Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA – LICENCIATURA Andréia Moreira ARTE CONTEMPORÂNEA E REGISTROS DE CRIANÇAS: autacom_petit, um ateliê supra-sensorial Porto Alegre 2° Semestre 2018 Andréia Moreira ARTE CONTEMPORÂNEA E REGISTROS DE CRIANÇAS: autacom_petit, um ateliê supra-sensorial Trabalho de Conclusão apresentado à Comissão de Graduação do Curso de Pedagogia - Licenciatura da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial e obrigatório para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia. Orientadora: Profª Drª Leni Vieira Dornelles Porto Alegre 2° Semestre 2018 Agradecimentos A trajetória da graduação me apresentou uma infinidade de relações, algumas pessoas passaram por mim sem que eu ao menos soubesse o nome, outras pouco se aproximaram, outras talvez eu tenha preferido que não tivessem se aproximado. Muitas fizeram parte deste caminho me deixando muitas boas lembranças, mas outras chegaram, fizeram a diferença e seguem na minha vida e seguirão além da graduação e estas são pessoas muito especiais às quais tenho muito carinho. Também carrego comigo o carinho e atenção de muitas pessoas próximas a mim e que independente dos momentos que passei ao longo desta trajetória, estiveram presentes me acarinhando com olhos cuidadosos, olhos de VER e de SENTIR. Recebi de todas essas pessoas a fortaleza que precisei em alguns momentos difíceis e a felicidade de saber que tinha perto de mim gente maravilhosa. Recebi de muitos a confiança necessária que encoraja para seguir em frente e nunca desistir de um sonho, assim como o reconhecimento pelo meu trabalho. Pessoas que estavam chegando na minha vida, assim como eu chegava na delas. Agradeço pela vida que tenho hoje próxima a elas e agradeço por serem o que são na minha vida. À professora Leni Vieira Dornelles pela doçura na dose exata necessária para acalentar a minha ansiedade. Por me aceitar nesta orientação com muito carinho e atenção, sempre disponível em todos os momentos, inclusive no sossego da sua casa em dia de descanso. Agradeço a confiança, a parceria, o estímulo, a paciência. Ao professor Rodrigo Saballa de Carvalho por me encorajar, por acreditar no meu trabalho, por todas as discussões acerca da vida dentro de uma escola de Educação Infantil e por ser parceiro nos momentos mais tensos. Ao professor Gabriel de Andrade Junqueira Filho por ser firme e doce quando necessário na medida exata comigo, sempre muito parceiro, muito amigo e por ser presença importante ao longo da minha graduação até os últimos dias, inclusive sendo minha banca. À professora Paola Zordan pelo aceite do convite para ser minha banca e por me brindar com sua presença tão importante pra mim e por representar a arte contemporânea na docência. Às minhas amigas Grasiele Clack Schumacker e Dóris Helena de Souza por acreditarem em meu trabalho, por serem parceiras de todas as horas, por fazerem parte da minha vida tão amorosamente. Aos colegas de trabalho pela parceria, pela confiança, pelo carinho, pelos cuidados comigo, pelo dia a dia leve e cheio de atenções. Em especial à Michelle Lugo Duarte e a Greice Stivanin por acreditarem no meu trabalho, pela confiança e parceria. Às famílias, seus filhos por tudo e por tanto, sem vocês nada teria sido possível. Às queridas Bárbara Cecília Abreu e Mariana Prette pela paciência nas minhas dúvidas e ignorâncias digitais e por todo o amor que recebi de vocês. À Nathalia Scheuermann e Pedro Bernardo, meus filhos de coração, agradeço todos os carinhos e cuidados comigo e com a Miragua, além de toda paciência que sempre tiveram comigo ao longo da minha graduação, em especial na finalização dela, sendo incansáveis e extremamente meticulosos no embelezamento e organização final deste trabalho comigo. Amo vocês! Às minhas professoras “encantadoras” que não citarei o nome, mas que devem se sentir contempladas neste agradecimento, que me formaram assim como sou com as crianças da educação infantil, por todos os afetos que recebi e que aprendi a retribuir, por todos os olhares atentos e por todas as escutas, por todo conhecimento. Aos meus amigos, família escolhida, pessoas tão queridas agradeço a paciência, o carinho, os colos, a vida juntos. À Daniela Bicca minha irmã maravilhosa, presente em todas as horas mais difíceis da minha vida e nas mais felizes também, por me fazer acreditar que os momentos ruins não são tão difíceis se tivermos as pessoas que amamos por perto. À Nádia Chies por ter sido a base que eu precisava durante algum tempo, me auxiliando e me fortalecendo para que eu chegasse até aqui. À minha mãe Beatriz Helena Moreira pela vida. Aos meus irmãos Alexandre Moreira e Marcelo Moreira por todo o amor, pelas inspirações e pelas sobrinhas maravilhosas, paixões da minha vida. Aos meus filhos João Marcelo e Luiz Pedro minhas razões de existência feliz, agradeço por serem meus filhos, meus parceiros, meus amigos, meus confidentes, minha vida. À minha esposa Marli “Mirágua” Freitas da Rosa pelo simples fato de existires na minha vida e me aceitares assim tão cheia de defeitos, mas com muito amor dentro de mim para ti. Por seres presente, pelo teu amor, pelos teus cuidados, por me aceitares na tua vida. À minha família tão pequena, mas tão grande em carinho, parceria e cuidados. Ao meu pai (in memoriam) por estar presente mesmo ausente, por todo o amor... Resumo O presente trabalho de conclusão de curso propõe-se compartilhar as experiências registradas da vivência de crianças de 3 e 4 anos, em uma proposta de ateliê supra-sensorial, planejado a partir da inspiração em artistas da arte contemporânea. Os registros aqui analisados resultam das experiências do ateliê autacom_petit, realizadas ao longo do estágio curricular da pedagogia, no primeiro semestre de 2018, em escola pública de Educação Infantil, no município de Porto Alegre. Diante disto, buscou-se discutir o trabalho inspirado pela arte contemporânea; refletir acerca das possibilidades envolvidas entre o ateliê e a educação infantil; e analisar os registros fotográficos, filmagens e anotações obtidas nos momentos vivenciados com as crianças durante o primeiro semestre. Tendo como base uma pesquisa com crianças, buscando possibilitar e transformar a prática das vivências em arte com os pequenos. As experiências e caminhos percorridosao longo do ateliê supra-sensorial, juntamente com o artista contemporâneo Alexandre Navarro Moreira e as crianças, resultaram na obra denominada autacom_petit, aqui apresentada em formato de relato de experiência. Palavras-Chave: Arte contemporânea. Ateliê supra-sensorial. autacom_petit. Educação Infantil. Pesquisa com crianças. MOREIRA, Andréia. ARTE CONTEMPORÂNEA E REGISTROS DE CRIANÇAS: autacom_petit, um ateliê supra-sensorial. Porto Alegre, 2018. 101p. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) - Licenciatura em Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Lista de Figuras Figura 01 - autacom_1............................................................................................. 26 Figura 02 - Coleções 1............................................................................................. 27 Figura 03 - Coleções 2............................................................................................. 27 Figura 04 - autacom_2............................................................................................ 36 Figura 05 - Roda dos Prazeres 1........................................................................... 38 Figura 06 - Roda dos Prazeres 2........................................................................... 38 Figura 07 - Parangolés 1......................................................................................... 40 Figura 08 - Coleções 3............................................................................................. 40 Figura 09 - autacom_3............................................................................................ 42 Figura 10 - Roda dos Prazeres 3............................................................................ 46 Figura 11 - Roda dos Prazeres 4............................................................................ 46 Figura 12 - autacom_4............................................................................................. 