselho da Sua vontade, pelos quais, desde toda a eternidade, Ele, para a Sua própria glória, pre- ordenou imutavelmente tudo o que acontece no tempo, especialmente o que diz respeito a anjos e homens. Referências bíblicas • Ef 1.11. Deus, que faz todas as coisas segundo o con- selho da Sua própria vontade, predestina os homens segundo o Seu próprio propósito. • Rm 11.33. Os planos e os propósitos de Deus não po- dem ser explicados nem descobertos pelos homens. • Rm 9.14-15, 18. Os decretos de Deus não o tornam o autor do pecado, pois os Seus decretos são segundo o conselho da Sua própria vontade e, portanto, livres de qualquer fonte de interferência exterior a Deus mesmo. • Ef 1.4. Os decretos de Deus, inclusive aqueles relativos ao destino eterno dos homens, foram estabelecidos na eternidade, antes da criação do mundo. • Rm 9.22-23. Deus predestinou alguns homens para a ira e outros para a glória. • Sl 33.11. Os planos e os propósitos de Deus são imu- táveis. Comentário 1. Que grande verdade está declarada na resposta à pergunta 12? A verdade de que Deus tem um plano abrangente e exato para o universo que Ele criou. 2. De acordo com a Bíblia, quando foi feito o plano de Deus? Na eternidade, antes da criação do mundo. 3. Quais são os três adjetivos utilizados para des- crever o caráter dos decretos de Deus? Sábios, livres e santos. 4. Qual o sentido de se afirmar que os decretos de Deus são “sábios”? Isso que dizer que os decretos de Deus estão em per- feita harmonia com a Sua perfeita sabedoria, que dirige o uso dos meios corretos para atingir os fins corretos. 5. Qual o sentido de se afirmar que os decretos de Deus são “livres”? Isso quer dizer que os decretos de Deus não sofrem a pressão nem a influência de nada alheio à própria natureza de Deus. 6. Qual o sentido de se afirmar que os decretos de Deus são “santos”? Significa que os decretos de Deus estão em perfeita harmonia com a Sua perfeita santidade, e por essa cau- sa, totalmente isentos de pecado. 7. Podemos considerar os decretos de Deus como decisões arbitrárias, como as ideiaspagãs de “destino” e “sorte”? Não. Os decretos de Deus não são “arbitrários” por- que foram traçados segundo o conselho da Sua vontade. Por trás deles subjazem a mente e o coração do Deus infinito e pessoal. É por isso que os Seus decretos são completamente diferentes de “destino” ou “sorte”. 8. Qual é o alvo ou propósito dos decretos de Deus? O alvo ou propósito dos decretos de Deus é a mani- festação da Sua própria glória. 9. É egoísmo ou errado que Deus procure, acima de tudo, a Sua própria glória? Não, pois Deus é o autor de todas as coisas e tudo existe para a glória dEle. Egoísmo ou errado é os seres humanos buscarem, acima de tudo, a sua própria glória. No entanto, por ser Deus o mais sublime dos seres e por não existir nada mais elevado que Ele, é natural que busque a Sua própria glória. 10. Qual é a natureza dos decretos de Deus? 4 Revista Os PuRitanOs JOhannes G. vOs Os decretos de Deus são imutáveis. Não podem ser modificados e, por isso, serão cumpridos com toda certeza (Sl 33.11). 11. Qual a abrangência dos decre- tos de Deus? Os decretos de Deus abrangem to- das as coisas, abrangem tudo o que acontece. 12. Prove pela Bíblia que os decre- tos de Deus abarcam as ocorrências que são vulgarmente chamadas de acidentais ou “casuais”. Pv 16.33; Jn 1.7; At 1.24, 26; 1Rs 22.28, 34; Mc 4.30. 13. Prove pela Bíblia que os decre- tos de Deus abrangem até mesmo os atos pecaminosos dos homens. Gênesis 45.5, 8; 50.20; I Samuel 2.25; Atos 2.23. Ao afirmarmos que a Bíblia ensina claramente que os de- cretos de Deus abrangem até mesmo os atos pecaminosos dos homens, te- mos que nos guardar cuidadosamen- te de dois erros: (a) os decretos de Deus não O tornam o autor do peca- do nem O fazem responsável por ele; (b) o fato de que a preordenação de Deus não isenta o homem da respon- sabilidade de seus pecados. A Bíblia ensina tanto a preordenação de Deus quando a responsabilidade do ho- mem. Portanto, devemos crer e afir- mar a ambos com firmeza, embora reconheçamos sinceramente que não somos capazes de harmonizar os dois completamente. Se deixarmos de crer na preordenação de Deus ou na res- ponsabilidade do homem, caímos de imediato em erros absolutos que con- tradizem os ensinamentos da Bíblia em muitos pontos. É melhor e mais sábio, através de uma fé singela, acei- tar o que a Bíblia ensina e confessar uma “ignorância santa” dos segredos dos mistérios que não foram revela- dos, tais como a solução do problema da preordenação divina e da respon- sabilidade humana. 14. Qual é a diferença entre preor- denação e predestinação? Preordenação é um termo que se aplica a todos os decretos de Deus re- ferentes a tudo o que acontece no uni- verso criado; predestinação denota os decretos de Deus referentes ao destino eterno de anjos e homens. 15. Por que as pessoas se opõem à doutrina dos decretos de Deus? A maioria das objeções a essa dou- trina baseia-se não na Escritura, mas no raciocínio humano ou na filosofia. É comum os que se opõem à doutrina fazerem uma caricatura absurda dele para logo depois a demolirem com exagerada mostra de indignação. Ao se tratar de uma questão desse tipo nenhum argumento que não conside- re detalhadamente as diversas passa- gens da Escritura sobre as quais se as- senta essa doutrina não tem nenhum peso contra a doutrina dos decretos de Deus. Opiniões humanas, arrazoa- dos e filosofia não têm o mínimo peso contra as declarações da Palavra de Deus. Algumas objeções levantadas contra a predestinação, ou doutrina da eleição, serão consideradas na pró- xima lição. Pergunta 13. O que decretou Deus especialmente quanto aos anjos e aos homens? R. Deus, por um decreto eterno e imutável, somente por causa do Seu amor e para o louvor da Sua glorio- sa graça a ser manifestada em tempo oportuno, elegeu alguns anjos para a glória e, em Cristo, escolheu alguns ho- mens para a vida eterna, e também os meios disso. Da mesma forma, segundo o Seu poder soberano e o inescrutável conselho da Sua própria vontade (por meio dos quais concede ou nega favor conforme Lhe apraz) preteriu e preor- denou o restante deles à desonra e à ira, que lhes serão infligidas por causa dos seus próprios pecados, para o louvor da glória da Sua justiça. Referências bíblicas • 1Tm 5.21. Anjos eleitos para a glória eterna. • Ef 1.4-6; 1Ts 2.13-14. Homens escolhi- dos em Cristo para a vida eterna. • Rm 9.17-18, 21-22; Mt 11.25-26; 2Tm 2.20; Jd 4; 1Pe 2.8. A rejeição do restante da humanidade. Comentário 1. Qual é o significado da palavra “imutável”? Significa aquilo que não muda, que não se pode modificar. 2. Qual é a primeira razão por que Deus elegeu alguns dos anjos para a glória? “Somente por causa do Seu amor”. 3. Por que se incluiu a palavra “so- mente” nessa declaração? Porque Deus não tinha nenhuma obrigação de eleger nenhum dos anjos para a glória. Foi somente o amor de Deus que O levou a eleger. 4. Qual é a segunda razão por que Deus elegeu alguns dos anjos para a glória? Para manifestar o louvor da Sua glo- riosa graça. 5. Que diferença há, da parte de Deus, entre a eleição dos homens e a eleição dos anjos? No caso dos homens Deus os ele- geu “em Cristo”, isto é, foram redimidos através da expiação de Jesus Cristo, e revestidos com a Sua justiça. A salvação, porém, nada tem a ver com os anjos, pois Deus simplesmente os elegeu para gló- ria e os guardou de caírem em pecado. 6. Além de eleger os homens para a vida eterna, para que mais foi que Deus os elegeu? Ele também os elegeu para “os meios disso”. Aqueles que foram escolhidos por Ele para a vida eterna, também foram escolhidos para receberem os meios de obterem a vida eterna. Quer dizer, se Deus preordenou que alguém receba a vida eterna, ele também pre- Revista Os PuRitanOs 5 Que sãO Os DecRetOs De Deus? ordenou que ele ouça o evangelho, se arrependa dos seus pecados, creia em Jesus etc., para que a pessoa possa re- ceber, com certeza e sem falhar, a vida eterna. 7. O que se quer dizer quando se fala no “poder soberano” de Deus? Essa expressão refere-se à verdade de que Deus é supremo. Não há auto- ridade nem lei mais alta do que Deus a quem o próprio Deus tenha que res- ponder. Ninguém tem o direito de dizer a Deus: “Que fazes?”. 8. No caso daqueles a quem Deus “preteriu”, qual a razão para que Ele os re- jeite e não os escolha para a vida eterna? A Bíblia descreve esse ato de “pre- terir” como fundamentado na sobe- rania de Deus, isto é, não se baseia em nada do caráter, das obras ou da vida da pessoa em questão, mas procede da autoridade suprema que Deus possui. Isso não significa que Deus não tenha razões para “preterir” àqueles a quem Ele rejeitou; significa apenas que essas razões são do con- selho secreto de Deus, não reveladas a nós, nem se baseia no caráter, obras ou conduta humanas. Vide Romanos 9.13, 15, 20-21. 