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A fábula e a história em A filosofia da História de Voltaire

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A fábula e a história em A Filosofia da história de Voltaire
Priscila Aragão Zaninetti
Universidade Federal de São Carlos – Mestrado em andamento
Órgão de fomento: CAPES
Orientador: José Eduardo Marques Baioni
A afirmação de que “toda história é recente” feita por Voltaire em A filosofia da história
está relacionada ao momento, no processo de aperfeiçoamento das capacidades humanas, em que
a escrita é desenvolvida: um determinado povo passa a ter história, apenas quando se torna capaz
de escrever os seus relatos, os acontecimentos que o circundam. Os relatos do tempo anterior a tal
desenvolvimento são transmitidos pela via oral, atravessados pela imaginação e dependentes da
conservação imprecisa da memória; são, portanto, fábulas, relatos impregnados por elementos
ilusórios. O desenvolvimento da história está condicionado ao da escrita, porque o homem que
elabora esse conjunto de caracteres está em um estágio específico do seu aperfeiçoamento, em
que o acesso à razão possibilita a compreensão e a transmissão adequada da sua vivência através
da verdade. No entanto, mais do que produções humanas contrapostas, a história como o relato
verdadeiro e a fábula como o relato fantasioso são, sobretudo, etapas sucessivas e
complementares do processo de desenvolvimento das capacidades humanas que transpõem os
limites uma da outra e podem estar ambas presentes em uma mesma obra. Cabe ao homem do
século XVIII depurar os preconceitos e as superstições dos relatos referentes à antiguidade e
escrever a história do seu tempo; e mesmo que passado e futuro sejam compreendidos como
tempos separados pela preponderância ora da ilusão e ora da razão, a história antiga e a história
moderna se tornam coesas através da atividade que lhes confere legitimidade, a crítica. 
Palavras-chave: escrita, fábula, história, Iluminismo.
O verbete história da Enciclopédia de d’Alembert, verbete cujo autor é Voltaire, trás em
suas primeiras linhas uma definição de história que distingue dois tipos de relatos: “o relato dos
fatos dados como verdadeiros é história, o relato dos fatos dados como falsos é fábula”. O
paralelo entre a história e a veracidade, a fábula e a falsidade conta, ainda, com o par utilidade e
inutilidade: o relato de um fato, quando atestada a sua veracidade, pode ser empregado com a
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2015 / 11ª edição ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417
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função pragmática de ensinar os homens do presente através dos exemplos do passado. Assim, o
caráter exemplar do relato condiciona a sua utilidade, mas estão ambas – exemplaridade e
utilidade - submetidas ao critério da verdade e caso essa última seja atestada, se o relato de um
determinado fato for atestado como verdadeiro, então está sendo escrita a história. A fábula, no
entanto, apesar de tomar para sua definição os conceitos opostos aos da história e, portanto, o
falso, o erro e a inutilidade; está impregnada nela e cabe à atividade crítica da filosofia distinguir
uma da outra. 
Assim, é chegado o tempo – o século XVIII - em que a história escrita até então, poderá
passar por um processo de depuração que identificará o que nela foi agregado de inverossímil, tal
processo se torna possível, porque agora há um homem capaz de tanto, o historiador.
Pretendemos ressaltar, então, a estreita relação entre a concepção voltairiana de história e o
homem que é capaz de escrevê-la, relação que pode ser verificada ao longo da argumentação do
próprio verbete, na qual o filósofo parece se direcionar a esse homem para aconselhá-lo, para dar
o que seriam as diretrizes da adequada escrita da história. Nesses trechos, Voltaire diz:
Se numa ocasião importante um general do exército ou um homem do Estado falou de uma maneira
singular e forte, que caracteriza seu gênio e do seu século, deve-se sem dúvida reproduzir o seu
discurso palavra por palavra: tais arengas são talvez a parte mais útil da história.
Retornaremos a essa relação entre a história e o historiador mais adiante, quando
tratarmos mais especificamente da atividade que os une, a arte de escrever. Por ora, gostaríamos
de propor que, se essa história submetida à verdade, desvinculada de elementos fabulosos,
precisou esperar um determinado momento histórico, no qual os desenvolvimentos humanos,
intelectuais e técnicos, garantiram a sua constituição adequada, isto é, se a confiabilidade da
história aumenta conforme o andamento dos desenvolvimentos do Iluminismo, então, a
concepção voltairiana de história não está circunscrita a uma consideração acerca da
historiografia, ao contrário, abarca toda uma consideração acerca do seu tempo. O mesmo passo
argumentativo poderia ser aplicado à fábula: a crítica de Voltaire à história fabulosa é, também, a
crítica do tempo em que ela era preponderante, em que a racionalidade não estava
suficientemente desenvolvida e incorria em erros. A crítica à história antiga é, portanto, a crítica à
ignorância que, para Voltaire, regeu esse tempo. 