49 Figura 13 - autacom_5............................................................................................. 49 Figura 14 - Tropicália 1........................................................................................... 51 Figura 15 - Tropicália 2........................................................................................... 52 Figura 16 - Tropicália 3........................................................................................... 52 Figura 17 - Tropicália 4........................................................................................... 53 Figura 18 - Parangolés 2......................................................................................... 54 Figura 19 - Parangolés 3......................................................................................... 54 Figura 20 - Parangolés 4........................................................................................ 54 Figura 21 - Parangolés 5......................................................................................... 54 Figura 22 - Bólides 1................................................................................................ 55 Figura 23 - Bólides 2................................................................................................ 55 Figura 24 - Bólides 3............................................................................................... 55 Figura 25 - Bólides 4............................................................................................... 55 Figura 26 - Bólides 5............................................................................................... 55 Figura 27 - Bólides 6............................................................................................... 56 Figura 28 - Roda dos Prazeres 5........................................................................... 58 Figura 29 - Roda dos Prazeres 6.......................................................................... 58 Figura 30 - Roda dos Prazeres 7........................................................................... 58 Figura 31 - Roda dos Prazeres 8............................................................................ 58 Figura 32 - autacom_neon 1.................................................................................. 59 Figura 33 - autacom_neon 2................................................................................. 59 Figura 34 - autacom_neon 3................................................................................. 60 Figura 35 - Divisor 1................................................................................................ 61 Figura 36 - Coleções 3............................................................................................. 63 Figura 37 - Coleções 4............................................................................................. 65 Figura 38 - Coleções 5............................................................................................. 65 Figura 39 - Coleções 6............................................................................................ 66 Figura 40 - Coleções 7............................................................................................. 66 Figura 41 - Coleções 8............................................................................................. 66 Figura 42 - Coleções 9............................................................................................ 66 Figura 43 - Coleções 10........................................................................................... 67 Figura 44 - Coleções 11........................................................................................... 67 Figura 45 - Coleções 12........................................................................................... 67 Figura 46 - Coleções 13........................................................................................... 67 Figura 47 - Coleções 14........................................................................................... 67 Figura 48 - Coleções 15........................................................................................... 68 Figura 49 - Coleções 16.......................................................................................... 68 Figura 50 - Bólides 6............................................................................................... 68 Figura 51 - Bólides 7................................................................................................ 68 Figura 52 - Estandartes-autacom_1................................................................... 69 Figura 53 - autacom_neon 4................................................................................. 69 Figura 54 - Bordados 1............................................................................................ 71 Figura 55 - Bordados 2........................................................................................... 71 Figura 56 - Bordados 3........................................................................................... 71 Figura 57 - Bordados 4........................................................................................... 71 Figura 58 - Bordados 5........................................................................................... 71 Figura 59 - autacom_6............................................................................................ 73 Figura 60 - autacom_7............................................................................................73 Figura 61 - autacom_8............................................................................................ 74 Figura 62 - autacom_9............................................................................................ 74 Figura 63 - autacom_neon 5................................................................................. 75 Figura 64 - autacom_neon 6................................................................................ 75 Figura 65 - autacom_neon 7................................................................................. 75 Figura 66 - autacom_neon 8................................................................................ 76 Figura 67 - autacom_neon 9................................................................................. 76 Figura 68 - autacom_neon 10............................................................................... 76 Figura 69 - autacom_neon 11............................................................................... 77 Figura 70 - autacom_neon 12............................................................................... 77 Figura 71 - autacom_neon 13............................................................................... 77 Figura 72 - autacom_neon 14............................................................................... 78 Figura 73 - autacom_neon 15............................................................................... 78 Figura 74 - autacom_neon 16............................................................................... 78 Figura 75 - autacom_neon 17............................................................................... 78 Figura 76 - autacom_neon 18............................................................................... 79 Figura 77 - autacom_neon 19............................................................................... 79 Figura 78 - autacom_neon 20............................................................................... 79 Figura 79 - autacom_10……................................................................................... 80 Figura 80 - autacom_11.……................................................................................... 80 Figura 81 - autacom_neon 21............................................................................... 82 Figura 82 - autacom_neon 22.............................................................................. 82 Figura 83 - autacom_neon 23............................................................................... 82 Figura 84 - autacom_neon 24.............................................................................. 82 Figura 85 - autacom_neon 25............................................................................... 