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Ensino, Pesquisa e Realidade História

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ENSINO, PESQUISA E 
REALIDADE HISTÓRICA
UNIASSELVI-PÓS
Autoria: Melissa Probst
Indaial - 2020
2ª Edição
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090
Reitor: Prof. Hermínio Kloch
Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol
Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: 
Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci
Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais
Diagramação e Capa: 
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2020
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
 UNIASSELVI – Indaial.
P962e
 Probst, Melissa
 Ensino, pesquisa e realidade histórica. / Melissa Probst. – In-
daial: UNIASSELVI, 2020.
 133 p.; il.
 ISBN 978-65-5646-025-3
 ISBN Digital 978-65-5646-026-0
1. Historiografia. - Brasil. 2. Pesquisa. – Brasil. 3. Ensino de história. 
– Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
CDD 370
Impresso por:
Sumário
APRESENTAÇÃO .......................................................................... 07
CAPÍTULO 1
Das Possibilidades de Pesquisa em História:
Objeto, Métodos e Fontes ........................................................... 7
CAPÍTULO 2
A Pesquisa e a Produção de Conhecimento
em Sala de Aula ............................................................................ 49
CAPÍTULO 3
História e Ensino de História..................................................... 89
APRESENTAÇÃO
Ensino, Pesquisa e Realidade Histórica é a publicação que lhe apresentamos, 
desejando que você aceite nosso convite para leitura das páginas que seguem. 
Partimos do pressuposto de que as inter-relações entre a história, a sociedade e 
a educação são muitas, e que a formação dos estudantes e docentes em História 
inclui em “sem fim” de conceitos e abordagens, visando sempre suscitar um olhar 
crítico sobre o que se faz quando se pretende fazer história.
Se a História é um olhar para e sobre o passado, é certo que esse olhar 
está sempre influenciado pelo presente, se manifesta na e pela memória, retrata 
o tempo em movimento, se transforma no questionar e na interpretação das 
fontes e se materializa nas narrativas. Além disso, narrativas são discursos, e 
discursos são sempre implicados pelas relações de poder que se estabelecem 
na sociedade, sob efeitos da cultura, economia, política. E é assim que a História 
se torna historiografia, se torna história escrita, numa abordagem que assumiu o 
status de Ciência no decorrer do século XIX. E, como Ciência, foi sendo discutida 
e modificada, teve seus métodos e objetos questionados e foi sendo ampliada no 
que fiz respeito aos saberes e fazeres do Historiador. 
A partir da ideia do “fazer história”, no presente livro buscamos abordar 
questões relacionadas ao objeto de estudo e sua importância na pesquisa 
histórica, à importância do exercício da pesquisa histórica na formação dos 
estudantes da educação básica, bem como do ensino de história e dos projetos 
de pesquisa. De certo modo, objetivamos, ao longo deste livro, promover um 
diálogo produtivo entre discussões da historiografia, da pesquisa e do ensino de 
história, e essa proposta se reflete na divisão, em partes do presente livro.
Nosso texto, portanto, está dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado 
“Das possibilidades de pesquisa em história: objeto, métodos e fontes”, dividido 
em três seções, traz para a discussão conceitos como história e historiografia, 
tempo, memória, narrativas e, por fim, objeto e fontes históricas. No segundo 
capítulo, que tem como título “A pesquisa e a produção de conhecimento em 
sala de aula”, iniciamos nossa abordagem a partida da problemática do Porquê e 
para quem ensinar história. Nas seções que seguem discutimos sobre as pistas 
e conexões, ou seja, sobre métodos e técnicas de pesquisa em História, bem 
como sobre possibilidades para o ensino de História a partir da metodologia de 
pesquisa. Finalizamos com o capítulo tratando da pesquisa como exercício de 
ensino e aprendizagem.
 No último capítulo, “História e ensino de história”, buscamos apresentar 
possibilidades de encaminhamento metodológico para abordagem e utilização de 
documentos e das diferentes linguagens em sala de aula. Para tanto, dividimos 
o capítulo em três seções: diferentes fontes e linguagens no processo de ensino 
e aprendizagem, procedimentos metodológicos e práticas interdisciplinares, e 
fontes não escritas: propostas para o ensino de história. Assim, desejamos que o 
livro propicie momentos de reflexão, e sobretudo, que, desperte a curiosidade e o 
entusiasmo para seguir adiante, buscando sempre novos conhecimentos a fim de 
transformar de nossas práticas, no âmbito acadêmico e escolar.
“Nunca podemos recuperar totalmente o que foi esquecido. E talvez seja 
bom assim. O choque do resgate do passado seria tão destrutivo que, no exato 
momento, forçosamente deixaríamos de compreender nossa saudade. Mas é por 
isso que a compreendemos, e tanto melhor, quanto mais profundamente jaz em 
nós o esquecido” (BENJAMIN, 1994, p. 104-105). 
Professora Dra. Melissa Probst
CAPÍTULO 1
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM 
HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES
A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
 Compreender o que é a História como campo de produção de saberes.
 Articular os conceitos de História, tempo e objeto de pesquisa à possibilidade 
de atuação na pesquisa histórica.
8
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
9
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Não raro, ainda na atualidade, somos muitas vezes levados a pensar a que 
função do historiador seja a de narrar os fatos, tal qual eles ocorreram. Toda vez 
que somos confrontados com tal pensamento, sentimos certo desconforto, que nos 
leva a questionar se essa seria uma tarefa verdadeiramente possível. E, motivada 
pelo nosso próprio desconforto, iniciamos a apresentação desse primeiro capítulo 
com uma série de questões/perguntas... E sim, o fazemos de modo intencional, 
buscando incentivar algumas refl exões sobre questões que são aparentemente 
simples, mas que dizem respeito ao que somos, enquanto profi ssionais e/ou 
estudantes, enquanto sujeitos que somos, lembrando que somos historicamente 
constituídos. 
Assim, nos perguntamos se existem possibilidades metodológicas em que 
o historiador possa apenas narrar os fatos sem interpretá-los? E, se houver 
interpretação desses fatos, então haverá também um posicionamento pessoal 
desse historiador, ao descrever os fatos? Se o historiador se posicionar diante 
dos fatos, então sua descrição não apresentará mais “verdade”, sobre os fatos, 
mas sim, uma interpretação deles? Não estaria a História, então, ancorada no 
senso comum, ao invés de poder ser considerada uma “ciência”? Aliás, a História 
pode mesmo ser considerada uma Ciência? E sempre foi assim, ou esse status
foi conquistado em algum momento da própria história? Então, depois de todos 
esses pontos de interrogação, lançamos a última pergunta do parágrafo, não 
menos importante que as demais: O que é, afi nal, a História? 
A resposta a essa última pergunta pode parecer simples, entretanto, é, ao 
mesmo tempo, complexa e enigmática. Não é propósito, aqui, estabelecer uma 
resposta defi nitiva para tal questão, pois é bem provável que cada historiador 
tenha a sua própria concepção do que seja a História. Entretanto, ao longo do 
capítulo por diversas vezes abordaremos os signifi cados da história, buscando 
respeitar as diferentes maneiras/perspectivas pelos quais os estudos históricos 
são realizados na atualidade. Para tanto, iniciaremos pela apresentação dosmodos como o próprio conceito de História foi sendo forjado e os entendimentos, 
ou seja, os pressupostos de verdade que as diferentes perspectivas teóricas nos 
permitem ter sobre a história, ao longo do tempo, passando pelos conceitos e 
debates acerca da história e da historiografi a, tempo, memória e narrativas, bem 
como os objetos e fontes.
10
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
2 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
O que é “História”? Quantas vezes você já parou para pensar sobre isso?
Ao nos depararmos com essa pergunta podemos perceber que existem 
muitos conceitos, com os quais convivemos cotidianamente, para os quais as 
defi nições parecem ser desnecessárias. A palavra em questão, história, é uma 
dessas, pois, desde a nossa infância, a ouvimos. As mães e avós contam histórias 
para as crianças, desde a mais tenra idade. Depois, as histórias passam a fazer 
parte das nossas vidas no contexto da educação infantil, no ensino fundamental 
e médio, e nos acompanham ao longo da graduação, pós-graduação e nos mais 
variados espaços para além do contexto escolar.
