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EA D Educação Física e Suas Abordagens de Ensino- -Aprendizagem 3 1. OBJETIVOS • Elaborar e executar o planejamento de ensino e de aula da disciplina de Educação Física na escola de Ensino Fun- damental. • Compreender e caracterizar as diversas abordagens de ensino e suas propostas para o ensino-aprendizagem da Educação Física. • Articular as abordagens de ensino aos objetivos e conteú- dos da Educação Física para uma prática pedagógica, de- mocrática e inclusiva. 2. CONTEÚDOS • As abordagens de ensino da Educação Física: - Abordagem construtivista. - Abordagem crítico-superadora. © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física78 - Abordagem psicomotricista. - Abordagem desenvolvimentista. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Nesta unidade, você terá contato com uma série de abordagens e tendências importantes existentes na Educação Física Escolar e, quando se deparar com a ten- dência intitulada psicomotricidade, terá um breve con- tato com o pesquisador francês Jean Le Boulch. Dada a importância desse pesquisador, sugerimos a você que realize uma pesquisa a respeito dele, pois sua contribui- ção traz elementos importantes não só para a Educação Física, mas também para a Arte e a Educação (tomada de modo amplo). 2) Ao se dedicar ao estudo da abordagem pedagógica desenvolvimentista, consideramos interessante que você pesquise materiais didáticos ou, ainda, algumas propostas curriculares estaduais voltadas para o ensino da Educação Física nas décadas de 1980 e 1990. Nessa pesquisa, você se deparará com uma especial ênfase na aprendizagem motora e com o cuidado na verificação do nível de desenvolvimento motor do aluno. 3) Ao se deparar com a abordagem construtivista presente nesta unidade, você lidará com dois conceitos muito im- portantes para o entendimento dessa corrente teórica; referimo-nos ao conceito de assimilação e acomodação. Diante dessa importância, sugerimos que você realize pesquisas externas referentes a eles, para, com isso, ad- quirir uma visão aprofundada da teoria construtivista e os respectivos alicerces que a amparam e que são utili- zados pelos seus autores. 4) Especificamente na abordagem crítico-superadora, pode ser importante que você reflita, juntamente com os autores deste material didático, sobre a originalidade 79 Claretiano - Centro Universitário © U3 - Educação Física e Suas Abordagens de Ensino-Aprendizagem dessa proposta, isso porque, ao levar em conta condicio- nantes históricos e sociais e apresentar uma proposta de reflexão crítica a respeito deles, essa abordagem contri- bui muito para um posicionamento ético em relação aos problemas que o aluno, a escola e a comunidade vivem. 5) Verifique no decorrer dos estudos desta unidade, quão importantes são os elementos que cada uma das abor- dagens apresenta, a fim de se erigir um amplo olhar às características da Educação Física. Embora as bases epis- temológicas e o foco que originam essas abordagens se- jam radicalmente diferentes, cada um deles acaba por dar conta de uma faceta existente nesta disciplina. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, conhecemos os conteúdos de ensino da Educação Física para a Educação Básica, apresentando suas três dimensões: conceituais, procedimentais e atitudinais. Agora, nesta unidade, nosso objetivo é estudar algumas das abordagens de ensino propostas atualmente para a Educação Físi- ca Escolar; nessa área coexistem várias concepções, todas buscan- do romper com o modelo mecanicista, esportivista e tradicional que tomou conta da Educação Física Escolar a partir do final da década de 1960. Surgidas na década de 1980, essas tendências pedagógicas questionavam a prática pedagógica da Educação Físi- ca na escola, seus objetivos, conteúdos, avaliação e metodologia/ estratégia das aulas. Do conjunto de tendências pedagógicas da Educação Física Escolar, podemos apontar: a) Psicomotricidade. b) Desenvolvimentista. c) Crítico-superadora. d) Interacionista-contrutivista. e) Jogos cooperativos. © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física80 f) Sistêmica. g) Crítico-emancipatória. Como finalidade para esta unidade, optamos por apresentar as seguintes tendências: a) Psicomotricidade. b) Desenvolvimentista. c) Construtivismo. d) Crítico-superadora. Começaremos, no tópico a seguir, pela psicomotricidade. 