82 Figura 86 - autacom_neon 26.............................................................................. 82 Figura 87 - autacom_neon 27............................................................................... 82 Figura 88 - autacom_neon 28.............................................................................. 82 Figura 89 - autacom_neon 29.............................................................................. 83 Figura 90 - autacom_neon 30.............................................................................. 83 Figura 91 - autacom_neon 31............................................................................... 83 Figura 92 - autacom_neon 32.............................................................................. 83 Figura 93 - autacom_12.......................................................................................... 84 Figura 94 - autacom_13.......................................................................................... 84 Figura 95 - autacom_14.......................................................................................... 84 Figura 96 - autacom_15.......................................................................................... 84 Figura 97 - autacom_16.......................................................................................... 85 Figura 98 - autacom_17.......................................................................................... 85 Figura 99 - autacom_18.......................................................................................... 86 Figura 100 - autacom_19......................................................................................... 86 Figura 101 - autacom_20......................................................................................... 86 Figura 102 - autacom_21......................................................................................... 87 Figura 103 - autacom_22........................................................................................ 87 Figura 104 - autacom_23........................................................................................ 87 Figura 105 - autacom_24........................................................................................ 88 Figura 106 - autacom_25........................................................................................ 88 Figura 107 - autacom_26........................................................................................ 88 Figura 108 - autacom_27........................................................................................ 88 Figura 109 - autacom_28........................................................................................ 89 Figura 110 - autacom_29......................................................................................... 89 Figura 111 - autacom_30.......................................................................................... 89 Figura 112 - autacom_31.......................................................................................... 95 Sumário 01 | Pra inicio de conversa 14 02 | Um Lugar 17 03 | Uma Turma 19 04 | Meus Desafios 24 05 | Os Objetivos deste trabalho 29 06 | Os sentimentos envolvidos: as mandalas vividas com as crianças 31 07 | O Atêlie Supra-Sensorial 35 08 | As Metodologias do Atêlie 43 09 | Artistas que Inspiraram o Atêlie 50 Hélio Oiticica (1937-1980) 51 Lygia Pape (1927-2004) 57 Lygia Clark (1920-1988) 62 Arthur Bispo do Rosário (1911-1989) 64 Alexandre Navarro Moreira (02/05/1974) e o autacom_petit... 72 10 | Considerações Finais 90 Referências 96 Apêndice A 100 Apêndice B 101 Pra inicio de conversa 01 Arte contemporânea e registros de crianças: autacom_petit, um ateliê supra-sensorial trata-se do meu trabalho de conclusão de curso, que é composto pelas experiências vivenciadas ao longo do estágio curricular docente no primeiro semestre de 2018. Estas experiências não se restringem apenas aos registros ou as questões metodológicas docentes, mas procura compartilhar a memória, a vivência, as possibilidades das crianças, enquanto sujeitos participantes do processo, envolvidas em um ateliê planejado com inspiração e constante diálogo com a arte contemporânea. Neste sentido a escrita desta pesquisa por tratar-se de vivências, memórias, no âmbito da arte, o que nos permite criação, recriação, não se apresenta, muitas vezes de forma cronológica. Assim, em uma dinâmica, quase como um ir e vir, apresento, discuto e proponho a reflexão das propostas, das vivências eexperimentações das crianças, que inspiradas em determinados artistas contemporâneos e suas obras compõem este relato. Afasta-se, portanto, de uma possível metodologia de didática da arte contemporânea, mas aproxima-se de uma docência poética e aberta aos acontecimentos, em uma constante busca por uma escuta atenta e sensível às crianças. O ateliê supra-sensorial aqui descrito é um lugar que reflete, discute e analisa as possibilidades da arte contemporânea na educação infantil como espaço de experimentação e criação. Esta relação das crianças e/com a arte contemporânea foram vivenciadas a partir das propostas organizadas em um ateliê: o ateliê supra-sensorial. Este ateliê difere dos ateliês das escolas de arte, pois o ambiente era o de uma escola de educação infantil, frequentado por um público diverso do público das escolas de arte ou das escolas de arte para crianças. Nas escolas de educação infantil não contamos apenas com profissionais da arte, aliás raramente vemos um artista visual ou um professor de artes em uma escola de educação infantil. Somos professoras de crianças que sensíveis a arte, aqui propomos uma experiência em um ateliê supra-sensorial. O ateliê foi o lugar (ou os lugares) no qual as crianças experimentaram, exploraram, se expressaram, comunicaram suas ideias e possibilidades a partir do uso e contato com diferentes materiais, que aqui são considerados também uma linguagem. Cada proposta era composta por materiais plásticos (tintas, pigmentos..) e materialidades (tecidos, linhas, rolhas, bolas...) espaços (sala, pátio), ambientação (luzes, músicas), sentimentos/ ritualísticas (mandalas...) que 15 serão citados ao longo desta escrita, com o intuito de nos aproximarmos das criações das crianças e seus processos. Não há uma lista de materiais específicos, didáticos ou modelos de trabalho que envolvem arte com crianças obrigatórios, a serem seguidos. Contrário a isso, o trabalho com arte contemporânea na educação infantil pode perpassar pelos mais diversos materiais - inclusive materiais do cotidiano, que não precisam ser comprados - e inspirações. Busco com os registros aqui apresentados e refletidos mostrar o efeito e as possibilidades de ação com crianças, a partir de seus elementos de criação e experimentação. Neste contexto, ao longo das propostas do ateliê, que perpassaram diferentes artistas da arte contemporânea, ora isoladamente, ora em composição. E a partir das obras de Alexandre Moreira, com ele participando deste processo propondo instalações para as crianças com sua obra autacom, surgiu o autacom_petit, uma “colaboração criativa”. Alexandre Moreira define que as propostas surgidas a partir desta instalação com as crianças serão o autacom_petit, um ateliê supra-sensorial, no qual, o lugar é onde ele está, a motivação é a própria colaboração criativa e participativa na qual artista, obra e crianças se entrelaçam, se fundem. Decorrente deste momento e sua intensidade com o espaço de criação proporcionado às crianças, é que se denomina e estabelece o foco desta pesquisa com crianças. Para tanto, traço como objetivos desta pesquisa, discutir o efeito do trabalho pedagógico inspirado pela arte contemporânea, refletir acerca das possibilidades envolvidas entre o ateliê e a educação infantil, e analisar os registros fotográficos, filmagens e anotações obtidas nos momentos vivenciados pelas crianças durante as experimentações nos ateliês. 