É esse convívio tão direto com a palavra história que nos faz criar certa 
intimidade com ela, a ponto de parecer que ela não precisa de defi nição. No 
entanto, o que é, afi nal, História? Corroborando com Borges (1983), podemos 
dizer que ao tentar elaborar uma resposta, provavelmente nenhum de nós te ria 
uma defi nição muito precisa para apresentar, porém, estabeleceremos a relação 
entre História e Passado, o que remete também ao conceito de Memória e 
Historiografi a.
Além dessa intimidade cotidiana com a palavra história, que parece dispensar 
a necessidade de conceituá-la, podemos associar o fato de que a própria História 
está sempre se refazendo e, como campo do conhecimento, o que é produzido 
sobre ela nunca está pronto ou acabado. Nem mesmo as formas de compreender 
ou registrar a história estão defi nitivamente delimitadas/demarcadas, tendo 
passado por transformações desde os seus primórdios até os dias atuais. Borges 
(1983, p. 9) que afi rma que, para “compreender satisfatoriamente a história como 
hoje ela se confi gura, é preciso recapitular sua origem e sua evolução”.
Como nos lembra Bloch (2001), a palavra “história” é muito antiga, sua 
origem remonta à milênios e, nos lábios dos homens que a pronunciaram, já 
trocou de sentido e signifi cado inúmeras vezes. Desse modo, não pretendemos 
aqui tratar dos diversos modos de denominá-la, porém, ainda assim, gostaríamos 
de, por vezes, “voltar no tempo” , para recapitular alguns dos aspectos históricos 
da História, como campo de produção de saberes. E nessa primeira digressão, 
gostaríamos de lhe perguntar se você já ouviu falar em Clio? Você sabia que 
Clio é considerada, desde a antiguidade clássica (mitologia grega), a “Musa da 
História”? 
11
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
Quanto à origem das Musas (mitologia), não há um consenso. 
Alguns consideram que sejam fi lhas Urano (Céu) e Gaia (Terra), 
outros ainda lhes atribuem a fi liação a Píero e Antíopa. Entretanto, a 
versão mais aceita, entre os estudiosos sobre o tema, é a versão que 
passou a ser veiculada por Hesíodo, no século VIII a.C, que atribui 
a concepção de nove musas, à Mnemosine (deusa da Memória) e 
a Zeus (deus dos deuses). Entre as musas, fi lhas de Mnemosine e 
Zeus, está Clio, a Musa da história.
Acreditava-se que as Musas inspiravam a verdade; os poetas 
baseavam-se em suas palavras para não correrem o risco de 
contar coisas falsas aos homens [...]
Homero considera as Musas unicamente como inspiradoras 
da arte, sobretudo da música e da poesia. Hesíodo estende o 
poder essas divindades também aos reis, que, protegidos por 
elas, tornavam-se soberanos justos, capazes de discernir entre 
o bem e o mal. Outros poetas, ao longo dos séculos, acabaram 
atribuindo às musas a capacidade de suscitar aos cientistas, 
legisladores e navegantes a realização de grandes trabalhos 
(CASTRO, 1976, p. 370-371).
Clio era, entre as Musas, a fi lha preferida, compartilhando com Mnemosine, 
sua mãe, o passado e a tarefa de fazer lembrar. Nesse contexto, ou seja, na 
mitologia, a história (Clio) é fi lha da memória (Mnemosine). E, conforme menciona 
Pesavento (2014, p. 07), “no tempo dos homens, e não mais dos deuses, Clio foi 
eleita a rainha das ciências, confi rmando seus atributos de registrar o passado 
e deter a autoridade da fala sobre fatos, homens e datas de um outro tempo, 
assinalando o que deve ser lembrado e celebrado”. 
Nesse momento, podemos nos perguntar qual é a razão de estarmos falando 
de deuses e musas, se o objeto de nosso estudo é a História, e não a mitologia. 
Essa foi uma escolha intencional, visto que os mitos são sempre “histórias”, ou 
seja, narrativas sobre fatos e acontecimentos. Nos mitos, entretanto, não existe 
preocupação com a verdade, sendo essas histórias permeadas por elementos 
sobrenaturais, fantasiosos, porém, que procuram responder aos problemas e 
angústias da sociedade, em um determinado tempo e contexto. Os mitos tiveram 
grande importância para o pensamento humano, tanto é que todas as sociedades, 
desde as mais antigas até as atuais, elaboram mitos. Aliás, “o grande fascínio 
que a mitologia exerce sobre nossas mentes talvez seja uma prova de que a 
humanidade realmente precise deles” (SILVA; SILVA, 2010, p. 296). 
12
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
Desde a Antiguidade Clássica, portanto, temos menção à História, 
materializada na fi gura de Clio, então, como você mesmo pode perceber, a 
pergunta “O que é História” não é, de forma alguma, uma pergunta nova. E, 
por isso, não há uma só resposta para ela. Aliás, cada corrente de pensamento 
procura dar a essa pergunta a sua própria resposta, o que nos leva a refl etir sobre 
a complexidade que há em torno dessa questão. Aliás, é justamente sobre as 
correntes histográfi cas que vamos tratar daqui por diante.
2.1 LINHAS GERAIS DO DEBATE
Ao falarmos sobre as correntes historiográfi cas, nos cabe lembrar que o 
termo historiografi a se refere à escrita da História. Desse modo, embora haja 
uma relação direta da História, Teoria Da História e a historiografi a, é importante 
destacar que nas diferentes correntes historiográfi cas há diferentes compreensões 
do que seja a teoria e própria História. Isso impacta diretamente no trabalho do 
historiador e, porque não, do professor de História, na medida em que essas 
diferenças também perpassam pelos métodos, técnicas e fontes de estudo e 
trabalho. 
Quando nos referimos a métodos, técnicas e fontes, fazemos alusão a um tipo 
de conhecimento que é sistematizado, organizado e, por isso, revestido de caráter 
acadêmico e científi co. Então, para os estudos que aqui propomos, defi nimos 
a história como o estudo/pesquisa dos/sobre indivíduos, grupos humanos e 
instituições criadas ao longo do tempo, com base em métodos específi cos, 
fundamentada numa determinada concepção/tradição epistemológica. 
Destacamos, sobre isso, que com relação à história, não nos é possível ter acesso 
direto aos fatos do passado, já que não há máquina do tempo que nos permita 
reviver tais acontecimentos. Mas podemos ter acesso aos vestígios desse passo, 
por intermédio das fontes (das quais falaremos mais adiante) e de métodos de 
pesquisa ancorados em diferentes epistemologias, que nos permitem interpretar 
tais vestígios. 
A história nos permite conhecer a nós mesmos e aos outros, 
esclarecer eventos importantes do presente e, inclusive, concluir 
que nossa própria realidade é o resultado de mudanças que não são 
aleatórias. O nosso presente está repleto de nosso passado: ou seja, 
somos o resultado de processos, de conjuntos de transformações, de 
determinada construção. Processos, transformações e construções 
que infl uenciam e foram infl uenciados por objetos de poder, formas 
13
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1de conceber o mundo e visões sobre o futuro, concepções culturais, 
objetivos econômicos, ou religiosos, ou nacionalistas, ou outros 
tantos diferentes. Atentarmos para nossa realidade histórica é uma 
das melhores maneiras que temos de raciocinar sobre o mundo 
e de nos instrumentalizar para que [...] possamos agir menos 
ingenuamente (FONTOURA, 2016, p. 27).
Os modos de compreender o passado histórico, bem como as fontes e 
métodos utilizados para essa compreensão, entretanto, não são iguais e não 
o foram no decorrer do tempo. Diferentes correntes teóricas e historiográfi cas 
buscaram explicar a história e responder os diferentes problemas a partir de 
perspectivas diversas. Sobre essas diferentes perspectivas, você já deve ter 
se deparado com algumas dessas palavras: tradicional, positivismo, Annales, 
materialismo, história cultural, entre outras. Dessa forma, é correto afi rmar que 
todas essas palavras se referem a correntes historiográfi cas? E em que contexto 
tais correntes foram elaboradas? Qual o entendimento de história e de verdade 
dessas perspectivas? Essas são algumas das questões que guiarão nossos 
estudos daqui por diante.
