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0 GESTÃO COMPARTILHADA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE TRANSPORTE ENTRE ENTES DA FEDERAÇÃO Projeto de Iniciação Científica apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), sob a orientação da Professora Doutora Nina Beatriz Stocco Ranieri. Grande área: Ciências Sociais aplicadas Área: Direito Subárea: Direito do Estado Palavras-chave: gestão compartilhada, mobilidade, região metropolitana. SÃO PAULO 2020 1 RESUMO O modelo federalista brasileiro enfrenta um desafio de considerável envergadura no que diz respeito ao estabelecimento de maior cooperação e coordenação entre seus entes federativos tendo em vista a efetiva implementação de políticas de enfrentamento das desigualdades e exclusão social nas aglomerações urbanas, mais precisamente com relação ao transporte público dos munícipes. Nesse sentido, o presente projeto de pesquisa se propõe a investigar a existência de iniciativas exitosas da adoção de modelos de gestão compartilhada de serviços de transporte público em quatro das cinquenta e cinco Regiões Metropolitanas brasileiras: Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. A importância de se fazer a pesquisa decorre do fato de que a estrutura federal brasileira estabelece um modelo municipal único, de modo que todos os mais de cinco mil municípios brasileiros possuem as mesmas atribuições previstas no Art. 30 da Constituição de 1988, independentemente do seu tamanho, de sua capacidade fiscal e da contribuição tributária de seus habitantes. Todavia, ocorre que há municípios que não conseguem desempenhar a contento alguns dos serviços públicos pelos quais são responsabilizados constitucionalmente, o que enseja o questionamento se não seria mais vantajosa a adoção de modelos de gestão compartilhada de serviços, como no caso francês, no qual há a possibilidade de atividades intercomunais, por exemplo. A realização da investigação se valerá de pesquisa bibliográfica de literatura acadêmica relacionada ao tema, bem como de dispositivos legais que regulamentem o assunto. I. INTRODUÇÃO Formas de Estado consistem na distribuição territorial do poder político (RANIERI, 2013, pg. 134). A distribuição territorial resulta na organização político-administrativa de um determinado Estado, seja como Estado unitário, seja como Estado Federal, e isso tem implicações nos modos pelos quais a população do respectivo Estado participa democraticamente do poder político. Há duas formas básicas de Estado: as simples e as complexas. As formas simples só apresentam uma modalidade que é a do Estado Unitário. Quanto às formas complexas, por sua vez, podem ser ou de Estado Regional ou de Estado Federal. Quando se fala em distribuição territorial do poder, está sendo dito de que maneira o poder 2 político pode ser distribuído. Vale dizer, quais são os modos de distribuição do poder político, quais sejam: a desconcentração administrativa, a descentralização política ou a autonomia política. Ao se comparar o Estado Federal com o do Estado unitário, nota-se que no segundo apenas o governo central dispõe do poder de elaborar leis. Quanto às regiões, departamentos, províncias, ou outros similares, eles dispõem de poder normativo, mas não de poder Legislativo. As leis são feitas única e exclusivamente pelo governo central (RANIERI, 2013, pg. 134). No caso da França, isso ocorre na Assembleia Nacional francesa, que legisla para todo o território metropolitano. Adicionalmente, apenas há um poder judiciário; toda a organização judiciária francesa pertence ao governo central. É uma forma muito mais simplificada em comparação ao Estado Federal que atribui possibilidades de participação nos três poderes do Estado, praticamente para todos os entes federados. A forma de Estado unitário é simples apenas na aparência, pois, a descentralização e a desconcentração que se opera internamente torna tal forma muito complexa na prática, a ponto de, na França, ser chamada de “mil folhas” territorial, conforme o site Qualidade da Democracia. A França é um Estado unitário com características muito peculiares. Em termos de dimensão territorial, ela ocupa um território de 643.801 km², um pouco maior que o estado brasileiro da Bahia, com 567.295 km²; caberia quinze vezes dentro do Brasil. Uma das peculiaridades da França é justamente a manutenção de decisões tomadas desde a Revolução Francesa, que por sua vez, quando organizou as coletividades territoriais, procurou manter ideologicamente ao máximo possível a divisão que já vinha desde a Idade Média. Isso significa que havia costumes, dialetos, hábitos arraigados a cada uma dessas parcelas territoriais. Atualmente, de acordo com a Constituição Francesa de 1958, a quinta desde a República Francesa, as coletividades territoriais francesas são as comunas, os departamentos, as regiões, comunidades de estatuto especial e comunidades ultramarinas. Vale notar a quantidade de subdivisões em comparação com o caso brasileiro, em que temos apenas a União, os estados, municípios e o Distrito Federal. Ao passo que na França, as coletividades do território metropolitano, cada qual tem uma certa quantidade. Essa estrutura foi reformulada a partir de reformas ocorridas nos