16 Um Lugar 02 Meu Trabalho de Conclusão de Curso resulta dos dados obtidos a partir do estágio curricular final do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em uma Escola Municipal de Educação Infantil, uma região de fácil acesso da cidade que atende 97 crianças em turno integral, das 7h às 19h, em idades entre 4 meses e 5 anos e 11 meses, divididas em 6 grupos etários. Seu corpo docente é composto por professores, um para cada turma de crianças de acordo com sua faixa etária; monitores para atendimento direto das turmas desde o horário de chegada até a saída; professores especializados de Música e Educação Física; equipe diretiva; assessorias ligadas à Secretaria Municipal de Educação (SMED), tais como: educação especial; pedagógica; bem como, equipes: de nutrição; de limpeza e um assistente administrativo. A comunidade escolar é bastante heterogênea, pois atende crianças de diferentes realidades sociais e culturais. A Escola Municipal firmou um convênio desde 2010 com a Polícia Civil do Estado e, por isso, 40% das crianças que atende são filhos ou netos de policiais ativos ou inativos deste órgão público, 60% são oriundos das diferentes partes da cidade e ingressaram na escola através de processo seletivo estabelecido pela prefeitura Municipal de Porto Alegre. Este Trabalho de Conclusão de Curso mostra como convivi com a turma do maternal dois, em momentos desafiadores e encantadores que ressignificaram o modo de pensar e olhar da ação docente e as relações com as crianças durante meu estágio curricular. Considerando que cada criança tem a capacidade inata de comunicarem-se através da sua arte como afirma Judith Burton (apud CABRAL 2016). Pretendi como Marta Cabral (2016, p.xi) me empenhar em dar voz às crianças, reconhecendo sua autoria, respeitando a sua maneira de saber, fazer e ser. 18 Uma Turma 03 A turma de maternal, na qual estive durante o período de coleta de dados desse trabalho, tem 15 crianças, sendo uma delas de inclusão, que só frequentou a escola no turno inverso ao do meu trabalho com as crianças. Esta turma também é a turma onde atuo no turno da tarde, trabalhando como monitora, portanto convivemos por dez horas diárias durante este período. Esta turma de seis meninas e nove meninos são crianças ativas, criativas, potentes e encantadoras. 1 Conquistaram-me no ano anterior ao meu estágio e, fiz tudo o que estava ao meu alcance, para poder retribuir todo o encantamento que elas me proporcionaram ao longo do nosso convívio. 1 Sobre o termo de consentimento de pais, e ao estabelecer a temática condutora para o trabalho com as crianças no “ateliê supra-sensorial”, conversei com a diretora da escola, para conversar sobre a preocupação com a divulgaçãodas imagens das crianças. Chamamos os pais para contar sobre o que estava planejado para as crianças naquele semestre. Nesta reunião expliquei o que seria trabalhado, falei dos materiais que seriam utilizados e adiantei sobre a possibilidade deste material ser publicado em meu TCC. Fizemos esta primeira reunião e uma última para apresentar todo o trabalho junto com a proposta de exploração dos materiais pelos pais com as crianças. Tive apoio irrestrito dos pais e direção da escola. Tive seu consentimento. Bem como na conversa com as crianças sobre o Termo de assentimento, essas assentiram em participar das atividades, sabendo que poderiam se negar a fazê-las ou mesmo sair dessas a qualquer momento. 20 São elas: Fiz duas semanas de observação, antes de iniciar o Ateliê Supra-Sensorial , 2 nas quais, pude perceber que se tratava de crianças sempre dispostas ao movimento de criação, às construções com os materiais disponíveis na sala e mesmo em outros ambientes da escola. Tal grupo de crianças, quando percebem que existe escuta adoram contar sobre histórias de suas vidas, nos mais variados momentos da rotina desde no pátio, até na sala antes do soninho. E consoante com Martins Filho e Barbosa (2010) percebi também que a observação era sempre participante e que este tipo de observação acabava por estabelecer e criar laços, também possibilitando o acesso dos adultos ao que as crianças pensam, fazem, sabem, falam e de como vivem. As crianças traziam muito do repertório musical de casa: funk, sertanejo, pagode. Tínhamos alguns pais que tem a música como profissão. Depois de feriados ou finais de semana contavam que assistiam com os pais (cinema, televisão etc.), do que acontecia com elas fora da escola, algumas histórias muito divertidas e outras nem tanto. Falavam da realidade das famílias para nossas rodas de conversa, no pátio ou durante as brincadeiras em sala. O ateliê possibilitou que a arte contemporânea fosse vivenciada a cada experimentação, nesse as crianças passaram de meros espectadores da arte para sujeitos criativos, ativos, que participavam e expandiam seus pensamentos e imaginação a partir da inspiração das obras dos artistas contemporâneos. Eram carinhosos, atentos ao que acontecia ao redor, extremamente observadores, adoravam conversar sobre os mais variados assuntos, muito críticos, discutiam, argumentavam, eram crianças potentes, criativas. Ilustro com o pensamento de Larrosa (apud LOPONTE 2008, p.115) que ensina: “o outro nome da criança de “As três metamorfoses” de Nietzsche é criação, e poderíamos dizer que a criação é força impulsionadora para a vida, pura potência, afirmação da vida que está aqui”. Podemos ainda arriscar, pensar com o filósofo alemão, que arte e infância são forças potencialmente criadoras. Poéticas da própria vida! Para realizar o trabalho proposto com as crianças desse grupo, tive grande parceria de todos na escola, cada um ajudou a seu modo: cedendo seu espaço no pátio, atrasando ou adiantando as refeições, aceitando o barulho da “criação” do M2 enquanto os bebês dormiam, com os “faxinões” coletivos diários na sala da turma ou em outros espaços e algumas vezes em todos os espaços, enfim fui acolhida pelo grupo de colegas e, principalmente pelos pais que foram disponíveis 2 Ateliê Supra-Sensorial, fio condutor dos planejamentos do estágio curricular, que será especificado ao longo deste trabalho. 22 ao longo do semestre. Traziam materiais para as propostas em sala, recebendo as marcas do dia nas roupas de seus filhos, marcas essas que não ficaram apenas na roupa, mas ficaram nas nossas memórias destas vivências, afinal, “nem sempre infância é doce e alegre, ela também é desvio, perversão, manipulação” (LOPONTE 2008, p.117). Faço uso das palavras de Marta Cabral (2016), para dizer que esta pesquisa será também “uma maneira de homenagear as crianças e suas explorações, de partilhar nossos dias de arte” (CABRAL, 2016, p.1). Ela trará a minha impressão pessoal dessas experiências e relações, consoante com alguns autores, mas será através dos meus olhares e das minhas palavras que as vozes das crianças estarão presentes nas suas obras, nas suas palavras, na sua produção artística e em cada imagem aqui impressa. Farei o papel de intermediária dos seus sentimentos, das suas emoções, mesmo que ao longo da escrita suas falas sejam apresentadas, ainda assim não conseguiria traduzir fidedignamente o que pensaram, o que imaginaram, pois aí é que está a autoria dos sujeitos desta pesquisa. 23 Meus Desafios 04 O trabalho docente na Educação Infantil é organizado de maneira que cada turma possua uma professora titular, responsável pela regência da turma, pelos planejamentos, pareceres. E uma professora de apoio/monitora responsável por auxiliar no desenvolvimento do planejamento e acompanhamento das crianças nos momentos cotidianos. Sendo que a quantidade de professora /monitoras é variável de acordo com a idade e quantidade de crianças por turma. Foi muito desafiador tentar construir a parceria com o adulto que estava me dando apoio na sala, para que ele não indicasse o que as crianças tinham ou não que fazer, afinal a proposta era estruturada por mim, mas as descobertas tinham que ser espontâneas, a potência estava nas crianças. Segundo Girardello (2011, p.80) “deve haver um equilíbrio entre a estruturação das atividades pelo adulto e a possibilidade de que as crianças possam brincar sozinhas, livres de supervisão”. Minha parceira fixa na sala desde o início compartilhou esta ideia comigo, mas ao longo do percurso precisou se afastar em alguns momentos e, acabei tendo que explicar mais de uma vez a cada um que entrava na sala, qual era a minha intenção durante a exploração das crianças. Também nas propostas com a luz negra ou com projeções, tive muitas dificuldades em relação ao entendimento dos adultos para que não deixassem a porta aberta por muito tempo, ou que ao entrar ficassem em silêncio. 