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FACULDADE FUTURA EDUCAÇÃO E TRABALHO, CULTURA E SOCIEDADE VOTUPORANGA – SP 2 SUMÁRIO 1 A RELAÇÃO SOCIEDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO................................ ........ 4 2 O PAPEL DA UNIVERSIDADE FRENTE A SOCIEDADE .................................... 10 3 TRABALHO E EDUCAÇÃO: CONCEITOS E DEFINIÇÕES ................................ 12 3.1 Trabalho e educação no Brasil: reformas, ajustes e adequações ................... ..14 4 CULTURA, TRABALHO E EDUCAÇÃO ............................................................... 26 4.1 Diversidade cultural e educacional .................................................................... 27 4.2 Cultura escolar e da escola ............................................................................... 29 4.3 Juventude: trabalho e escola ............................................................................. 30 4.4 Sujeito da educação .......................................................................................... 32 5 ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS PEDAGÓGICOS ....................................... 33 5.1 Relação entre cultura, trabalho e educação ...................................................... 35 6 HOMEM, TRABALHO E SOBREVIVÊNCIA ......................................................... 37 8 O HOMEM SOB A PERSPECTIVA DO TRABALHO............................................ 46 9 RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO ................................................ 51 10 MUNDO DO TRABALHO ................................................................................... 54 10.1 As relações sociais no modo de produção capitalista ..................................... 57 10.2 A reestruturação capitalista ............................................................................. 62 11 O PAPEL E O COMPROMISSO SOCIAL DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO ............................................................................................................ 63 11.1 Sociedade e educação no Brasil: o papel da escola e dos profissionais de educação........... ...................................................................................................... 66 12 ARTE E EDUCAÇÃO ......................................................................................... 69 12.1 Contextualização ............................................................................................. 70 13 ARTE E EDUCAÇÃO: UMA VISÂO HISTÒRICA – INTERDISCIPLINAR E TRANSDISCIPLINAR .............................................................................................. 71 13.1 A presença da arte apontada na lei: arte educação na escola ........................ 74 3 13.2 Visão interdisciplinar e transdisciplinar ............................................................ 77 13.3 Arte, como pesquisa, no espaço educativo ..................................................... 82 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 93 4 1 A RELAÇÃO SOCIEDADE, CULTURA E EDUCAÇÃO Fonte:www.adnmorelos.com O termo Sociedade (do latim: societas), que assume significado de associação amistosa com outros, vem a ser a interpretado na proposição de conjunto de pessoas que comungam objetivos, gostos, preocupações e costumes. Desse modo, interagem entre si, constituindo aquilo que se denomina comunidade. Oriundo do latim (colere), o termo cultura assume diversos significados, tornando, de certo modo, complexa a tarefa de defini-lo. À guisa de definições, o termo alude sentidos, sendo comum associações relacionadas a manifestações artísticas, sociais, linguísticas e até mesmo comportamentais. A título de exemplo, pode-se dizer que se trata da música, dramaturgia, rituais religiosos, danças, entre outros. Conforme Bocock (1995); Canen e Moreira (2001), ao envolver tantos significados, ao longo dos tempos, o termo sofreu variações. Na literatura do século XV, cultura se refere a cultivo da terra, de plantações e de animais. No início do século XVI, ocorre a ampliação da ideia de cultivo da terra e de animais para a mente humana. No século XVIII, o caráter classista da ideia de cultura se evidencia, ou seja, assinala a concepção de que somente as classes privilegiadas da sociedade europeia atingiriam o nível de refinamento que as caracterizaria como cultas. 5 Para Moreira e Candau (2007, p. 27), [...] a palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo. São os arranjos e as relações envolvidas em um evento que passam, dominantemente, a despertar a atenção dos que analisam a cultura com base... na idéia de que cultura representa um conjunto de práticas significantes. Frow e Morris (1997, p. 345), referem-se à cultura Não como uma expressão orgânica de uma comunidade, nem como uma esfera autônoma de formas estéticas, mas como um contestado e conflituoso conjunto de práticas de representação ligadas ao processo de composição e recomposição dos grupos sociais. Outra concepção sobre cultura, verifica-se no posicionamento assumido por Costa, Silveira e Sommer (2003, p. 38): A cultura não pode mais ser concebida como acumulação de saberes ou processo estético, intelectual ou espiritual. A cultura precisa ser estudada e compreendida tendo-se em conta a enorme expansão de tudo que está associado a ela, e o papel constitutivo que assumiu em todos os aspectos da vida social. Por educação (do latim: educere), que significa conduzir para fora, comumente falando, no seu sentido mais amplo, o termo se agrega à concepção de um meio no qual são disseminados hábitos, costumes e valores de uma comunidade, que por sua vez, são repassados de uma geração para a outra. Vista por essa ótica, a educação contorna concepções que lhes aferem um sentido técnico. Em outras palavras, o desenvolvimento das faculdades físicas, intelectuais e morais do ser humano, que propositalmente se delineia à finalidade de integrar a sociedade. No entendimento de Brandão (1986), educação é todo conhecimento obtido mediante as experiências na vida em sociedade. Desse modo, o ato educacional não se limita à escola, propriamente dita. Contudo, ocorre tanto em locais propositalmente definidos como não. Dessa forma, assegura, que Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações (BRANDÃO, 1985, p. 7). 6 Nessa linha de raciocínio, fica explícito o posicionamento de que para o autor, há múltiplas formas de educar, de modo que a educação passa a se constituir um fenômeno que se faz real, a partir do momento em que o indivíduo se torna capaz de observar, entender, imitar e, portanto, aprender. Nessas considerações, a aprendizagem não se efetiva única e exclusivamente no ambiente da sala de aula, o que pressupõe a existência de um professor, habilitado para educar. Sendo assim, a aprendizagem se manifesta de várias maneiras. Corroborando com Brandão, o autor Libâneo (2002), ao denominar a educação como fenômeno plurifacetado, podendo se concretizar em muitos lugares, seja em ambientes institucionalizados ou não, e sob várias modalidades, acentua que a prática pedagógica ocorre em variados meios. Dessa forma: Em várias esferas da sociedade surge a necessidade de disseminação e internalização de saberes e modos de ação (conhecimentos, conceitos, habilidades, hábitos, procedimentos, crenças, atitudes), levando a práticas pedagógicas. Mesmo no âmbito da vida privada, diversas práticaseducativas levam inevitavelmente a atividades de cunho pedagógico na cidade, na família, nos pequenos grupos, nas relações de vizinhança (LIBÂNEO, 2002, p. 27) Assim conceituada, a educação se associa, segundo esse autor, a processos de comunicação e interação entre os membros de uma sociedade. Cabe acrescentar, que o que justifica esse posicionamento, diz respeito ao processo de assimilação de saberes, habilidades, técnicas, atitudes, valores culturalmente organizados. Libâneo (1994) afirma, que por intermédio da ação educativa, o meio social exerce influências sobre os indivíduos. Mas como se dá esse processo? [...] Tais influências se manifestam através de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações. Em sentido amplo, a educação compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente; neste sentido, a prática educativa existe numa grande variedade de instituições e atividades sociais decorrentes da organização econômica, política e legal de uma sociedade, da religião, dos costumes, das formas de convivência humana. Em sentido estrito, a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se daqueles processos formativos gerais (LIBÂNEO, 1994, p. 17). 