anos 1980 na França. A partir de 2016 tudo isso foi implantado e várias regiões foram fundidas numa única. A grande maioria sofreu mudança e foi reunida numa mesma região, visando simplificar a organização desse Estado Unitário. Atualmente, existem treze regiões francesas. Também há cento e um departamentos, que são subdivisões das regiões, com descentralização do poder político no que diz respeito à sua organização interna, assuntos administrativos entre outros. Há trinta e seis mil e setecentas comunas, que equivaleriam aos municípios brasileiros. Há coletividades de estatuto especial, como é o caso da Córsega que 3 tem parlamento próprio e não atende às determinações da Assembleia Nacional, exceto em algumas matérias; e há também os chamados agrupamentos intercomunais criados recentemente por lei e que dizem respeito ao agrupamento de comunas que atuam em conjunto em busca de maior nível de eficiência administrativa. A título de exemplo, pode-se citar a região de Île de France, onde está situada Paris, que possui dezoito departamentos e cerca de noventa e uma comunas numa região de dimensões modestas (12.012 km²). No que se refere especificamente às comunas francesas, na última etapa da proposta de reforma administrativa francesa foi sugerida a extinção de comunas com menos de um determinado número de habitantes, considerando que a maioria delas tem menos de mil habitantes. Todavia, houve resistência das populações, que não quiseram votar pela extinção de suas próprias comunas. Disto decorreu a possibilidade de atividades intercomunais, de modo que algumas comunas passaram a optar por compartilhar serviços como saneamento básico, recolhimento de lixo e outras atividades que podem ser realizadas conjuntamente. Para além disso, a União Europeia estimulou a reforma de comunas e regiões. Assim, comunas e regiões francesas conseguem se relacionar com outras de outros países europeus, independentemente do governo central. Vale notar que, no Brasil, para algo semelhante ocorrer é preciso de autorização legal, conforme disposto no Art. 23, parágrafo único da Constituição de 1988: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Disto decorrem algumas indagações. Será que todos os mais de cinco mil municípios brasileiros devem se organizar da mesma forma? Nossa estrutura federal estabelece um único modelomunicipal com atribuições previstas no Art. 30 da Constituição de 1988, conforme transcrito in verbis: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou 4 permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Todavia, será que todos os municípios, independentemente de seu tamanho, de sua capacidade fiscal e da contribuição tributária de seus habitantes têm necessariamente que se organizar da mesma maneira? Será que não seria mais compensador se pensar noutras situações que possibilitassem aos municípios com menos de cinco mil habitantes, com baixa capacidade fiscal, com menos capacidade de realizar os serviços que lhes são atribuídos pela Constituição, de terem a possibilidade de criar outras alternativas para atendimento de tais demandas, como a adoção de modelos intercomunitários, como no caso francês? Tendo em vista as dúvidas suscitadas, o problema de pesquisa do presente trabalho consiste na investigação da existência de iniciativas exitosas da adoção de modelos de gestão compartilhada de serviços públicos da competência de entes municipais. Para fins de delimitação, o interesse da pesquisa será focado no serviço público de transporte coletivo. II. JUSTIFICATIVA Principalmente com o advento da globalização, as metrópoles têm se expandido e com isso novas demandas têm sido impostas à dinâmica da vida urbana (DIÓGENES, 2012). Tais demandas têm conduzido à procura por condutas com vistas a planejar e gerir melhor as cidades levando-se em conta o crescimento urbano que vem se intensificando, bem como os problemas dele decorrentes, sendo um deles relacionado ao transporte público (GONZAGA, 2011). Esse é um fenômeno que se verifica em países do mundo todo e no Brasil não é diferente. No caso brasileiro, são os municípios os responsáveis por solucionar questões regulatórias e financeiras das políticas de investimento, de planejamento e gerenciamento dos serviços de 5 transporte público. Isto está associado à questão federativa, que confere autonomia e titularidade ao município quanto à prestação do serviço nestes espaços metropolitanos (IPEA, 2015). Ademais, é responsabilidade constitucionalmente atribuída ao ente municipal, conforme o inciso V do Art. 30 da Constituição de 1988. Isso representa um problema na medida em que, ainda que compartilharem diariamente fluxos de pessoas e mercadorias, significativa quantidade de municípios brasileiros integrantes de uma região metropolitana não atuam de forma colaborativa e compartilhada em relação ao serviço público de transporte coletivo e acabam não se utilizando de instrumentos que poderiam viabilizar uma atuação conjunta, como os consórcios públicos possíveis desde a Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005, por exemplo (IPEA, 2015). Isto poderia reduzir custos e contribuir para uma melhor gestão do serviço. Ademais, a atribuição da competência para realização dos serviços públicos