9. No caso daqueles a quem Deus sobe- ranamente “preteriu”, qual a razão para também os ordenar à desonra e à ira? A razão para os ordenar à desonra e à ira é o próprio pecado deles. Notem- -se as palavras: “infligidas por causa dos seus próprios pecados”. Portanto, Deus ao preordenar alguns homens para o castigo eterno não leva em conta ape- nas a Sua soberania (assim como faz ao “preterir” essas mesmas pessoas), mas baseia-se no atributo da Sua per- feita justiça. Eles são castigados porque, como pecadores, merecem ser castiga- dos, não porque Deus os rejeitou. No inferno, os ímpios reconhecerão que estão sofrendo um castigo merecido e que Deus tratou com eles estritamente segundo a justiça. 10. Suponha que alguém diga: “Se eu for predestinado para a vida eterna, eu a receberei não importa se eu creia ou não em Cristo. Por isso, não preciso me preocupar em ser ‘cristão’”. Como é que se deveria responder a essa pessoa? A objeção levantada baseia-se numa compreensão equivocada da doutrina da eleição. Deus não elege ninguém para a vida eterna sem o uso dos meiospara isso. Quando alguém é eleito para a vida eterna, é também preordenado a crer em Cristo como o seu salvador. 11. Suponha que alguém diga: “Se Deus, desde toda a eternidade, me designou para a desonra e a ira por causa dos meus pecados, então de nada adianta eu acreditar em Cristo, pois não serei salvo não importa quão bom cristão eu possa me vir a ser. Não me adianta nada acreditar em Cristo”. Como é que se poderia responder a essa réplica? De nada nos serve um atalho para tentar bisbilhotar o conselho secre- to de Deus e descobrir se estamos ou não entre os eleitos. As coisas ocultas são de Deus e as reveladas são para o nosso conhecimento. Se alguém dese- ja real e ardentemente crer em Cristo para ser salvo, isso é um bom sinal de que Deus o escolheu para a vida eterna. A única forma por meio da qual pode- mos descobrir os decretos de Deus é vir realmente a Cristo e receber, no tempo oportuno, a certeza da nossa salvação. Depois, e só depois, é que poderemos dizer com confiança que sabemos que estamos entre os eleitos. 12. Que dificuldade particular a doutrina da eleição envolve? A dificuldade é: Como que se pode harmonizar o decreto da eleição de Deus com a livre agência humana? Se Deus preordenou tudo o que acontece, inclusive o destino eterno de todos os seres humanos, como é que podemos ser livre agentes responsáveis pelo que fazemos? Não podemos solucionar esse problema porque é um mistério. Só po- demos afirmar que a Bíblia ensina clara- mente os dois: a preordenação soberana de Deus e a responsabilidade humana. Rejeitar qualquer uma dessas verdades bíblicas é rejeitar o claro ensinamento da Palavra de Deus e se envolver em difi- culdades teológicas até mesmo maiores. 13. Como deveríamos responder à objeção: “não seria injusto da parte de Deus eleger alguém para a vida eterna e ao mesmo tempo preterir um outro?”? Essa objeção baseia-se na supo- sição de que Deus está obrigado a tratar a todos os homens com igual favor, a fazer a todos tudo aquilo que fizer a um único. A resposta bíblica a essa objeção encontra-se em Roma- nos 9.20-21. Tal contestação envolve, na verdade, a negação da soberania de Deus, pois assume que Deus deve satisfação das Suas decisões à raça hu- mana, ou ainda que existe alguma lei ou poder superiores aos quais Deus deve satisfação e pelos quais deve ser julgado. A verdade é que (a) Deus é soberano e não deve satisfação de Seus atos a ninguém, exceto a Ele mesmo; (b) Deus não tem a obrigação de eleger ninguém para a vida eterna; ser-Lhe-ia perfeitamente justo deixar toda a humanidade perecer em seus pecados; (c) embora Deus eleja a al- guém para a vida eterna, Ele não tem nenhuma obrigação de eleger a todos, pois a eleição de alguns decorre da Sua graça, e, por isso, ninguém que tenha sido “preterido” não a pode rei- vindicar como direito. É verdade que a Bíblia mostra Deus lidando com os homens de modo diferenciado, isso é, dando a alguns aquilo Ele negou a outros. Isso, contudo, não é “injusto”, pois não envolve injustiça. Ninguém tem razão nenhum para alegar que Deus o tratou com injustiça. Johannes Geerhardus Vos, Catecismo Maior de Westminster Comentado., p.62,63. Ed. Os Puritanos 6 Revista Os PuRitanOs Os Decretos Eternos de Deus Nada obriga a Deus; Ele é soberano absoluto; pode fazer o que quiser; nada pode dizer-Lhe: Que fazes? Por J. Greshan Machen Desejo começar a lhes falar do que Deus faz. Po-rém, antes de falar do que Deus faz, primeiro deve- se perguntar se Deus pode realmente fa- zer tudo. Há muitas maneiras de ver a Deus que na realidade negam-Lhe por completo o poder de operar. Se, por exemplo, Deus não é mais que uma força cega, ou um simples nome que damos ao Universo em sua totalidade, ou se é tão-somente o nome que aplicamos a uma parte do Universo, ou um simples símbolo que expressa as aspirações mais elevadas da humanidade, então não se poderia dizer que opera mais que num sentido muito impreciso. Falando com precisão, so- mente as pessoas agem, e quando falamos de Deus como operando, fazemo-lo porque descartamos todas as concepções impessoais relacionadas a Ele e o consi- deramos, tal como a Bíblia faz, como pessoa. Como Deus é pessoa, é livre. A liberdade é uma carac- terística da personalidade. Uma máquina não é livre; a água que flui por um canal construído para dirigi-la não é livre; uma planta não é livre. Porém, a pessoa é livre para agir ou não, para agir de um modo ou de outro. Como Deus é uma pessoa, também é livre. Na realidade, é livre num grau que nenhuma pessoa pode igualar. Entretanto, quando dizemos que Deus é livre, é mui- to importante que entendamos exatamente o que que- remos dizer e o que não queremos dizer. Queremos dizer que Suas ações são muito incertas, de tal modo que é sempre impossível estar seguro de antemão se agirá ou não e de que forma o fará? Que- remos dizer que Sua vontade é uma espécie de balança que se inclina em direção a um lado ou outro sem razão alguma? Queremos dizer que não existe nada a que Suas ações tenham que se conformar ou que as enlace em algum modo? Creio que não precisa muita reflexão para chegar- mos a nos convencer de que não podemos de modo algum querer dizer isto. Se tivéssemos querido dizê-Io, seríamos obrigados a afirmar que Deus poderia violar o pacto que fez com Seu povo ou fazer qualquer outra vileza semelhante. Porém, se há algo certo é que Deus nunca fará algo deste estilo. Parece-me que não é um erro afirmar que não pode fazer nada semelhante. Por que não pode fazer esse tipo de ação? Seria por- que há algo externo que O impede de fazê-Ia? Porque se a fizer alguém em algum lugar discutirá Seus atos? Certamente que não! Nada obriga a Deus; Ele é sobera- no absoluto; pode fazer o que quiser; nada pode dizer- -Lhe: Que fazes? Contudo, é absolutamente certo que, quando tem que decidir entre uma obra boa e uma má, Ele esco- lherá a boa e rejeitará a má. De fato, não há nada mais certo que isto. Nesta certeza se baseiam todas as de- mais certezas. É absolutamente impossível que Deus faça algo mau. Por que é impossível? A resposta é fácil. É-Lhe im- possível fazer algo mau porque seria contradizer Sua própria natureza. “Deus é um Espírito infinito, eter- no, imutável em seu Ser, sabedoria, poder, santida- de, justiça, bondade e verdade” (Breve Catecismo de Westminster, pergunta 4). Estes são Seus atributos; sem eles não seria Deus; estes atributos condicionam todas as Suas ações. Nunca, nem na mais insignificante ação que realize, se apartará nem um milímetro dessa norma perfeita que a perfeição de Sua própria natureza estabelece. Creio que isto é o que quis dizer um dos ministros quando afirmou, se recordo bem suas palavras, que Deus é o Ser mais “constrangido” que existe. Sua pró- pria natureza O constrange. É infinito em Sua sabedo- ria, portanto, nunca pode fazer algo que não seja sábio. É infinito em Sua justiça; portanto, nunca pode fazer algo injusto. É infinito em Sua bondade; portanto, nunca pode fazer algo que não seja bom. É infinito em Sua verdade; portanto, é impossível que minta. Revista Os PuRitanOs 7 Os DecRetOs eteRnOs De Deus Também as ações do homem estão de certo modo definidas. Nascem de sua natureza. A experiência não deixa de ensiná-los. Porém, a Bíblia ensina com a maior clareza. “Não pode uma árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar frutos bons.” O homem é livre para decidir no sentido de que não há nada externo que o force. Porém, seus atos não são livres, se por liberdade enten- demos livre daquilo que seu próprio caráter determina. Assim, ocorre também no caso do Ser Supremo, da Pessoa Suprema, Deus, Seus atos são livres no sentido de que nada exterior a Ele os determina. Po- rém, sim, os determina Sua própria natureza. Sempre serão santos, justos e bons, porque Ele é santo, justo e bom. Na realidade, os atos de Deus depen- dem muito mais de Sua própria nature- za que