7 Outro importante ponto a levantar, levando em consideração a indissociável relação sociedade e educação, vem tratar do conhecimento escolar. Desta feita, considerando que o conhecimento se constrói mediante as experiências que tornam o indivíduo apto a atuar na vida em sociedade e, desse modo, transformar o seu espaço em função de suas necessidades básicas, questiona-se o grau de comprometimento entre os objetivos postulados no campo formal da educação. A esse respeito, Moreira e Candau (2007, p. 21) Que devemos entender por conhecimento escolar? Reiteramos que ele é um dos elementos centrais do currículo e que sua aprendizagem constitui condição indispensável para que os conhecimentos socialmente produzidos possam ser apreendidos, criticados e reconstruídos por todos/as os/as estudantes do país. Daí a necessidade de um ensino ativo e efetivo, com um/a professor/a comprometido (a), que conheça bem, escolha, organize e trabalhe os conhecimentos a serem aprendidos pelos (as) alunos (as). Daí a importância de selecionarmos, para inclusão no currículo, conhecimentos relevantes e significativos. Outro ponto muito merecedor de debate no cenário educacional, diz respeito à estrita ligação entre educação e cultura. Declara Perez Gomez (1993, p. 80), que a escola é um espaço de “cruzamento de culturas”, daí o caráter peculiar atribuído a essa instituição, de “exercer uma função de mediação reflexiva daquelas influências plurais que as diferentes culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações” (Idem, p. 80). Com base nessa exposição, fica explícita a ideia de uniformidade, que finda por diferençar a clientela escolar, em face às suas principais funções, daí as diferentes expectativas e movimentos que se formulam para/no trabalho escolar. Desta feita, pensar a formação do cidadão, excede à simples aspiração de uma formação para o enfrentamento do vestibular, por exemplo, ou seja, para uma terminalidade formal: a “certificação”. Embora entre as exigências mais presentes, esteja a meta de uma melhor preparação para o mercado de trabalho, urge pensar uma educação que, tal como vem rezando a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 8 No que tange à cultura, o Artigo 215 reza: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. Expostos esses amparos legais, fica veemente o lugar legalmente constituído que a educação e a cultura recebem na Carta Magna do país. Em linhas gerais, uma vez considerada a indissociável relação entre cultura e educação, portanto, cabe aos educadores, o desenvolvimento de uma prática de trabalho contornado pela apreciação da cultura, riqueza essa que não deve se perder em meio ao caminho, para que as novas gerações tomem conhecimento de suas raízes, costumes e a partir dessa formação passem a valorizar o outro, pelos seus costumes e tradições diversificadas, que fizeram do país pluri e multicultural. Assim, é mister que os educadores tenham clareza sobre a identidade da escola, da sociedade, do histórico cultural do seu povo, enquanto preocupações fundamentais e novas funções a serem impreterivelmente incorporadas ao ensino. Candau (2002, 141), ao refletir sobre o tema “Sociedade, cotidiano escolar e cultura”, chama atenção para as formas de manifestações, em nível de linguagem, hoje, fortemente utilizadas pelos jovens. A despeito disso, recomenda que: ...Em relação à cultura da sala de aula diz respeito à centralidade que nela ocupa a linguagem escrita e oral e sua dificuldade de incorporar, a partir de sua finalidade específica, a pluralidade de novas linguagens hoje presentes na sociedade e com as quais os jovens têm grande familiaridade. Entre as mediações culturais e tecnológicas utilizadas pela escola e aquelas presentes hoje na sociedade e utilizadas pelos diferentes grupos sociais e culturais, existe uma distância bastante acentuada. Certamente um dos desafios em busca de uma escolarização mais em sintonia com os desafios da sociedade atual é repensar a cultura da sala de aula e romper com o “congelamento” que sofreu através do tempo, tanto nos seus aspectos de configuração espaço-temporal, quanto no modo de se conceber e desenvolver o processo de ensino-aprendizagem e as mediações utilizadas, assim como na concepção do (s) saber (es) a ser(em) privilegiado(s) e articulado(s). O posicionamento levantado por essa autora acena para que se pense que se o lugar privilegiado da cultura escolar é a sala de aula, para que os conteúdos ali trabalhados alcancem contemplação além daquilo esperado como “certificação”, ou 9 seja, atribuições de notas e conceitos que justifiquem a passagem do aluno de uma série/ano/período para outro. Desta feita, é imperativo que se tenha como referência fundamental para a cultura da escola, conteúdos nem sempre contemplados nos livros didáticos. Assim, o conhecimento e a aproximação da cultura de certa localidade, as atividades extraclasse, surgem como espaços específicos para observar e analisar “ritmos, ritos, símbolos, linguagens e características próprias” (FORQUIN, 1993, p. 167), uma vez que mediante tais encaminhamentos é possível penetrar espaços e tempos escolares menos “controlados” e “rotinizados”, que é a sala de aula, propriamente dita. Ao que as reflexões pontuam considerações no sentido de que a sala de aula é espaço peculiar ao direcionamento do ensino, em outras passagens encontram-se posicionamentos explicitam que a educação ocorre formal, informal e não formalmente (LIBÂNEO (1994); BRANDÃO (1985)). Isso dá entender a gama de oportunidades que podem ser criadas nosentido de estreitar a relação educação e cultura aos pilares da vida em sociedade, ou seja, diz respeito à criação de eventos extrínsecos à sala de aula e, que via planejamento docente, possam surtir efeitos satisfatórios na formação do cidadão. Urge pensar, portanto, em ações que possam movimentar o público universitário à proposição de atividades além do espaço delimitado da sala de aula. O cenário das universidades, principalmente pelo nível de ensino ali desenvolvido, pela faixa etária do seu público, pode se envolver em atividades mais diretamente relacionadas com a comunidade. Isso implica na assunção de um ensino respaldado pela preocupação em proporcionar momentos de produção acadêmica que possam ir além dos referentes no cotidiano da instituição, propriamente dita. Todavia, importa questionar: que se faz necessário para que esse movimento ocorra? Com base nas articulações mais presentes no ofício docente, são, em primeiro lugar, indispensáveis conhecimentos prévios do (s) professor (es) sobre os níveis de atividades a propor. Ao lado disso, entende-se, por certo, que uma compreensão acurada da realidade em que está inserido possibilite a segurança de um planejamento que corresponda à construção específica da ação a ser proposta. 10 Importa frisar, que uma ação nessa envergadura não pode fugir dos princípios e valores velados pela educação; desse modo, deve se pautar por ações e objetivos relacionados àquilo que se afirmar como âmbito de referência do currículo, correspondendo, de sobremaneira, com a produção do conhecimento científico. Nesse sentido, os eventos e atividades, por mais simples que possam ser, devem se organizar com fins à aquisição de objetivos que se coadunem ao mundo do trabalho, aos desenvolvimentos tecnológicos, às atividades desportivas e corporais, à produção artística, alcançando, dessa maneira, as formas diversas de exercício da cidadania. Algo a ser, impreterivelmente, pontuado nessas considerações, é que não se pode, de forma alguma, ao propor quaisquer ações que sejam, estando elas vinculadas ao nome de uma instituição, divergir dos seus parâmetros curriculares. Importa lembrar, que nesses espaços, à guisa de intenção, organizam-se de modo racional pensamentos voltados para a produção dos diferentes saberes, dos quais derivam os conhecimentos específicos, oriundos de diferentes âmbitos – o currículo formal –, para constituir o que se ensina e se aprende nas salas de aula. Daí a necessidade de um planejamento balizado pela contextualização do espaço em que dada atividade será desenvolvida, bem como o público-alvo, suas expectativas e impressões mediante o vivido. 2 O PAPEL DA UNIVERSIDADE FRENTE A SOCIEDADE Fonte:www.adunicentro.org.br 11 Os níveis de serviços oferecidos por uma universidade se dividem a tríade ensino, pesquisa e extensão. Esses pilares, em consonância com as áreas de conhecimento são os setores diretamente responsáveis pela produção acadêmica. Portanto, suas ações devem vislumbrar à formação de recursos humanos qualificados, em correspondência com as aspirações sociais mais amplas. Para tal, fica evidente a necessária relação entre sociedade e universidade, delegando aos agentes diretamente responsáveis por esse nível de ensino, a atribuição de funções que caracterizem a Universidade como espaço de constante reflexão e crítica sobre os diferentes processos societários. Em se tratando da extensão universitária, a realização desse trabalho imprime a proposição de atividades – por parte da comunidade acadêmica – que se relacionem diretamente com a Sociedade. Essas atividades, por sua vez, são fruto de projetos propositalmente elaborados com o fim específico de beneficiar a sociedade, ou seja, fundamentam um nível de interveniência da universidade para com a Sociedade. Sobre extensão universitária, discute Nogueira (2000, p. 120), que ... tem-se hoje como princípio que, para a formação do profissional cidadão, é imprescindível sua efetiva interação com a sociedade, seja para se situar historicamente, para se identificar culturalmente e/ou para referenciar sua formação técnica com os problemas que um dia terá que enfrentar. Em linhas gerais, o trabalho da extensão universitária, enquanto projeto social, necessariamente, implicará na realização de atividades fora dos muros da Universidade – lembrando que o foco dessa discussão diz respeito à ação da educação para além da sala de aula – ação que se assenta numa proposta visando à interlocução com a sociedade. Desta feita, tratar-se-á da construção de novos e diferentes saberes, visando à mediação entre o saber popular e o saber científico. Obviamente, à guisa de orientação, as ações eleitas devem figurar o compromisso social da universidade em face à construção da cidadania. Nesse pressuposto, a extensão universitária se traduz um processo educativo e científico; isso