Desde a Antiguidade as pessoas desenvolveram diferentes formas de 
registrar e transmitir sua história, os eventos que consideravam importantes 
para seu grupo, no seu contexto. Os mecanismos escolhidos para tanto também 
foram diversos, desde antes da invenção da escrita. Temos como exemplos 
a transmissão oral, de geração para geração, a arte rupestre (realizadas em 
paredes, tetos e outras superfícies rochosas), entre outros, em um tempo em que 
a constituição e transmissão das memórias, conhecimentos e tradições foram 
marcadas majoritariamente pela narrativa oral dos fatos. 
Os modos como os antigos registravam e transmitiam a sua história eram 
muito distintos do que hoje compreendemos como História, afi nal, como destaca 
Reis (2012) a “memória” não era capaz de registrar eventos ou personagens 
particulares, utilizando-se, portanto, de categorias e arquétipos, assimilado 
ao modelo “mítico” de seu tempo. Não há dúvidas de que essa era uma 
“representação de mundo”, entretanto, a partir de uma base mitológica, comum à 
sua cultura e aos modos como experienciavam a sua existência. 
Assim, aqueles que foram considerados os primeiros “historiadores” dos quais 
temos notícias, viviam ainda na antiguidade greco-romana. Por certo, o trabalho 
por eles desenvolvido não tinha as mesmas características das perspectivas atuais 
em relação à História. Entretanto, é em Tucídides e em Políbio, por exemplo, que 
podemos encontrar os primeiros esforços para obtenção de um rigor metodológico. 
14
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
O mesmo esforço se aplicaria, conforme afi rma Cardoso (1992), a IbnKhaldun, na 
Idade Média. Ainda conforme Cardoso (1992), foi somente entre 1475 e 1575, em 
consequência de movimentos como a Reforma e a Contrarreforma, bem como em 
função do humanismo que começaram a surgir novas exigências, mais científi cas, 
quanto à defi nição e à prática da História. Entre estas exigências, podemos citar 
a preocupação em aceitar como autênticos os fatos ou textos, somente após 
minuciosa verifi cação.
Se nos séculos anteriores o progresso caracterizou sobretudo 
as técnicas de erudição crítica, o século XVIII foi particularmente 
brilhante no campo da teoria e das concepções da História, mesmo 
se os meios metodológicos ainda insufi cientes então à disposição 
dos historiadores para seu trabalho tornavam prematuras, de fato, 
algumas das exigências feitas na época à disciplina histórica. No 
plano teórico, Gianbattista Vico defendeu o caráter “cíclico” do 
desenvolvimento das sociedades humanas. Voltaire […] já mostrava 
a insufi ciência fl agrante de uma História exclusivamente voltada 
para o relato dos acontecimentos (em especial batalhas e tratados) 
e de intrigas da corte e a necessidade de uma História que, mudada 
em sua matéria e em sua problemática, se tornasse explicativa […] 
(CARDOSO, 1992, p. 29).
É no século XIX, entretanto, que a História, como constituição de um campo 
de conhecimento com um estatuto que lhe seja próprio, consolida-se, a partir do 
surgimento das grandes correntes históricas, na Europa, sobre as quais convido 
você para conversar sobre. 
2.2 HISTORIOGRAFIA DA 
ABORDAGEM TRADICIONAL ÀS 
PERPECTIVAS PÓS-MODERNAS
Para iniciar essa discussão, é preciso ter em mente que toda história é escrita 
por alguém e para alguém. Isso signifi ca que a historiografi a, ou seja, o conjunto de 
concepções, ideias e produções, que dão forma ao discurso histórico, materializa-se 
a partir da "ação" e da "interpretação" do historiador sobre os vestígios do passado.
15
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
A historiografi a é um campo de estudo ao qual nenhum 
historiador pode se furtar. E a refl exão sobre a produção e a escrita da 
História. Para Guy Bourde e Herve Martin, é o exame dos discursos 
de diferentes historiadores, também de como estes pensam o método 
histórico. Segundo esses autores, a perspectiva historiográfi ca e 
uma ferramenta para o ofício do historiador, ao descrever “escolas” 
históricas, e como produziram conhecimento ao longo do tempo. 
Uma “escola” histórica, por sua vez, é uma corrente historiográfi ca 
que agrega diversos historiadores com perspectivas em comum. Por 
outro lado, a historiografi a também nos permite, por meio do estudo 
daqueles que escreveram a História antes de nós e do processo de 
como escreveram essas histórias, entender os elementos comuns 
aos intelectuais de um mesmo período (SILVA; SILVA, 2010 p. 189).
Conforme comentado anteriormente, toda história é escrita/dita “por alguém” 
e no conjunto daqueles que disseram/escreveram a história, foi na modernidade, 
mais especifi camente no século XIX, que se estabeleceram o que chamamos de 
“alicerces” da história como um saber científi co. Em consonância com as ideias que 
circulavam na época, a História buscava se fi rmar como um campo de conhecimentos 
cientifi camente válidos. Afi nal, numa época em que a razão e a lógica se fortaleciam 
como paradigmas, “[…] assumir o selo de ciência era algo essencial para garantir a 
credibilidade social e acadêmica […]” (MARCZAL, 2016, p. 33).
Destaca-se que, enquanto paradigma, “o cientifi cismo é uma doutrina 
fi losófi ca e política, nascida com a modernidade, que parte da premissa de que o 
mundo é inteiramente passível de conhecimento […]” (TODOROW, 2008, p. 88). 
Nesse contexto, no qual ocorre a gênese da História como ciência, podemos citar 
o historicismo alemão como expoente. E esse processo, do historicismo alemão, 
teve expressão com os trabalhos desenvolvidos por Humboldt, Niebuhr, Droysen, 
Gervinus, Ranke… Entre esses, há destaque para Leopold von Ranke que, em 
meio aos seus pares, foi aquele que se dedicou às questões mais analíticas, 
refl etindo sobre o método histórico e sobre o uso de documentos como fonte para 
a pesquisa. Aliás, você já havia ouvido falar sobre Ranke? Sabe quais foram as 
suas contribuições no sentido de tornar científi ca a História? Vamos conversar um 
pouco sobre ele?
Leopold von Ranke (1795-1886) nasceu em Weihe, na Turíngia e, tendo 
vivido mais de 90 anos, teve a oportunidade de testemunhar as transformações 
ocorridas ao longo do século XIX na Europa e, em particular, na Prússia. Como 
16
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
dizem Martins e Caldas (2013, p. 15), Ranke “[…] testemunhou as mudanças 
trazidas pelo ciclone napoleônico, viveu a ordem do Congresso de Viena e viu 
instalar-se o Império Alemão”.
 Com relação a sua vida pessoal, Ranke associava-se à tradição religiosa 
do protestantismo luterano e sua posição na sociedade pode ser classifi cada, 
segundo Marczal (2016), como burguesia intelectual. Destaca-se que nessa 
época, embora a burguesia intelectual pudesse ser compreendida também como 
“classe média,” no século XVIII, essa posiçãoainda não estava relacionada 
com a herança ou espólios de família. Nessa época, pertencer à ‘burguesia’ 
estava relacionado com posição alcançada pela educação e pelo trabalho. 
Profi ssionalmente Ranke atuou como professor, tendo iniciado a docência em um 
ginásio em Frankfurt. Ranke se destacou como pesquisador e historiador, fato que 
lhe rendeu a nomeação para professor na Universidade de Berlim, onde trabalhou 
entre os anos de 1825 e 1871.
A atuação de Ranke foi decisiva não apenas na conformação 
do modelo historiográfi co da investigação metódica da História, 
nos termos praticados contemporaneamente, mas igualmente 
na institucionalização da História como uma especialidade 
universitária (é o criador do modelo do Seminário de História 
como utilizado até os dias de hoje nas universidades alemãs, 
e não só) e como a uma tarefa do Estado (com a criação da 
Comissão Histórica, em 1858, na Real Academia das Ciências 
da Baviera, em Munique) (MARTINS; CALDAS, 2013, p. 16). 