5. PSICOMOTRICIDADE Os primeiros passos da psicomotricidade, no interior das au- las de Educação Física, tiveram início no Brasil, ao final da década de 1970; inicialmente, essa tendência foi divulgada nos programas das escolas especiais, voltadas a alunos com necessidades espe- ciais, ou seja, com deficiência física e mental, e, aos poucos, as ideias trazidas por ela foram se expandindo e ocupando espaço na escola indistintamente. Segundo Darido (in DARIDO; RANGEL, 2005), a psicomotri- cidade configura-se como o primeiro movimento mais articulado que surge a partir da década de 1970 no interior da Educação Fí- sica, e que se opõe aos modelos anteriores – tecnicista, esporti- vista e tradicional. Nessa perspectiva, o envolvimento da Educa- ção Física dá-se com o desenvolvimento do aluno, buscando sua formação integral; assim, essa concepção inaugura uma nova fase na Educação Física Escolar, em que as preocupações do professor extrapolam os limites puramente biológicos e de rendimento até então vigentes na área. O autor que mais influenciou o pensamento brasileiro no que diz respeito à psicomotricidade foi o francês Jean Le Bouch, que, inspirado em autores como Piaget e Winnicott, propôs a ne- 81 Claretiano - Centro Universitário © U3 - Educação Física e Suas Abordagens de Ensino-Aprendizagem cessidade de conceber uma educação integral do indivíduo, espe- cialmente por meio das atividades motoras, fazendo uso de tare- fas que: [...] estimulem a atividade própria e procurem beneficiar, de ma- neira geral, a consciência corporal, a coordenação motora, a orga- nização espaço-temporal e as bases físicas do rendimento, isto é, força, resistência e flexibilidade (NEIRA, 2003, p. 122). Portanto, a psicomotricidade defende uma ação educativa que privilegie os movimentos espontâneos da criança e das atitu- des corporais, favorecendo a gênese da imagem do corpo (DARIDO in DARIDO; RANGEL, 2005). A educação psicomotora refere-se à formação de base indis- pensável a toda criança, de modo a assegurar o desenvolvimento funcional, levando em conta a possibilidade de a criança ajudar sua afetividade a expandir-se e a equilibrar-se por meio do inter- câmbio com o meio ambiente (LE BOUCH, 1986). Assim, a Educação Física deveria abranger o ser total, ou seja, o homem integral (cognitivo, afetivo, social, motor e físico), e não apenas a sua dimensão motora; o ato motor não ocorre isola- damente, uma vez que o movimento só adquire significado dentro de um contexto, como, por exemplo, um jogo. Isso significa que um movimento realizado pela criança em um jogo de queimada, por exemplo, é resultado de inúmeras variáveis que circundam a dinâmica cultural e social, sua capacidade cognitiva e afetiva, habi- lidades motoras e capacidades físicas. Tomando a motricidade (movimento) como forma de ex- pressão, ação e comunicação do homem, a qual funciona como evidência de equilíbrio afetivo e inteligência, Neira (2003, p. 123) aponta que essa forma de manifestação humana se explica com base na interação do indivíduo com o mundo; ele complementa essa ideia dizendo que “[...] a evolução das faculdades percepto- -motoras, trazendo consigo a possibilidade de agir sobre o mundo, é o motor do desenvolvimento infantil”. © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física82 Daí a importância de as aulas de Educação Física na escola voltadas à criança apresentarem atividades que visem ao desen- volvimento de capacidades básicas, como: a) percepção; b) lateralidade; c) orientaçãoespaço-temporal; d) coordenação visual e motora; e) esquema corporal. Essa seria a dinâmica da Educação Física Escolar na perspec- tiva da psicomotricidade. Neira (2003), ao estudar o desenvolvimento das capacidades para agir no mundo e suas relações com a construção do conhe- cimento, identifica três áreas de ação-intervenção do movimento sobre o processo de sensação e percepção: • Esquema corporal. • Estruturação espacial. • Orientação temporal. O desenvolvimento do esquema corporal pressupõe conhe- cer a imagem do próprio corpo, saber que este faz parte da nos- sa identidade