25 Figura 01 - autacom_1 Outro grande desafio era o tempo de preparação dos espaços das propostas, geralmente levava em torno de uma hora entre a organização do espaço e o preparo da proposta. Enquanto eu preparava, a turma estava com minhas colegas no lanche e depois no pátio, o que aumentava o ar misterioso e de expectativas das criançaspara o que aconteceria no ateliê. Em alguns momentos, a turma já estava junta, pois fazia parte da proposta este contato, o que nos revelava o olhar das crianças de admiração e encantamento que remetiam ao que estava sendo organizado. Fundia-se aqui, um jogo de arte e imaginação, que como nos mostra Girardello (2011, p.77), “uma das condições mais frequentemente apontadas como favoráveis a imaginação é a possi-bilidade de fruição estética, especialmente o contato profundo da criança com a arte”. Fomos aos poucos, nos adaptando e construindo juntos o trabalho, mesmo com os imprevistos. Durante a exploração das crianças nas instalações propostas do ateliê supra-sensorial, pude observar o interesse de cada uma, observava e dava espaço de exploração. Percebia o que mais buscavam e o que repeliam. Aos poucos e com calma pude ao longo deste período perceber o que chamava atenção de cada uma, durante suas descobertas com os materiais oferecidos. DM³ (3 anos e 5 meses), que protagoniza a imagem acima, observava através de sua lente, criada com um cone, aquilo que lhe cativava naquele momento. Tal como ele, com nossa super lente, eu observava quase que individualmente, cada um deles durante o momento das instalações, notei que na maioria das vezes, os mesmos se salientavam nas falas e nas descobertas, mas busquei ficar atenta também, ao que chamava a atenção dos mais quietinhos e não menos encantados. 3 Por questões do comitê de ética de pesquisa da UFRGS, optamos em não colocar o nome real das crianças. 27 Figura 02 - Coleções 1 Figura 03 - Coleções 2 Segundo Martins Filho e Barbosa (2010) torna-se necessário o “desenvolvimento de um olhar e de uma escuta atenta e sensível em um diálogo coletivo” para com as crianças (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 11). E que este olhar certamente nos aproxima de suas vozes, ações, reações, manifestações, relações e ainda nos possibilita ultrapassar o muro que isola a criança do adulto como nos apontam. Nos registros de fotos e vídeos, minha dificuldade era tentar captar a beleza que os olhos viam pelas lentes da câmera que muitas vezes, não traduziram o que eu gostaria, pois tendo a possibilidade de vivenciar com as crianças sua participação a cada ateliê proposto, não capturava toda a intensidade de cada momento. Cada cena se tornava indescritível. Era preciso vivenciá-la com a magia que só as crianças possuem. Concordo ao pensar sobre as crianças do grupo referido, com Sarmento (apud MARTINS FILHO; PRADO, 2011, p. 55): “Os olhos com que veem esse mundo têm a limpidez e a perturbação dos primeiros olhares; é por eles que descobrem objectos, nexos e sentidos que não é legítimo de modo nenhum menosprezar”. 28 Os Objetivos deste trabalho 05 01 Discutir o trabalho pedagógico inspirado pela arte contemporânea 02 Refletir acerca das possibilidades envolvidas entre o ateliê e a educação infantil 03 Analisar os registros fotográficos, filmagens e anotações obtidas nos momentos vivenciados pelas crianças durante o estágio. Os sentimentos envolvidos: as mandalas vividas com as crianças 06 Antes de iniciar a descrição das propostas do ateliê, gostaria de tratar sobre um termo utilizado, no momento da descrição da organização de alguns espaços, muito importante para o entendimento do meu envolvimento com este trabalho. Em muitas propostas utilizo “mandalas” para circunscrever o espaço de exploração das crianças. Mandala em sânscrito significa círculo de cura, o mundo integral, o círculo na mandala, significa a representação do todo. No Budismo a elaboração de uma mandala é um processo lento e é um ritual sagrado. Fernando da Silva Ramos (2006) nos esclarece ainda que a “mandala cumpre a função de aglutinar o disperso em torno de um eixo e que é antes de tudo uma imagem sintética do dualismo entre diferenciação e unificação, variedade e unidade, exterioridade e interioridade, diversidade e concentração.” Para Jung (1959) a “mandala é o centro, é o ponto para onde convergem todos os caminhos, é o trajeto ao centro, à individuação”. E ainda esclarece que “um símbolo não traz explicações; impulsiona para além de si mesmo na direção de um sentido ainda distante, inapreensível, obscuramente pressentido e que nenhuma palavra poderia exprimir de maneira satisfatória.” Por isso faço a opção por esta palavra e não círculo, pois apesar de na forma serem a mesma coisa, existe um sentido desta palavra que é bem maior, pois carregam energias mágicas, significados mágicos de criação com as crianças. Por estas simbologias metodológicas acredito que neste trabalho, arte e energia se fundem. Durante a preparação de todas as propostas, fui intensa, integral, pois tudo fazia parte de um ritual, desde a escolha das músicas que ambientavam a proposta aos elementos que iriam compor a cena, portanto a ritualística se fez presente e as energias foram vibrantes do primeiro ao último instante, bem como acontecia com as crianças e comigo durante cada uma das propostas. Sagrado, segundo Houaiss (2008) significa aquilo que inspira ou deve inspirar profundo respeito, assim não sendo utilizado no sentido de deidades, de divino. Meu compromisso com aquelas crianças e com as propostas metodológicas organizadas para elas eram sagradas em todas as suas formações, não se restringindo somente as mandalas. No decorrer das preparações sempre era observada por alguém e, inúmeras vezes, ouvi das pessoas que observavam, ou presenciavam as explorações das crianças, que sentiam uma energia maravilhosa ali, ou ainda que ficavam arrepiadas só de olhar. O encantamento era de todos, não só dos observadores, mas dos participantes também. Havia algo como um elo nos unindo, eu vibrava tanto 32 quanto as crianças ao observar seus olhos e suas onomatopeias ao visualizarem o ambiente preparado para eles. As expectativas eram muito grandes das crianças, enquanto esperavam a organização do ambiente e eu durante todas as preparações até o momento do deleite. As trocas desses sentimentos envolvidos ao longo deste semestre foram muitas, muitos agradeciam ao final de cada proposta, outros diziam me amar, alguns me beijavam, outros queriam me levar pra casa, à recíproca era verdadeira. Loponte (2008, p.118) nos conta que a arte é feita de possibilidade, de invenção, de criação, de ruptura, do imprevisível, do inesperado e que a infância também é puro acontecimento. Dessa forma se constituía, o modo de com eles pesquisar. Esse modo de investigar com as crianças passava pelo apoio e carinho das colegas, desde o acolhimento dos meus planejamentos até cuidados com meu bemestar físico. Sempre muito atentas e amorosas comigo, me senti muito tranquila e em um ambiente propício para que pudesse desenvolver meu trabalho ao longo deste percurso. Das famílias da mesma forma, sempre muito atentas a tudo o que ia acontecendo, colaborativas com materiais inclusive, muito participativas inclusive em momentos de reuniões para que eu pudesse expor meu planejamento, ou apresentar o que vínhamos fazendo ao longo do percurso. Amorosas no retorno que me davam de seus filhos. Sou muito feliz por saber que apesar da política dos governos atuais, não favorecerem muito a pesquisa entre outras formas de valorizar a educação, existem pessoas que nos respeitam e acreditam no verdadeiro sentido da educação, o de formar cidadãos conscientes e batalhadores por uma sociedade mais justa, igualitária de direitos e isso é o que move professores responsáveis e dignos da sua formação. 