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Capítulo 8 Neurulação Fred Sinowatz A neurulação é um evento fundamental da embriogênese. Ela leva à formação do tubo neural, o precursor do sistema nervoso central, incluindo o cérebro e a medula espinhal. Este sistema de órgãos é o primeiro a iniciar seu desenvolvimento; funcionalmente, contudo, este é ultrapassado pelo desenvolvimento do sistema vascular, o qual é o primeiro sistema de órgãos a ganhar função. Formação do tubo neural: neurulação primária e secundária Durante a neurulação, a qual é convencionalmente dividida em fases primária e secundária, o epiblasto é induzido a formar o ectoderma neural (Fig. 8-1). O primeiro sinal morfológico da neurulação primária é um espessamento dorsal do ectoderma anterior, concomitante com a regressão da linha primitiva. Esta região elíptica de ectoderma espessado especializado é referida como placa neural. Subsequentemente, a placa neural passa por uma remodelagem, a qual a converte em uma estrutura mais alongada e com formato de buraco de fechadura, com a região anterior mais larga e a posterior mais estreita. A principal força motriz da remodelagem da placa neural parece vir das extensões convergentes que causam um movimento relativo dirigido medialmente de células, com intercalação na linha média. Isto leva a um alongamento e estreitamento da placa neural. A modelagem da placa neural é seguida pelo desenvolvimento de duas elevações laterais, as pregas neurais, em cada lado de uma região medial referida como sulco neural. Em suínos e bovinos, as pregas neurais tornam-se evidentes durante a terceira semana de desenvolvimento. O desenvolvimento das pregas neurais anteriores parece ser altamente dependente do mesênquima subjacente, o qual se prolifera e expande pronunciadamente, com um notável aumento em seus espaços extracelulares, à medida que a elevação das pregas inicia-se. Na porção espinhal do tubo neural, a expansão da elevação da prega neural paraxial não é acompanhada pela elevação do mesênquima. 149 Fig. 8-1 Desenvolvimento do tubo neural e da crista neural. Os bordos laterais da placa neural são elevados e tornam-se as pregas neurais. A região média deprimida da placa neural é chamada sulco neural. As pregas neurais continuam a se elevar, justapõem-se à linha média e fundem-se para criar o tubo neural, o qual se torna coberto pelo futuro ectoderma epidérmico. À medida que as pregas neurais elevam-se e fundem-se, as células nos bordos laterais do neuroectoderma (células da crista neural) começam a se dissociar de seus vizinhos, passando por uma transição epitélio-mesenquimal e deixam o neuroectoderma. 1: Ectoderma superficial; 2: Placa neural; 3: Sulco neural; 4: Crista neural; 5: Tubo neural; 6: Gânglio espinhal; 7: Neuróporo anterior; 8: Neuróporo posterior; 9: Notocorda; 10: Nodo primitivo; 11: Linha primitiva; 12: Somitos. As pregas neurais continuam a elevar-se, justapostas à linha média e, por fim, fundem-se para criar o tubo neural, o qual se torna coberto pelo ectoderma superficial que irá desenvolver-se na futura epiderme. Este processo é facilitado pelo citoesqueleto (microfilamentos e microtúbulos) das células da placa neural e por forças extrínsecas dos tecidos paraxiais e notocordal subjacentes. Esta neurulação primária cria o cérebro e a maior parte da medula espinhal. No bulbo caudal, o tubo neural é formado pela neurulação secundária. Este é um mecanismo diferente, sem dobramentos neurais, no qual a medula espinhal inicialmente forma uma massa sólida de células epiteliais e um lúmen central desenvolve-se secundariamente por cavitação. A transição da neurulação primária para a secundária ocorre no futuro nível sacral superior. Dobramento da placa neural e aposição das pregas neurais 150 O dobramento da placa neural, o qual é observado durante a neurulação primária, ocorre em três sítios principais: o ponto de articulação mediano (MHP), sobrejacente à notocorda, e os pontos de articulação dorsolaterais pareados (DLHP) nos pontos de junção do ectoderma superficial à porção externa de cada prega neural. O ponto de articulação mediano é induzido por sinais da