Trataremos ainda de outra exigência feita à história e que já está formulada na citação
acima, quando Voltaire identifica a utilidade da história com a reprodução do discurso decisivo de
um homem do Estado: a história deve ser o relato fidedigno desses fatos que alteram as condições
do seu tempo, das revoluções que impulsionam o devir histórico a modificar o âmbito da política,
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das artes, dos costumes e que são realizadas por homens de talento. O relato dos grandes feitos
trata, portanto, de grandes homens, porque são eles que são capazes de inserir a mudança no
percurso da história, já que possuem os instrumentos necessários; além disso, se direciona a
outros grandes homens, para ensinar-lhes o que na história foi louvável, já que a exemplaridade
desses relatos poderá ser efetivamente utilizada por eles para decidir o futuro. 
No entanto, não podemos compreender a concepção de história em Voltaire como o
conjunto de relatos dos acontecimentos que envolvem os homens do poder, aliás, esse tipo de
historiografia recebeu a censura do filósofo: nesse caso, quando a atenção está concentrada nas
vidas particulares de reis, nobres e eclesiásticos, não se trata da história propriamente dita e sim
de baixa literatura, pois a motivação da sua escrita é o interesse funesto tanto daquele que a
produz e deturpa os acontecimentos a favor do financiador de uma pretensa história que não
passa de uma encomenda e que em nada está comprometida com a verdade; quanto do público
que a consome e se regozija passivamente com o seu conteúdo inverossímil, jocoso ou até mesmo
escandaloso, já que a encomenda pode ter a intenção de prejudicar um determinado homem que
será o seu objeto. Nesse sentido, a atividade do historiógrafo se contrapõe à do historiador, pois
se caracteriza pela simples reprodução dos erros que foram cometidos na história antiga ou ainda
pelo interesse que, se por vezes foi financeiro (devemos nos lembrar aqui que, frequentemente, as
cortes sustentaram homens designados a contar a história daquelas que a compunham), bastaria
que fosse um interesse de qualquer outra natureza para revelar a sua ausência de
comprometimento com a verdade. 
 Mas até agora a concepção voltairiana de história parece ter sido apresentada mais pela
via da contraposição que, como foi declarado no início do texto, pretendíamos atenuar: dissemos
até agora que a exemplaridade dos relatos verdadeiros ensina príncipes, mas que a história para
Voltaire não é constituída pela lisonja inadvertida dos reis; que há em seu tempo um homem
apropriado para escrevê-la, mas que há também um outro quea deturpa e, ainda, que história e a
fábula estão vinculadas, respectivamente, com a verdade e com o erro.
 Insistiremos na importância de elaborar uma explicitação do tema que compreenda como
coexistentes, e não como excludentes, esses elementos contrapostos: a história e a fábula
estiveram entrelaçadas na Antiguidade, porque o desenvolvimento humano ainda titubeava, isso
não significa, porém, que a história moderna está isenta do erro. Queremos dizer com isso que a
trajetória das fases particulares percorridas pelo homem não é homogênea e, portanto, que mesmo
em períodos de barbárie, há fagulhas de um aprimoramento racional e que, inclusive, são elas que
garantem o andamento desse processo; assim como, mesmo em “épocas de perfeição”, nos
chamados grandes séculos, o aprimoramento desenvolvido não só não se estende à totalidade dos
homens, como também, não apresenta a garantia da estabilidade. Não podemos negar, diria
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Voltaire, que a humanidade progrediu, e tendo em vista isso, a história antiga envolta em ilusões
deve ser superada, não nos serve mais como modelo (salvos aqueles exemplos louváveis que
foram depurados pela atividade crítica), no entanto, o fim para o qual se orienta a história não
está garantido por alguma força que teria sido acionada e que já não pode ser detida, ao contrário,
ele é condicionado pela ação humana que pode acelerá-lo ou colocar tudo a perder. Não é certo
que a humanidade sempre caminha para o melhor, mas ela parece continuar a caminhar, apesar
dos tropeços. Assim, para Voltaire, não há inevitabilidade no progresso, o fim para o qual ele se
direciona não poderá ser realizado por qualquer outra instância, além da ação humana. 
Dito isso, talvez possamos apresentar, a partir de agora, uma explicitação do conceito de
história por uma via mais afirmativa. Afinal, quais são os desdobramentos de compreender a
história como o relato do fato dado como verdadeiro? E ainda, como atestar a sua veracidade? O
trecho que citamos anteriormente, sobre a necessidade de relatar adequadamente um grande
discurso, já aponta para o que pode ser o esboço dessas respostas, quando assenta como condição
da relevância daquele discurso em relação à história, ter sido proferido de uma maneira tal que
caracterizasse o gênio daquele que o proferiu e o gênio do seu século. A história deve, portanto,
identificar as etapas do desenvolvimento humano percorridas por um povo ou uma época,
elaborar o quadro geral das determinações culturais que regem um específico momento histórico.