No que diz respeito aos trabalhos relacionados com a historiografi a, um dos 
pontos do trabalho que merece destaque é o rigor metodológico no tratamento das 
fontes. Esse rigor seria, na concepção de Ranke, essencial no sentido de garantir 
a qualidade das informações que pudessem ser extraídas dessas fontes. Assim, 
Ranke pretendeu desenvolver um método a partir do qual seria possível escrever 
a história como ela “realmente ocorreu,” numa reprodução fi el e imparcial dos 
acontecimentos. Outra ideia central, e indispensável nas proposições de Ranke, é 
a objetividade – no sentido de recusar qualquer pensamento dualista – e, por fi m 
e não menos importante, o terceiro parâmetro está na regularidade, ou no sentido 
de amplitude, articulação e complementaridade.
[...] Além da análise integrada das diversas instâncias do 
documento – entre as quais a autenticidade, a veracidade, 
os modos de análise da própria informação que iriam ser 
sofi sticados gradualmente – a própria coleta de documentação 
e constituição de novos tipos de fontes (na época de Ranque, 
essencialmente arquivísticas e ligadas à política, à diplomacia 
e às instâncias institucionais) foi um elemento que trouxe 
efetivamente um novo tônus àquela historiografi a que agora se 
postulava como científi ca (BARROS, 2014, p. 71).
17
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
Muito embora esses três parâmetros do historicismo alemão (leia-se, 
para o historicismo rankeano) se assemelham às perspectivas do Positivismo, 
ambas compreendem de modo distinto o ‘saber histórico’ e o papel do historiador. 
Segundo Marczal (2016), a historiografi a tinha como premissa a valorização da 
capacidade hermenêutica do historiador no trabalho com as fontes. Isso signifi ca 
que, além do método utilizado para interpretar as fontes, o historiador deveria ter 
também habilidade argumentativa bem como capacidade para elaborar textos 
escritos. Apesar de valorizar a capacidade hermenêutica, é muito importante 
destacar que para Ranke a impessoalidade e neutralidade do historiador são 
essenciais. E mesmo já tendo mencionado anteriormente, reforçamos aqui a ideia 
da fórmula rankeana: o historiador deve apenas descrever as coisas "tais como 
aconteceram”, de modo estritamente imparcial. 
Sobre a perspectiva de compreensão da história e da ação do historiador, 
Bloch (2001) nos convida a refl etir sobre duas questões: a da imparcialidade e a 
da reprodução do fato. Sobre a imparcialidade, vejamos um pequeno trecho de 
Apologia de História ou o ofício do historiador, a seguir.
Existem duas maneiras de ser imparcial: a do cientista e a do 
juiz. Elas têm uma raiz comum, que é a honesta submissão à verdade. 
O cientista registra, ou melhor, provoca o experimento que, talvez, 
inverterá suas mais caras teorias. Qualquer que seja o voto secreto 
de seu coração, o bom juiz interroga as testemunhas sem outra 
preocupação senão conhecer os fatos, tais como se deram. Trata-se, 
dos dois lados, de uma obrigação de consciência que não se discute.
Chega um momento, porém, em que os caminhos se separam. 
Quando o cientista observou e explicou, sua tarefa está terminada. Ao 
juiz resta ainda declarar sua sentença. Calando qualquer inclinação 
pessoal, pronúncia essa sentença segundo a lei? Ele se achará 
imparcial. Sê-lo-á, com efeito, no sentido dos juízes. Não no sentido 
dos cientistas. Pois não se poderia condenar ou absolver sem tomar 
partido por uma tábua de valores, que não depende de nenhuma 
ciência positiva. Que um homem tenha matado um outro é um fato 
eminentemente suscetível de prova. Mas castigar o assassino supõe 
que se considere o assassino culpado: o que, feitas as contas, é 
apenas uma opinião sobre a qual todas as civilizações não entraram 
num acordo (BLOCH, 2001, p. 125-126).
18
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
Então, a partir de tais prerrogativas, seria de fato possível ao historiador ser 
tal qual "juiz" da História? Seria de fato possível narrar os fatos a partir de uma 
perspectiva de imparcialidade/neutralidade? Independente de nossa resposta a 
tais questões, era proposição de Ranke que os fatos históricos fossem tratados 
a partir de uma perspectiva de "verdade,” ou seja, de que a escrita da história 
fosse uma "descrição" dos fatos de modo a retratar a verdade dos acontecimentos 
e não suposições sobre eles. Essa não deixa de ser uma das características do 
positivismo que se aproxima do historicismo alemão. Outra característica que 
aproxima as duas perspectivas é a crença na natureza científi ca e objetiva da 
História, conforme menciona Cardoso (2000). 
Cabe destacar ainda que não se pode confundir a premissa de neutralidade 
rankeana com "ingenuidade". Tal interpretação seria, de acordo com Frizzo 
(2019), uma forma de vulgarizar o seu pensamento. Tal confusão pode ocorrer por 
consequência da tradução das proposições de Ranke, que originalmente seria “wie 
es eigentlichgewesen”, que pode ser relacionado ao conceito de “essência,” que 
melhor explicaria o que se pretendia dizer. “Logo, a proposta de Ranke era buscar 
o conhecimento do passado conforme sua essência – o que encaixa no debate 
fi losófi co alemão da dualidade essência-aparência” (FRIZZO, 2019, p. 135).
No entanto, se na Alemanha era o historicismo rankeano que se fi rmava, nos 
Estados Unidos a perspectiva da história cientifi cista também tomava forma e força. 
Aliás, tal perspectiva é infl uenciada, nos Estados Unidos, tanto pelo historicismo 
alemão quanto pelo positivismo de Augusto Comte (França). Na perspectiva 
historiográfi ca norte-americana, cabia ao historiador, conforme destaca Marczal 
(2016) buscar evidências dos fatos, agrupando-os de modo que pudessem ser 
encontradas as generalizações capazes de revelar as "leis universais" da história. 
Não caberia, portanto, ao historiador, buscar suposições ou testar hipóteses, 
apenas encontrar os dados que revelassem as informações necessárias. 
Gooch (1913) diz que a historiografi a americana provavelmente surgiu com 
Jared Sparks (1789-1866) que desenvolveu sérios estudos sobre os escritos 
de Washington. Tais estudos resultaram a escrita de uma coletânea de doze 
volumes, publicados entre os anos de 1834 e 1838. Entretanto, pode-se arriscar 
dizer que antes da criação da American HistoricalAssociation (AHA), no ano de 
1884, muito pouco era realizado nos Estados Unidos em relação à historiografi a. 
Entre as pessoas envolvidas na criação da AHA podemos mencionar John Eaton 
e Frank B. Sanborn que eram, respectivamente, o presidente e o secretário da 
Associação. Além disso, estiveram envolvidos historiadores importantes da época, 
tais como Charles Kendall Adams, Herbert Baxter Adams e Moses Coit Tyler. 
O principal objetivo da American HistoricalAssociation (AHA) era o incentivo 
ao trabalho dos historiadores e, como fato memorável, pode-se destacar a eleição 
19
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTESCapítulo 1 
de "membros honorários." Sobre esses membros honorários, você tem ideia de 
quem seria, na história AHA, o primeiro deles? Não sei se você chegou a cogitar 
tal hipóteses, mas, sim, o primeiro deles foi Leopold Von Ranke! E tal feito não foi 
nenhuma grande novidade entre os associados, visto que os primeiros “líderes” da 
historiografi a americana foram bastante infl uenciados por historiadores alemães, 
sendo que boa parte deles, inclusive havia estudado na Alemanha e, por isso, já 
havia tido, de certo modo, contato com Ranke. 
Sobre a AHA considera-se ainda interessante destacar que além de incentivar 
o trabalho dos historiadores, a associação buscava também a aproximação 
com o Governo americano, mais precisamente, uma possível incorporação ao 
Congresso, com a intenção de angariar mais recursos fi nanceiros, por intermédio 
de tal aproximação com os governantes. Esses recursos permitiram, por um lado, 
expandir o seu campo de atuação, sendo que passaram a investir em publicações, 
em eventos, comitês para buscar documentos que antes eram inacessíveis. Em 
contrapartida, o trabalho dos historiadores e, principalmente as publicações, 
passaram a sofrer interferência por parte dos membros do governo. Em vários 
momentos, inclusive, sobre a atuação da AHA, houve censura e direcionamento 
dos temas investigados e textos publicados, de modo que tal trabalho atendesse 
aos interesses de quem o estava fi nanciando. 