os homensdas suas. As ações dos homens nascem de sua natureza. Sim, porém, a natureza do homem pode mudar; Deus pode mudá-Ia. Contudo, no caso de Deus esta possibilidade está excluída; Deus é infinito, eterno e imu- tável. Nunca, nunca, nunca, portanto - nunca, nem pela mais inverossímil das possibilidades, pode realizar uma ação que não seja santa, sábia, poderosa, jus- ta, boa e verdadeira. Seus atos, portanto, são mais livres do que das pessoas finitas porque nun- ca, nem direta nem indiretamente, nada exterior a Sua pessoa pode determiná- -los, o qual, sim, é possível no caso das pessoas finitas; e estão mais diretamen- te determinados que os das pessoas fi- nitas porque nunca, por nenhuma pos- sibilidade, pode mudar-se a natureza da Pessoa de Deus. Assim, pois, é muito importante que levemos em conta que a liberdade dos atos de Deus não quer dizer que pode existir alguma possibilidade de que não se harmonizem com a Sua natureza. Porém, há outra coisa que é impor- tante advertirmos quanto ao que signi- fica os atos de Deus serem livres. Não quer dizer que Seus atos não tenham um propósito; não quer dizer que não dependam dos fins que Deus busca. Também nisto encontramos uma analogia verdadeira entre a liberdade de Deus e a das pessoas finitas. To- memos a criatura finita que melhor conhecemos — o homem. Que o ho- mem seja livre quer dizer que ele age independente dos motivos? Quer dizer que quando um homem escolhe fazer alguma coisa em vez de outra, nada o determina? Bem, alguns, ao que parece, têm crido que é assim. Porém, não há dúvida de que estão equivocados. Não há dúvida de que as ações de uma pes- soa, precisamente porque são livres, e não são desejos sem sentido ou fruto da sorte cega, estão determinadas por motivos. Quando alguém se encontra numa encruzilhada importante da vida, levanta os prós e contras, e logo a luz deste exame, das vantagens de uma de- cisão ou da outra, ele age. Esta atuação dos motivos em determinar a ação do homem é precisamente o que faz que tal atuação seja verdadeiramente pes- soal e por isso a faz no verdadeiro sen- tido da palavra “livre”. Se, pois, a pessoa finita, o homem, em suas ações verdadeiramente pes- soais, se vê determinado por motivos, algo semelhante é também verdade da Pessoa infinita de Deus. Deus também busca certos fins quando age. Não há como pensar que Sua vontade esteve oscilando às cegas como numa espécie de vazio, sem relação nenhuma com Seu conhecimento e sabedoria infinitos. Não, as decisões da vontade de Deus estão sempre - não às vezes, mas sem- pre - determinadas pelos fins que Seu conhecimento infinito e Sua sabedoria infinita colocam frente a Ele. Negar esta ideia da vontade - isto é, a ideia de que as ações verdadeira- mente pessoais não são as ações de uma vontade sem freio, mas as de uma vontade determinada por motivos ou fins - parecem às vezes como se fosse benefício para a liberdade. Como pode ser uma pessoa verdadeiramente livre, dizem, se suas ações dependem de algo que não seja sua vontade no momento de tomar uma decisão? Como pode ser livre a pessoa se não pode operar sem levar em conta os fins que busca? Umas breves reflexões nos mostra- rão que o certo é precisamente o con- trário. Se a escolha que um homem faz não depende dos fins que busca, mas tão-somente de flutuações sem senti- do de sua vontade, então não depende mais que do azar, e o homem se conver- te no simples joguete de algo exterior a si mesmo. Isto é sobretudo evidente no caso da Pessoa Suprema, Deus. Se as eleições de Deus não dependeram sempre dos Deus é infinito, eterno e imutável. Nunca, nunca, nunca, portanto — nunca, nem pela mais inverossímil das possibilidades, pode realizar uma ação que não seja santa, sábia, poderosa, justa, boa e verdadeira. 8 Revista Os PuRitanOs J. GReshan Machen fins santos que busca, se Sua vontade quisesse hoje uma coisa, amanhã outra sem relação com nada que não fosse Sua vontade mesma, visto como se fos- se independente de Seu conhecimento e sabedoria, então Suas ações somente poderiam se considerar como depen- dentes de um azar cego e sem sentido; e neste caso deixariam de ser ações ver- dadeiramente pessoais e Deus deixaria de ser Deus. Não. Quando pensamos na vontade devemos realmente basear-nos num determinismo sadio. A vontade do ho- mem não é livre o sentido de que aja independente dos sentimentos e do entendimento. Na realidade, se consi- derarmos a vontade como algo separa- do do que está dentro do homem, que venha a si, que se deixa aconselhar por outras partes da sua natureza apesar de que também aja com completa in- dependência quando assim o deseja-se vemos a vontade nesta forma, estamos muito, mas muito longe da realidade. Fazemos, na realidade, da vontade algo que chamamos uma pequena persona- lidade separada; rompemos a unidade da personalidade do homem. De fato, não existe isso que se chama vontade como algo isolado dos demais aspectos da pessoa. O que chamamos vontade é a pessoa toda enquanto toma decisões. Com relação à Pessoa infinita de Deus, em certos aspectos importantes não podemos falar da mesma forma com que o fazemos das pessoas finitas. Contudo, em Seu caso igualmente ao das pessoas finitas que Ele tem criado, é sempre certo que quando quer fazer algo, o quer fazer porque busca certos fins. Suas ações não são o movimento casual de algo dentro dEle que se pode chamar Sua vontade, mas que são ações da unidade soberana de Seu Ser e estão determinadas por fins elevados e santos. Não quero dizer que quando Deus quer fazer algo, nós possamos sempre ver qual é o fim que busca. Antes, ao contrário, em inúmeros casos, somente podemos descobrir que é Sua vontade e isto deveria bastar-nos. Tenhamos a segurança de que tudo o que Ele faz é com um propósito santo. Este propósito em detalhes está oculto no mistério da sabedoria divina. Negar-se a se inclinar ante a vontade de Deus somente por ig- norar o propósito que O guia é o cúmulo da impiedade. É o pecado dos pecados; e comparar nossa ignorância com a sabe- doria e conhecimento infinitos de Deus é rebelião, orgulho e loucura. Que Deus nos livre de pecado semelhante! Contudo, se bem que não tenhamos direito de conhecer quais são os propó- sitos de Deus, Ele em Sua maravilhosa bondade tem querido, vez por outra, levantar o véu que oculta seus planos a nós outros. Com que reverência deve- ríamos contemplar os mistérios que nos revela atrás do véu! Com que reverência deveríamos apegar-nos ao Livro Santo em que se nos revelam tais mistérios! Temos falado do propósito de Deus. Os teólogos os chamam Seus decretos. São muitos estes decretos! Um nú- mero infinito — estaríamos tentados a afirmar quantas são as manifestações da bondade de Deus em nós mesmos! E quando pensamos na vastidão do Uni- verso e no infinito, não podemos dizer nada menos que os decretos de Deus não se podem de modo algum contar. Essa afirmação contém uma grande verdade; e, contudo, quando considera- mos este assunto, algo além e com mais profundidade, em um sentido igualmen- te verdadeiro podemos dizer que os propósitos de Deus, por infinito que nos pareça seu número, não são mais que um único propósito, não são mais que partes ou aspectos de um grande plano. Isto é o que o Catecismo Menor quer dizer quando afirma que os decretos de Deus são “Seu propósito eterno”. Não é por acaso que se emprega a palavra “propósito” no singular. Os inúmeros de- cretos se constituem em um único pro- pósito ou plano. Não são independentes um do outro, mas formam uma unidade íntima igual, como Deus é um. Vejam que o Catecismo Menor fala desse propósito como de um propósito eterno. “Os decretos de Deus”, diz, “são Seu propósito eterno”. O que quer dizer com isto? Bem, quer dizer algo que per- tence ao coração do que a Bíblia ensina. A Bíblia fala minuciosamente dos decretos de Deus como se sucedendo um após o outroem ordem temporal. Na realidade, a Bíblia às vezes emprega expressões audazes quando fala deste assunto. Inclusive fala de Deus que se arrepende do que tem feito. Por exem- plo, diz que “se arrependeu o Senhor de haver feito o homem” - Gênesis 6:6; e que “o Senhor se arrependeu de haver consti- tuído Saul rei sobre Israel” - 1 Samuel 15: 35. Estas passagens podem parecer ao leitor superficial, se tomá-las isola- das, como que querendo dizer que Deus decreta muitas coisas em momentos diferentes e que os decretos são muito diferentes uns dos outros. Porém, esta interpretação seria mui- to superficial. Quando examinamos estas passagens e outras semelhantes vemos com clareza o que quer dizer a Bíblia. Quando fala de Deus que se arre- pende de algo que fez, considera a coisa do ponto de vista dos homens que vivem nesta terra em uma sequência tempo- ral. Deus, ora faz uma coisa e depois outra. Fez ao homem, e logo, quando o homem pecou, o destruiu, à exceção dos que deixou com vida. Fez rei a Saul, e logo lhe tirou a realeza. Visto desta perspectiva