implica dizer, que ao fazer extensão, ao passo em que se alcança a sociedade, há produção de conhecimento. Ao lado disso, concretizar ações extensionistas está relacionado com as aspirações de democratização da educação, 12 com fins à instrumentalização de um processo dialético entre teoria e prática, objetivando problematizar a realidade social e nela intervir. Vista por essa ótica, a extensão universitária está concatenada às práticas institucionais do próprio fazer acadêmico, alcançando, via prática, a sociedade, mediante a articulação de projetos que interessem universidade e sociedade e vice- versa.1 3 TRABALHO E EDUCAÇÃO: CONCEITOS E DEFINIÇÕES Fonte:www.edukavita.blogspot.com De acordo com os estudos de Marx (2005), o trabalho é o que identifica o homem, é pela realização do trabalho que o homem se realiza, ou seja, a partir da interação do homem com a natureza para garantir sua subsistência. No entanto, ao analisar o trabalho, mediante as relações desenvolvidas no sistema de produção capitalista, Marx (2005) afirma que o trabalho caracteriza‐se como alienado, uma vez que, o seu desenvolvimento passa a negar a própria existência humana. A contradição instalada pelo capitalismo tira do homem o seu trabalho em troca de um pagamento, e esta relação se dá, eminentemente, pela 1 Texto extraído de: www.cdn.ueg.br 13 exploração do trabalhador, sendo este entendido como mera mercadoria, capaz de gerar lucro ao capital. Tal fato pode ser entendido a partir da lógica de valorização do capital, em detrimento do trabalho humano. (Id., Ibid.). O trabalhador deixa de produzir para atender suas necessidades vitais, e passa a vender sua força de trabalho para tentar garantir sua subsistência. Assim, o produto do trabalho humano torna‐se alheio ao trabalhador, considerando‐se que as condições pela qual o processo de produção é realizado o alienam da forma mais perversa possível, pois tiram dele – ou seja, do homem/trabalhador – a satisfação em realizá‐lo, o prazer pelo trabalho, oferecendo‐lhe a exploração e a desvalorização, tornando‐se, portanto, o trabalho um objeto, algo externo e independente ao trabalhador. Contudo, podemos afirmar que: [...] O trabalho, como todos os processos vitais e funções do corpo, é uma propriedade inalienável do indivíduo humano. Músculos e cérebros não podem ser separados de pessoas que os possuem; não se pode dotar alguém com sua própria capacidade para o trabalho, seja a que preço for assim como não se pode comer, dormir ou ter relações sexuais em lugar de outra pessoa. Deste modo, na troca, o trabalhador não entrega ao capitalista a sua capacidade para o trabalho. [...]. (BRAVERMAN, 1987, p. 56). Nessa linha de raciocínio, Marx (Ibid.) afirma que a realização do trabalho deve ser para o homem, motivo de satisfação e reconhecimento de sua espécie, uma atividade que o proporcione prazer e não sofrimento,como acontece no processo de produção do sistema capitalista, no qual a força de trabalho passa a ser um objeto, uma mercadoria passível de comercialização e, que, portanto, não pertence ao trabalhador, e sim ao indivíduo que tiver condições de adquiri‐lo, ou melhor, de comprá‐lo. Daí justificar‐se a razão de o trabalhador sentir‐se estranho diante do produto de seu próprio trabalho, pois a alienação do trabalhador não ocorre somente com relação ao produto do trabalho, que a ele se contrapõe, mas também com o ato de produção, visto que, o trabalho constitui‐se enquanto uma atividade independente como algo que não mais lhe pertence. Quanto mais o trabalhador produz, mais se distancia de sua identidade natural, tornando‐se cada vez mais condicionado pelo e para o trabalho, numa relação de exploração e hostilidade. A esse respeito, Marx (Ibid.) apresenta a seguinte reflexão: 14 A realização do trabalho surge de tal modo como desrealização que o trabalhador se invalida até a morte pela fome. A objetivação revela‐se de tal maneira como perda do objeto que o trabalhador fica privado dos objetos mais necessários, não só à vida, mas também ao trabalho. Sim, o trabalho transforma‐se em objeto, que ele só consegue adquirir com o máximo esforço e com interrupções imprevisíveis. A apropriação do objeto manifesta‐se a tal ponto como alienação que quanto mais objetos o trabalhador produzir, tanto menos ele pode possuir e mais se submete ao domínio do seu produto, o capital. (MARX, 2005, p. 112). No entendimento de Marx (Ibid.), a realização do trabalho humano no sistema capitalista assume um caráter contraditório ao seu real sentido de ser, pois as condições para o seu desenvolvimento estão alicerçadas em um sistema organicamente desigual e injusto, podendo‐se aplicar, (perfeitamente) – nessa lógica –, às relações desenvolvidas nesse processo, o discurso realizado por Maquiavel (2004), de que os fins justificam os meios. Em outras palavras, o lucro obtido no processo produtivo justifica todo e qualquer procedimento realizado para sua obtenção. Ao analisar a relação antagônica entre capital e trabalho, mediante o sistema capitalista de produção, Félix (1989) ressalta: A relação social que decorre desse modo de produção é uma relação antagônica em que se confrontam os detentores dos meios de produção e da força de trabalho. Nessa relação, de um lado, os que possuem o capital se apropriam da mais‐valia mediante a exploração da força de trabalho; de outro lado, os trabalhadores vendem a sua própria força de trabalho para subsistirem, – porém isto implica em manter a relação de produção estabelecida no capitalismo. (FÉLIX, 1989, p. 37). Nesta perspectiva, entendemos que pensar a realização do trabalho humano em nossa sociedade é, antes de tudo, pensar o tipo de relação que se estabelece entre capital e trabalho, visto que, é a partir dessa relação que as diversas atividades realizadas pelo homem em sociedade são definidas. Nesse caso, 3.1 Trabalho e educação no Brasil: reformas, ajustes e adequações A educação pública brasileira apresenta hoje diversas diretrizes orientadoras para seu desenvolvimento em seus diferentes níveis de ensino, isto porque desde meados da década de 90 tem‐se assistido à criação de diferentes medidas no sentido 15 de atender as novas demandas oriundas do âmbito político e econômico que, de modo geral, reforçam a redefinição do papel do Estado no que diz respeito a sua atuação na sociedade. De modo geral, pode‐se verificar que tais medidas vão ao encontro das novas demandas advindas do sistema produtivo dominante que, neste contexto, passa implementar novas estratégias de organização e funcionamento como forma de superação da crise desencadeada nos anos 70. Faz‐se mister compreender que estas medidas têm por objetivo materializar o projeto do novo paradigma de produção que, apoiado na microeletrônica e cuja principal característica é a flexibilidade, visa intensificar o domínio do capital. Este movimento constituiu‐se por novas formas de organização e gestão do trabalho como resposta às exigências do mercado globalizado e competitivo que marcam o novo padrão de acumulação capitalista (KUENZER, 2006). Segundo Kuenzer (IDEM), a escola, mediante o sistema capitalista dominante, historicamente vem se organizando de acordo com as mudanças ocorridas nos modos de produção e funcionamento do setor produtivo gerando, com isso, prejuízos incalculáveis à formação do indivíduo/cidadão e ao desenvolvimento da sociedade uma vez que a incorporação de princípios econômicos à instituição escolar resulta na negação de sua essência, pois à medida que traz para sua realidade, mecanismos voltados ao atendimento das necessidades produtivas do sistema ela contradiz sua especificidade de instituição formadora ao gerar uma educação restrita e condicionada ao cumprimento da alienação humana. Daí compreender‐se o fato de, durante muitos anos, as escolas públicas brasileiras terem adotado o modelo de organização e funcionamento educacionais baseados na dinâmica da fragmentação de ações, controle do tempo, especializações, supervisão, etc., pois desde o início do século XX, predominava, na sociedade industrial o modelo de produção taylorista/fordista no qual requeria um perfil de trabalhador que fosse capaz de desempenhar funções com base em tais características. O século XX foi marco de grandes acontecimentos mundiais, sobretudo os de cunho político e econômico, que marcaram a configuração de nossa história, a exemplo das duas grandes guerras mundiais e das crises dos anos de 1930 e 1970/80 que, dentre outros, revelam o caráter despótico e hegemônico do capital. Frigotto 16 (2003), ao analisar os efeitos da crise de 30 para os aspectos sociais, destaca elementos bastante significativos, os quais nos ajudam no entendimento acerca das relações de trabalho que se estabeleceram a partir desse momento, sobretudo por evidenciarem que: “A problemática crucial de ordem político‐econômica e social da crise dos anos 30 manifesta‐se tanto no desemprego em massa, quanto na queda brutal das taxas de acumulação. Ambos incidiam na reprodução da força de trabalho [...].” (FRIGOTTO, 2003, p. 60). No contexto, em que a economia de diversos países encontrava‐se seriamente agravada, a intervenção do Estado na economia despontara como forma de amenizar os danos provocados pela crise, no âmbito social. A esse respeito, destacamos os estudos realizados por John Keynes como solução para os problemas enfrentados pelo capital, em especial, no que se refere ao desemprego e à recessão. A concepção difundida, nesse período, era de que o Estado deveria assumir posição central no