notocorda e é o único sítio de dobramento na placa neural espinhal superior. Gradualmente, as pregas neurais aproximam-se uma da outra na linha média, onde elas finalmente se fundem. Os filamentos de actina das células neuroepiteliais desempenham um papel significativo na neurulação anterior. Isto se tornou aparente com dados de camundongos transgênicos e de estudos usando citocalasina (uma droga que despolimeriza os microfilamentos de actina) a qual, em diversas espécies, mostrou que o fechamento do tubo neural, especialmente na porção anterior, é altamente dependente do citoesqueleto de actina. A neurulação espinhal, por sua vez, é mais resistente à ruptura dos microfilamentos de actina. Protrusões celulares estendem-se das células apicais das pregas neurais à medida que elas se aproximam umas das outras na linha média dorsal e se interdigitam à medida que as pregas entram em contato. Isto possibilita um primeiro reconhecimento célula a célula e fornece uma adesão inicial, seguido do estabelecimento posterior de contatos celulares permanentes. Fusão das pregas neurais A fusão inicia-se na região cervical e procede anterior e posteriormente deste ponto. Esta fusão é mediada por glicoconjugados de superfície celular. Como resultado destes processos, o tubo neural é formado e separado do folheto ectodérmico sobrejacente. Até que a fusão esteja completa, as extremidades anterior e posterior do tubo neural comunicam-se com a cavidade amniótica por duas aberturas, os neuróporos anterior e posterior. O fechamento do neuróporo anterior ocorre no embrião bovino aproximadamente ao dia 24 (estágio dos somitos 18 a 20), enquanto que o neuróporo posterior fecha-se dois dias depois (estágio do somito 25). A neurulação está então completa. O sistema nervoso central é representado neste momento por uma estrutura tubular fechada com uma porção posterior estreita, o primórdio da medula espinhal e uma porção cefálica muito mais larga, o primórdio do encéfalo. Durante a neurulação, o neuroepitélio é totalmente proliferativo; as células deixam o ciclo celular e iniciam a diferenciação neuronal somente após o completo fechamento do tubo neural. Apoptose durante a neurulação 151 Durante a neurulação, a proliferação celular também é acompanhada por algum grau de apoptose no neuroepitélio. A taxa de apoptose parece estar precisamente ajustada e parece ser igualmente prejudicial se a intensidade da apoptose está aumentada ou diminuída. A apoptose excessiva perturba a neurulação anterior deixando poucas células com funcionamento normal para a morfogênese, mas também existem dados que indicam que a redução da morte celular devido à pouca apoptose pode levar a defeitos do fechamento do tubo neural. A apoptose nas extremidades das pregas neurais pode desempenhar uma função especial. Após as pregas neurais opostas terem feito contato e aderido uma à outra, o remodelamento epitelial da linha média por apoptose quebra a continuidade entre o neuroepitélio e o ectoderma superficial. A inibição da apoptose produz defeitos de tubo neural, provavelmente prevenindo este remodelamento da linha média dorsal. Crista neural Formação da crista neural À medida que as pregas neurais elevam-se, células do bordo ou da crista lateral do neuroepitélio, a crista neural, passam por uma transição epitélio-mesenquimal à medida que elas deixam o neuroectoderma em direção ao mesoderma subjacente através de migração ativa (Fig. 8-1). A indução de células da crista neural requer interações entre o ectoderma neural e o ectoderma superficial sobrejacente. A especificação das células da crista neural é resultado de uma instrução indutiva do ectoderma superficial. A instrução é possivelmente mediada por um gradiente da proteína morfogenética óssea 4 (BMP4), BMP7 e Wnt. As proteínas morfogenéticas ósseas secretadas pelo ectoderma superficial iniciam este processo. Uma vez estimuladas, as células da cristaneural expressam a proteína Slug, um fator de transcrição da família das Zinc Finger que caracteriza as células que se separam da camada de células embrionárias para migrar como células mesenquimais. A migração de células da crista neural e