e perceber cada parte dele sem perder a noção de unidade. Já a estruturação espacial está relacionada à consciência das coordenadas, nas quais o corpo se move e nas quais transcorre nossa ação, desde as mais elementares, como em cima, embaixo, frente e trás, até as mais complexas, como direita e esquerda, e as quais permitem à criança organizar sua ação nas mais variadas situações vividas em seu cotidiano. A orientação temporal, por sua vez, diz respeito à capacidade de a criança situar suas ações e suas rotinas em certos ciclos de sono-vigília, de antes-depois, de manhã-tarde-noite, entre outras (NEIRA, 2003). Agora você saberia nos dizer como seria uma aula prática na abordagem psicomotricista? Tente elaborá-la e depois a compare com o exemplo a seguir, apresentado por Darido (in DARIDO; RAN- GEL, 2005, p. 8): 83 Claretiano - Centro Universitário © U3 - Educação Física e Suas Abordagens de Ensino-Aprendizagem O professor, usando de arcos espalhados no chão, pede para que os alunos, em duplas, cada um num arco, arremessem a bola para o companheiro com a mão direita. Posteriormente, solicitar-se-ia que os alunos arremessassem com a mão esquerda, ainda com os dois pés dentro do arco. Na mesma disposição, poderia se pedir que os alunos arremessassem a bola ao companheiro, só que agora com um pé dentro do círculo e o outro fora, de modo que quando estiver com o pé esquerdo fora arremesse com a mão esquerda e, assim sucessivamente. A partir deste momento, falaremos sobre a tendência desen- volvimentista. 6. DESENVOLVIMENTISTA D. Gallahue e J. Connoly são alguns dos principais autores do modelo desenvolvimentista, e, no Brasil, essa proposta é expli- citada pelos trabalhos de Go Tani e colaboradores. Segundo Tani et al. (1988), a proposta desenvolvimentista é uma tentativa de caracterizar a progressão normal do crescimento físico, do desen- volvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social na apren- dizagem motora, de modo a fomentar a estruturação das aulas de Educação Física Escolar. Na abordagem desenvolvimentista, a Educação Física Esco- lar é tomada como espaço que deve privilegiar o aprendizado do movimento, muito embora nada impeça que outras aprendizagens possam ocorrer em decorrência da prática de habilidades motoras. Esse é um dos conceitos mais importantes dessa abordagem, uma vez que é por meio dela que os seres humanos se adaptam aos problemas cotidianos, resolvendo problemas motores; em outras palavras, “[...] os autores desta abordagem defendem a idéia de que o movimento é o principal meio e fim da educação física”, dei- xando claro que sua função “[...] não é desenvolver capacidades que auxiliem a alfabetização e o pensamento lógico-matemático, embora tal possa ocorrer como um subproduto da prática motora” (DARIDO, 2003, p. 4). © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física84 Nesses termos, essa abordagem propõe que a Educação Fí- sica deve possibilitar ao aluno condições para que seu comporta- mento motor se desenvolva por meio da interação entre o aumen- to da diversificação e a complexidade dos movimentos; assim: o principal objetivo da educação física é oferecer experiências de movimentos adequadas ao seu nível de crescimento e desenvolvi- mento, a fim de que a aprendizagem das habilidades motoras seja alcançada (DARIDO, 2003, p. 5). Um aspecto importante dessa abordagem é o cuidado para que as atividades estejam de acordo com as faixas etárias; estas são organizadas em níveis ou fases do desenvolvimento motor que apresentam as necessidades e as capacidades motoras, tendo como parâmetro o conceito de habilidade motora. Para tanto, foi proposta uma taxonomia para o desenvolvimento motor, ou seja, uma classificação hierárquica dos movimentos dos seres humanos durante seu ciclo de vida, e a proposta inicial é de Gallahue (2001), posteriormente ampliada por Manoel (1994) aqui no Brasil. De acordo com essa classificação, as fases do desenvolvimento motor são: a) Fase dos movimentos fetais (vida intrauterina). b) Fase dos movimentos reflexos (de zero a um ano). c) Fase dos movimentos rudimentares (até dois anos). d) Fase dos movimentos fundamentais (até seis anos). e) Fase de combinação dos movimentos fundamentais (até dez