da execução dos decretos de Deus, é como se os decretos ou pro- pósitos de Deus houvessem mudado; e a Bíblia assim o expressa com lingua- gem simples tomada da vida ordinária dos homens. Porém, é igualmente claro que a Bíblia não quer indicar que esta forma de falar deva ser tomada ao pé da letra como se quisesse dizer que Deus se surpreendera da mesma forma em que Revista Os PuRitanOs 9 Os DecRetOs eteRnOs De Deus se surpreende um homem, ou como se quisesse dizer que os planos de Deus variam como variam os do homem para adaptarem-se às circunstâncias sobre as quais não tem controle. É possível que se objete: Lá vêm vocês com essa de novo, pobres crentes na inspiração da Bíblia. Quando encontram nela algo que lhes satisfaz, insistem em aceita-lo na forma mais angustiosamente literal; porém, quan- do encontram algo que não lhes vá tão bem, evitam- no, como neste caso, di- zendo que a Bíblia fala em linguagem metafórica. Esta é a objeção. Mas, saibam, ami- gos meus, que isso não me faz mal. Creio que tenho uma resposta muito boa para a mesma. «Sim», diria ao que objeta, «sim, tomo algumas coisas da Bíblia em sentido literal e outras em metáforas. Porém, tenho motivos para isso. Tenho uma forma perfeitamente aceitável de decidir o que tomo em sentido metafó- rico e o que em sentido literal. Não é que tome no literal o que me agrada e no metafórico o que não; mas que tomo em sentido literal o que a Bíblia mostra em forma literal e em sentido metafórico o que mostra em forma metafórica». Sustento que a Bíblia é essencial- mente um livro fácil. Para lê-lo, o senti- do ordinário é uma ajuda maravilhosa. Não olvido que a iluminação do enten- dimento que o Espírito Santo comunica em um novo nascimento é necessária para que o homem pecador possa re- almente compreender a mensagem central da Bíblia; porém, às vezes, sinto a tentação de dizer que um dos efeitos mais óbvios do novo nascimento seria a renovação do sentido ordinário na com- preensão das afirmações perfeitamente simples da Sagrada Escritura. Por isso opino que se alguém realmente lê com sentido comum e boa vontade essas afirmações da Bíblia nas quais se diz que Deus se arrependeu do que fez e coisas parecidas, não experimentará di- ficuldade nenhuma em ver que não terá que ser interpretar estas passagens de modo algum em sentido literal e que a interpretação literal dos mesmos é uma manifestação gravíssima de incompre- ensão e mau gosto. Essa linguagem antropomórfica ― se me permitem empregar uma pa- lavra tão longa ― proclama uma ver- dade importante. Ensina-nos que Deus nos trata como nos trataria uma outra pessoa. Segue nossas ações e circuns- tâncias variantes de nossas vidas, e Suas ações levam em conta o valor em nossas ações e circunstâncias. A Bíblia o procla- ma com o emprego da linguagem a qual temos falado. Porém, a Bíblia também nos ensina de forma bem clara que quando contem- plamos a parte central deste assunto de- vemos ver que o propósito de Deus, que se cumpre em seu trato infinitamente variado com o gênero humano e com o universo em sucessão temporal, se en- contra completamente fora de qualquer sequência temporal. Para Deus não tem nem antes nem depois. Ele criou o tem- po, na realidade, quando criou os seres finitos e o tempo, assim como o resto do Universo que Deus criou, não é uma simples aparência, mas existe realmen- te. Porém, para Deus todas as coisas são eternamente presentes. Por isso, o Catecismo Menor tem razão quando diz que os decretos de Deus são seu propósito eterno. Parece- -me que este pensamento penetra toda a Bíblia. Não fica em nada turvo devido às linguagens simples e antropomórfi- ca que acabamos de falar. Às vezes, apa- rece com toda clareza, como quando a Bíblia diz no capítulo primeiro de Efé- sios que Deus nos escolheu em Cristo antes da criação do mundo. Porém, o que se deve destacar de todo é que a doutrina do propósito eterno de Deus é o fundamento sobre o qual se baseia todo o ensinamento da Bíblia. Na ori- gem de todos os acontecimentos da his- tória humana, na origem de todos as variações que têm lugar na vastidão in- comensurável do Universo, na origem do espaço mesmo e do tempo, está o propósito misterioso e único dAquele para quem não há antes nem depois, aqui nem ali, para quem todas as coi- sas estão presentes e diante de quem tudo está desnudo e manifesto: o Deus vivo e Santo. J. Gresham Machen foi um destacado professor de Novo Testamento e fundador do Seminário de Westminster na Filadélfia (USA). Para Deus não tem nem antes nem depois. Ele criou o tempo, na realidade, quando criou os seres finitos, e o tempo, assim como o resto do Universo que Deus criou, não é uma simples aparência, mas existe realmente. Porém, para Deus todas as coisas são eternamente presentes. 10 Revista Os PuRitanOs A Bíblia e a Predestinação ““Que diremos, pois, há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum”(Rm. 9:14) Gresham Machen Esta doutrina não é mais do que uma aplicação con-creta da doutrina dos decretos divinos. Se Deus pré--ordena tudo que vai acontecer, e se entre o que acontece está a salvação de alguns e a perdição de outros, então se segue logicamente que Ele pré-ordena ambas as coisas. Este decreto antecipado de Deus de ambas as coisas veio a chamar-se de predestinação. A doutrina da predestinação é precisamente a doutrina dos decretos divinos aplicada à esfera específica da salvação. Porém, esta doutrina não é tão só uma dedução da doutrina geral dos decretos divinos; também se encon- tra de forma explícita na Bíblia de forma claríssima. Por que, segundo a Bíblia, alguns homens se salvam e entram na vida eterna, enquanto outros recebem o justo castigo de seus pecados? Exatamente porque al- guns creem em Jesus Cristo e outros não? Bem, é bom dizer que aqueles que creem em Jesus serão salvos e todos os que não creem serão conde- nados. Isto é evidente. Porém, por que alguns homens creem em Jesus e outros não creem nEle? É tão somente porque alguns, por decisão própria, decidem crer em Cristo, enquanto outros, por decisão semelhante, esco- lhem não crer? Ou, por acaso, alguns homens creem, e outros não, porque Deus os tem destinado de antemão, em Seus eternos propósitos, a um destes dois cursos de ação? Se o primeiro é o certo, a doutrina da predestinação é errônea. Se a vontade humana é o fator final na decisão de crer ou não crer, de ser salvo ou não, então o resulta- do é um absurdo continuar-se falando de predestinação. Alguns, na verdade, defendem tal absurdo. A predestinação, dizem, significa tão somente que os que creem estão predestinados a salvar-se. Os que creem dependem deles mesmos, porém, uma vez tendo crido por decisão própria, então estão predestinados a rece- ber a vida eterna. Não há dúvida de que nos encontramos diante de um erro de linguagem. Não se podedizer que algo está pre- destinado – no sentido de determinado de antemão – se de fato não está determinado para nada, mas que segue sendo algo incerto enquanto não se põe em movimento por meio de um ato da vontade humana. A razão para que se use esta linguagem de forma equivocada é óbvia. Muitos creem desde cedo na Bíblia. A Bíblia usa a palavra “predestinação”; portanto, têm de usar esta palavra, mesmo que a repudiem no seu sentido mais óbvio. Não insistamos, contudo, na palavra, mas fixemo-nos no que constitui o substrato da mesma. Tratemos do âmago do problema. Na verdade, o que é a discussão? Deus predestinaria o homem para salvação porque ele crê em Cristo ou este crê em Cristo porque está pre- destinado? Não estamos diante de um problema sem importân- cia ou puramente acadêmico. Não se trata de uma suti- leza teológica. Pelo contrário, é um problema de grande importância para as almas dos homens. É claro que algumas pessoas pensam de forma equi- vocada; erram quanto a esta questão, contudo aceitam o que é suficiente da Bíblia, de modo que são cristãos. No entanto, seria um grande equívoco deduzir por isto que estamos diante de uma questão sem importância. Pelo contrário, quanto mais me fixo no estado atual da igreja, quanto mais considero a História recente da Igreja, mais me convenço de que se equivocar neste problema que aqui tratamos nos conduzirá de forma inevitável a mais e mais erros e com frequência vem a ser algo que abre brechas e deteriora o testemunho de todos os cristãos e da Igreja. Bem, se o problema é tão importante, que solução tem? Soluciona-se através de preferências e argumen- tos pessoais a respeito do que se crê ser justo e ade- quado? Dirão os que opinam de uma maneira: “Não gosto deste conceito de predestinação absoluta; não Revista Os PuRitanOs 11 a BíBlia e a PReDestinaçãO gosto desta ideia de que desde toda a eternidade tudo está determinado no propósito de Deus quem e quantos se salvarão e quem e quantos se perde- rão; eu gosto mais da ideia de que o salvar-se ou perder-se dependa do que se escolhe.” Dirão os que pensam de