Pela proximidade com os historiadores alemães que defendiam a ideia 
de uma História Universal, bem como pelos interesses de governo, a tradição 
historiográfi ca americana esteve pautada também no cientifi cismo e na ideia de 
“universalidade da história”. É importante ainda lembrar que essa perspectiva 
fi cou conhecida como Historiografi a Moderna e, dentro dela, é como “História 
Tradicional,” na qual o viés político é tido como o fi o condutor da história. Assim, 
fi rmou-se a escrita da história das civilizações e da história mundial, que tinham 
como marcos as grandes rupturas e acontecimentos políticos, embasados em 
longas durações temporais. 
O Historicismo (alemão, bem como os seus desdobramentos) deve ser 
compreendido na sua relação com o contexto da época, século XIX, portanto. 
Essa corrente historiográfi ca toma forma no contexto da formação dos Estados 
Nacionais, a partir de perspectivas conservadoras, representado, portanto, os 
interesses dos estados e das burocracias estatais. O Historicismo é, conforme 
destaca Barros (2011, p. 109), fruto das necessidades de sua época, representadas 
“[…] pelo paradoxo de encaminhar uma modernização política que viabilizasse 
aquele desenvolvimento industrial que atenderia às exigências da burguesia […] 
e, ao mesmo tempo, conservar alguns privilégios sociais da nobreza.”
O historicismo alemão deveria ser compreendido também pela positividade 
no sentido de ser aquela que, enquanto disciplina, ao longo de todo o século 
20
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
XIX contou com o trabalho de historiadores que sistematizaram e organizaram a 
História como um campo de estudos, que até então se encontrava disforme.
Outro grande "paradigma," surgido ainda no século XIX, é o Materialismo 
Histórico, que não poderíamos deixar de abordar aqui, uma vez que seus 
conceitos fazem parte do repertório utilizado por muitos historiadores, até os dias 
atuais. Destacamos, entretanto, que a primeira refl exão a ser feita é a distinção 
entre Materialismo Histórico e Marxismo, expressões que facilmente são aceitas 
como sinônimos, embora sejam distintas. Conforme destaca Barros (2013a, p. 16)
O “marxismo-leninismo” é um programa de ação política 
que visa estabelecer uma sociedade comunista a partir de 
certas ações, que também são muito discutidas em termos 
de quais seriam as mais adequadas (luta armada, ditadura 
do proletariado, mobilização de operários ou de camponeses, 
aliança com a burguesia, participação na política tradicional).
Em contrapartida, o Materialismo Histórico, apesar de também encontrar 
suas bases no trabalho desenvolvido por Marx e Engels, pode ser compreendido 
como uma forma de analisar e de escrever a história, sem que necessariamente 
tenha o socialismo/comunismo como modelo de sociedade ideal. Nesse sentido, 
considera-se que a História, enquanto campo de produção de conhecimento tem 
diversas ramifi cações e entroncamentos e a perspectiva do Materialismo Histórico 
é apenas um, entre os vários caminhos de investigação histórica possível. 
Nessa perspectiva historiográfi ca (Materialismo Histórico), os elementos 
estruturais, ou seja, aqueles que direcionam a investigação, são os de ordem 
econômica e social, se afastando, portanto, da investigação política factual e 
linear, proposta pela perspectiva Tradicional. E, por conta do viés econômico 
e social da sua abordagem investigativa, conceitos como classe, luta de 
classes, modos de produção, mais-valia, práxis, entre outros, acabam por se 
tornar categorias analíticas, e sendo incorporadas ao vocabulário de diversos 
historiadores. Conforme destaca Barros (2014, p. 303) “uma vez que, para o 
Materialismo Histórico, a história é examinada como história das litas de classe e, 
antes disso, como história dos modos de produção sobre os quais se desenvolve 
essa luta, aqui não existe propriamente uma ‘Verdade Universal’ a ser encontrada 
pela historiador [...]”. 
Cardoso (2000) destaca que os pontos de partida de Marx, no sentido de 
pensar a história, são dois: o primeiro deles diz respeito à dialética, que existe 
fora do pensamento e independente dele, como leis universais que refl etem na 
consciência coletiva dos seres humanos. E o segundo ponto é o fato de que os 
homens são seres pensantes, porém, não apenas por refl exo ou instinto, mas 
em conformidade com a sociedade, que é historicamente produzida; ou seja, os 
21
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
homens produzem a sua própria vida material e espiritual e o fazem em contato 
com a natureza, transformando-a. 
O trabalho é, para Marx, a ação humana sobre a natureza, portanto, é uma 
característica essencialmente humana, logo é condição essencial para a história. 
Assim, no cerne do Materialismo Histórico há, pelo menos três bases: dialética, 
materialismo e história, conceitos esses que não são exclusivos ao pensamento 
de Marx. Como desdobramento da vertente marxista (Materialismo Histórico), 
temos o trabalho de diversos historiadores que dialogaram com essa teoria. 
Como um dos exemplos do diálogo dos diversos historiadores com o Materialismo 
Histórico podemos citar os aglutinados em torno da chamada Escola de Frankfurt. 
O movimento conhecido como Escola de Frankfurt não se caracteriza 
exatamente como uma corrente historiográfi ca, mas sim, na perspectiva das 
Ciências Sociais e da Filosofi a. Entretanto, no diálogo com as diferentes áreas 
de conhecimento, há contributos desses pensadores/pesquisadores para a 
compreensão e para a escrita da História. Entre as principais personalidades 
da primeira geração podemos citar: Friedrich Pollok, Herbert Marcuse, Max 
Horkheimer e Theodor Adorno. Entre os expoentes da segunda geração está 
Jürgen Habermas. E, da terceira geração da Escola de Frankfurt está Walter 
Benjamin. Embora o movimento da Escola de Frankfurt tenha sido gestado entre 
as décadas de 1920 e 1930, foi somente após a década de 1950 que esses 
trabalhos tornaram mais conhecidos. 
As ideias apresentadas pelos pesquisadores da Escola de Frankfurt fi caram 
conhecidas como “Teoria Crítica”. São três os eixos de produção acadêmica que 
aglutinam os seus pesquisadores: a dialética da razão iluminista e a crítica da 
ciência, a cultura e a indústria cultural e, por fi m, o Estado e as suas formas de 
legitimação – discussão essa que tem as suas bases em Marx e que é renovada 
pelos pesquisadores da Teoria Crítica. 
A título de curiosidade, você sabe a origem nome “Escola de 
Frankfurt”,que está relacionado aos pesquisadores da Teoria 
Crítica? Essa ideia, a da formação da “Escola de Frankfurt” tem sua 
ancoragem na semana dos estudos marxistas, que ocorreu em 1922, 
em Thüringen, na Alemanha. Os membros desse grupo estavam 
todos vinculados ao Instituto de Pesquisa Social da Universidade de 
Frankfurt, também na Alemanha.
22
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
Os historiadores ligados ao Materialismo Histórico começaram a surgir em 
maior quantidade no século XX. Nesse contexto, a Escola Marxista Inglesa “[...] 
apresenta uma abordagem na qual a dimensão empírica adquire uma estatura 
particularmente importante, o que se refl ete de modelo particular na metodologia, 
mas também na renovação de aspectos teóricos e do vocabulário historiográfi co”, 
conforme afi rma Barros (2013a, p. 150). Entre os materialistas históricos ingleses 
de destaque podemos citar Edward P. Thompson, Raymond Williams, Stuart Hall, 
entre outros. Os autores comprometidos com a renovação da abordagem marxista 
fi caram conhecidos como ‘nova esquerda’. 
Marczal (2016) afi rma que o viés historiográfi co apresentado Edward P. 
Thompson apresentou novos horizontes às investigações de cunho marxista, 
porém, mais do que isso, Thompson inaugurou o que chamamos de ‘história vista 
de baixo’, ou seja, o historiador foi um dos responsáveis por elaborar uma história 
focada nas pessoas comuns e não apenas nos fatos desencadeados por uma 
elite. 
Considerando que os historiadores são ‘homens do seu tempo’, os 
historiadores do século XX, corroborando com as ideias e transformações da 
sociedade, acabaram por se tornar um grupo de "reação" aos limites impostos 
pela perspectiva tradicional. Para além do Materialismo Histórico, outra corrente 
historiográfi ca que fi cou bastante conhecida foi a Escola de Annales, sobre o qual 
passamos a conversar a partir de agora. 