anos). f) Fase dos movimentos culturalmente determinados (aci- ma de onze anos). Essa classificação segue a ordem dos movimentos mais sim- ples até os mais complexos, e, consequentemente, os conteúdos a serem trabalhados nas aulas de Educação Física devem ser desen- volvidos segundo essa ordem, primando pelas habilidades básicas, que são mais simples, até as específicas, que são mais complexas. Um exemplo de habilidade básica (ou fundamental) é correr, e um de habilidade específica são os fundamentos esportivos (a bande- 85 Claretiano - Centro Universitário © U3 - Educação Física e Suas Abordagens de Ensino-Aprendizagem ja no basquete, a cortada no voleibol, chutar uma bola correndo no futebol). As habilidades básicas podem ser classificadas em: a) Habilidades locomotoras (andar, correr, saltar, entre ou- tras). b) Habilidades manipulativas (chutar, arremessar, rebater etc.). c) Habilidades de estabilização (girar, flexionar, plantar ba- naneira etc.). Segundo Gallahue (2001) e Tani et al. (1988) as habilidades específicas referem-se aos movimentos exigidos nas práticas es- portivas, em jogos, dança etc., e a sequência de desenvolvimento motor segue uma ordem de dependência de uma fase em relação à fase subsequente; portanto, uma ordem hierárquica, como já apon- tamos. Isso significa que, para uma criança poder combinar duas ou mais habilidades básicas, como, por exemplo, correr e arremessar uma bola comum em um jogo de queimada, ela precisa, antes, ter aprendido essas habilidades em sua forma básica, isoladamente, chamada padrão de movimento; por isso, há a necessidade de se respeitar as fases/faixas etárias ao propor uma atividade. A pergunta que você deve se fazer é a seguinte: a ativida- de que vou propor (jogo, brincadeira, dança etc.) é adequada às necessidades e capacidades de meus alunos? Teoricamente, uma atividade muito complexa para a faixa etária dos alunos pode pro- vocar dificuldades na aprendizagem dos movimentos, bem como desinteresse, desistência etc.; porém, uma atividade muito sim- ples e que esteja aquém das condições do grupo de crianças pode gerar desmotivação e desinteresse. Conforme Darido (in DARIDO; RANGEL, 2005, p. 10), uma aula prática que esteja dentro dos preceitos da abordagem desen- volvimentista pode ser exemplificada da seguinte maneira: O professor pode dividir seus alunos em quatro grupos e posicioná- -los em um determinado local, delimitado pelo espaço de aula, de modo que se configure um circuito. Nesse circuito, cada grupo rea- © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física86 lizaria uma atividade, trocando de setor até que todos passem por todas as atividades. O objetivo da aula seria trabalhar a habilidade saltar. Na primeira estação, os alunos seriam es mulados a vir cor- rendo e saltar duas cordas estendidas no chão. Na segunda estação, saltar um obstáculo que pode ser um banco sueco. Na terceira estação, vir correndo e saltar de lado as mesmas cordas. Na quarta estação, deveriam saltar de costas entre as cordas. 7. CONSTRUTIVISMO Conforme você já estudou em outras disciplinas,a proposta construtivista é cada vez mais presente no discurso que circunda a educação, especialmente a Educação Física Escolar, e essa pro- posta tem em João Batista Freire um de seus mais importantes autores e divulgadores aqui no Brasil. A abordagem construtivista coloca-se como uma alternativa metodológica às linhas anteriores da Educação Física Escolar, es- pecificamente à proposta mecanicista, caracterizada pela busca do desempenho máximo, de padrões de comportamento, sem consi- derar as diferenças individuais nem as experiências vividas pelos alunos (DARIDO, 2003). Nessa direção, no construtivismo, “a intenção é a constru- ção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mun- do, numa relação que extrapola o simples exercício de ensinar e aprender”, o que nos permite dizer que “[...] conhecer é sempre uma ação que implica esquemas de assimilação e acomodação num processo de constante reorganização” (DARIDO in DARIDO; RANGEL, 2005, p. 11). Neira (2003, p. 80), baseando-se em Piaget, pontua que o conhecimento não é resultante das estruturas inatas, pré-forma- das do sujeito, tampouco das imposições do meio, mas “[...] das 87 