A história deve ser a produção humana que acompanha e narra o processo de civilização através
da relativização das particularidades que deixa ver os fatos que representam revoluções nos
costumes dos homens e nas leis dos Estados: um grande século, para Voltaire, se constitui a partir
de considerações acerca das medidas civilizatórias que foram adotadas ou banidas em seu tempo;
considerações essas que, ao rejeitar os fatos banais, os detalhes inúteis e os relatos fabulosos, está
conservando para a posteridade do gênero humano apenas aquilo que lhe foi verdadeiro e, então,
está fazendo história. 
A concepção de história elaborada nesses termos altera a consideração acerca da natureza
do seu transcurso, porque abandona a Providência Divina como motor de causalidade. Para a
historiografia de matriz cristã, a longa cadeia de causas particulares que constituem a história dos
impérios depende dos desígnios divinos e, assim, é pela vontade divina que ocorrem as mais
diversas produções naturais e civis, que reis são depostos e coroados, que os homens avançam em
direção à civilização e recaem na barbárie. O tratamento crítico dado por Voltaire, no Ensaio
sobre os costumes, aos relatos bíblicos é o mesmo dado à fábula: considerar ambos como relatos
históricos é um equívoco, pois não passam de mitologia, fantasias e falsidades elaboradas pelo
ignorante e pelo fanático. 
Sobre os critérios de veracidade, sobre como distinguir o verossímil da fábula e da lenda,
podemos dizer que, para Voltaire, a certeza da história parece ser tanto maior, quanto mais
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imediata for a relação entre o fato e o homem que o documenta. O relato de um acontecimento,
para ser atestado como verdadeiro, deve ser descrito por uma testemunha ocular e formalizado
pelo historiador. Tal exigência talvez possa ser mais efetivamente cumprida na constituição da
história moderna, já que está presente, no transcurso dos acontecimentos desse tempo, o homem
capaz intelectualmente de compreendê-los e tecnicamente de escrevê-los. 
A história circunscrita ao relato verdadeiro dos acontecimentos está, portanto,
estreitamente vinculada à arte que pode materializá-la - a arte da escrita - e ao homem que
desenvolveu tal técnica e que a emprega de acordo com os preceitos racionais - o historiador.
Nesse sentido, o monumento histórico escrito, o documento produzido pelos homens para fixar,
através da escrita, determinados acontecimentos, adequa-se àquelas exigências da história
moderna, inserida no contexto iluminista, porque a formalização do pensamento de um povo e
sua época, pela linguagem, possibilita a incidência sobre ela da atividade crítica. Já o monumento
histórico arquitetônico, que é grande parte do recurso disponibilizado para analisar a história
antiga, possibilita apenas a constatação limitada da existência de um certo povo que o construiu e
a tentativa de localizá-lo no tempo, determinar qual é a sua antiguidade através da suposição das
técnicas e instrumentos que foram necessários para a sua construção. 
Além disso, devemos ressaltar que a precariedade das informações transmitidas pelo
monumento histórico arquitetônico ou, ainda, qualquer outro legado histórico não escrito, se
refere à similaridade entre as técnicas apresentadas pelos homens durante as etapas mais
rudimentares do seu desenvolvimento. Sobre isso, Voltaire nos diz:
As cerimônias, as festas anuais estabelecidas por toda uma nação, não constatam melhor a origem a
que são atribuídas. A festa de Arionte montado num golfinho era celebrada tanto pelos romanos como
pelos gregos. A do Fauno lembrava sua aventura com Hércules e Onfale, quando aquele deus,
apaixonado por Onfale, entrou na cama de Hércules pensando ser a da amante.
Uma racionalidade nascente não especifica o povo ou a época na qual está inserida,
porque há um padrão de comportamento entre os homens concernente à unidade de sua natureza.
É a própria universalidade da natureza humana que ocasiona a semelhança entre as expressões
iniciais dos povos e nisso parece haver, então, uma certa inevitabilidade do erro quando se trata
da produção e, posteriormente, da apreensão da história antiga. O relato dos acontecimentos do
passado, anteriores ao desenvolvimento da escrita, dependem daquilo que a memória dos homens
conseguiu conservar deles e que será transmitido de geração para geração pela via oral. No
entanto, as versões formuladas ao longo do tempo, não serão capazes de cumprir aquela
exigência de veracidade, porque a oralidade significa a mediação entre o relato e a sua
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testemunha de primeiro grau, significa também, a crescente distância entre eles, distanciamento
esse que é proporcional à gravidade da distorção dos fatos tais como ocorreram. Sendo assim, o
período em que os acontecimentos são descritosapenas pelo relato impreciso da recordação ou
pela imagem muda do monumento arquitetônico, não deve ser considerado como o período
histórico de um povo, durante ele o que está sendo elaborado são fábulas.