Sobre a Escola de Annales, embora ela seja nomeada como "escola," 
devemos considerar que é, na verdade um conjunto ou sistematização de uma 
proposta de fazer/escrever/produzir a História, que tem ancoragem na academia 
francesa. E, conforme destaca Marczal (2016), a Escola de Annales apresentou 
diferentes confi gurações, rupturas e reorganizações, porém, manteve-se fi rme em 
sua principal característica: a negação da história positivista. 
Temos, com os Annales, uma espécie de "abertura" na concepção de 
História, principalmente no que diz respeito à atuação do historiador, ou seja, 
daquilo que pode ser objeto e atenção do pesquisador, bem como a possibilidade 
de intercâmbio com outras áreas da produção do conhecimento, como as Ciências 
Sociais (Sociologia, Antropologia, etc,), por exemplo. Entre os protagonistas dos 
Annales podemos citar Marc Bloch e Lucien Febvre, seus fundadores. No entanto, 
não podemos nos esquecer outros representantes, afi liados à perspectiva dos 
Annales: Fernand Braudel, Peter Burke, Georges Duby, Jacques Le Goff, Pierre 
Nora, Marc Ferro, Jacques Revel, entre outros. 
23
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
Sugerimos a leitura das seguintes obras, que dizem respeito 
especifi camente à produção do conhecimento por alguns, entre 
outros, historiadores que foram a pouco mencionados: “A constituição 
da História como ciência: de Ranke à Braudel” (por Julio Bentivoglio 
e Marcos Antonio Lopes – organizadores, publicado pela editora 
Vozes) e “Afi rmação da História como ciência no século XX: de 
ArletteFarge à Robert Mandrou” (por Julio Bentivoglio e Alexandre de 
Sá Avelar – organizadores, publicado pela editora Vozes).
Voltando a falar do “conjunto da obra”, os Annales foram, além de um 
movimento de crítica à história tradicional, foi também uma possibilidade de 
abertura, como mencionado anteriormente, considerando principalmente os 
âmbitos da história econômica e social. Conforme diz Cardoso (1992), durante 
cerca de quatro décadas, esse grupo, mesmo que composto por pessoas 
bastante heterogêneas, havia diversas concepções em comum, concepções estas 
que permitiram a elaboração de uma nova concepção de História, em torno de 
algumas características essenciais, e que impactarão nas concepções de tempo, 
memória, narrativa, objeto e fontes, conceitos dos quais trataremos nas seções a 
seguir.
Assim, entre as características comuns à Escola de Annales, podemos 
mencionar a passagem de História-narração para a constituição de uma História-
problema, o estabelecimento do diálogo com outras ciências, inclusive no que diz 
respeito à utilização de métodos e técnicas para o desenvolvimento do trabalho 
do historiador, a insistência nos aspectos sociais (em detrimento aos aspectos 
políticos), a ampliação do conceito de fonte histórica (para além do uso de fontes 
escritas apenas), bem como o reconhecimento da estreita ligação entre passado 
e presente. 
A “história-problema” veio se opor ao caráter narrativo da 
história tradicional. A estrutura narrativa da história tradicional 
signifi cava isto: narrar os eventos políticos, recolhidos nos 
próprios documentos, em sua ordem cronológica, em sua 
evolução linear e irreversível, “tal como se passaram”. A 
história-problema veio reconhecer a impossibilidade de narrar 
os fatos históricos “tal como se passaram”. Por ela, o historiador 
sabe que escolhe seus objetos no passado e que os interroga 
a partir do presente (REIS, 2014, p. 21).
24
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
Assim, desde o lançamento da Annales, revista francesa que teve o seu 
primeiro exemplar publicado no ano de 1929, os historiadores/pesquisadores 
associados a ela se tornaram referência na historiografi a, dando base, ao longo 
do seu trabalho à formação do que chamamos das diferentes ‘gerações’ da 
Escola de Annales. March Bloch e Lucien Febvre foram aqueles que estivem a 
frente da fundação dessa ‘revolução’ na historiografi a, dando origem à primeira 
geração dos Annales, que, ao praticar o que foi chamado de ‘história-problema’, 
se opuseram à historiografi a tradicional. Bentivoglio e Lopes (2013), entre outros 
autores, atribuem à Bloch a responsabilidade sobre importantes refl exões sobre o 
método de fazer e ensinar história. 
O primeiro volume da revista, intitulada em 1929 como “Annales 
d'histoireéconomique et sociale” está disponível na internet e pode 
ser acessada por intermédio do seguinte link: <https://www.persee.
fr/issue/ahess_0003-441x_1929_num_1_1>. Destaca-se que o texto 
se encontra no original, em francês.
Bloch e Febvre acabaram por introduzir novas compreensões sobre o 
tempo e a temporalidade, consolidaram novos objetos, aperfeiçoaram métodos e 
abordagens, abrindo caminho para uma história mais social. Tem-se, assim, uma 
nova perspectiva historiográfi ca, que caminha ao lado do marxismo (Alemanha). 
Nesse contexto, ainda de acordo com Bentivoglio e Lopes (2013), foi Febvre quem 
empreendeu a chamada História das mentalidades, destacando que o campo de 
estudo das mentalidades, até o século XX, estava restrito aos campos de estudos 
a Etnologia e Psicologia. 
A história dos Annales era uma “nova história” porque era 
conduzida por construções teóricas elaboradas e explícitas. 
Foi por se tornar uma “empresa teórica” que ela se opôs à 
velha história dita positivista. O historiador mudou de posição e 
de disposição: se antes era proibido, em tese, de aparecer na 
pesquisa, o que é uma interdição impossível de ser cumprida, 
agora, ele é obrigado a aparecer e a explicitar a sua estrutura 
teórica, documental e técnica e o seu lugar social e institucional 
(REIS, 2014, 22-23).
O contexto pós Segunda Guerra Mundial passou a representar aos 
historiadores um novo desafi o, conjuntura esta que permitiu a ampliação da 
historiografi a francesa, dando os contornos da segunda geração dos Annales. 
25
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
Entre estes, o mais expressivo representante é Ferdinand Braudel,que foi 
“[…] um estudioso da formação dos espaços sociais, das relações entre os 
homens e a natureza, posto que sua visão da história ‘exige o estudo de uma 
série de imensa de evidências históricas no decurso’ da longa duração, onde 
as estruturas são formadas, mantidas, ou até refeitas […]” (BENTIVOGLIO; 
LOPES, 2013, p. 287). Além de Braudel, Ernest Labrousse e outros autores 
colaboraram com essa perspectiva de uma história que não perderia de vista os 
aspectos políticos, as abordagens econômicas e consideravam os antagonismos 
de classe, fundamentada no binômio "estrutura e conjuntura" e que acabou 
sendo caracterizada como "história serial." Sobre a História Serial, gostaria 
de compartilhar com você um pequeno trecho, de um artigo escrito por José 
D’Assunção de Barros:
[...] A chamada História Serial introduzia na primeira metade 
do século XX uma perspectiva inteiramente nova: tratava-se de 
constituir “séries” de fontes e de abordá-las de acordo com técnicas 
igualmente inéditas. Temos aqui um novo campo histórico que é 
defi nido em relação à abordagem ou ao modo de fazer a História 
que a perpassa, uma vez que a História Serial se refere a um tipo 
de fontes e a um modo específi co de tratamento destas mesmas 
fontes. Trata-se, neste caso, de abordar fontes com algum nível de 
homogeneidade, e que se abram para a possibilidade de quantifi car 
ou de serializar as informações ali perceptíveis no intuito de identifi car 
regularidades, variações, mudanças tendenciais e discrepâncias 
reveladoras. Em outro sentido, a História Serial também lida com a 
serialização de eventos ou dados, e não só com a serialização de 
fontes, propondo-se, neste caso, a avaliar eventos históricos de certo 
tipo em séries ou unidades repetitivas por determinados períodos de 
tempo. Para já evocar a interconexão entre História Serial e História 
Econômica – que foi a combinação que alçou Ernst Labrousse a 
uma posição de destaque no movimento dos Annales – podemos 
lembrar que se enquadram neste último caso os estudos dos ciclos 
econômicos, a partir, por exemplo, da análise das curvas de preços, 
tais como as empreendidas por Ernst Labrousse nos anos 1930 e 
1940. A História Serial foi de fato um campo que se abriu como nova 
‘oportunidade de saber’ a partir de uma estreita parceria com a 
História Econômica, e que daí se estendeu à História Demográfi ca 
e à História Social no sentido restrito, expandindo-se depois (nos 
terceiros Annales) para os estudos relacionados à História das 
Mentalidades (BARROS, 2012, p. 206).