33 O Atêlie Supra- Sensorial 07 Neste capítulo faço uma breve apresentação acerca das minhas intenções e inspirações para este ateliê. Busco apoio em Lella Gandini (2012) nos convida saber que Loris Malaguzzi nos apresenta a ideia de ateliê na educação infantil, com a intenção de gerar uma revolução no ensino e na aprendizagem nestas escolas para crianças bem pequenas, tendo como foco a criança como interacionista e construtivista. Consoante com essa ideia, Cunha (2017) sugere que “as demandas das crianças pequenas, de fato, são exploratórias como o: amassar, rasgar, furar, molhar, provar, roçar pelo corpo materiais, ações comuns que devem ser incentivadas e nunca controladas” (CUNHA, 2017, p.13), reafirmando as ideias de interacionismo e construtivismo, sugeridas na intenção de Malaguzzi (apud GANDINI, 2012). Cunha (2017) ainda defende que as crianças tenham a oportunidade de interagir, experimentar, criar, aprender com a arte de seu tempo e não apenas com a do passado. E Loponte (2008) faz uma belíssima relação entre a arte e a criança, dizendo que “de algum modo, de alguma forma, a arte diz, pinta, canta, dança, imagina, fantasia o que dizem as crianças. Ou que ainda poderíamos dizer o modo com a qual a arte diz coisas sobre a vida e o mundo tem a ver com o modo com o qual as crianças dizem, com que interpretam esse mesmo mundo” (LOPONTE, 2008, p.112). Zordan (2005), ao destacar o acontecimento que a arte provoca na aprendizagem, salienta: 36 Figura 04 - autacom_2 Por essas constatações, entre outras, “a grande ‘novidade’ da arte contemporânea é, então, transformar os sujeitos, antes espectadores passivos, em sujeitos criati- vos, ativos, que participam e expandem seus pensamentos e imaginação a partir das obras” (CUNHA, 2017, p.15). Este pens- amento apresenta-se como um propulsor para as propostas deste ateliê para esta turma. O que é importante para o campo educacional é a função que a arte tem no acontecimento da aprendizagem. Sem a captura sensível dos signos materiais e sua transmutação ― a redescoberta do tempo perdido, do tempo mundano e enganoso que se passou ― não se aprende. Não aprender supõe que não se faça na vida, arte (ZORDAN, 2005, p. 264). Figura 05 - Roda dos Prazeres 1 Figura 06 - Roda dos Prazeres 2 Proposta do ateliê, a partir da obra “Roda dos Prazeres” de Lygia Pape SEN TIDOS OLHA RES Sobre os SENTIDOS, as vivências das crianças, conforme Lygia Pape que ensina ser necessário trabalhar o olhar, pois existe aprendizado e que para ver algo, basta ele existir, tudo está aí, pronto para ser revelado e eu acrescentaria que para que isto aconteça, a professora precisa ser atenta e também ter muitos OLHARES, sentir. Hélio Oiticica nos convida a pensar sobre sua proposta SUPRA-SENSORIAL (1967), na qual os objetos são caminhos e as propostas não existem sem a participação do público. Pensando nesta afirmação pensava como propor uma atividade, um espaço, um lugar de interação, no qual as crianças estando presentes dessem sentido ao que disponibilizei e de que maneiras fazer, para que não fosse necessário o convite verbal à exploração aos elementos. Lygia Clark, pensando no corpo como memória, um corpo que sente, vive, tem em seu trabalho propostas voltadas para o corpo, visando ampliar a percepção, retomar memórias ou provocar diferentes emoções, como no curta “Memória do Corpo” (1984) e na exposição "A casa é o corpo", propostas que inspiraram muitas de minhas ações e pensares com as crianças, propostas que me sugeriram visceralidade. Figura 07 - Parangolés 1 Figura 08 - Coleções 3 Também pensando na relação sujeito-objeto, estabelecida por Bispo do Rosário, a partir dos objetos de suas coleções e mesmo nas possibilidades que ele encontra para fazer suas coleções e preparar os materiais necessários para suas criações. Inspiro-me nessas relações ao propor os espaços para possibilitar as criações das crianças. Possibilitar a experiência naquilo que ela tem de mais visceral, daquilo que toca, tendo em vista que, Numa realidade cada vez mais cerebral e padronizada, nossa apreensão tátil do mundo vem se perdendo enquanto forma do saber, na medida em que nossas mãos não se exercitam no ofício de tocar sensivelmente, de tocar com vistas ao prazer e à sabedoria que as coisas podem nos proporcionar pelo contato com a nossa pele (DUARTE JR., 2010, p.101). Visceral como o que aparece no vídeo do Programa Campus , da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, podemos ler a frase do próprio Bispo que compara os loucos aos beija-flores, sugerindo que estão sempre flutuando. E com este pensamento, exponho meu desejo de que então professoras e crianças possam ser como loucos e beija-flores e, que nos seus momentos de criação, possam sempre tirar os pés do chão e sentir prazer. Colorindo com um trecho da crítica de Lázaro (2012) à arte de Alexandre Navarro Moreira, sugeri que a ideia deste ateliê fosse dotada destas tão magníficas sensações. E assim ensina: Os desenhos-pinturas de Alexandre são repletos, por isso mesmo, de descoberta, de surpresa, de um colorido nas nuances de cinza, de preto e de branco que dá sentido épico ao próprio desenvolvimento do lirismo. Há mesmo, em numerosas passagens suas, uma espécie de frêmito de extrema expansão do imaginário do desenho pelo artista, que nos faz entrar na sua pintura feita por apenas papel e lápis, um sinal dos novos tempos. Seus desenhos parecem olhos da infância, que se descobre ao olhar (LÁZARO, 2012). Desta maneira quero esclarecer que estes artistas e suas obras, foram fontes de inspiração e não foi intenção em nenhuma proposta fazer releituras de suas obras, mas sim buscar a partir das ideias destes artistas a essência para a idealização de cada elemento que seria utilizado para compor cada proposta. 40 Com estas ideias e com a certeza de que assim como na arte contemporânea, o sujeito não é mais um simples expectador e sim ativo e criador, além de participativo, acredito ter possibilitado momentos de expansão do olhar, dossentidos, das emoções destas crianças. Ao observar seus gestos, olhares, movimentos, interações, ao perceber suas reações, ao receber o retorno das famílias, quando relatavam como as crianças narravam o que estavam vivenciando, podia perceber que minhas aspirações estavam presentes ali. 41 Figura 09 - autocom_3 As Meto dolo gias do Atêlie 08 As propostas surgiram a partir da observação e escuta atenta aos interesses demonstrados cotidianamente pelas crianças em seus relatos, suas ações, interesses, e brincadeiras, as quais me levaram a uma pesquisa sobre algumas obras de artistas contemporâneos que eu já conhecia, admirava e pensava como poderia fazer a aproximação destes artistas às crianças, por sentir falta disso. Inicialmente inspirada por um livro organizado por Susana Rangel Vieira da Cunha (2012, p.31) no qual ela fala da importância da diversidade de materiais oferecidos às crianças, especialmente na educação infantil. Ainda inspirando-me com a recente publicação de outro livro, este organizado por ela e Rodrigo Saballa de Carvalho, sobre “A Arte Contemporânea e a Educação Infantil” (2017), no qual ela refere esta arte como “a arte do nosso tempo para as crianças de hoje”. Desta forma a presente pesquisa parte de uma pesquisa-ação, definida por Tripp (2005) como toda forma “continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática” (TRIPP 2005, p.443) e parte também de uma pesquisa com crianças que tem como foco as transformações “no âmbito da educação e do cuidado da criança em todas as esferas da vida social” (DORNELLES; LIMA 2018, p.125). Por essas escolhas, concordo com Martins Filho e Barbosa (2010) que apontam como consenso de que em “investigação com crianças é necessário lidar com mais de um procedimento metodológico para compreender o fenômeno que se quer estudar” (Martins Filho; Barbosa, 2010, p.21). A escolha pelos artistas foi feita a partir das minhas memórias, de algumas conversas com meus irmãos, graduados em artes visuais pela UFRGS, assim como as memórias das obras de outros artistas que me inspiraram e me encantaram em outros momentos da minha vida. Mas além das minhas memórias recorri aos sites, aos livros, catálogos e aos vídeos dos próprios artistas. A escolha pela arte contemporânea e não por outra, foi em função do que pude observar ao longo do tempo no qual convivi com as crianças desta turma, que me mostravam seu imenso interesse em propostas sensoriais e exploratórias e acredito que nenhuma outra arte poderia proporcionar de maneira tão intensa quanto a arte contemporânea, nem mesmo em outras propostas como a culinária teríamos oportunidade de diversidade de materiais e possibilidades como esta arte nos proporciona, além da minha intenção de aproximar o artista contemporâneo e sua arte às crianças. 