planejamento das atividades econômicas, o que deu origem ao Estado do Bem‐Estar Social2 nos países desenvolvidos e o Estado Desenvolvimentista nos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil. (SILVA, 2003). É justamente nesse contexto de crise da economia que Silva (2003) afirma ter ocorrido à consolidação do modelo produtivo taylorista, na perspectiva de suprir a demanda mundial de produção e garantir a estabilidade do sistema capitalista. Com isso, o modelo taylorista ganha importância num momento em que a sociedade mundial encontrava‐se economicamente enfraquecida e desestruturada devido à guerra. A esse respeito Heloani (1994, p. 42) afirma: Os anos 20 assistiam à consolidação do taylorismo nos Estados Unidos e na Europa. Para os interesses do capital, essa consolidação se dá ao apresentar a OCT (Organização Científica do Trabalho) como capaz de fornecer o progresso social pela introdução de inovações técnicas. Nesse mesmo contexto, em que o taylorismo consolidava‐se enquanto método eficaz de organização do trabalho no setor produtivo surge a Teoria das Relações Humanas, a qual, segundo Tragtenberg (1989) tempor objetivo principal a conformação dos trabalhadores. Sobre essa questão destaca o autor: 17 [...] Com “relações humanas” surge a empresa educadora de homens, pois parte‐ se da noção de que a experiência das responsabilidades do trabalhador tem valor formativo, mas deixa a cargo da empresa e a seus conselheiros agir sobre os que processam a formação. Relações Humanas é um elemento simplificador e idealista, manipulador e realista. (TRAGTENBERG, 1989, p. 17) Ainda no entendimento de Tragtenberg, a Teoria das Relações Humanas parte eminentemente de estudos da Psicologia com a preocupação de agir sobre grupos de trabalhadores como forma de manter uma “convivência harmônica”e sem conflitos. Essa teoria teve como idealizador Elton Mayo que se dedicou ao estudo do comportamento humano. Em outras palavras, o referido autor diz que: A grande preocupação de Mayo é dominar os conflitos, dominar a “cisão” na alma que se dá na empresa, instituindo sólidas relações sociais e cooperações espontâneas. A arte das relações humanas passa a ser sinônimo da arte de cooperação. A empresa é o novo sacrário, fornece a segurança, o apoio e os conselhos das igrejas antigas, só que o novo clérigo é o administrador, aquele que domina as técnicas da “Human Relations”. (TRAGTENBERG, 1989, p. 20, grifos do autor). Em síntese, é perceptível que as teorias das relações humanas buscavam adaptar os trabalhadores, às condições de trabalho impostas naquele contexto neutralizando os conflitos daí existentes. A esse respeito Trantemberg (1989) afirma: “[...]. Ao homem econômico de Taylor contrapõe‐se o homem psicológico de Mayo, a preocupação com boas relações humanas ocupa o lugar dos aumentos salariais ou diminuição da jornada de trabalho [...]. ” (TRANTEMBERG, 1989, p. 21). De acordo com os estudos realizados por Heloani (1994), o Taylorismo além de uma forma de organização do trabalho configurou‐se num movimento mundial que ultrapassou a organização do trabalho realizado na fábrica, chegando a atingir a organização da vida em sociedade, uma vez que o modo de desenvolvimento desse modelo pressupunha não apenas a cooperação entre capital e trabalho, mas também o reordenamento da subjetividade do trabalhador. Assim, observamos que: [...] além de sua versão mais conhecida de mecanismos normatizadores (em virtude de sua proposta de gestão de tempos e movimentos), elaborou a primeira tentativa de administração da percepção dos trabalhadores. Ao contrário do que frisam alguns manuais de administração, o seu projeto não se dava apenas a partir do estudo da melhor maneira de produzir. O melhor modo pressupunha a cooperação recíproca entre capital‐trabalho e o reordenamento da subjetividade do interior do processo produtivo. (HELOANI, 1994, p. 07). 18 Tal esclarecimento nos permite compreender que o taylorismo, como expressão de um método científico de organização do trabalho, atendeu as expectativas de desenvolvimento do capital com sua lógica de eficiência e racionalização do trabalho por meio de experiências que se estenderam do processo produtivo, realizado no âmbito da fábrica, para a administração em geral. A partir desse entendimento e analisando mais profundamente o esquema elaborado por Taylor para a organização e controle do trabalho, Tratenberg (op. cit.) afirma que as pessoas se alienam nos papéis e estes, por sua vez, no sistema burocrático e no formalismo organizacional. Mediante esta lógica de estrutura organizacional, podemos perceber que Taylor pensou numa forma de organizar o trabalho, de maneira que a empresa pudesse alcançar a maior produtividade possível, sendo, portanto, necessária à aplicação de alguns instrumentos à viabilização de uma administração científica. Ao refletir sobre a lógica de organização do trabalho, segundo os princípios da administração científica idealizada por Taylor, Kuenzer (1995) enfatiza em seus escritos: No âmbito das prescrições acerca do controle do trabalho comprado tendo em vista os interesses do capitalismo, Taylor (1970) acresce à fragmentação do trabalho a divisão de funções entre gerência e trabalhador. Considerando a impossibilidade de que os trabalhadores independentes absorvam e executem processos uniformes e racionais de trabalho a fim de acompanhar o progresso tecnológico, a administração deverá responsabilizar‐se pelo planejamento das tarefas a partir do conhecimento profundo do processo produtivo, cabendo ao operário apenas a execução segundo instruções superiores. (KUENZER, 1995, p. 29‐30). Como fica claro nas análises da autora, a intenção de Taylor estava inteiramente voltada à racionalização e ao controle do trabalho, daí estabelecer princípios que pudessem favorecer a institucionalização desse controle. Neste sentido, justifica‐se o interesse de Taylor, com relação à mudança das atitudes mentais dos trabalhadores, para a efetivação da administração científica, pois, segundo essa concepção, todos os pressupostos idealizados a elevação da produtividade só alcançariam resultados satisfatórios, caso os trabalhadores incorporassem para si mesmos esses pressupostos. Verificamos que, a gestão do trabalho para Taylor insere‐se como instrumento de controle, não apenas do processo de produção, como também da subjetividade do 19 trabalhador, pois não só suas ações no âmbito do trabalho como seu pensamento, de modo geral, passariam a ser conduzidos pelos pressupostos do taylorismo. É visível que a preocupação de agir sobre a subjetividade do trabalhador apresentou‐se como estratégia a favor do capital, visto que tal pressuposto entendia que a mudança de atitude dos trabalhadores geraria maior produção e lucratividade, podendo‐se obter não só maiores lucros como também melhores salários. Assim, justificou‐se a necessidade do severo e absoluto controle da gerência sobre a maneira pela qual o trabalho deveria ser executado. Com base nesse raciocínio, observa‐se que o princípio educativo subjacente à pedagogia taylorista/fordista teve por finalidade atender a divisão social e técnica do trabalho por meio de definições claras acerca das fronteiras entre as ações intelectuais e instrumentais, isto é, o fortalecimento entre pensamento e ação. A esse respeito Kuenzer (2006, p. 35), apresenta a seguinte análise: [...] a pedagogia do trabalho taylorista foi dando origem, historicamente, a uma pedagogia escolar centrada ora nos conteúdos, ora nas atividades, mas nunca comprometida com o estabelecimento de uma relação entre o aluno e o conhecimento que verdadeiramente integrasse conteúdo e método, de modo a propiciar o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas [...] Kuenzer (IDEM) enfatiza que, se o modelo produtivo taylorista/fordista caracterizou‐se pela organização de um trabalho pautado, principalmente, na divisão técnica do trabalho, na especialização, na repetição do movimento e na produção em massa; na área educacional, desenvolviam‐se práticas pedagógicas paralelas a essa organização. Daí o processo ensino‐ aprendizagem, mediante esse contexto, caracterizar‐se, principalmente, pela aquisição de atividades repetitivas em grande quantidade, controladas e especializadas em um determinado tipo de conhecimento, memorização, fragmentação do trabalho, conteúdos rígidos, hierarquização, entre outros, que se tornam compreensíveis, tendo em vista que: O princípio educativo que determinou o projeto pedagógico da educação escolar para atender a essas demandas da organização do trabalho de base taylorista/fordista, ainda dominante em nossas escolas, deu origem às tendências pedagógicas conservadoras em todas as suas modalidades, as quais, embora privilegiassem ora a racionalidade formal, ora a racionalidade técnica, sempre se fundaram na divisão entre pensamento e ação. (KUENZER, 2006, p. 35, grifo nosso). 