26
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
A terceira geração dos Annales tem o ano de 1968 como marco, quando as 
produções historiográfi cas da revista dos Annales concatenavam uma série de 
artigos, organizados em torno dos seguintes eixos temáticos: novos problemas, 
novas abordagens e novas temáticas. Entre os historiadores, autores desses 
artigos, estão os bastante conhecidos Jaques Revel, Roger Chartier, Paul Veyne, 
Michel de Certeau, Marc Ferro, bem como Jacques Le Goff e Pierre Nora. 
A respeito da terceira geração dos Annales, consideramos 
relevante destacar que há, no Brasil, a publicação de três volumes, 
pela Editora Vozes, a coleção intitulada “História”, organizada por 
Jacques Le Goff e Pierre Nora. Os livros trazem a mesma temática e 
artigos reunidos na revista, sendo que os três volumes são destinados 
às “Novas Abordagens”, “Novos Problemas” e “Novos Objetos”.
Segundo Barros (2012), muitas pessoas veem no ano de 1968 o fi m 
do movimento dos Annales, visto que o que o se seguiu foi ‘um outro tipo de 
historiografi a’. No entanto, preferimos, assim como vários historiadores, crer que 
essa é apenas uma nova fase, a terceira geração do movimento dos Annales. 
Aliás, ainda conforme o autor, o ano de 1968 não marca apenas a transição da 
segunda para a terceira geração dos Annales, pois há um contexto mais amplo, 
que faz do período que se segue a esta data uma nova era. 
Havia vários acontecimentos impactantes ocorrendo nesse mesmo período, 
como o assassinato de Martin Luther King nos Estados Unidos e o movimento 
de Maio de 1968 em Paris, ondas de protestos pelos Estados Unidos, Europa 
e América Latina contra as políticas neoliberalistas, entre vários outros 
acontecimentos. Outro aspecto relevante a respeito da terceira geração, conforme 
menciona Burke (1991, p. 80-81) é que está é
[...] a primeira a incluir mulheres, especialmente Christiane 
Klapisch, que trabalhou sobre a história da família na Toscana 
durante a Idade Média e o Renascimento; Arlette Farge, que 
estudou o mundo social das ruas de Paris no século XVIII; 
Mona Ozouf, autora de um estudo muito conhecido sobre os 
festivais durante a Revolução Francesa; e Michele Perrot, que 
escreveu sobre a história do trabalho e a história da mulher [...]
Novas abordagens foram e continuam sendo exploradas por historiadores 
identifi cados com o movimento dos Annales, como a inserção de temas como 
mulheres, sexualidade, religiosidade, famílias, infância, entre outros, ou seja, 
27
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
aquilo que foi chamado de ‘história das mentalidades’, numa inegável a ampliação 
dos temas e objetos passíveis de análise por parte do historiador. 
A noção de “mentalidades” [...] já havia sido enunciada por Lucien Febvre 
e Marc Bloch em algumas oportunidades, mas foi somente com alguns dos 
historiadoresda terceira geração dos Annales, – como Robert Mandrou, 
Philippe Ariès, Michel Vovelle e Georges Duby – que a expressão adquiriu 
uma centralidade, capaz de confi gurar um novo campo de estudos no espaço 
interdisciplinar da História (BARROS, 2012, p. 331). 
A terceira geração dos Annales acabou por infl uenciar a historiografi a 
brasileira, a exemplo de publicações como ‘História das mulheres no Brasil’, 
‘História da vida privada no Brasil’, ‘História social da infância no Brasil’, ou seja, 
a terceira gerçação dos annalistas deu impulso a uma grande ampliação temática 
na historiografi a brasileira.
3 TEMPO, MEMÓRIA, NARRATIVAS
Conforme já vínhamos conversando, a história tem uma continuidade, segue 
sempre um fl uxo, o qual é intitulado como “processo histórico”. As formas de 
abordagem desse processo, entretanto, dependem da metodologia do historiador, 
da vertente historiográfi ca adotada e do ângulo pelo qual se observam os fatos. 
Assim, após estudarmos sobre as correntes historiográfi cas, passaremos a 
discutir três conceitos que perpassam a historiografi a, mas que por vezes tem 
diferentes interpretações e compreensões: tempo, memória e narrativa. 
Desse modo, será necessário, em alguns momentos, resgatar noções 
estudadas e apresentadas anteriormente. Ressaltamos que essa discussão será 
breve e que os conceitos de tempo, memória e narrativa não serão abordados em 
separado, sendo que a centralidade do diálogo estará no conceito de tempo, uma 
vez que o tempo faz parte do nosso cotidiano, sendo essencial para todos nós e 
não apenas para a História, para o historiador ou professor de História.
Somos, enquanto sociedade humana, regidos pelo tempo. Estamos 
condicionados pelos calendários, relógios, prazos e pelos conceitos de passado, 
presente e futuro. Datas de aniversário, compromissos, lembranças, feriados, 
entre outros; os horários de dormir, das refeições, de lazer, de estudar, são todos 
regidos pelo "tempo". Seja pelo relógio de sol, pela ampulheta, pelos ponteiros 
do relógio analógico ou pelo visor do celular ou do tablet… O modo como 
compreendemos o tempo e lidamos com ele é, entretanto, diferente nos diferentes 
períodos da história, assim como o é para as diferentes culturas, mas e hoje, de e 
sobre qual tempo vamos falar?
28
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
O tempo do qual falaremos é aquele com o qual trabalham os historiadores. 
E esse pode ser o tempo do passado, mas também pode ser o tempo presente, 
você sabia? Um dos materiais de análisecom o qual os historiadores atuam é o 
tempo; mais especifi camente os recortes temporais. É a partir desses recortes que 
são determinados os princípios e os términos, que são caracterizados os períodos 
e analisados os acontecimentos / fenômenos. E é pela perspectiva do tempo que 
determinamos as rupturas e as permanências. De acordo com Prost (2008, p. 
96), “A questão do historiador é formulada do presente em relação ao passado, 
incidindo sobre as origens, evolução e itinerários no tempo, identifi cados através 
de datas. A história faz-se a partir do tempo: um tempo com plexo, construído e 
multifacetado”.
Sobre isso, Hartog (2013, p. 7) afi rma o seguinte:
Ninguém duvida de que haja uma ordem do tempo, mais 
precisamente, ordens que variaram de acordo com os 
lugares e as épocas. […] Na palavra ordem, compreende-se 
imediatamente a sucessão e o comando: os tempos, no plural, 
querem ou não querem; eles se vingam também, restabelecem 
uma ordem que foi perturbada. Jazem às vezes de justiça. 
Ordem do tempo vem assim de imediato esclarecer uma 
expressão, talvez de início um tanto enigmática, regimes de 
historicidade.
Tem-se, portanto uma clara ligação entre tempo e história. O fato, entretanto, 
desses conceitos estarem relacionados, não signifi ca que não há, sobre eles, 
contradições ou polêmicas. 
Utilizamos atualmente, de modo quase que consensual, o modelo temporal 
infl uenciado pela concepção judaico-cristã, ou seja, um modelo no qual o tempo é 
organizado como uma linha reta, que segue do passado ao futuro. 
O tempo de nossa história está ordenado, ou seja, tem um a 
origem e um sentido. Neste aspecto, ele desempenha um a 
primeira função, essencial, de colocar em ordem, permitindo 
classifi car os fatos e os acontecimentos de maneira coerente 
e comum. Essa unifi cação fez-se com a chegada da era 
cristã, ou seja, nosso tempo está organizado a partir de um 
acontecimento fundador que o unifi ca: o nascimento do Cristo 
(PROST, 2008, p. 97)
Assim, nós temos desde a criação do mundo uma série de acontecimentos 
e consequências desses acontecimentos. Assim, a vida presente costuma ser 
compreendida como consequência das ações tomadas no passado. Essa é uma 
versão do tempo que tem servido tanto para a perspectiva religiosa quanto para 
29
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
a historiografi a. Mas nem sempre foi assim! Conforme destaca Prost (2008), 
foi necessário aguardar até o século XI para que a chamada “Era cristã”, ou 
seja, aquela datada a partir do nascimento de Cristo, se tornasse dominante e, 
posteriormente imposta à todos, tendo por referenciais a expansão dos impérios 
coloniais, tais como o espanhol, o britânico e o francês, entre outros. 