44 O ateliê organizava-se com uma proposta diária, com a regularidade de quatro dias por semana, em uma sequência de treze semanas de propostas, as quais foram antecedidas por duas semanas de observação da turma. Para cada proposta, planejava-se a sua organização em um croqui, que tinham como finalidade a organização prévia do espaço e materiais necessários para a execução de cada proposta, tratando-se de uma das solicitações que compunham o planejamento do estágio curricular. A proposta inspirada na obra a “Roda dos Prazeres”, demonstrada abaixo, primeiramente na imagem do croqui, e seguidamente no espaço organizado para as crianças. 45 Para ambientar as propostas, fiz uma seleção de músicas que estavam presentes diariamente, com exceção da proposta inspirada nos “Parangolés”, na qual realizei uma seleção de sambas enredo da Mangueira (Escola de Samba do Rio de Janeiro). O planejamento diário era formado por: objetivos da proposta, tempo, local que seria realizada a proposta, contando com possibilidades climáticas, favoráveis ou não, com a adequação do espaço e a proposta, a descrição do espaço, pensando como seria a organização do espaço, seu croqui, a listagem dos materiais que seriam utilizados naquele momento e, finalmente, a estrutura da proposta, na qual era descrito como seria o início, como aconteceria à ação com as crianças durante e como seria a finalização. O planejamento estava pronto sempre com uma semana ou mais de antecedência, o que não implicaria, sempre que necessário sua reorganização ou modificação. A maioria das preparações das ambiências levava em média 40 minutos à uma hora até que estivesse finalizado para receberem as crianças, geralmente era o horário do café da manhã e do pátio que eu utilizava para organizar, enquanto as crianças estavam com minhas colegas. O tempo de exploração das crianças variava de proposta a proposta, mas o interesse e o envolvimento eram visíveis, mesmo que não tocassem em nada logo no primeiro contato, percebia que em alguns momentos exploravam com os olhos e depois de determinado tempo iniciavam a exploração com outras partes do corpo. 46 Figura 10 - Roda dos Prazeres 3 Figura 10 - Roda dos Prazeres 4 que pudesse retomar cada proposta e observar o que talvez pudesse ter perdido como nos mostram Martins Filho e Barbosa (2010, p. 22 e 23) ao afirmarem que a fotografia mostra sempre o passado lido aos olhos do presente, embora já não seja o mesmo passado, mas sua leitura ressignificada e que a filmagem é uma maneira de obter dados os mais próximos possíveis ao movimento das crianças. As anotações eu fazia logo que chegava em casa, enquanto revisava e rememorava o momento com as crianças, algumas falas foram anotadas em um bloco enquanto ainda estava com as crianças. Francischen (1999, p.171) define que “pesquisa-ação na educação é o processo de investigação da ação e pela ação, que possibilita a melhoria da prática pedagógica e a produção de conhecimento”. Por essas razões Martins Filho e Barbosa (2010, p.14) nos apontam que a “criança nos fala de muitos jeitos e que com base nessa crença a criança passa a ser compreendida como sujeito principal, em primeira mão, a dar informações aos investigadores”, pois são os sujeitos privilegiados para o pesquisador perguntar, observar, conversar, fotografar, filmar e registrar em suas pesquisas. As observações eram feitas com foco em uma ou duas crianças por proposta, mas todas as propostas eram realizadas com todo o grupo, que se fazia presente por completo, em quase todas as manhãs. No decorrer dessas raramente mais de uma criança ficava concentrada no mesmo espaço em que a outra estava, eram muitos os elementos em cada uma delas e muitos os convites para explorações, dentro da mesma ambiência haviam vários gruposde experimentações ou até mesmo algumas crianças que preferiam fazer sua experimentação quietinha em algum “cantinho”. Antes de iniciar cada exploração, as crianças eram chamadas por mim com o som de um pandeiro, todos vinham correndo saber qual era a “novidade” do dia, como eles referiam as propostas. S. (3 anos e 11 meses) encaminhava os perdidos no pátio anunciando: “Pussual, a Déia bateu o ‘tambeiro’, vamo lá! A gente vai fazê alguma coisa.” Quando todos estavam reunidos, fazíamos algumas combinações de cuidados do corpo, do espaço, dos materiais, com os colegas. Iniciava a conversa perguntando o que eles achavam importante cuidarmos durante a exploração da atividade, então logo vinha à primeira determinação da turma, quase em uníssono: “não pode bater e nem empurrar”. E isso variava conforme o que acontecia no dia anterior, ou eu acrescentava coisas ou eles, isso fazia parte da nossa rotina, avaliar 47 coletivamente os cuidados que eram necessários aos momentos de exploração no ateliê. Sobre as explorações não havia uma combinação prévia, eles ficavam livres, dentro das nossas combinações de cuidados, para fazer o que imaginavam ser possível com os elementos disponíveis. Eu interferia somente quando era solicitada por eles, ou quando havia necessidade de mediação de algum conflito, caso não conseguissem se organizar sozinhos. Ao final das propostas, as crianças eram convidadas a retornarem à sala para que pudéssemos organizar a turma, fazer a higiene e levá-los ao almoço com minhas colegas. O espaço era organizado posteriormente por mim e pelas gurias da limpeza, colegas muito parceiras destes momentos. Ao estabelecer a temática condutora para o trabalho com as crianças, no “ateliê supra-sensorial”, sentei com a diretora da escola, Grasiele Clack Schumacker, para conversar sobre a preocupação com a divulgação das imagens das crianças. Então resolvemos chamar os pais para contar sobre o que estava planejado para as crianças naquele semestre e fazer uma conversa sobre o meu trabalho. Nesta reunião expliquei o que seria trabalhado, falei dos materiais que seriam utilizados e adiantei sobre a possibilidade deste material ser publicado em meu TCC e esta foi a primeira reunião que tivemos, pois tivemos essa no início, uma para contar como estávamos indo e a última para apresentar todo o trabalho junto com a proposta de exploração dos pais com as crianças. Tive apoio irrestrito dos pais e direção da escola, menciono devido a tamanha importância que tiveram em minha trajetória neste semestre e ainda tem. Fiz um termo de consentimento para que os pais autorizassem a publicação das fotos das crianças. Durante a reunião que realizei para esclarecimentos sobre o meu planejamento, apresentei o termo construído, lendo e explicando passo a passo e ao final pedi que se não concordassem com qualquer item ali mencionado me falassem para que eu modificasse. Não pediram nenhuma alteração, então no dia seguinte fiz a impressão do termo, uma cópia para cada família e as originais para ficarem comigo. 48 O termo de assentimento é o nome que damos para o aceite da criança na participação da pesquisa. Fiz o termo, levei impresso e fui explicando pra turma cada item do termo, depois cada um colocou sua marca e combinamos que quem não quisesse participar deixaria o seu sem assinar, ou sem deixar sua marca. Martins Filho e Barbosa (2010) ao nos interrogar sobre a quem devemos pedir consentimento para realizar a pesquisa e se as crianças deveriam ser consultadas sobre a realização da mesma, já nos respondem nas entrelinhas ao esclarecer sobre quem são os sujeitos da pesquisa e por esses motivos percebo a importância deste termo na minha investigação. Quando as propostas dos ateliês foram concluídas chamamos novamente os pais para que apreciassem em fotos e vídeos todas as maravilhas vivenciadas por seus filhos e, como surpresa apresentamos uma proposta parecida com uma já experienciada pelas crianças, para que os pais pudessem sentir o gostinho. Foi um momento de agradecimentos e boas emoções. Por esses e outros motivos compactuo com Adelina Baldissera (2001) que salienta que este tipo de pesquisa não é um simples levantamento de dados e que para alcançar o objetivo proposto é necessário que se estabeleçam relações entre o conhecimento e a ação, entre os pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada. Sobre a pesquisa com crianças Dornelles e Lima (2018, p. 142) apontam que “passamos a estar atentos às suas múltiplas linguagens, aos sentidos que atribuem às coisas do mundo, trejeitos, emoções, modos de dizer o que querem, gostam e pensam”. Elas nos alertam para que ao utilizarmos esta metodologia, a voz do adulto se espraie, que seja minimizada e que a voz da criança seja realmente ouvida, que não seja mera coadjuvante, mas autora. 