20 Partindo desseentendimento podemos identificar as influências do modelo taylorista sobre as práticas desenvolvidas na escola, destacando‐se, especialmente, a divisão entre as tarefas de pensamento (destinadas aos sujeitos que planejam, decidem etc.) e as ações (voltadas àqueles que apenas executam aquilo que foi previamente determinado), o que caracteriza a dicotomia entre o trabalho intelectual e trabalho manual. Neste sentido, ressalta‐se que: Nada mais adequado do que uma escola que, para realizar o trabalho pedagógico assim definido, se organizasse de forma rigidamente hierarquizada e centralizada para assegurar o pré‐disciplinamento necessário à vida social e produtiva. (KUENZER, 2006, p. 36‐37). Com isso, podemos verificar que a organização da educação, mediante o taylorismo, estruturou‐se de maneira que pudesse responder aos interesses e às demandas do mercado de trabalho que se exercia com o referido modelo de produção. Todavia, com a crise desencadeada no início dos anos 1970, a base técnica de produção e organização taylorista/fordista vai aos poucos sendo substituída por um novo paradigma tecnológico e produtivo. Novas perspectivas passam a ser vislumbradas para a organização do trabalho produtivo e consequentemente educacionais, pois nesse período o modelo taylorista/fordista de produção começara a apresentar com maior evidência, sua ineficiência diante das demandas advindas do setor econômico, mostrando limitações ao atendimento das necessidades do mercado pelo cenário globalizado. Frigotto (2003), analisando mais profundamente esse período ressalta que a natureza e especificidade da crise dos anos 1970 caracterizaram‐se, principalmente, pelo esgotamento do modelo fordista de acumulação e regulação social e do Estado de Bem‐Estar. [...] a crise dos anos 70/90 não é uma crise fortuita e meramente conjuntural, mas uma manifestação específica de uma crise estrutural. O que entrou em crise nos anos 70 constituiu‐se em mecanismo de solução da crise nos anos 30: políticas estatais, mediante o fundo público, financiando o padrão de acumulação capitalista nos últimos cinquenta anos [...]. (FRIGOTTO, 2003, p. 62). Compreensão semelhante pode ser percebida nas análises de Pino (2002) que, a esse respeito, destaca as seguintes considerações: 21 [...] A crise da década de 70 foi a expressão do esgotamento de um modelo baseado na produção em massa, de um lado, e no chamado Estado de Bem‐ Estar Social, de outro. As condições que prevaleciam nos anos 30 e que surgiram periodicamente desde 1973 têm de ser consideradas manifestações típicas da tendência de superacumulação. Toda crise capitalismo se caracteriza pela superprodução de mercadorias, gerando fases periódicas de superacumulação [...]. (PINO, 2002, p. 67). Como podemos observar nas análises dos autores acima citados, a crise dos anos 1970 manifestou, entre outras coisas, o esgotamento do modelo taylorista/fordista de produção que, a partir desse contexto, passa a apresentar limitações na organização e gestão do trabalho, dando impulso ao processo de reestruturação produtiva dos anos 1980 que, em linhas gerais, teve como principal desafio superar as deficiências desse modelo de organização do trabalho e viabilizar mecanismos que possibilitassem novamente o crescimento econômico. De acordo com Ferreira (2000), o termo reestruturação produtiva consiste em um processo: [...] complexo de mudanças na configuração dos sistemas produtivos que vem ocorrendo nas últimas décadas no contexto da crise atual do capitalismo desencadeadora a partir do final dos anos 1970 e início da década de 80. Tais mudanças têm como objetivo superar as limitações e deficiências apresentadas no período recente pela forma de organização da produção dominante até os anos 1960/70 – o modelo taylorista/fordista [...]. (FERREIRA, 2000, p. 283). Ainda de acordo com esse entendimento, observamos que o processo de reestruturação produtiva encontrou‐se assentado em três eixos principais que se complementam, sendo eles: 1) as novas tecnologias da III Revolução Industrial, enfatizando‐se aí a microeletrônica; 2) as mudanças organizacionais, destacando‐se, particularmente, as novas formas de organização do trabalho; e 3) as inovações gerenciais e institucionais, entendidas como as mudanças na gestão dos recursos humanos e nas estratégias empresariais. (Id., Ibid.). A partir da interação desses eixos, verificamos a emergência de novas formas de organização do trabalho e da produção, como parte intrínseca à superação da crise. A esse respeito, Queiroz (2003, p. 124) afirma “[...] O caminho esboçado para a superação dessa crise alia uma nova forma de reorganização econômica e ideológica, o neoliberalismo, com um novo sistema de acumulação do capital, os modelos pós‐ taylorista e pós‐fordista. ” 22 Segundo Queiroz (2003), com o processo de reorganização do sistema econômico e a crescente competitividade dos mercados, obrigando‐os a buscar uma produção cada vez mais eficaz e flexível, tornou‐se necessária à readaptação dos sistemas de gestão e organização do trabalho. Nessa nova lógica de produção, outras características passam a compor essa organização, tendo em vista as novas concepções surgidas no pós‐taylorismo. E, identificando algumas características desse novo contexto econômico, é observado que: [...] Acirram‐se as competições industriais e entre mercados estrangeiros, e o consumidor está cada vez mais atento aos padrões de qualidade dos produtos. Esse quadro levou à incorporação de alguns aspectos da revolução Toyota que transformou os modelos de gestão e produção industrial do Japão, a partir das décadas de 50 e 60, dentro da empresa de mesmo nome. (QUEIROZ, 2003, p. 126). O novo modelo produtivo, procurando romper com a dinâmica do antigo modelo caracterizado pela rigidez, apresenta como um de seus principais pilares, a acumulação flexível, sobretudo por meio da utilização do avanço tecnológico. Em linhas mais gerais, consideramos que os estudos de Antunes (2001), definem muito bem, as características do novo modelo produção: [...] o toyotismo (via particular de consolidação do capitalismo monopolista do Japão do pós‐1945) pode ser entendido como uma forma de organização do trabalho que nasce a partir da fábrica Toyota, no Japão, e que vem se expandindo pelo Ocidente capitalista, tanto nos países avançados quanto naqueles que se encontram subordinados. Suas características básicas (em contraposição ao taylorismo/fordismo) são: 1) sua produção é muito vinculada à demanda; 2) ela é variada e bastante heterogênea; 3) fundamenta‐se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções; 4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção e funciona segundo o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque (que, no toyotismo, deve ser mínimo). (ANTUNES, 2001, p. 21). Notemos ‐ quanto a esse novo modelo de produção ‐ que, embora mudados os princípios rígidos de organização do trabalho para outros de caráter mais flexível, a lógica predominante é a mesma, isto é, a exploração da classe trabalhadora que, nesse modelo, passa a acontecer de forma ainda mais intensa, pois agora se refere não apenas ao esforço físico, mas, para, além disso, os aspectos mentais passam 23 também a ser explorados. Assim, observamos o que está colocado pelo processo de reestruturação produtiva: [...] não é a superação de características que, em essência, são o próprio modo de produção capitalista. Estamos, isto sim, diante da necessidade de explorar outros componentes da força de trabalho até agora relegados pelos homens e mulheres de negócio. (PINO, 2002, p. 68). Neste sentido, faz‐se necessário destacar que, embora se observe o discurso da necessidade de melhor formação dos trabalhadores,maior autonomia, flexibilidade etc., o que de fato se observa é a preocupação com a elevação da produtividade e não com a valorização do trabalhador em si, já que este agora se torna um trabalhador polivalente. Kuenzer (2002), também refletindo acerca das novas características que passam a compor o perfil do trabalhador adequado à lógica do modelo toyotista, enfatiza, entre outras, a exigência de: [...] habilidades cognitivas e comportamentais, tais como: análise, síntese, estabelecimento de relações, rapidez de respostas e criatividade diante de situações desconhecidas, comunicação clara e precisa interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos, eleger prioridades, criticar respostas, avalia procedimentos, resistir a pressões, enfrentar mudanças permanentes, alia raciocínio lógico‐formal à intuição criadora, estudar continuadamente, e assim por diante. (KUENZER, 2002, p. 86). Nessa mesma linha de raciocínio, Wolf (2004) destaca em seus estudos que o toyotismo a partir dos anos de 1990, destacou‐se como fator integrante da reestruturação produtiva, caracterizando‐se como uma verdadeira reforma administrativa no interior das empresas. Nesse caso, Wolf (2004, p. 362) ressalta: [...] Foi, o modelo toyota de produção que inspirou as técnicas de gestão do trabalho presentes nos PQTs, isto é, aquelas que respondem pela adequação da força de trabalho às novas demandas de qualificação requeridas pela presente reestruturação empresarial: flexibilidade, polivalência, envolvimento e participação. Qualidades que [...] garantem ao mesmo tempo, o engajamento e o desenvolvimento das habilidades dos trabalhadores que otimizam a nova maquinaria informatizada. Claro está que o trabalhador, mediante esta nova fase do capitalismo, precisa ser, praticamente, infalível, completo e “adaptável” a qualquer situação que ocorra no âmbito do seu trabalho, enfim, possuir as condições necessárias para garantir sua própria empregabilidade. 