a neurulação estão temporal e espacialmente relacionadas nas porções anteriores do tubo neural, mas no mesencéfalo e no rombencéfalo as células da crista neural começam a se separar dos ápices das pregas neurais e começam a migrar muito à frente do fechamento do tubo neural. Em contraste, na região da medula espinhal, a migração de células da crista neural inicia-se após várias horas após o completo fechamento do tubo neural espinhal. Migração de células da crista neural 152 As vias pelas quais as células da crista neural deixam o tubo neural depende da região. As células da crista em migração dão origem a um arranjo de células e tecidos heterogêneos. As células da crista neural que deixam as porções anteriores das pregas neurais, antes do fechamento do tubo neural nesta região, contribuem com o esqueleto craniofacial e outros derivados mesenquimais, mas também podem diferenciar-se em diversos outros tipos celulares incluindo neurônios dos gânglios craniais, células de Schwann e melanócitos (Tabela 8-1). Tabela 8-1 Principais derivados da crista neural cranial e circunfaringeal Sistema nervoso sensorial Gânglios do nervo trigeminal (V), nervo facial (VII), glossofaríngeo (gânglio superior), nervo vago (gânglio jugular) Sistema nervoso autônomo Gânglios parassimpáticos; ciliar, etmoidal, esfenopalatino, submandibular, visceral Células satélite dos gânglios sensoriais, células de Schwann dos nervos periféricos, leptomeninges do prosencéfalo e parte do mesencéfalo Células endócrinas Corpo carotídeo, células parafoliculares da tireoide Células pigmentadas Melanócitos Células mesectodérmicas Calota craniana (escamoso e parte do osso frontal), ossos nasal e orbital, parte da cápsula ótica, palato, maxila, cartilagem visceral, parte da cartilagem auricular externa Tecido conjuntivo Derme e adipócitos da pele, córnea do olho, odontoblastos, estroma das glândulas (tireoide, paratireoide, timo, salivar, lacrimal), vias de saída do coração, valvas cardíacas semilunares, paredes da aorta e artérias derivadas do arco aórtico Músculos Músculos ciliares; músculos lisos dérmicos, músculos lisos cardíacos As células da crista neural separam-se da placa neural ou do tubo neural mudando sua forma e alterando as propriedades típicas de células neuroepiteliais para aquelas típicas de células mesenquimais. Na região da cabeça, células incipientes da crista neural emitem processos que penetram a lâmina basal subjacente ao epitélio neural. Após a degradação adicional da lâmina basal, as células da crista neural, neste momento com aparência mesenquimal, atravessam os remanescentes da lâmina basal e migram para o mesênquima circunjacente. Uma alteração significante que acompanha a transição epitélio-mesenquimal é sua perda de adesividade celular devido à perda de moléculas de adesão (CAMs), características do tubo neural (p. ex., a N-CAM e a N-caderina). Após deixar o neuroepitélio, as células da crista neural encontram um ambiente relativamente pobre em células, mas rico em moléculas de matriz extracelular. Neste ambiente especializado, as células da crista neural migram ao longo de diversas vias bem definidas a ponto de serem influenciadas tanto por propriedades intrínsecas das células como pelo ambiente no qual elas se encontram. 153 A migração é sustentada pelos componentes da matriz extracelular: moléculas encontradas na lâmina basal, tais como a fibronectina, a laminina e o colágeno tipo IV. A ligação com este substrato de moléculas e a migração sobre este é mediada pela ação de integrinas (uma família de moléculas de adesão) sobre as células em migração. Equilibrando esse processo, outras moléculas da matriz extracelular, tais como os proteogliganos de sulfato de condroitina, inibem a migração de células da crista neural. Crista neural anterior As células da crista neural na cabeça e no tronco em desenvolvimento (Fig. 8-2) seguem vias de migração diferentes. A crista neural anterior é um importante componente da extremidade encefálica do embrião em desenvolvimento. Pesquisas comparativas da anatomia e do desenvolvimento sugerem que a crista neural anterior é o principal substrato morfológico para a evolução da cabeça dos vertebrados. Deixando o neurotubo nascente muito antes da fusão das pregas neurais, as células da crista neural anterior migram em correntes difusas pelo mesênquima anterior para alcançar sua destinação final na cabeça em desenvolvimento, seus trajetos controlados por diferenças locais na matriz extracelular. Fig. 8-2 Vias migratórias das células da crista neural na região da cabeça (modificado de Sadler, 2006) As células que deixam a crista neural migram e formam estruturas da face e do pescoço. 