É através desse movimento argumentativo, mas agora no sentido contrário, que Voltaire
identifica a inauguração da história de um povo com o momento, na trajetória do
desenvolvimento das suas habilidades, em que ele se torna capaz de escrever. É, inclusive, pelos
desdobramentos dessa argumentação que o filósofo pode afirmar que “toda história é recente” e,
ainda, que “a república romana ficou quinhentos anos sem historiadores”, isto é, não se faz
história antes do desenvolvimento da escrita, não há relato histórico verdadeiro durante o período
em que o gênero humano permaneceu sem escrever. 
Dissemos que a história moderna estaria mais conforme com a exigência de circunscrever-
se à verdade, porque o homem do seu tempo; sob a perspectiva daquela trajetória do
desenvolvimento humano que, de início, apresentou as suas habilidades como equiparadas com
as dos outros homens; agora apresenta o aperfeiçoamento necessário para aproximá-lo da
realização dos preceitos da razão. A verdade não deveria ser um problema para o homem do
Iluminismo, tendo em vista todos os avanços que convergiram e triunfaram nele. No entanto,
como ressaltamos anteriormente, a concepção voltairiana de progresso não é um valor absoluto e
mesmo o grande século do esclarecimento pode errar. E erra também e, justamente, por um certo
abuso em relação às conquistas culturais proveniente do século XVII: o refinamento da
linguagem e da sua escrita, aliado aos desenvolvimentos técnicos que possibilitaram uma maior
difusão do material literário-intelectual disponível, são metas realizadas pelo processo
civilizatório, que tanto atendem às demandas de um público, cada vez mais, ávido por
informações acerca de si mesmo e do mundo; quanto fomentam a continuidade daquele processo.
Nesse contexto, porém, instaura-se um “furor de escrever” que prejudica a avaliação do material
que deve ou não ser produzido e, por sua vez, daquele que deve ou não ser consumido. É diante
desse quadro que a racionalidade moderna incorre no erro e, no âmbito da história, insiste em
relatar acontecimentos distorcidos ou banais de vidas particulares que nada podem comunicar
acerca do gênero humano. 
Mas, se no quadro geral da modernidade, o erro ainda é uma possibilidade constante,
quando nos debruçamos sobre o que conhecemos do tempo que a antecedeu, quando nos
debruçamos sobre a história da Antiguidade; então, o erro parece ser a regra: os monumentos
arquitetônicos atestam, somente, informações muito difusas acerca de povos que saberemos que
existiram, mas que nunca saberemos o que pensaram; e quando, finalmente, através do advento
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da escrita se dá a inauguração da história, essa última ainda vai ter que esperar um longo período
de tempo para se tornar preponderante em relação à fábula. Nos deparamos aqui, portanto, com
uma explanação algo embaraçosa daquele que deveria ser o momento da aurora da razão e frente
a ela nos parece relevante questionar: como será possível distinguir a verdade da falsidade, a
história da fábula, nesse vasto teatro das revoluções que é a trajetória dos desenvolvimentos
humanos? Como será possível desvencilhar a história moderna da ignorância que regeu as épocas
que lhe são anteriores, mas que, ainda nela, parece estar presente? E ainda, em que medida o
futuro da modernidade poderá ser um tempo vinculado à cadeia de acontecimentos que o
forjaram, já que disso não parece haver escapatória, mas livre dos preconceitos e superstições que
a acorrentaram? Para, ao menos, apontar uma direção que, se não esgota tais questões, talvez
apresente os elementos necessário para a continuidade desse estudo; recorreremos, primeiramente
ao historiador Reinhart Koselleck que em seu texto O futuro passado dos tempos modernos
escreve: 
Foi só com o advento da filosofia da história que uma incipiente modernidade desligou-se de
seu próprio passado, inaugurando, por meio de um futuro inédito, também a nossa
modernidade.
 Para depois retornar a Voltaire e com ele afirmar que é a filosofia que, no limite, pode
auxiliar os homens a distinguir o verossímil do erro através da atividade crítica que lhe é própria
e que é capaz de identificar o necessário do contingente, a lei escondida por detrás das
diversidades dos acontecimentos. Então, mais do que tarefa de um historiador, a separação entre a
história e a fábula, é a incumbência do historiador-filósofo.
Bibliografia
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio
de Janeiro: Contraponto, 2012.
NASCIMENTO, Maria das Graças de Souza do. Ilustração e História. São Paulo: Discurso
Editorial, 2001
VOLTAIRE. A filosofia da história. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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