não significa necessariamente a atribuição de renda própria para tal, conforme pontua Dallari: “a experiência demonstra que dar-se competência é o mesmo que atribuir encargos/responsabilidades. É indispensável, portanto, [...] que se assegure a quem tem os encargos uma fonte de renda suficiente, pois do contrário a autonomia política torna-se apenas nominal, pois não é possível agir com independência quem não dispõe de recursos próprios" (DALLARI, 2011, p. 255). Nesse sentido, a relevância do tema de gestão compartilhada decorre em razão de sua importância como possível alternativa para mitigar parte dos problemas já mencionados, principalmente no que se refere aos relacionados a municípios com baixa capacidade fiscal e com menos capacidade de realizar os serviços que lhes são atribuídos pela Constituição. III. OBJETIVOS O presente trabalho objetiva investigar a existência de iniciativas exitosas da adoção de modelos de gestão compartilhada de serviços de transporte público em quatro das cinquenta e cinco Regiões Metropolitanas brasileiras: Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. A escolha restrita a essas quatro regiões se justifica por serem aglomerados de médio e grande portes, nos quais há maiores dificuldades derivadas da falta de integração entre os entes municipais. A investigação tem como foco a busca de quais dessas Regiões Metropolitanas foram 6 exitosas na adoção de modelos de gestão compartilhada de serviços de transporte público e quais dispositivos legais possam ter contribuído para o êxito de iniciativas do poder público e da sociedade com vistas à promover tal integração. Para além disso, o tempo para a realização do projeto é relativamente curto, sendo de um ano, o que também demanda a delimitação do objeto de análise. IV. METODOLOGIA A realização da investigação se valerá de pesquisa bibliográfica disponível em acervos digitais de modo a viabilizar: • a leitura e análise de literatura acadêmica relacionada ao tema, mais precisamente da doutrina sobre Teoria do Estado e Direito Administrativo; • a leitura e análise de dispositivos legais que regulamentem a matéria de gestão compartilhada. A metodologia em si da pesquisa consistirá, primeiro na construção de quadros conceituais e quadros sinóticos relativos a cada uma das quatro Regiões Metropolitanas brasileiras mencionadas no item III, de forma que seja possível analisá-las individualmente. Em cada quadro serão inseridos os textos legais respectivos, assim como considerações da doutrina que possam ter contribuído para o sucesso na adoção de modelos de gestão compartilhada de serviços de transporte público. V. CRONOGRAMA Tendo em vista a previsão de duração de um ano, a sequência de atividades proposta para a realização desta pesquisa é indicada abaixo: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Levantamento bibliográfico x X x x x Leitura e fichamento da bibliografia selecionada x X x x x x x x Atividades Meses 7 Case brief dos casos apurados x X x x x x Redação do relatório parcial X x x Revisão do relatório parcial x x Redação do relatório final x x x x x Revisão do relatório final x x VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Câmara dos Deputados. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos Municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001. ______. Guia para regulamentação e implementação de Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS em Vazios Urbanos. Brasília: Ministério das Cidades, 2009. ALMEIDA, F. D. M. Contratos administrativos. In: JABUR, Gilberto Haddad; PEREIRA Jr., Antonio Jorge (Coord.). Direito dos contratos II. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 194-216. ______. 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HOHMANN, A.C.C. O contrato de programa na Lei Federal N.11.107/05. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. FDUSP. 2011. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2015). Transportes e metrópoles: aspectos da integração em regiões metropolitanas. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 1990. LUFT, R.M. Regularização fundiária urbana de interesse social: a coordenação entre as políticas de urbanismo e de habitação social no Brasil à luz de experiências do direito francês. Tese de Doutorado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.2014. MEDAUAR, O.; OLIVEIRA, G. J. Consórcios públicos: comentários à lei 11.107/05. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. São Paulo: Manole, 2013. pg. 134. ROLNIK, Raquel; KLINTOWITZ, Danielle. (I) Mobilidade na cidade de São Paulo. Estudos avançados, v. 25, n. 71, p. 89-108, 2011. O Estado Unitário Francês em mutação: descentralização e democracia de proximidade. Qualidade da Democracia, 2015. Disponível em: https://qualidadedademocracia.com.br/o-estado- unitário-francês-em-mutaçãoo-descentralização-e-democracia-de-proximidade-e11fc167909c. Acesso em: 15/06/2020. https://qualidadedademocracia.com.br/o-estado-unitário-francês-em-mutaçãoo-descentralização-e-democracia-de-proximidade-e11fc167909c https://qualidadedademocracia.com.br/o-estado-unitário-francês-em-mutaçãoo-descentralização-e-democracia-de-proximidade-e11fc167909c
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