1-6: Arcos faríngeos; V, VII, IX e X: Placódios epibranquiais. Reproduzido com permissão de Lippincott Williams & Wilkins. As origens da crista neural no rombencéfalo anterior influenciam significativamente suas destinações finais dentro dos arcos faríngeos (Cap. 14), e a expressão de certos produtos gênicos. As células da crista neural dos rombômeros 1 e 2 migram para o primeiro arco faríngeo e formam a maior parte de seu mesênquima. As células da crista neural do rombômero 4 migram para o segundo arco e aqueles dos rombômeros 6 e 7 para o terceiro arco. Uma correlação estreita 154 pode ser demonstrada entre os padrões de migração das células da crista neural rombomérica e a expressão de produtos do complexo de genes HoxB (Cap. 14). Os produtos dos genes HoxB-2, HoxB-3 e HoxB-4 são expressos em uma sequência regular tanto no tubo neural quanto no mesênquima derivado da crista neural do segundo, terceiro e quarto arcos faríngeos, mas não no rombômero 2, nem no mesênquima do primeiro arco faríngeo. Após os arcos faríngeos terem sido povoados com células da crista neural, o ectoderma sobrejacente aos arcos também expressa um padrão similar de produtos gênicos HoxB. Estas interações entre as células da crista neural e o ectoderma superficial dos arcos faríngeos pode influenciar como o ectoderma dos arcos diferenciam-se. Assumiu-se por muito tempo que, em contraste com as células da crista neural do tronco, as células da crista neural anterior eram pré-programadas, já tendo recebido instruções morfogenéticas distintas antes que elas deixassem o tubo neural. Entretanto, experimentos recentes mostraram que fatores ambientais desempenham um papel decisivo na determinação do destino das células da crista neural anterior: muitas das influências regionais sobre sua diferenciação hoje são reconhecidas como o resultado de interações encontradas durante a migração. As células da crista neural anterior diferenciam-se em uma ampla variedade de tipos celulares e teciduais (Tabela 8-2; Caps. 14 e 16), incluindo o tecido conjuntivo e esquelético da cabeça. Tabela 8-2 Principais derivados da crista neural do tronco Sistema nervoso sensorial Gânglios espinhais Sistema nervoso autônomo Gânglios da cadeia simpática, gânglios celíacos e mesentéricos, plexos visceral e pélvico, células de Schwann de nervos periféricos, células satélites de gânglios sensoriais, células gliais entéricas Células endócrinas Medula adrenal, células neurossecretórias do coração e dos pulmões Células pigmentadas Melanócitos Células mesectodérmicas Nenhum Tecido conjuntivo Nenhum Músculos Nenhum Crista neural circunfaringeana A crista neural circunfaringeana surge da região rombencefálica posterior e da 155 porção inferior da faringe. As células desta região migram em direção aos intestinos (células da crista neural vagal parassimpática, que se originam no nível dos somitos um a sete) e do coração (células da crista neural cardíaca, que se originam do rombencéfalo anterior no nível do somito cinco), onde eles contribuem significativamente com as vias de saídacardíacas (Cap. 12). As células da crista neural vagal migram para os intestinos em desenvolvimento como precursores dos neurônios parassimpáticos do trato digestivo. Eles migram posteriormente até que, junto com células da crista neural da região sacral, povoem a total extensão dos intestinos. Estas células formam os plexos submucoso e mioentérico. As células da crista neural cardíaca contribuem maciçamente com as pregas troncoconais que separam as vias de saída do coração para os segmentos aórtico e pulmonar, com os folhetos das valvas semilunares na base