forma contrária em resposta ao pen- samento anterior: “Em troca, a mim é bom o que a ti não agrada; eu gosto da ideia de uma predestinação absoluta; agrada-me crer que quando alguém se salva, isto depende por completo de Deus e não do homem; prefiro re- troceder ante o mistério que isto traz, ante o inescrutável conselho da vonta- de de Deus”. É assim que devemos debater o problema? Deve depender do que nos agrada ou desagrada? Creio que não! Se fosse depender disto, não valeria a pena discutir a questão. Se estamos diante de um problema de simples preferência, então eu diria que me- rece ser colocado na lista que figura sob o antigo refrão: “Sobre gostos e cores não se tem posto de acordo os autores.” Talvez, seria melhor acabar com as discussões. Não, amigos! Só há uma maneira de solucionar a questão. É examinar o que diz a Bíblia acerca dele. Nunca demos por findo o proble- ma dizendo que gostamos mais de uma resposta do que de outra, senão que há necessidade de uma solução depois de ouvir o que tem dito, quanto ao mesmo, a santa Palavra de Deus. Então, o que diz a Palavra acerca do problema da predestinação? Antes de vermos a resposta bíblica para este problema é importante que te- nhamos uma ideia bem clara do mesmo. Já temos formulado a questão an- tes. Deus predestina a alguns homens para salvação porque creem em Cris- to, ou podem alguns homens crer em Cristo porque foram predestinados? Em outras palavras, a predestinação depende do ato da vontade humana chamado fé ou é esse ato da vontade humana conhecido como fé o resultado da predestinação? Este é o problema formulado de maneira sintética. Porém, é importante dar-se conta de que a primeira das duas respostas ao problema tem adotado duas formas diferentes. Se considera-se que a predestinação para a salvação depende da decisão da vontade humana entre crer e não crer, então se expõe o problema anterior re- ferente a se Deus conhece ou não de antemão qual vai ser a decisão da von- tade do homem. Alguns dizem que “Deus não sabe de antemão qual vai ser a decisão da von- tade do homem. Ele se limita a esperar para ver o que fará esta vontade do ho- mem e então, quando o homem decide, Deus atua como consequência disso dando a salvação aos que escolheram crer e envia à morte os que escolheram não crer”. Segundo esta opinião, a única predestinação de que se pode falar é a predestinação condicional. É uma predestinação com um grande “SE”. Deus não predestina nada para a vida eterna ou para a morte definitiva senão que se limita a deixar estabelecido de antemão que se alguém crê em Cristo entrará na vida eterna e se alguém não crê em Cristo entrará na morte eterna. A decisão referente ao grupo ao qual cada pessoa chegará a formar parte de- pende de cada um, e Deus nem sequer sabe qual vai ser a decisão. A outra forma que assume esta te- oria afirma que Deus conhece de ante- mão, porém não preordena. Deus sabe de antemão, dizem, qual vai ser a deci- são de cada um dos homens quanto a crer ou não em Cristo, porém não deter- mina tal decisão. Esta forma de teoria, quando são re- lembrados os decretos divinos em geral, é um pobre fruto híbrido. Permanece no meio do caminho; se depara com to- das as dificuldades reais ou imaginárias que acompanham a predeterminação completa de tudo que sucede da parte de Deus e se vê também rodeado de di- ficuldades próprias. Porém, já é hora de voltarmos à Bí- blia. Ela se expressa com absoluta clare- za quanto a este problema e se coloca de forma radical contra este tipo de pensa- mento que acabamos de expor. A Bíblia é totalmente oposta à ideia de que Deus não sabe o que o homem vai decidir e se opõe da mesma forma à ideia de que Por que, segundo a Bíblia, alguns homens se salvam e entram na vida eterna, enquanto outros recebem o justo castigo de seus pecados? Exatamente porque alguns creem em Jesus Cristo e outros não? 12 Revista Os PuRitanOs J. GReshan Machen Deus não preordena o que conhece de antemão. Frente a tais ideias, diz-nos, da forma mais clara que se possa imaginar, não só o conselho de Sua vontade, mas também de forma concreta que Deus tem predeterminado a salvação de al- guns e a perdição de outros. Isto achamos, na realidade, presen- te no Velho Testamento. Nada poderia repugnar mais a revelação do VT acer- ca de Deus do que esta ideia de que as decisões do homem constituem uma es- pécie de exceção à soberania de Deus. Se há algo que pareça mais claro que o restante no VT é que Deus é o Senhor absoluto do coração do homem. Ele pode mudar o coração do homem de velho em novo. Isto não é mais do que dizer que as ações que nascem no cora- ção do homem não ficam fora do plano de Deus, mas que constituem uma parte integral do mesmo. Deus, segundo o VT, é Rei e o é com soberania absoluta que não admite exceções nem restrições de nenhuma espécie. No exercício da dita soberania abso- luta, segundo a Bíblia, Deus escolheu Israel. Esta eleição de Israel não se deveu a algum mérito ou virtudes que Israel possuísse. O VT reitera este gran- de pensamento. Não, deveu-se à graça misteriosa de Deus. Israel foi o povo de Deus não porque houvesse decidido ser o povo de Deus, mas porque foi predes- tinado a ser o povo de Deus. Quem não capta isso não está captando o “miolo” da revelação do Velho Testamento. Porém, quando passamos ao Novo Testamento, o que parecia já claro no VT se torna mais evidente e maravilho- so. Se os homens se salvam, segundo o Novo Testamento, se salvam pela pre- determinação misteriosa de Deus. Só posso mencionar umas poucas passa- gens que ensinam isto. Encontram-se nos ensinos do Senhor Jesus que são referidos nos Evangelhos Sinópticos. Quando Jesus ofereceu a salvação, alguns a aceitaram e outros a rejeitaram. Por quê? Só porque assim decidiram independentesdos decretos de Deus? Jesus mesmo dá a resposta: “Por aquele tempo, exclamou Jesus: Gra- ças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agra- do” (Mt.11:25-26). “Porque assim foi do teu agrado.” Esta é, segundo Jesus, a razão definitiva porque alguns receberam um conheci- mento salvífico e outros não. Acha-se com clareza no ensino de nosso Senhor referido no evangelho de João17:9: “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus...”. “Eram teus...”, disse Jesus um pouco antes, “... tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra (v.6)”. Não vejo como po- deria ensinar a predestinação com mais clareza do que no conjunto da oração sacerdotal de Jesus neste capítulo 17 de João. Um pensamento básico — po- deria quase dizer que o pensamento bá- sico do mesmo — é que a predestinação precede a fé. Os discípulos pertenciam a Deus — isto é, a Seu plano eterno — antes de crer; não chegaram a perten- cer a Deus porque creram, mas creram porque já pertenciam a Deus e porque, em cumprimento do Seu plano, Deus os chamou para Si. A mesma doutrina se ensina no li- vro de Atos. Este é o livro, lembre-se, que contém a famosa pergunta do car- cereiro de Filipos: “Que farei para ser salvo”? A resposta de Paulo e Silas foi: “Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa” (Atos 16:30-31). A salvação se oferece com a condição de se crer em Jesus Cristo. Porém, como explicar, se- gundo a Bíblia, que alguns creem e ou- tros não? O livro de Atos oferece a res- posta da forma mais clara possível. Ao falar da pregação de Paulo e Barnabé na Antioquia da Psídia lembramos que alguns gentios que ouviram a mensa- gem creram. Bem, quais foram os gen- tios que os ouviram e creram? Teriam sido os que por vontade própria decidi- ram crer? Em absoluto! O texto nos diz exatamente o contrário: “... e creram to- dos os que haviam sido destinados para a vida eterna” Atos 13:48). Não vejo como poderíamos propor a doutrina da predestinação de forma mais clara e com menos palavras que neste texto. Só creem em Cristo os que de antemão têm sido determinados a isto pelos decretos de Deus. Não estão predestinados por- que creem, mas só podem crer porque estão predestinados. Nas cartas de Paulo, a grande dou- trina da predestinação se ensina repeti- das vezes. De fato, não seria exagerado dizer que constitui a base de tudo que Paulo ensina. O apóstolo se preocupa também em aclarar qualquer possível consequência que seus leitores tenham a respeito desta grande doutrina; com uma lógica absolutamente intrépida encurrala nosso orgulho humano e o enfrenta com o fato definitivo da von- tade misteriosa de Deus. “E ainda não eram os gêmeos nasci- dos”, disse Paulo de Jacó e Esaú, “...nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à elei- ção prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já lhe fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. Como está escrito: Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú” (Rm 9:11- 13). Como poderíamos dizer de forma mais clara do que nesta passagem, que a predestinação de Jacó para salvação e a de Esaú para a rejeição não se deveu a nada que eles fizeram ou que se houves- se previsto que fariam — nem sequer a fé prevista de um e a incredulidade e desobediência previstas do outro — mas a eleição misteriosa de Deus? Então, o apóstolo se depara com uma objeção. Uma objeção que até hoje con- Revista Os PuRitanOs 13 a BíBlia e a PReDestinaçãO tinua sendo feita contra a doutrina da predestinação: “Por acaso esta doutrina não faz de Deus um ser injusto e parcial?” Como o apóstolo resolve este pro- blema? Ele resolve da forma habitual, que vemos hoje, de se fugir da ques- tão por ser ela polêmica e difícil? Ele elimina a doutrina da predestinação dizendo que o que queria dizer era que a predestinação era condicional, depen- dente de eleições e escolhas futuras do homem ou algo parecido? De modo algum. Não há nada disto. Paulo não abandona sua posição nem um centímetro; não elimina esta doutri- na. Pelo contrário, volta a recorrer em apoio à doutrina, ao puro mistério da soberania de Deus: “Que diremos, pois, há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum”, diz Paulo em Romanos 9:14. “Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra. Logo, tem ele misericór- dia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz. Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro para desonra? Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimi- dade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (vs.15-24). Não vejo como a doutrina da predestinação ser proclamada com mais clareza do que nesta passagem. Po- rém, o que há de se notar em especial é que esta passagem não é algo isolado e único nas cartas de Paulo nem na Bíblia. Pelo contrário, aqui é apenas colocada de forma mais explícita do que em ou- tros locais. Na verdade, é o mesmo que a Bíblia revela em toda a Sua Palavra. Todos os homens merecem a ira e maldição de Deus; alguns, não mais me- recedores do favor de Deus que os de- mais, são salvos pela misteriosa graça de Deus — estas coisas constituem na realidade o centro da Bíblia. Confundi- -las em favor do mérito e orgulho hu- manos resultará na substituição da Pa- lavra de Deus pela sabedoria humana. A doutrina da predestinação não quer dizer que Deus elege alguns ho- mens para a salvação de forma arbitrá- ria e sem uma razão boa e suficiente - por mais misteriosa que esta razão seja. Não quer dizer que Deus se compraz na morte do pecador; não quer dizer que a porta da salvação está fechada àquele que quer entrar; não quer dizer que o homem vive desesperado por pensar que a graça de Deus não lhe será conce- dida. O horror com que frequentemente se vê esta grande doutrina da Bíblia se deve a lamentáveis mal-entendidos a respeito do seu significado. Bom é tomar a Bíblia e ler o que ela diz sobre o assunto. Quem fizer isso se convencerá de que a doutrina da predestinação, tão desagradável para o orgulho humano, é na realidade o único fundamento sólido de esperança para este mundo e para o vindouro. Pouca esperança teremos se nossa salvação depende de nós mesmos; porém, a sal- vação da qual fala a Bíblia se baseia no conselho eterno de Deus. Na realização poderosa do plano eterno de Deus não cabe fissuras. “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que cha- mou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorifi- cou” (Rm 8:30). “Todas as coisas contri- buem para o bem daqueles que amam a Deus”. Que pouco consoladoras seriam estas palavras se parássemos aqui; se nos houvessem dito apenas que todas as coisas contribuem para o bem dos que amam a Deus e logo nos deixassem que nos prendêssemos por nós mesmos à chama deste amor de Deus em nos- sos corações frios e moribundos. Porém, graças a Deus, o versículo não termina aí. O versículo não se limita a dizer: “To- das as coisascontribuem para o bem daqueles que amam a Deus...” Não! Mas completa: “...daqueles que são chamados segundo o seu propósito (decreto)” (Rm 8:28). Aqui está o verdadeiro fundamen- to do nosso consolo — não em nosso amor, não em nossa fé, em nada que exista em nós, mas neste decreto, nes- te conselho, nesta vontade misteriosa e eterna de Deus da qual procedem toda a fé, todo amor, tudo o que temos e o que somos e podemos ser neste mundo e no mundo vindouro. Esta foi uma das palestras radiofônicas proferidas por J. Gresham Machen. Greshan Machen foi um grande teólogo, especialista no Novo Testamen- to do Seminário de Princeton (fundado pelos Puritanos) antes do “desvio” para o liberalismo teológico”. Quando Princeton estava sofrendo esta forte influência liberal, Machen fundou o Seminário Teológico de Westminster na Filadélfia, USA. “Que diremos, pois, há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum”, diz Paulo em Romanos 9:14. 14 Revista Os PuRitanOs Os Cinco Pontos do Calvinismo O acróstico TULIP representa os assim chamados cinco pontos do Calvinismo, os quais são, em resumo, como seguem: 1. Depravação Total. Tanto por causa do pecado original, como pelos seus próprios atos pecaminosos, toda a humanidade, exceto Cristo, em seu estado natural é inteiramente corrupta e completamente má, ela é restringida de manifestar a sua corrupção em plenitude por causa da instrumentalidade da graça co- mum de Deus. Em conformidade com a sua natureza, ela é completamente incapaz de salvar a si mesma. 2. Eleição Incondicional. Antes da criação do mundo, em sua simples e livre graça e amor, Deus elegeu a muitos pecadores para uma completa e final salvação, contudo, sem prever a fé ou as boas obras, ou qualquer outra coisa que lhes servisse de condição ou causa, que movesse Deus a escolhe-los. Que seja afirmado, a base da eleição não estava neles, mas em Si mesmo. 3. Expiação Limitada. Cristo morreu eficazmente, o que é verdadeira salvação somente para o eleito, ape- sar da infinita suficiência de sua expiação e o divino chamamento a todos ao arrependimento e confiança em Cristo, prover a garantia para a proclamação do evangelho a todos os homens. Eu pessoalmente, prefiro os termos “expiação definitiva”, “expiação particular”, ou “expiação eficaz”, em vez de “expiação limitada”, tanto por causa de uma possível confusão da palavra “limitada”, como também, por causa de todo “limite” evangélico que a expiação possa ter em seu desígnio (o Calvinista), ou em seu poder de aplicar o seu propósito (o Arminiano). 4. Graça Irresistível. Esta doutrina não significa que o não-eleito encontrará a graça irresistível de Deus, mas sim, que a graça salvadora de Deus não se estende igualmente a ele. Nem mesmo significa que o eleito encontrará a irresistível graça salvadora de Deus, desde o início se estendendo a ele, como se o eleito pudesse resistir a sua oferta por um período. O que ela significa é que o eleito é incapaz de resistir con- tinuamente a graciosa oferta de Deus. No tempo designado, Deus atrai o eleito, um por um, a si mesmo, removendo a sua hostilidade e oposição a Ele e seu Cristo, produzindo o desejo de receber o seu Filho. 5. Perseverança dos Santos. O eleito está eternamente seguro em Cristo, que preserva para Si mesmo, capacitando-lhe a perseverar nEle até o fim. Aqueles que professam ser cristãos, e se apostatam da fé (1 Tm 4:1), são como João disse: “eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos” (1 Jo 2:19). Fonte: Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville, Thomas Nelson Publishers, 1998), pp. 1125-1126. Tradução livre 04/08/2004: Rev. Ewerton B. Tokashiki Extraído: http://www.ipportovelho.org/index.php?option=com_content&view=article&id=239:os-cinco-pontos-do-calvinismo-&catid=39:biblioteca &Itemid=207 Revista Os PuRitanOs 15 Eleição por Graça “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6.44) Roger L. Smalling Um conto: “Em uma cidade remota, vivia um ho-mem de raros dons. Era um famoso escultor e praticava também as artes marciais. É preciso mencionar que tanto em uma como em outra era um verdadeiro mestre. Lamentavelmente vários de seus amigos não o en- tendiam. Alguns criam que para ser escultor era neces- sário um caráter doce e manso. O resto pensava que um praticante de karatê devia ser um homem duro, violento e de quem todos tivessem medo. Convidou, então, a todos seus amigos. Queria lhes observassem suas habilidades. Antes que os amigos chegassem à reunião, o homem tomou uma massa de barro e a dividiu em duas partes. Com o primeiro pedaço moldou uma formosa escultura. Se tratava de um conjunto de pessoas, animais e flores num grande bosque. Pintou a obra de arte e a endure- ceu no forno. Com o outro pedaço de barro construiu um bloco sem forma e também o cozeu. Os amigos chegaram no dia marcado e ele decidiu retirar primeiro a escultura. – Que sensível e doce és! Tua obra é mui fina! Excla- maram maravilhados os presentes. Respondeu o mestre: – Obrigado pelo elogio! Porém, na realidade não so- mente me dedico à escultura. A resposta do artista deixou muitos de seus amigos perplexos. Se dirigiu a seu ateliê e trouxe até o lugar