24 Essa lógica, nos permite afirmar que, mediante esse novo modo do trabalho, pautado em inovações tecnológicas, novas formas de organização e gestão do trabalho, o trabalhador entendido como flexível, polivalente e dotado de competências e habilidades necessárias ao aceleramento da competitividade no mercado de trabalho será “[...] convidado a vestir a camiseta de ‘sua’ empresa; exigências que rebaterão na formação profissional e no sistema educacional. ” (FONSECA, 2006, p. 205). Assim, para atender ao perfil desse novo trabalhador, imposto pelo modelo Toyotista, os espaços educacionais assumem a responsabilidade de desenvolver novas práticas pedagógicas, de organização e gestão, processos avaliativos, metodológicos e formativos a fim de suprir a demanda de mão‐de‐obra qualificada para o mercado de trabalho, pois como afirma Marx (1987, p. 29) “[...] cada nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho”. Neste cenário, em que novos desafios passam a fazer parte da educação em seus diferentes níveis e modalidades de ensino, um novo projeto pedagógico é construído com vistas a substituir o modelo educativo pautado na produção taylorista/fordista, pois como ressalta Kuenzer (2002, p. 80): [...]Mudadas as bases materiais de produção, é preciso capacitar o trabalhador novo, para que atenda às demandas de um processo produtivo cada vez mais esvaziado, no qual a lógica da polarização das competências se coloca de forma muito mais dramática do que a ocorrida sob o taylorismo/fordismo. É preciso que o trabalhador se submeta ao capital, compreendendo sua própria alienação como resultante de sua prática pessoal “inadequada” [...]. A nova pedagogia, com base no modelo toyotista de produção, substitui a rigidez pela flexibilidade e rapidez como forma de atender as demandas diversificadas de qualidade e quantidade. Esta pedagogia, pautada em princípios ditos inovadores vem sendo implementada por meio de políticas, programas e propostas governamentais subjacentes a esse novo padrão produtivo. (KUENZER, 2006). Neste caso, princípios como descentralização, autonomia, participação, gestão democrática, entre outros, passam a fazer parte dos discursos educacionais. Contudo, é necessário entender que tais princípios encontram‐se pautados na lógica privatista e mercadológica de educação que retira cada vez mais a responsabilidade do Estado 25 pelo provimento de uma educação pública e de qualidade social, repassando à escola e a própria sociedade civil esta tarefa. Nesse particular, observamos a perene e perversa lógica instituída pelo sistema capitalista de produção à realização do trabalho humano, pois, a cada nova fase de desenvolvimento desse sistema, é perceptível uma exploração ainda maior sobre trabalhador, uma vez que sobre ele recai não apenas a responsabilidade pelo maior e melhor aproveitamento da produção, como também pela sua inserção no mercado de trabalho, agora muito mais competitivo e escasso as reais demandas sociais. Além disso, chamamos atenção para o fato de que embora o modelo toyotista de organização do trabalho tenha sido propagado por seus idealizadores como métodos de gestão do trabalho que romperia com a estrutura rígida, despótica e limitada da atividade criativa, tal como se desenvolvia o trabalho no modelo taylorista/fordista, sua materialização apenas permitiu a continuidade, em novas bases, à conformação do trabalho à lógica do capital, assumindo apenas uma nova roupagem com a qual está revestido o mesmo velho fenômeno de reprodução do sistema capitalista, pois: A similitude com as técnicas do sistema Taylor de padronização dos tempos e movimentos operários é patente, só que, agora, no plano cognitivo, do pensamento. Longe do fim do trabalho “taylorizado”, portanto o que verificamos é uma “taylorização” das capacidades cognitivas. (WOLF, 2004, p. 384). Com isso, verificamos que o paradoxo até hoje se perpetua, pois, embora se enfatize o desenvolvimento de práticas mais conscientes e críticas acerca da realidade, ainda assim identificamos propostas de educação ajustadas à lógica do mercado, bem como a fragmentação e dualidade entre o pensar e o fazer, ainda tão presentes em nossa sociedade. A ideia de organização racional do trabalho, pautada na disciplina, controle, divisão do trabalho, especialização, supervisão, incentivos salariais e prêmios por produtividade, também é visível em nossos dias, o que nos faz entender que, mesmo com todo o teor de rejeição que o paradigma taylorista nos inspira hoje em pleno século XXI, a verdade é que ainda não conseguimos substituí‐lo totalmente, seja nas formas de organização do trabalho, seja em nossas relações sociais, como afirma Braverman (1974), em seus estudos. 26 Neste contexto, observamos que a educação, em sua forma mais ampla, torna‐ se um meio de aperfeiçoar a produtividade da empresa em detrimento da educação politécnica concebida como processo que integra o saber prático e o saber teórico com vistas à formação ampla do cidadão capaz de oportunizar uma sólida base científica e tecnológica aos educandos por meio de uma visão dialética na qual a educação não seja reduzida a um mero instrumento útil de preparação para o trabalho (ARANHA, 2002).2 4 CULTURA, TRABALHO E EDUCAÇÃO Fonte:www.institutoiepe.org.br Nos debates atuais, a relação entre diversidade e desigualdades tem ocupado um lugar de maior destaque. No que se refere à diversidade, Abramowicz, Rodrigues e Cruz (2011) pensam que o seu debate, com ênfase na diversidade cultural que marca a sociedade atual, é efetivada em aversão ao modelo de Estado nação contemporâneo, liberal e ocidental e se faz presente em grande parte do mundo.2 Extraído de: www.histedbr.fe.unicamp.br 27 Dos ensinamentos das autoras, extrai-se ainda a advertência para o fato de que a discussão sobre a diversidade se caracteriza em cada país conforme o seu momento de emergência e vivência, as razões fundamentais que provocam ou estabelecem debate sobre determinados grupos, identidades culturais, espaciais e territoriais, discriminação, entre outros. Gênero, raça, imigração, língua, sexualidade, etnia, territórios são alguns dos fatores fundamentais e temas que influenciaram o processo de discussão e mobilização sobre a diversidade, mesmo que em diversas situações e contextos esses fatores estão inter-relacionados. A diversidade, apreendida como organismo histórico, social, cultural e político das diferenças, concretiza-se em meio às relações de poder e ainda ao desenvolvimento das desigualdades e da crise econômica que se salientam tanto no contexto nacional como no contexto internacional. É inegável, que os debates, as consequências da desigualdade socioeconômica sobre toda a sociedade e, especialmente, sobre os diversos grupos sociais. Deste modo, o exame do enredo diversidade e desigualdade, deve-se ser analisado e realizado levando-se em conta a sua inter-relação com determinados fatores, como: os desafios da articulação entre políticas de identidade ou reconhecimento da diferença global e políticas de igualdade, a desigualdade na distribuição de renda da população e o acirramento da pobreza, a indispensável reinvenção do Estado em direção à emancipação social, os desafios dos setores populares e atuais melhorias dos movimentos sócias em relação ao acesso à educação, à saúde, ao trabalho, a moradia e aos bens culturais, bem como os impactos da relação entre desigualdade, diversidade e igualdade nas políticas públicas. 4.1 Diversidade cultural e educacional A escola é um ambiente sociocultural, em que é presumível o encontro na diversidade. Ela é ao mesmo tempo, um lugar caracterizado por símbolos, crenças, valores e grande diversidade de culturas. Nesse contexto, a abordagem sobre a diversidade cultural no ambiente escolar é muito importante, pois, desafia a escola a 28 rever pontos de vistas e modelos utilizados como padrão, e também instituir espaços inclusivos, de modo a respeitar e valorizar a diversidade cultural dos alunos. Desse modo, o grande desafio é para os educadores, que necessitam descobrir e aplicar algumas estratégias de ensino diversificado que ultrapassem programas, ementas e conteúdo, ou seja, deve empenhar e buscar mecanismos e metodologia que atendem a diversidade cultural dos seus alunos. Soares (2003, p.165), refletindo sobre a diversidade cultural presente no cotidiano escolar, ressalta que “o grande desafio que se coloca é a necessidade de entender a relação entre cultura e educação. De um lado está a educação e do outro a ideia de cultura como lugar ou fonte, de que se nutre o processo educacional, onde se formam pessoas e consciência”. Surge então, a necessidade de uma educação escolar completa, direcionada para a diversidade, que respeite a pluralidade cultural, étnica e religiosa que existe no ambiente escolar, para então compreender e valorizar a complexa realidade dos educandos, no sentido de promover a convivência fraterna, e, portanto, a paz e a justiça social. Entende-se que sugerir um ensino que respeite a diversidade cultural dos educandos, significa perceber cada realidade social e cultural desses, com a apreensão e interesse de delinear um projeto pedagógico para atender a todos sem restrição. É preciso ter consciência de que a diversidade é cheia de conflitos, tensões e resistências. Conforme assinalam Moreira e Candau (2005, p. 78), “as instituições de ensino sempre tiveram dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença, tendendo para a homogeneização e padronização”. No entanto, no contexto social, a diversidade não constitui em apenas um fato ou num fato novo, como se sabe, as diferenças são intrínsecas ao ser humano, todos são diferentes, e deste modo falar de diversidade é falar do coletivo, e no meio desse coletivo encontram-se muitas diferenças subjetivas. É importante ressaltar com base em Moreira e Candau (2005), que hoje a diversidade cultural se tornou muito complexa, considerando-se alguns elementos que contribuíram para a sua expansão, tem-se como os mais importantes, a globalização e os movimentos migratórios, que ao aproximarem os povos e suas culturas, trouxe 29 como consequência a contribuição para a diversificação do modo de ser dos seres humanos. 