das vias de saída e com as paredes das artérias coronárias proximais próximas de suas junções com a aorta ascendente (Cap. 12). Elas também podem modificar os sinais que levam à diferenciação normal das células miocárdicas. As células da crista neural cardíaca também podem diferenciar-se nas células de Schwann dos nervos craniais. Uma fração significativa da população da crista neural cardíaca torna-se associada a outros órgãos, incluindo o timo e as glândulas paratireoide e tireoide. Diversas anomalias severas destes órgãos resultam de deficiências da crista neural cardíaca. Uma destas é a síndrome de DiGeorge, causada por uma deleção do cromossomo 22 em humanos. Esta síndrome é caracterizada por hipoplasia e função reduzida do timo, das glândulas tireoide e paratireoide, assim como defeitos cardiovasculares, tais como tronco arterioso persistente e anomalias dos arcos aórticos. As células da crista neural circunfaringeana também migram ventralmente à faringe. Ali elas acompanham os mioblastos derivados dos somitos que migram anteriormente para formar os músculos intrínsecos da língua e os músculos hipofaríngeos e também contribuem com o tecido conjuntivo destes músculos. Um distúrbio das células da crista cardíaca nesta região pode resultar em defeitos septais cardíacos (septo aorticopulmonar) assim como malformações glandulares e craniofaciais. Crista neural do tronco A crista neural do tronco estende-se do sexto somito aos somitos mais posteriores. Dentro do tronco, três principais vias migratórias das células da crista neural podem ser discernidas. Uma delas é uma via dorsolateral entre o ectoderma e os somitos. As células que seguem esta via dispersam-se sob o ectoderma e por fim o adentram 156 como células pigmentadas (melanócitos). Na segunda via ventromedial, células da crista neural inicialmente movem-se para o espaço entre os somitos e o tubo neural na metade anterior do embrião. A via continua por sob a superfície ventromedial dos somitos, levando as células em migração à aorta dorsal. As células que usam este ramo pertencem à linhagem simpatoadrenal e contribuem com o sistema nervoso simpático e com a medula adrenal. Uma terceira via ventrolateral segue para as metades anteriores dos somitos. As células que seguem esta via formam os gânglios espinhais e sensoriais arranjados por segmentos. A linhagem simpatoadrenal é derivada de células progenitoras simpatoadrenais comprometidas que já passaram por uma série de pontos de restrição de forma que eles não formam mais neurônios sensoriais, glia ou melanócitos. Estas células progenitoras dão origem a quatro tipos de progênie celular: (1) células cromafins adrenais, (2) células pequenas, intensamente fluorescentes encontradas nos gânglios simpáticos, (3) neurônios simpáticos adrenérgicos e (4) uma pequena população de neurônios simpáticos colinérgicos. Um tanto mais abaixo nesta linhagem celular, uma célula progenitora bipotencial que pode dar origem tanto a células cromafins adrenais ou neurônios simpáticos é encontrada. As células progenitoras bipotenciais já possuem alguns traços neuronais, mas a diferenciação final depende de seu ambiente. Na presença de fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e fator de crescimento de nervos (NGF) nos primórdios dos gânglios simpáticos, estes precursores diferenciam-se em neurônios simpáticos definitivos. Por sua vez, se as células precursoras na medula adrenal em desenvolvimento encontram glicocorticoides secretados por células corticais adrenais, eles perdem suas propriedades neuronais e diferenciam-se em células adrenais cromafins. Contudo, esta escolha não é absoluta, as células cromafins podem ser estimuladas após o nascimento para se transdiferenciarem em neurônios se elas forem expostas a NGF in vitro. Toda a extensão dos intestinos é povoada por neurônios parassimpáticos derivados da crista neural e células associadas, a glia entérica. Estes surgem de células da crista neural nos níveis cervical (vagal) e sacral, os quais, sob influência do fator neurotrófico derivado da glia (GDNF), migram extensivamente ao longo dos intestinos em desenvolvimento. As células