onde as pessoas estavam reunidas, o grande pedaço de barro cozido. – Existem outras artes que não requerem sensibilida- de, disse com voz grave. Depois de alguns segundos, lançou um grito e com sua mão estendida rompeu de um só golpe todo o bloco solidificado. Aqueles que assistiram, se deram conta do que o mestre lhes comunicava. A verdade é que ele era sen- sível e doce, porém, também era forte. Era melhor ser seu amigo”. Jeová é como este artista. Alguns o vêem como um Pai amoroso que não faria dano a ninguém; outros o percebem como um Deus que estabelece justiça, casti- ga e repreende. No entanto, nenhum dos grupos pensa corretamente. O apóstolo Paulo tinha a ideia correta de Deus: “Considerai, pois, a bondade e a severidade de Deus” (Rm 11:22). No conto mencionado, o barro moldado representa os eleitos e o bloco sem forma os reprovados. Se bem que a misericórdia de Deus não poderia ma- nifestar-se sem a existência de pecadores, tão pouco o justo juízo de Deus poderia igualmente se evidenciar sem a existência de condenados. Devemos amar e te- mer a nosso Deus. A misericórdia e a justiça divinas se completam; não se contradizem e dependem uma da outra. São como os dois lados de uma mesma moeda; a moeda se chama “predestinação” e os dois lados, “elei- ção” e “reprovação”. A Controvérsia da Eleição Se um dia o leitor desejar uma viva disputa entre cris- tãos, permita-me oferecer-lhe uma sugestão: Pronuncie uma só palavra: PREDESTINAÇÃO! Para alguns esta palavra é um tesouro consolador que lhes ajuda a entender melhor a graça de Deus. Para outros é a pior das calúnias contra o caráter justo de Deus. A controvérsia que existe quanto à Predestinação não se encontra na falta de evidências bíblicas. É inevi- tável que seja controversa qualquer coisa que desafie a independência humana, seu orgulho e a supremacia da sua vontade. Muitos eruditos em teologia bíblica têm obser- vado que: 16 Revista Os PuRitanOs ROGeR l. sMallinG “As dificuldades que sentimos com res- peito à Predestinação não são derivadas da Palavra. A Palavra está cheia dela, porque está cheia de Deus. E quando di- zemos: ‘Deus’, temos dito Predestinação” Na realidade, a Predestinação é quatro vezes mais fácil de ser compro- vada do que a divindade de Jesus. No Novo Testamento há mais ou menos 10 versículos que expressam diretamente a Deidade de Jesus. Porém, mais de 40 expressam a Predestinação. No entanto, os mesmos cristãos dis- postos a defender até a morte a Deidade de Jesus, lutarão com igual fúria para refutar a doutrina da Predestinação.Por quê? Como expressou o erudito evangélico, J.I. Packer, “...a mente car- nal do homem, incluída entre os salvos, não suporta abandonar a ilusão de que ela mesma é capitã de seu próprio des- tino e dona de sua própria alma”. Definição da Palavra “Predestinação” quer dizer “destinado antes”. Se refere ao concerto divino das circunstâncias do fato de cumprir com seus decretos feitos antes da fundação do mundo. A Eleição se refere ao decreto di- vino de criar, de entre a humanidade condenada, certos indivíduos para se- rem beneficiários do Dom gratuito da salvação. Deus fez isto sem referência aos méritos, ao estado da vontade, ou a fé prevista dos eleitos. Deus não fez arbitrariamente, mas baseado na Sua graça. A Reprovação tem tudo a ver com o decreto de divino mediante o qual Deus deixa uma parte da humanidade peca- dora, seguir seu caminho até a conde- nação eterna, servindo desta maneira de objeto da ira de Deus. Deus não os obriga a pecar. Tão pou- co é o autor do pecado deles. Simples- mente os deixa continuar seu caminho como castigo por seus pecados. Mesmo que os conceitos de predestinação e eleição sejam seme- lhantes, não são exatamente iguais. A eleição encerra a decisão divina de sal- var a alguns; em troca, a predestinação se refere ao poder de Deus para arran- jar as circunstâncias a fim de cumprir seus decretos. Eis aqui uma ilustração: Suponhamos que desejemos que um cavalo corra em círculos perfeitos. Pri- meiro, escolheríamos o cavalo (Isto é a eleição). Logo, construiríamos um cur- ral circular para que ele aprenda a cor- rer em círculos (Isto é a Predestinação). O curral representa as circunstâncias da vida em que pomos ao cavalo e é exatamente como Deus arruma as cir- cunstâncias de nossas vidas para asse- gurar que cumpramos com Seu decreto desde a eternidade. Importância da Doutrina da Eleição A Eleição é como uma luz que ilumina o significado da palavra “GRAÇA”. Sem ela, a graça é entendida como a recom- pensa por alguma atividade ou disposi- ção humana e não como a causa desta disposição. Se a definição correta da palavra “graça” é “um favor imerecido”, então, a graça tem que ser independente de qualquer atividade humana. O mo- mento em que aceitamos este concei- to, entendemos porque a graça e a eleição são inseparáveis. Não é lógico proclamar a doutrina da salvação pela graça enquanto negamos que a Eleição o seja. Paulo expressou esta unidade com estas palavras: “Assim, pois, tam- bém agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça” (Rm 11:5). As Evidências Bíblicas A) Provas Paradoxicas Existem dois argumentos que apre- sentam para tentar refutar a doutrina da Eleição: o conceito da justiça e o con- ceito da presciência. No entanto, este se convertem nas evid6encias mais fortes para comprovar a certeza da predestinação. São as chamadas “pro- vas paradoxicas”. 1. Argumento da justiça Os que são contra a Predestinação dizem: “A Predestinação não pode ser verdade porque Deus seria injusto em escolher a uns e não a outros. E se a von- tade de Deus é irresistível como pode Ele fazer-se responsável pelo pecado?”. Paulo antecipou esta objeção em Ro- manos 9.14-16: “Que diremos pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprou- ver ter compaixão. Assim, pois, não de- pende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”. Notemos que no texto anterior, Pau- lo não se desculpa de nenhuma maneira ante a objeção. Tão pouco a contesta. Porém afirma outra vez o direito de Deus a ter ou não misericórdia, segun- do seu critério. Também destaca que a Eleição não depende, nem da vontade humana, nem de seus esforços: “...não depende de quem quer ou de quem cor- re...” (v. 16). Paulo antecipa aqui uma objeção baseada no livre arbítrio neutro. Curio- samente, esta antecipação indica que a predestinação soberana é precisamen- te o que está afirmado. Sua resposta, portanto, soa mais como uma crítica. “Tu, porém, me dirás: De que se quei- xa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim?”. Dizer que a Eleição é injusta, é discu- tir com Deus. Paulo entendeu a impos- sibilidade de satisfazer o orgulho dos Revista Os PuRitanOs 17 eleiçãO POR GRaça que se crêem capazes de encarregar-se de seu próprio destino e Paulo se con- tenta em reprová-los com “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?”. Existe também outra resposta lógica para contestar a objeção anterior. To- dos merecemos a condenação. Se Deus nos condenasse a todos, não haveria injustiça para com ninguém. Por que culpar a Deus de injustiça por salvar a alguns? Vários recebem de Deus mise- ricórdia. Outros recebem justiça. Nin- guém recebe injustiça da parte de Deus. Deus se reserva para Si mesmo o direito de fazer com Sua criação o que bem lhe parece. Deus não se sujeita a outro critério que não Sua própria von- tade. Suas ações não são susceptíveis às avaliações humanas. A única manei- ra correta de responder à questão da Predestinação é agradecer a Deus, fe- char a boca e descansar. 2. Argumento da Presciência Segundo este ponto de vista, Deus escolheu a uns porque via de antemão quem seriam as pessoas que iam obede- cer e crer. Os que sustentam este ponto de vista se baseiam em dois versículos: “... eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito para a obediência...” (I Pe 1:2). “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem con- formes à imagem de seu Filho...” (Rm 8:29). Estes versículos poderiam defen- der, numa primeira análise, a posição oposta à predestinação, porém contra- riamente a defende. É necessária uma pergunta para resgatar o sentido real dos textos bíblicos: O que Deus previu nos homens? 1. Não pode ser a fé porque ela se baseia na predestinação: “... e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (Atos 13:48). A fé é, além disso, fruto da graça de Deus: “... aqueles que mediante a graça ha- viam crido” (Atos 18:27). Sobre isto comenta Agostinho: “O homem não é convertido porque deseja, mas só deseja porque é ordenado pela eleição”.2 2. Não podem ser as boas obras. Em Efésios 2:10 lemos que as boas obras foram predestinadas do mesmo modo que as pessoas que as executam. As boas obras se baseiam na fé e a fé na predestinação. 