4.2 Cultura escolar e da escola A reflexão sobre escola e cultura é essencial a todo processo educativo. Esse tema é aplicável ao próprio desenvolvimento do pensamento pedagógico. Pois, é impossível imaginar uma experiência pedagógica sem cultura, em que a referência cultural não esteja presente. A escola é uma instituição cultural, as relações entre escola e cultura não podem ser arquitetadas como dois pontos independentes, e sim como universos interligados. Ao partir dessas afirmações, aceita-se a íntima coligação entre escola e cultura, apontando suas relações como essencialmente características do universo educacional, mas, compete indagar por que atualmente essa comprovação parece se cobrir de novidade, sendo mesmo analisada por diversos autores como sobretudo desafiadora para as práticas educativas. Historicamente construída no contexto da modernidade, a escola é uma instituição avaliada como intervenção privilegiada no desenvolvimento de uma função social essencial: transmitir cultura, proporcionando às novas gerações o que a humanidade produziu de mais significativo culturalmente. Conforme sustenta Sacristán (2001, p. 21): A educação contribuiu consideravelmente para fundamentar e para manter a ideia de progresso como processo de marcha ascendente na História; assim, ajudou a sustentar a esperança em alguns indivíduos, em uma sociedade, em um mundo e em um porvir melhores. A fé na educação nutre-se da crença de que esta possa melhorar a qualidade de vida, a racionalidade, o desenvolvimento da sensibilidade, a compreensão entre os seres humanos, o decréscimo da agressividade, o desenvolvimento econômico, ou o domínio da fatalidade e da natureza hostil pelo progresso das ciências e da tecnologia propagadas e incrementadas pela educação. Graças a ela, tornou-se possível acreditar na possibilidade de que o projeto ilustrado pudesse triunfar devido ao desenvolvimento da inteligência, ao exercício da racionalidade, à utilização do conhecimento científico e à geração de uma nova ordem social mais racional. Essa é a fantasia que carregou e carrega a educação escolar até hoje. Esse tem sido, resumidamente, sua perspectiva de significado. É esse o modelo cultural que vem decorrendo, no meio de crises e conflitos, no seu dia-a-dia. Esse modelo 30 escolhe conhecimentos, valores, aprendizados e outros, relativo ao que analisa como adequados ao seu desenvolvimento. Determina-se sobre a imaginação da equidade e do direito de todos à educação e à escola, conforme é determinado na Constituição Federal do Brasil. Porém, diversos estudos evidenciam que essa perspectiva acaba por conduzir a uma visão uniforme dos conteúdos e dos indivíduos presentes no processo educacional, admitindo uma visão monocultural da educação e, especialmente, da cultura escolar. É necessário ressaltar que o que distingue o universo escolar é a relação entre as culturas, relação essa, citada anteriormente, atravessada por crises e conflitos, e que se salienta quando as culturas crítica, acadêmica, social e institucional, fortemente articuladas, tornam-se hegemônicas e tendem a ser absolutizadas em detrimento da cultura experiencial, que, por sua vez, possui profundas raízes socioculturais. 4.3 Juventude: trabalhoe escola As ligações entre o estudo e o trabalho são complexas e variadas. Para os jovens, a escola e o trabalho são projetos que se priorizam ou poderão sofrer várias ênfases, conforme o período do ciclo de vida e as condições sociais que lhes consintam viver a condição juvenil. Desse modo, o mundo do trabalho / emprego surge como uma intervenção essencial e simbólica na experiência e expectativa da condição juvenil, podendo-se afirmar que "o trabalho também faz a juventude", mesmo considerando a diversidade existente de situações e posturas por parte dos jovens em relação ao trabalho (SPOSITO, 2005). É sabido que o trabalho é considerado, como uma ação de mudanças dos fatos, numa resposta aos desafios da natureza, relação lógica entre teoria e prática. Desse modo, pelo trabalho, o homem se autoproduz, transformando sua visão de mundo e de si mesmo: do mundo cultural-educativo. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que a educação coincide com a existência humana. Saviani (1994, p. 148), afirma que: 31 A educação coincide com a própria existência humana (…) as origens da educação se confundem com as origens do próprio homem. À medida em que determinado ser natural se destaca da natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria vida, é que ele se constitui propriamente enquanto homem (…) O ato de agir sobre a natureza, adaptando-a às necessidades humanas, é o que conhecemos pelo nome de trabalho. Por isto, podemos dizer que o trabalho define a essência humana. Portanto, o homem, para continuar existindo, precisa estar continuamente produzindo sua própria existência através do trabalho. Isto faz com que a vida do homem seja determinada pelo modo como ele produz sua existência. Para esse autor, o trabalho constitui-se um acontecimento fundamental para se compreender a educação. Com isso, há uma íntima relação entre o trabalho e a educação. Compreender as relações entre juventude, trabalho e escola demanda grande empenho. A hipótese fundamental para se entender a questão da relação entre juventude, escola e trabalho é que as condições e trajetórias do jovem se articulam e norteiam à desigual estruturação econômica, social e política historicamente dada como capitais sócio/político/econômico/culturais. Um dos grandes desafios que compõe a educação é a necessidade, cada vez mais latente, de qualificação e conhecimento do indivíduo para a inserção no mercado de trabalho. Isso, conforme aponta Kuenzer (2003), determina um novo princípio educacional pelo qual a sociedade procura formar intelectuais/trabalhadores e cidadão/produtores com a finalidade de atender as novas demandas impostas pela sociedade, globalização e pela grande dialética produtiva. É importante salientar e ressaltar que os jovens, sobretudo os procedentes das classes sociais mais abastadas, tem ingressado cada vez mais cedo no mercado de trabalho. A juventude se coloca no mundo do adulto assumindo responsabilidades que não compete ao seu mundo, isso é reflexo do que está acontecendo no mercado de trabalho e globalização, pois cada vez está sendo mais exigentes. Como apontam Abramo e Branco (2005), a desigualdade de capitais de linhagem proporciona chances bem diferentes aos jovens. Equipara-se a uma competição com obstáculos, na qual se despontam de forma acentuada, além da desigualdade de capital e renda, as condições culturais, de raça, cor, gênero e território. Essa desigualdade social que se anuncia faz com que haja no Brasil diversas juventudes, como chamam a atenção os autores acima citados, ao assegurar que é importante diferenciar “condição juvenil e situações juvenis”. 32 De acordo com Abramo (2005), a noção de condição juvenil leva ao entendimento que, primeiramente, é uma fase do ciclo de vida, de ligação entre a infância e a vida adulta, permitindo a elaboração para o exercício das dimensões de produção, representação e participação na sociedade. Assim, a condição juvenil é composta de diversas grandezas que podem ser compreendidas a partir do contexto sociocultural mais amplo, onde os jovens vêm construindo sua experiência, o que produz certas características às vivências juvenis: tempo de tensão entre o presente e o futuro, de instabilidade e de incertezas. Tais características repercutem na constituição da condição juvenil nos seus tempos e espaços. Agrupam-se a elas as mudanças no mundo do trabalho devido à desorganização do mercado de trabalho, o que tem causado desemprego, desassalariamento e precários postos de trabalhos, abrangendo sobretudo, os jovens carentes. As probabilidades de os jovens estabelecerem carreiras lineares são mínimas, salientando a vulnerabilidade e imprevisibilidade nas trajetórias juvenis (DAYRELL, 2007). 4.4 Sujeito da educação A escola é um espaço social intercalado por imensuráveis relações constituídas e fundamentadas em assimilações fiéis dos seus espaços, princípios, práticas e saberes que representam a vida escolar dos sujeitos inseridos no seu cotidiano (DAYRELL, 1996). O perfil social da escola para seus educandos é algo individual expresso nas assimilações que cada um faz da sua trajetória escolar diante do seu processo de formação e de aprendizagem. Entender a importância e necessidade da escola para os jovens durante as fases de sua vida, o subsídio e aprendizagem das informações obtidas nela para o seu dia-a-dia e a relevância dela na vida de seus sujeitos é o ponto de análise desse grupo. O processo de escolarização narrado por Patto (1995), tem em seus caminhos, mecanismos de exclusão que vinculam o preconceito e a discriminação por classes sociais, gênero, raça, cultura e diversos modos de aprendizagem. 33 Como é observado, sentimentos de exclusão vivenciados por crianças, jovens e adultos, induzindo-as a formarem um autoconceito negativo concernente à impotência. A discriminação e o preconceito que o negro e/ou pobre e/ou a mulher e/ou crianças sofrem no seu dia-a-dia, provocam sofrimento e angústia. Acredita-se que a escola como um espaço educativo pode ser transformadora nesse sentido. Visto que, por ser um palco de experiências com as diversidades socioculturais, afetivas, cognitivas e morais, dos alunos e professores, é um espaço excepcional para a constituição da ética no relacionamento com os outros e consigo mesmo. Essa diversidade é percebida como parte da complexidade dos atributos humanos e sociais e não devendo ser apreendida como carência ou algo a ser suprimido deixando exposto o coletivo/normativo. 