Claretiano - Centro Universitário © U3 - Educação Física e Suas Abordagens de Ensino-Aprendizagem interações entre o sujeito e o objeto, num processo constante de assimilação das coisas do mundo real pelo sujeito às suas estru- turas”. A acomodação dos elementos assimilados determinará o ajuste às características do objeto, e, a cada interação, o sujeito é modificado por este, exercendo simultaneamente sobre ele uma ação no sentido de transformá-lo; assim, em cada momento par- ticular do processo de desenvolvimento, a adaptação dará lugar a uma forma determinada de organização do conhecimento. Portanto, as atividades que fazem o aluno refletir sobre o tema estudado são fundamentais para o desenvolvimento da inte- ligência e para sua formação, e, segundo Neira (2003, p. 81): [...] trata-se de atividades nas quais a criança age sobre o mundo, a fim de torná-lo seu. Pela ação, cada nova estrutura é assimilada mediante a integração e coordenação dos esquemas já existentes. Desse modo, pode-se dizer que o conhecimento não é uma informação fornecida pelo meio nem simplesmente copiada, mas uma elaboração pessoal que se constrói pela sucessão de etapas. Uma questão importante a ser observada nessa proposta é a valorização do conhecimento trazido pelo aluno e de sua cultura, resgatando jogos e brincadeiras, entre outras atividades que com- põem o universo cultural das crianças (brincadeiras de rua, jogos com regras, rodas cantadas etc.). Freire (1992, p. 112) pontua: “Por onde poderíamos come- çar, senão pelo conhecimento que a própria criança possui ao en- trar na escola?”. Para esse autor, o que se observa na escola é uma quase total desconsideração do conhecimento que toda criança já possui, uma vez que ela não fica esperando chegar o momento de entrar na escola para começar a aprender, pois o mundo infantil é muito vasto, mas, ao que parece, invisível para a escola. Nessa perspectiva, os jogos e as brincadeiras têm papel privi- legiado: são considerados o principal modo de ensinar. Na concep- ção de Freire (1992), a criança é uma especialista em brinquedo, não em teorizar sobre ele, mas em brincar; muito mais do que © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física88 cópia do modelo adulto ou dos artifícios da indústria, a cultura infantil é caracterizada em seus jogos e brincadeiras. O jogo constitui um importante alicerce de formação e educação para a criança, uma vez que comporta um espaço para “o exercício [...] daqueles aspectos de ordem afetiva e sexual, como os que se vêem nos brinquedos de ‘casinha’ ou ‘papai e mamãe’, camuflados num cenário de ingenuidade infantil” e, de outros aspectos “como o cognitivo ou o motor, basta ver o envolvimento em brincadeiras como amarelinha, garrafão ou mãe da rua, por exemplo” (FREIRE, 1992, p. 112). Essa observação do autor nos permite dizer que, bem mais que a escola, o brinquedo (jogos e brincadeiras) tem cumprido a importante missão de aperfeiçoar o acervo motor das crianças, elevando-o ao nível necessário para dar conta das exigências que o mundo amplo das relações sociais exige; ele ainda pontua que há um rico e vasto mundo de cultura infantil repleto de movimen- tos, jogos e fantasia, o qual deve ser acolhido especialmente pela Educação Física, uma vez que esta é uma disciplina que deveria ser especialista em atividades lúdicas e cultura infantil. Considerando que a verdadeira aprendizagem, de acordo com os preceitos construtivistas, ocorre por meio da ação do su- jeito sobre os objetos de conhecimento, de modo que lhe seja pos- sível assimilar formas e conteúdos desses objetos e, em seguida, modificar-se e modificá-los, Neira (2003, p. 89) pontua que a Edu- cação Física deveria propor atividades que “[...] tencionem levar os alunos a descobrirem e construírem os conhecimentos possíveis (atitudinais, procedimentais e conceituais)”. Nesse sentido, o pro- fessor pode oferecer as condições necessárias para que os alunos busquem superar os desafios propostos, seja coletiva ou individu- almente, sem apresentar formas prévias de solução das tarefas apresentadas; o papel do aluno, nessa dinâmica, é a busca pela solução, envolvendo-se integralmente nas atividades. Como seria uma aula prática na abordagem construtivista? Recorremos, mais