3. Não pode ser a boa vontade por- que a vontade do pecador não é boa: “Não há quem entenda. Não há quem busque a Deus” (Rm 3:11). Em vista da depravação e rebelião do homem, não existe nenhuma qualidade boa no pecador para ser prevista. A pa- lavra “presciência” significa o mesmo que “pré-ordenação”. Isto é, Deus sabia de antemão a quem havia escolhido para planejar as circunstâncias de suas vidas, a fim de confirmá-los à imagem de Seu Filho. Que significa a palavra “presciência” nos versículos citados? A palavra grega traduzida “presci- ência” é prognosko, e significa também “pré-ordenado”. Nos versículos citados, a obediência é mencionada como resul- tado da presciência e não a causa dela. Disse Pedro: “... para obediência” e não “... por obediência”. Paulo também ex- pressa em Romanos 8:29 “para serem” e não “porque viu que eram”. Estes dois versículos, então, servem como apoio à Predestinação em lugar de refutá-la. É interessante que em I Pedro 1, o apóstolo usa esta mesma palavra prog- nosko relacionado com a vinda de Jesus e se traduz como “conhecido... antes”, v. 20: “...conhecido com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifesta- do no fim dos tempos...”. Seria absurdo dizer que Deus o Pai simplesmente “pre- viu” que Jesus viria. Da mesma forma se vê em Atos 2.23: “... sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciên- cia deDeus...”. É a mesma palavra en- contrada em I Pe 1:2 – prognosko. Fica claro que a palavra “presciên- cia” significa “pré-ordenação” quando se usa no sentido da atividade divi- na. Essa palavra apoia, e não refuta a Predestinação. É interessante que nas Escrituras não existe nenhuma concordância en- tre eleição e o conhecimento prévio que Deus tem da reação da pessoa. Por exemplo, Jesus disse: “Ai de ti Co- razin! Ai de ti Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza” (Mt 11:21). Se Deus previu que aquele povo po- dia se arrepender, por que não enviou um profeta para pregar-lhes? Simples- mente porque não eram escolhidos. Deus escolheu a Israel como povo Seu embora conhecesse muito antes sua rebeldia: “Todo dia estendi as mi- nhas mãos a um povo rebelde e con- tradizente” (Rm 10:21). Deus escolheu Israel apesar de sua prevista reação ne- ..a mente carnal do homem, incluída entre os salvos, não suporta abandonar a ilusão de que ela mesma é capitã de seu próprio destino e dona de sua própria alma 18 Revista Os PuRitanOs gativa: “Deus não rejeitou o seu povo a quem de antemão conheceu” (Rm 11:2). Deus escolhe a Ezequiel e o envia aos judeus embora lhe diga que eles rejeita- rão sua mensagem (Ez 3:6-7). Por que atua desta maneira? Porque os judeus dessa época foram escolhidos como povo nacional de Deus, não tendo como base suas reações ou atitudes, mas com base na vontade divina. Em I Co 2:7-10, Paulo assegura que Deus tem predestinado para nós uma sabedoria especial, porém oculta para os príncipes deste mundo Deus sabia que o houvesse revelado aos príncipes da época de Cristo, não haveriam cruci- ficado a Seu Filho. Por que, então, Deus não revelou sua verdade aos podero- sos? Simplesmente porque tinha essa sabedoria predestinada para nós e não para aqueles. Deus não fundamenta Suas decisões na reação prevista do homem porque ninguém busca a Deus. Em Rm 10:20 lemos: “Fui achado pelos que não me procuravam, revelei-me aos que não perguntavam por mim”. Inclusive a lógica nos ajuda a enten- der porque a presciência não explica a eleição. Todos sabemos que Deus é Todo Poderoso e Onisciente. É óbvio, pois, que qualquer coisa que Deus vê de antemão é também predestinada. Se Deus é Todo Poderoso, pode impedir que aconteça qualquer coisa que con- trarie Sua vontade soberana. Exemplo: Suponhamos que Deus prevê que Sr Fulano de tal nasceria em circunstâncias que o provocariam rejeitar a Cristo. Se Deus quisesse que fosse salvo, poderia trocar essas cir- cunstâncias de modo que tivesse outra influência. Não se pode escapar desta conclusão. Se Deus não troca essas cir- cunstâncias, é porque o Sr Fulano não é um eleito. Assim, a única maneira de usar a objeção baseada na presciência, é negar que Deus seja Todo Poderoso. B) As Três Ilustrações de Romanos 9. Romanos capítulo nove contém as evidências mais dinâmicas sobre elei- ção porque está dedicado exclusiva- mente a este tema. Por isso o veremos cuidadosamente. Paulo expõe suas razões por meio de três exemplos gráficos: (1)Jacó, Esaú, (2) Faraó e o (3) Oleiro. 1. Primeira Ilustração: Jacó e Esaú, v. 6-13 Paulo insiste em dois conceitos: a eleição nacional e a eleição pessoal. Uti- liza a primeira para explicar a segunda. É importante deixar claro que Paulo não se refere unicamente a eleição na- cional. Os versos 6 a 8 evidenciam que o Apóstolo centraliza sua mensagem na eleição individual: “...nem todos os de Israel são de fato israelitas; nem por serem descendência de Abraão são todos seus filhos, mas: Em saque será chamada a tua descen- dência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas de- vem ser considerados como descendên- cia os filhos da promessa”. Se destaca o mesmo no v. 27 por ha- ver uma distinção entre judeus salvos e judeus perdidos: “Ainda que o número dos filhos de Is- rael seja como a areia do mar, o remanes- cente é que será salvo”. No versículo 11 do capítulo 9 de Romanos, Paulo toma como ilustração uma história do Antigo estamento para explicar a eleição divina: “E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama)...”. Jacó e Esaú eram gêmeos. No en- tanto, antes de que nascessem, Deus já havia escolhido a Jacó em lugar de Esaú, sem tomar em consideração as características previstas neles. Se Deus houvesse escolhido a Jacó porque viu de antemão que tinha um coração sensível às coisas espirituais, o versículo deveria dizer: “...(para que o propósito de Deus quanto à eleição pre- valecesse, segundo um bom coração e não segundo aquele que chama)...”. Está claro que a base da eleição não foi ne- nhuma qualidade prevista em Jacó pois seria meritória. No versículo 11 Paulo ressalta o vín- culo entre o amor divino e a Eleição: “Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú” (v.11). Deus ama por livre eleição, não por mérito algum dos que foram elei- tos. Seu amor é uma força poderosa e pessoal que O faz buscar, salvar e pre- servar aos eleitos. É o Pastor que busca a ovelha perdida. Seu amor é ativo, não passivo; pessoal e não geral; voluntário e não forçado. Jacó e Esaú são símbolos dos eleitos e dos reprovados. Ele ama aos eleitos, porém aborrece aos reprovados. Esta interpretação representa um dos três pontos de vista básicos com respeito ao tema delicado e complexo do amor de Deus. Estes três tratam al- gumas perguntas chave: A quem Deus ama? Que distinções existem relativas às diferentes classes de indivíduos? Estas duas perguntas podem ser resu- midas em dois elementos: extensão do amor, e tipo de amor. Os três pontos de vista se desenvolvem como base a estes dois elementos. Amor Ódio Eleitos Reprovados Deus ama a todos igualmente? Ama tanto a Adolfo Hitler no inferno como o apóstolo João no céu? Ama a Faraó tan- to quanto a Moisés? É o amor de Deus tanto universal como equivalente? ROGeR l. sMallinG Revista Os PuRitanOs 19 A existência de textos como Romanos 9:13 faz este conceito problemático. In- clusive se aceitamos que a universalida- de do amor de Divino é claro que não é equivalente. Não existem formas de to- mar a frase “Amei a Jacó, porém me abor- reci de Esaú” e interpretá-la como Deus amou a Esaú tanto quanto a Jacó. Mesmo que a palavra “aborreci” significasse um amor inferior (como alguns têm dito), isto não alivia a distinção. Pior, o profeta Malaquias indicou que o aborrecimento divino para com Saú resultou em uma aniquilação total de sua descendência. É um pouco difícil imaginar a aniquilação total como uma expressão de amor. Mesmo o versículo famoso de João 3:16 (“Amou o mundo de tal maneira...”) não apoie o ponto de vista universalista. Inclusive se fosse possível mostrar que a palavra ambígua “mundo” significas- se “todo ser humano”, nada indica que o amor de Deus é equivalente para todos. De igual forma, nós podemos verifi- car por meio de uma concordância que a Bíblia NUNCA fala do amor de Deus exceto em referência ao povo de Deus. Tão pouco se pode evitar os textos que indicam um amor particular para os eleitos. (“Revesti-vos, pois, como elei- tos de Deus, santos e amados...” — Cl 312; “...reconhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição” —I Ts 1:4). Uma mulher veio uma vez se encon- trar com Charles Spurgeon e disse-lhe que esta afirmação a molestava: “porém me aborreci de Esaú”, porque pensava que Deus amava a todos igualmente. A resposta de Spurgeon foi esta: “Isso não é o que me molesta, minha senhora. O que me molesta é como podia Deus amar a Jacó”... pois Jacó não o merecia. É muito valioso proclamar o amor de Deus como um dos seus atributos prin- cipais, enquanto está em consonância com a Sua santidade e o Senhorio de Cristo. De outra sorte, tal proclamação
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