da crista neural sacral colonizam o intestino distal, mas mesmo ali elas formam somente uma pequena porção dos neurônios entéricos; a maior parte é derivada de células da crista neural vagal. Dentro dos intestinos, as células da crista neural formam o sistema nervoso entérico, o qual em muitos aspectos atua como um componente independente do sistema nervoso. O número de neurônios entéricos praticamente equivale ao número 157 de neurônios na medula espinhal e a maioria deles não está diretamente conectado ao cérebro ou à medula espinhal. Esta independência explica como o intestino consegue manter a atividade reflexa na ausência de estímulos oriundos do sistema nervoso central. As células da crista neural não estão comprometidas com a formação do tecido nervoso associado às vísceras antes de deixar a medula espinhal. Experimentalmente, caso a crista neural vagal seja substituída pela crista neural do tronco (que normalmente não dão origem a derivados associados aos intestinos), o intestino é colonizado pelas células transplantadas da crista neural do tronco. Evidências de que as vias de migração afetam a diferenciação são observadas nos neurotransmissores produzidos por estas células da crista transplantada. Dessa forma, os neurônios parassimpáticos diferenciados de células da crista do tronco ectopicamente transplantado produzem serotonina, e não catecolaminas, nos intestinos. Caso eles tivessem se diferenciado em seus sítios normais no tronco, estes neurônios iriam produzir catecolaminas, e não serotonina. Apesar da forte influência do ambiente do intestino na diferenciação das células da crista neural, as células mantêm um surpreendente nível de flexibilidade de seu desenvolvimento. Caso células derivadas da crista que já estivessem no intestino de embriões de aves sejam retransplantadas para a região do tronco de embriões mais jovens, elas aparentemente perdem a memória de sua associação prévia com o intestino. Elas adentram a via comum para todas as células da crista do tronco (com a exceção das vias das células pigmentadas) e diferenciam-se de acordo. A maior parte dos precursores da crista neural dos neurônios parassimpáticos associados a intestinos expressam o fator de transcrição hélice-alça-hélice, Mash 1, o qual também é expresso nos precursores dos neurônios simpáticos, mas não nos sensoriais. A expressão do Mash 1, a qual aparentemente mantém a competência das células pós-migratórias no intestino em se diferenciarem em neurônios, é estimulada pelo fator de crescimento BMP2 e BMP4. Outros fatores ambientais são necessários para o total comprometimento destas células para formarem neurônios autonômicos. Comparados com a crista neural anterior, a crista neural do tronco possui uma variedade relativamente limitada de opções de diferenciação. Os derivados da crista neural do tronco estão resumidos na Tabela 8-2. Origens filogenéticas da crista neural Filogeneticamente, a crista neural é uma característica típica dos vertebrados. Seus derivados são geralmente considerados como homólogos com os plexos nervosos epidermais e viscerais encontrados em não vertebrados. Desse modo, é assumido que a crista neural surgiu como resultado da centralização dos sistemas nervosos 158 observados nos vertebrados. Durante a evolução, os vertebrados também desenvolveramórgãos sensoriais especiais e estruturas locomotoras. Para proteger e sustentar estas “novas” aquisições, estruturas esqueléticas também se desenvolveram. Dessa maneira, pode se assumir que a crista neural dos vertebrados evoluiu como o resultado de alterações no sistema nervoso e da necessidade de se proteger estruturas para os órgãos sensoriais especiais e os músculos. Com isto em mente, não é surpreendente que as células da crista neural possuam dois destinos de desenvolvimento: eles formam elementos ganglionares e estruturas de suporte do sistema nervoso periférico e eles podem se diferenciar em mesênquima (ectomesênquima). Dependendo do nível no qual as células da crista neural começam a migrar, os destinos de desenvolvimento diferem: crista neural anterior, formada anterior ao somito sete, pode formar neurônios e