uma vez, ao exemplo apresentado por Da- rido (in DARIDO; RANGEL, 2005, p. 12): 89 Claretiano - Centro Universitário © U3 - Educação Física e Suas Abordagens de Ensino-Aprendizagem O conteúdo da aula seria a amarelinha, ou seja, um jogo popular e bastante enraizado na cultura infantil. O professor poderia per- guntar às crianças se já brincaram de amarelinha. Partindo dessa experiência prévia das crianças, cada aluno poderia apresentar aos demais colegas o seu jeito de jogar/brincar de amarelinha, parti- lhando seu conhecimento com os colegas. Em seguida, todos os alunos poderiam experimentar as diversas formas de jogar/brincar de amarelinha, trazidas por cada um. Posteriormente, o professor proporia às crianças que pensassem em uma outra(s) forma(s) de jogar/brincar de amarelinha, convidando todos para experimentar. 8. CRÍTICO SUPERADORA Você já leu ou ouviu falar da tendência crítico-superadora? A abordagem crítico-superadora segue em oposição aos mo- delos mecanicistas vigentes na Educação Física Escolar, e, segundo Darido (2003), ela utiliza o discurso da justiça social como ponto de apoio; é baseada no marxismo e no neomarxismo, recebendo na Educação Física grande influência dos educadores José Libâneo e Demerval Saviani. Dentre os autores mais importantes dessa abor- dagem na área da Educação Física, estão Carmem Soares, Valter Bracht, Celi Taffarel e Lino Castellani Filho. De acordo com Soares et al. (1992), a proposta de uma pe- dagogia crítico-superadora busca responder a determinados inte- resses de classe; nessa perspectiva, ela é diagnóstica, judicativa e teleológica. Diagnóstica “[...] porque remete a constatação e lei- tura dos dados da realidade”, os quais carecem de interpretação e julgamento: o sujeito pensante emite um juízo de valor que de- pende da perspectiva de classe de quem julga, porque os valores, nos contornos de uma sociedade capitalista, são de classe; judi- cativa “[...] porque julga a partir de uma ética que representa os interesses de determinada classe social”; teleológica “[...] porque determina um alvo onde se quer chegar, busca uma direção”, a qual, dependendo da perspectiva da classe de quem reflete, po- derá ser conservadora ou transformadora dos dados da realidade, diagnosticados e julgados. © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física90 Darido (in DARIDO; RANGEL, 2005) aponta que essa pedago- gia levanta questões de poder, interesse, esforço e contestação e acredita que qualquer consideração sobre a pedagogia mais apro- priadadeve versar não somente sobre questões de como ensinar, mas também sobre como adquirimos conhecimento, valorizando a questão da contextualização dos fatos e do resgate histórico. Desse modo, Soares et al. (1992, p. 38) dizem que a reflexão sobre a cultura corporal no âmbito da Educação Física deve ser diferente daquela proposta nas tendências mecanicistas, ou seja, deve buscar: [...] desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no de- correr da história, exteriorizadas pela expressão corporal. Trata-se dos jogos, danças, lutas, ginástica, esportes e outros que “[...] podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente cria- das e culturalmente desenvolvidas” (SOARES et al., 1992, p. 38). Segundo esses autores, os conteúdos de ensino são, por- tanto, essas práticas corporais, retratados desde sua origem, de modo a possibilitar ao aluno a visão de historicidade, permitindo- -lhe compreender-se como sujeito histórico, capaz de interferir nos rumos de sua vida privada e da atividade social sistematizada. No trabalho com o esporte, como tema da cultura corporal na di- nâmica crítico-superadora, pode-se evidenciar o sentido e o signi- ficado dos valores que incutem no ser humano e as normas que regulamentam as nossas vidas dentro de nosso contexto sociocrí- tico: erro/acerto, vontade coletiva, valores éticos, morais e políti- cos, habilidades e domínio da técnica são determinações para as mudanças qualitativas. Darido (in DARIDO; RANGEL, 2005) pontua que, para os adeptos dessa abordagem, os conteúdos para as aulas de Educa- ção Física devem ser considerados quanto à sua relevância social, sua contemporaneidade e sua adequação às características sociais 91 Claretiano - Centro Universitário © U3 - Educação Física e Suas Abordagens de Ensino-Aprendizagem e cognitivas dos alunos. Uma aula prática na abordagem crítico- -superadora, segundo esse autor, seria da seguinte maneira: O tema da aula é a ginástica artística ou olímpica. A aula pode ser dividida em três fases, o que não implica romper com a continui- dade entre elas. Na primeira fase, os objetivos e conteúdos da uni- dade são discutidos com os alunos buscando as melhores formas de estes se organizarem. No caso da ginástica, haveria uma con- versação com os alunos sobre as formas de se exercitar para des- cobrir as possibilidades que cada um tem de executar movimentos artísticos/acrobáticos. Na segunda fase, refere-se à apreensão do conhecimento, como por exemplo, em quais materiais é possível fazer movimentos com o corpo todo? Quais movimentos facilitam ‘não cair’, quais os que precipitam a queda? Além de outros (no caso da ginástica, materiais que referem-se, por exemplo, às barras paralelas, ao cavalo, à barra fixa, ao minitrampolim). Na terceira fase, solicitar aos alunos que, em duplas, demonstrem vários movi- mentos de equilíbrio e utilizem a escrita ou o desenho para o relato dos exercícios de equilíbrio que deram a sensação de mais gostosa segurança (DARIDO in DARIDO; RANGEL, 2005, p. 13) 9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Vimos, com Darido (in DARIDO; RANGEL, 2005) que, na escola pública, os alunos eram avaliados por meio de exercícios de verificação de força, como o abdominal, além de exercícios como flexão no solo, no banco e na barra, e todas essas avaliações eram categorizadas por meio de indicadores. A partir desse fato, é importante que você tome uma posição e redija um texto, a fim de aprimorar seu senso crítico e espírito científico, apresentando os benefí- cios ou malefícios de tal método de avaliação. 2) Tendo em vista o que você estudou a respeito da psicomotricidade, você se- ria capaz de redigir um texto, buscando definir o que vem a ser tal conceito e a sua importância para a Educação Física Escolar? 3) Faça uma comparação entre a abordagem desenvolvimentista e a aborda- gem construtivista voltadas para a Educação Física Escolar e confira se suas ideias são compatíveis com o que você estudou nesta unidade. 4) Você poderia explicar como a abordagem crítico-superadora se manifesta na Educação Física Escolar? Compare suas ideias com a abordagem do Tópico 8. © Fundamentos e Métodos do Ensino da Educação Física92 10. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, conhecemos algumas das propostas pedagó- gicas correntes na Educação Física Escolar atualmente, e cabe res- saltar que elas representam apenas algumas possibilidades, uma vez que essa área apresenta inúmeras tendências de ensino que visam fomentar a prática pedagógica da Educação Física na escola. Outra questão importante é que, em nossa prática, as pers- pectivas pedagógicas não aparecem de forma pura, mas mescla- das, trazendo aspectos de mais de uma linha pedagógica, ou seja, dificilmente seguimos uma única abordagem, conforme aponta Darido (in DARIDO; RANGEL, 2005). Lembre-se de que a prática de todo professor: [...] apóia-se em determinada concepção de aluno, ensino e apren- dizagem, que é responsável pelo tipo de representação que o pro- fessor constrói sobre o seu papel, o papel do aluno, a metodologia, a função social da escola e os conteúdos a serem trabalhados (DA- RIDO in DARIDO; RANGEL, 2005, p. 2). 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DARIDO, S. C. Educação física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. ______. O contexto da educação física na escola. In: DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. Campinas: Scipione, 1992. GALLAHUE, D. Compreendendo o desenvolvimento motor. Porto Alegre: Artmed, 2001. LE BOUCH, J. Psicocinética. Porto Alegre: Artmed, 1986. MANOEL, E. J. Desenvolvimento motor: implicações para a educação física escolar I. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v. 1, n. 8, 1994. SOARES, C. M. et al. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992. TANI, G. et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU/EDUSP, 1988.
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