49 Figura 12 - autacom_4 Figura 13 - autacom_5 Artistas que Inspiraram o Atêlie 09 Hélio Oiticica (1937-1980) Apresentei Hélio Oiticica às crianças, artista plástico brasileiro, sendo a sua principal característica a experimentação, realizou sua primeira obra em 1954, quando começou a frequentar o curso de pintura de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Entre 1955 e 1956, participa do Grupo Frente e em 1959 passa a integrar o Grupo Neoconcreto (juntamente com Ferreira Gullar, Lygia Pape e Lygia Clark). Em 1960 que começa a pensar sua obra com a participação do espectador com a obra Penetrável, o PN1. Em 1963, faz os primeiros Bólides e dois anos depois os Parangolés. Em 1967, mostra na exposição Nova Objetividade Brasileira, a obra Tropicália. Obras destacadas por mim, por suas importâncias em meu trabalho. “Tropicália” me inspira na proposição, demonstrada abaixo, na qual disponibilizei às crianças vários elementos, como: água, areia, pedras, madeira, serragem, folhas secas. Inicialmente circunscrevi o espaço com tecidos, lembrando os “Penetráveis” do próprio Oiticica. Depois disponibilizei os materiais em bandejas de plástico ou sobre um tecido utilizado em outra proposta e contendo “marcas” das crianças. 40 Figura 14 - Tropicália 1 Quando as crianças chegaram ao ambiente proposto, sem precisarem serconvidadas, entraram pelo local no qual imaginei ser à entrada do ambiente e logo se espalharam aos sons de “uauuuuu”, “nossaaaaa”, “uhullll” que eu ouvia enquanto eles se movimentavam pelo espaço do pátio, entre panos e trapos. Alguns me agradeciam dizendo “Déia que lindo! Eu te amo!”, ou “Déia tu é linda, eu te amo!”, entre outras frases cheias de muito amor, não só nas palavras, mas principalmente nos olhinhos de encantamento. A maioria inicia a exploração na bandeja com água, M. (3 anos e 11 meses) começa jogando serragem dentro dela e logo todos vão acrescentando outros elementos e aquele pequeno espaço se transforma em um gigante sensorial, no qual todas as sensações são permitidas. A cada elemento que vai sendo acrescido a bandeja de água, acontece uma festa das crianças depois de cada efeito causado do elemento em queda ou chegando até a água. Em outro espaço, com um pouco menos de adesões, no qual estão disponibilizadas as bandejas de pedra brita e areia sobre um pedaço grande de juta, D. C. (3 anos e 11 meses) faz suas explorações no tecido e ali permanece por um tempo, como se estivesse em um barco, depois se junta aos colegas. 52 Figura 15 - Tropicália 2 Figura 16 - Tropicália 3 Ao final da exploração, a bandeja que inicialmente tinha água, agora continha todos os outros elementos disponibilizados no espaço, tudo virou uma grande meleca sensorial, um grande ponto de cores, texturas e sensações. Percebo assim que toda a criança tem um modo de fazer suas artistagens, suas descobertas e experimentações. Foi oferecendo muitas possibilidades de criação, diversos e diferentes materiais que, eles colocaram para dentro e levaram para fora deles, o seu modo de entender e curtir as coisas do mundo. Os parangolés da infância! 53 Figura 17 - Tropicália 4 54 Os “Parangolés” estiveram presentes além do momento no qual foi proposto, pois o envolver-se foi presente enquanto existiram possibilidades. Para Oiticica um manifesto, para mim uma inspiração, para as crianças um universo em criação. Na proposta, ilustrada pela imagem acima, disponibilizei as capas feitas de sacos de farinha, pintados pelas crianças em formato de mandala, sobre um tecido no chão. No gramado, disponibilizei outros tecidos coloridos e circunscrevendo o espaço, fiz varais de tecido e na frente deles outro varal com as fotos dos artistas das primeiras propostas (Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica) e de algumas obras, sobre pinturas feitas pelas crianças em quadrados de papelão. O som que ambientava a proposta eram sambas da Mangueira (escola de samba do Rio de Janeiro) para que, assim como na ritualística da montagem do espaço, o manifesto de Oiticica pudesse fazer parte deste momento não só na inspiração, mas no sentido de uma maior aproximação com a sensorialidade. Ao chegarem ao ambiente, escuto R. (3 anos e 9 meses) dizendo: “Genteeee! É carnaval!” Figura 18 - Parangolés 2 Figura 19 - Parangolés 3 Figura 20 - Parangolés 4 Figura 21 - Parangolés 5 Os “Bólides” também foram muito inspiradores, apareceram nas mais variadas propostas, entre elas e uma das mais encantadoras foram os “Ovos Bólides” . Dentro de cascas de ovos, coloquei com a ajuda de seringas os pigmentos (corantes) com grude (cola caseira feita de farinha), mistura que utilizei em todas as propostas com tintas para que a quantidade de tinta fosse em quantidade abundante, tendo em vista que precisava “baratear” os custos, pois nesta mistura eu utilizava apenas uma colher de tinta para meio litro de grude. Organizei o espaço em frente a escola, com um cercado de classes forradas com tecidos e ao longo deste cercado, sobre as mesas, disponibilizei bandejas de ovos recheados e copinhos plásticos com a mesma mistura da tinta. Tive ajuda de colegas para poder chegar com segurança neste espaço, pois estava com uma turma de 14 crianças em plena avenida movimentada de Porto Alegre. A proposta era descobrir o que aconteceria ao jogarmos os ovos no painel na frente da escola. 55 Figura 24 - Bólides 3 | C. (C. - 3 anos anos e 8 meses) cantarolava durante suas produções Figura 25 - Bólides 4 | D.C. e M.X. (D.C. - 3 anos anos e 8 meses e M.X. - 4 anos) brincaram com o corpo e as sensações Figura 26 - Bólides 5 | M.E. (M.E. - 3 anos anos e 11 meses) experimentou com todo o corpo Figura 22 - Bólides 1 Figura 23 - Bólides 2 M experimentava e escorregava tentando equilibrar-se. Acabou utilizando as palhas que estavam no chão para fazer sua produção no painel. Ao final da proposta, tínhamos uma bela obra de arte na frente da escola. Durante o decorrer desta proposta, a euforia da chegada foi dando lugar à concentração, cada um em um canto, [...] sem que ninguém à sua volta perceba, a criança elabora hipóteses em silêncio, cria estratégias e enredos a partir do que já conhece, experimenta a liberdade radical da imaginação que, movida pela curiosidade e assegurada pelo adulto em seu ambiente, dá-lhe base para formulações cada vez mais complexas em seu conhecimento de mundo (GIRARDELLO, 2011, p.80). 56 Figura 27 - Bólides 6 Lygia Pape (1927-2004) Apresentei às crianças - Lygia Pape - uma artista plástica brasileira, escultora, gravadora, cineasta. Estudou com Fayga Ostrower no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Participava dos mesmos grupos nos quais Hélio Oiticica participou. Após a morte de Hélio Oiticica, Lygia organizou com o artista gráfico Luciano Figueiredo e o poeta Waly Salomão, o Projeto Hélio Oiticica (HO), destinado a preservar e divulgar a obra do artista. Sua obra é marcada pela liberdade com que experimenta e manipula as diversas linguagens e por incorporar o espectador como agente ativo. Destaco suas obras “Roda dos Prazeres” (1968) e “Divisor” (1968), por suas importâncias ao meu trabalho. A “Roda” era uma proposta com 16 bacias, em formato circular e em cada uma delas anilina, água e sabores, as anilinas eram 4 cores que iam se alternando e o espectador. Ativamente participavam experimentando com os conta gotas disponíveis entre as bacias, sobre pratinhos. Minha proposta inspirada nesta obra continha: potes de plástico brancos com uma mistura de grude e corantes; conta gotas com essências (chocolate, limão e morango); pincéis feitos com hashi, atílio e palha de milho secas; quadrados de tecido branco e quadrados de papelão. 57 Organizei o espaço no pátio da frente da escola em formato de mandala. Sendo esta a primeira proposta do Ateliê “Supra-Sensorial”. Ao chegarem no espaço, as crianças exploraram os materiais de todas as formas possíveis. M. (3 anos e 10 meses) deu início as transformações das cores, inicialmente o A. (4 anos) estranhou e logo me disse: “Déia, óia ali, óia ali o que ele fez!”, com um tom de repreensão. Mas quando eu disse que havia visto e ele percebeu que tudo estava
Compartilhar