ectomesênquima. Crista neural do tronco, posterior ao somito sete, forma estruturas neurais e somitos mas, sob condições fisiológicas, não formam ectomesênquima. Resumo Durante a neurulação primária, a placa neural é formada na porção anterior do epiblasto. Subsequentemente, as pregas neurais definem o sulco neural e o tubo neural. A porção posterior do tubo neural é formada por neurulação secundária onde um cordão neural sólido desenvolve um lúmen secundariamente. As extremidades anterior e posterior do tubo neural comunicam-se com a cavidade amniótica pelos neuróporos anterior e posterior que se fecham posteriormente. À medida que as pregas neurais se elevam, as células do bordo lateral da crista do neuroepitélio, a crista neural, passam por uma transição epitélio- mesenquimal à medida que elas deixam o neuroectoderma para adentrar o mesoderma subjacente por migração ativa. A crista neural é agora considerada uma população de células-tronco pluripotentes que promove contribuições vitais para uma ampla variedade de sistemas de órgãos neuronais e não neuronais. As células da crista neural migram para sítios periféricos por todo o corpo. Elas se diferenciam em muitos tipos celulares, tais como neurônios, células gliais do sistema nervoso periférico, melanócitos e células adrenais medulares. As células da crista neural cranial e circunfaringeal também se diferenciam em células cartilagíneas, ósseas, dentina, fibroblastos dérmicos, células musculares lisas, estroma de glândulas faríngeas e diversas estruturas do coração e dos grandes vasos. Células da crista neural no tronco tomam três principais vias para sua migração: uma via dorsolateral para os melanócitos, uma via ventral para células da linhagem 159 simpatoadrenal e uma via ventrolateral passando pelas metades anteriores dos somitos para células que formam os gânglios sensoriais. Em contraste com as células das cristas neurais cranial e circunfaringeal, as células da crista neural do tronco não são capazes de diferenciar-se em elementos esqueléticos. Quadro 8-1 Formação da crista neural e migração das células da crista neural A formação da crista neural é induzida por interações da placa neural com o mesoderma paraxial ou com o ectoderma não neural. Diversas vias de sinalização estão presentes na região entre o ectoderma neural e o não neural onde a crista neural é estabelecida. Entre as moléculas identificadas neste processo estão membros das famílias de sinalização BMP, Wnt, FGF e Notch. A ação orquestrada destes sinais e seus alvos posteriores definirão a identidade da crista neural. Apesar de a crista neural ser uma inovação dos vertebrados, resultados de genômica comparada sugerem que suas propriedades migratórias evoluíram pela utilização de programas que já estavam presentes em ancestrais comuns aos vertebrados e aos invertebrados. Vários mecanismos controlam a migração de células da crista neural nas diferentes regiões do corpo. No tronco, interações célula-célula predominam e os somitos mesodérmicos controlam o padrão rostro-caudal das células da crista neural. A notocorda impede que células da crista neural cruzem a linha média. No rombencéfalo, a migração segmental de células da crista neural é influenciada tanto pela informação inerente aos rombômeros e os sinais ambientais dos tecidos adjacentes, como pela vesícula ótica. Existe claramente uma relação íntima entre as células da crista neural em migração, o tubo neural dos quais elas emergem e tecidos pelos quais elas se movem. O programa de desenvolvimento que determina o destino das células da crista neural é tanto fixo quanto plástico: fixo no sentido de que um grupo de células da crista neural carrega informações que dirigem o padrão axial e a morfologia espécie-específica da cabeça e da face; plástico porque, como células individuais, as células da crista neural são responsivas a sinais umas das outras, assim como de tecidos não oriundos da crista neural presentes no ambiente. Leituras adicionais Anderson D.J. Cellular and molecular biology of neural crest cell lineage determination. Trends Genet. 1997;13:276–280. 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