5 ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS PEDAGÓGICOS Fonte: www.eprecisosonharsonhosimpossiveis.blogspot.com As tendências pedagógicas determinam o papel do homem e da educação no mundo, na sociedade e na escola, o que repercute na prática docente em sala de aula graças a elementos constitutivos que envolvem o ato de ensinar e aprender. Muito se tem debatido sobre a organização histórica do processo pedagógico, podendo adquirir dois rumos diferentes. Um alicerçado no modelo newtoniano cartesiano, em que o ensino é direcionado ao repasse de informação num processo 34 reprodutivo e mecanizado. Os métodos e conteúdo de ensino não se conectam com a realidade social dos alunos. A prática pedagógica com embasamento nessa perceptiva conservadora distinguiu a tendência tradicional, a tendência escola novista e a tendência tecnicista. O outro modelo caracterizado como inovador, tem como foco principal à produção do conhecimento, denominada com “paradigma emergente” (BEHRENS, 2003, p.14). É importante ressaltar que a expressão “tendência”, de modo geral, significa permanência, seguimento, duração histórica, descrições indispensáveis de informações que originaram e desenvolveram num determinado contexto social e de época. Desse modo, há diversas tendências na educação brasileira, que foram influenciadas pelos grandesmovimentos educacionais internacionais, reguladas nas especificidades da história política, social e cultural conforme o período a ser analisado. Para melhor entender essas “tendências”, recorre-se à obra de Libâneo (1994), que classificou em seus estudos duas grandes tendências: a Pedagogia Liberal, agrupando as linhas: ensino tradicional, renovada progressista, renovada não diretiva e a tecnicista; e a Pedagogia Progressista, incluindo as linhas: libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos. Assim, o século XX foi caracterizado pela construção de grandes sistemas educacionais. Também nesse período, houve diversas discussões em torno das dimensões político pedagógica do profissional da educação. Por muito tempo, acreditou-se na função civilizadora da escola, na qual o ensino se restringia a metodologias reprodutivas de caráter instrucional. Para encarar o desafio de ensinar a todos os alunos, os educadores devem ter acesso a ações de formação como ponto de partida de seu desenvolvimento profissional. A organização do trabalho pedagógico deve ser refletida em função de que as crianças sabem de seus conhecimentos e aprendizagem, essa relação de conhecimentos e conteúdo são considerados importantes para que elas aprendam e apliquem no seu dia a dia. Para Veiga (2000) a avaliação da gestão em uma escola que se pretende ser democrática, não é só dos aspectos burocráticos que compõe administração da escola, mas do Projeto Político Pedagógico como um todo, tendo claro, que o mais 35 importante e essencial é qualidade do ensino praticado e relação democrática entre professor/aluno. A relação família-escola cumpre papel de destaque nesse processo, é certo que nem todas famílias participam, ou podem participar, mas vale a pena incluí-las no planejamento escolar, através de solicitações/convite para serem participativa na escola de seu filho, pois é interessante entender sobre modo de funcionamento, gostos, histórias, profissões, pensamento entre outros pontos, pois tudo isso está ligado às histórias da vida das crianças, e assim, traz uma melhor relação entre escola/professor/aluno. 5.1 Relação entre cultura, trabalho e educação Os vocábulos educação e cultura, no entendimento geral, balançam entre a assimilação e a radical caracterização. Nos discursos, sobretudo no de caráter político, a educação é distinguida com a escola ou a escolaridade, e a cultura com a ciência ou o volume de informação. A educação é um processo duplo ou, se desejar seguir um modelo comparativo, recorre-se à ideia de sistema, considerando-a como efeito de dois princípios em constante intercâmbio. Em que incidam as análises feitas por alguns autores à teoria de sistemas adota o modelo para o esclarecimento simples de relações entre elementos complexos ainda é um subsídio indutivo correto. Nessa linha de pensamento, fica evidente que a educação não pode ser simplesmente igualada à escola e à cultura, mas, procede desta última e, ao mesmo tempo, a retroalimenta. A cultura do grupo proporciona os objetivos e adapta os procedimentos grupais no desenvolvimento educacional do homem. De acordo com Maia (2002), o conceito de cultura identifica-se com o de herança social, algo que as novas gerações recebem das que as antecederam. A cultura é, por conseguinte, cumulativa. Se não conservada, se destrói; se não renovada, desgasta-se em um processo autofágico. Ora, cultivar e restaurar são ideias contraditórias e quase reciprocamente excludentes. Entretanto, cabe à educação harmonizá-las e torná-las realidade. A educação tem, portanto, papel decisivo com relação à cultura, pois, ao mesmo tempo em que é responsável pela transmissão dos 36 processos e dos produtos culturais (desde a linguagem até os conhecimentos científicos e filosóficos e os padrões estéticos expressos na arte) deve, também, desenvolver a criatividade para renovar esses mesmos processos e produtos (MAIA, 2002, p. 8). É importante ressaltar que ainda que a escola seja o local excepcional da apropriação do conhecimento, ela não é o único na sociedade. Existem vários locais de acesso ao conhecimento, que podem vir por meio da internet e de todas as tecnologias hoje disponíveis. Nesse contexto, um caminho para aproximar educação e cultura implica a junção da escola com os diversos locais de conhecimento, equipamentos e projetos de cultura, de forma que esta aliança ocasione um impacto positivo, dinâmico, interessante e eficaz na aprendizagem das pessoas, seja ela de qualquer faixa etária. Em termos práticos, a ideia é que a escola tenha facilidade e conhecimento à cultura de sua região, e que na elaboração da grade curricular valorize a diversidade e pluralidade regional, e também a relação da escola com os produtores de cultura são itens que deverá ser observado para elaboração da grade e ainda caminhos para unir a cultura e educação, trazendo como consequência a qualidade no ensino e trabalho. Pois, a concepção de trabalho é essencial para se compreender o que é cultura, e o trabalho constitui-se um fenômeno básico para se compreender a educação. Através do trabalho o homem estabelece relações sociais, comportamentais e cria vínculos nas instituições e nos saberes. O caminho da humanização do homem é potencializado pelo seu ato de trabalhar, pois o trabalho é considerado como ação transformadora das realidades. Percebe-se que, pelo trabalho, o homem se autoproduz, podendo transformar sua visão de mundo e de si mesmo: do mundo cultural-educativo, do mundo econômico, político, social, com perspectivas éticas e com direitos econômicos da humanização, como prática do capital global. Assim, a possibilidade de melhor compreensão do mundo quando o mesmo transforma pelo trabalho, descobrindo outro sentido histórico, o estado da liberdade que só será real quando a natureza for humanizada pelo trabalho, quando o reconhecimento da consciência se realizar pela mediação da obra comum. Com isso, abre-se o caminho à consciência da liberdade.3 3 Texto extraído de:www.revistacientifica.facmais.com.br 37 6 HOMEM, TRABALHO E SOBREVIVÊNCIA Fonte:www.olhares.sapo.pt No processo existencial de luta humana no contexto natural e social tem como eixo central outro fator do que, segundo alguns pesquisadores, foi e continua sendo a principal atividade exercida pelo ser humano. Essa atividade é a relação de luta pela sobrevivência que o homem tem praticado ao longo de sua existência por meio do trabalho. Mais afinal, o que significa a expressão trabalho? Para tentar discutir epistemologicamente essa questão, buscamos a contribuição de alguns estudiosos, teóricos e pesquisadores do tema. Segundo meksenas o trabalho é “uma atividade que exige gênero humano o uso constante das capacidades mentais e físicas na construção de ferramentas e objetos que possibilite sua existência” (MEKSENAS, 1990, P.32). Assim, essa função passou a ser exercida pelo homem a partir do momento em que ele sofreu uma grande transformação/readaptação física, quando começa a andar sobre as duas pernas tem suas mãos livres para produção/fabricação de meios que o auxiliassem na sua luta permanente com o meio em que está presente. E essa construção de novos meios, objetos só foi possível graça ao desprendimento do dedo oponível (polegar) que permitiu ao homem maior agilidade em manusear objetos. É bom que se destaque que esse processo levou muitos anos para ser dominado pela espécie humana. 38 Meksenas ainda nos explica que esse episódio, além de passar por um longo e demorado processo, foi fundamental para o desenvolvimento social do homem, pois é a partir desses acontecimentos que surgem dois, dos mais importantes bens já produzidos pelo homem: a cultura e a linguagem. É o que ele denomina de “processo educativo
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