Ainda assim, embora tenhamos convenções que nos auxiliam nas 
defi nições temporais, as datações, bem como período de rupturas, eras ou 
períodos históricos não obedecem a critérios únicos, tampouco universais. Essas 
defi nições dependem também das vertentes historiográfi cas e posicionamentos 
epistemológicos assumidos pelo historiador, afi nal, como afi rma Fontoura (2016, 
p. 125), “Historiadores manejam o tempo de modo que seus objetos possam se 
tornar mais evidentes, seus temas se sobressaiam e suas explicações históricas 
tenham fundamento”.
De acordo com Hartog (2013), nessas tramas da sucessão dos tempos, por 
muito tempo, na história ocidental, os historiadores operaram com o humanismo, 
dividindo os tempos em Idade Antiga, Idade Média e Idade Moderna. Essa 
divisão se associa ao estudo das instâncias humanas, como menciona Barros 
(2013b). A História, portanto, é compreendida na perspectiva do tempo – passado, 
presente ou futuro – e pela narrativa, no sentido de designar/descrever/apresentar 
os eventos que constituem a trajetória percorrida, ao longo dos tempos, pela 
humanidade.
Entretanto, nem sempre a História foi compreendida a partir da perspectiva de 
Tempo. Koselleck (2006) nos auxilia a entender tal fato, afi rmando que a história 
já esteve ancorada no espaço da "experiência" e, portanto, não se tinha em mente 
os diferentes tempos. Assim, presente e passado eram unidos, circundados pelo 
mesmo horizonte em comum. Sobre os modos de contagem do tempo, Prost 
(2008, p. 97-98) assevera que:
A generalização da era cristã implicou o abandono de uma 
concepção circular do tempo que estava extremamente 
disseminada, inclusive, na China e no Japão, regiões em que 
a datação se fazia por anos do reinado do Imperador: a data 
origem é o início do reino. No entanto, os reinos se encadeavam 
em dinastias ou eras, cada um a das quais segue a mesma 
trajetória, desde a fundação por um soberano prestigioso até 
sua decadência e ruína. Cada dinastia correspondia a uma das 
cinco estações, uma virtude cardeal, uma cor emblemática, 
um dos cinco pontos cardeais; assim, o tempo fazia parte da 
própria ordem das coisas.
O tempo cíclico era também, por excelência, o do Império 
Bizantino. Com efeito, tendo retomado do Império Romano 
30
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
um ciclo fi scal de quinze anos, a indicação, os bizantinos 
estabeleceram a datação em referência a esse ciclo, a partir 
da conversão de Constantino (ano 312). As indicações se 
sucediam e se enumeravam de tal modo que uma data era 
o ano de determinado ciclo: por exemplo, o terceiro ano 
da 23a indicação. No entanto, apesar de saberem em que 
indicação se encontravam, os contemporâneos nem sempre 
se preocupavam, ao datarem um documento, em indicar seu 
número exato; aliás, a exemplo do que ocorre conosco que, 
ao datar nossas cartas, nem sempre mencionamos o ano. De 
algum modo, tratava-se de um a espécie de tempo circular.
Ainda segundo Kosellec (2006), até aproximadamente o ano de 1500, tinha-se 
uma concepção atemporal da história, a exemplo da representação realizada por 
Altdorfer, que numa linha estatística buscava registrar a participação dos homens 
na Batalha de Alexandre. Altdorfer o fez em colunas, mais especifi camente em 
dez colunas de algarismos, sem registrar o tempo, ou seja, na elaboração de suas 
colunas ele renunciou à indicação do ano. Em 1500, temos, portanto o “limiar de 
uma época, que conferiu ao "novo tempo" subsequente a sua unidade relativa” 
(KOSELLECK, 2006, p. 280). 
Temos, assim, até o século XVI, a história ancorada nas experiências vividas, 
mas que também repousava na contínua expectativa "do fi m dos tempos." Pelo 
próprio contexto, a história ocidental e o seu registro são também uma histórica 
judaico-cristã. Assim, a periodização do tempo histórico encontra na Bíblia o seu 
fundamento. Deste modo, o tempo era compreendido como linear, ou seja, no 
entendimento da sequência de acontecimentos que inevitavelmente levaria ao 
"fi m dos tempos." Como afi rma Koselleck (2000, p. 24), nesse contexto, a História 
é também, “a história dos repetidos adiamentos desse […] fi m do mundo.” 
É no século XVII, no rol de transformações econômicas, culturais e 
sociais que há um deslocamento nessa concepção de história atemporal, para 
a possibilidade de um tempo histórico sem limites, ou seja, sem as amarras 
do "fi m." O desenvolvimento científi co, a ideia de "progresso" e a exploração 
do Novo Mundo, entre outros aspectos, foram fatores que contribuíram para o 
desenvolvimento de outra concepção de historicidade. Essa, entretanto, se efetiva 
no século XVIII, com o advento da chamada história natural (em detrimento da 
história cristã/escatológica). Assim sendo, essa mudança na concepção do tempo 
histórico mudou também os próprios modos de se conceber a História. 
Nessa conjuntura, convém sublinhar, a história desempenhou 
um papel decisivo: havia necessidade de historiadores ou, 
no mínimo, de cronistas, para fazer emergir essa ideia de 
uma comunidade formada pela humanidade inteira. Em vez 
de ser dada na consciência imediata, ela é a obra de uma 
31
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTESCapítulo 1 
vontade recapitulativa, cuja primeira forma será o quadro de 
concordâncias.
A aparição da era cristã respondeu a um segundo motivo: a 
necessidade de fazer coincidir o calendário solar, herdado dos 
romanos, com o calendário lunar, oriundo do judaísmo, e que 
organizava a vida litúrgica [...] (PROST, 2008, p. 99).
A partir do momento em que temos, portanto, estabelecida a noção de 
progressão temporal, o passado tornou-se objeto de estudo, para ser reconstruído 
pela narrativa do historiador. Nesse contexto, cabia ao historiador, conforme 
destacam Cadiou et al. (2007, p. 160), “[…] avaliar as causas dos acontecimentos, 
reconstruir os elos de causalidade de um longo período, dispor do início e o fi m de 
uma história, adotando, fi nalmente, um ponto de vista que respeitasse as fontes”. 
Assim, compreende-se que a historiografi a somente poderia ser possível ao fi nal 
de um longo intervalo de tempo, ou seja, do estudo do passado.
Conforme destaca Koselleck (2006, p. 120), “a questão essencial sobre as 
estruturas temporais deve possibilitar a formulação de questões especifi camente 
históricas, as quais, por sua vez, tem como objeto fenômenos históricos […]”. 
Temos, portanto, o tempo como uma das ferramentas de trabalho do historiador, a 
ser escolhido de acordo com o objeto de pesquisa/estudo, passando a infl uenciar 
o direcionamento que o historiador da às narrativas, ou seja, à escrita da história. 
Scarpim e Trevisan (2018, p. 37-38) relembram que as discussões em relação 
ao tempo não são de exclusividade da história e do historiador, pois, “a natureza 
do tempo representa uma questão sobre a qual se indagam todas as culturas 
humanas e, em nossa sociedade, esse questionamento engloba diferentes áreas 
do conhecimento, tais como arte, fi losofi a, psicologia, teologia, antropologia, [...] 
ciências exatas e naturais”.
Na História, entretanto, é sempre importante relembrar que na perspectiva 
positivista e tradicional, o enfoque das narrativas se mantém mais aos 
acontecimentos, feitos, heróis e conquistas, e menos às questões cronológicas. 
Aliás, essa perspectiva historiográfi ca toma a sequência dos fatos como linear, 
desconsiderando detalhes e subjetividades, sendo que a medida do tempo não é 
essencial ao trabalho do historiador, que deve narrar a história na sequência dos 
acontecimentos (história-relato). 
O mundo exibido por qualquer obra narrativa é sempre um 
mundo temporal. Ou, […] o tempo torna-se tempo humano 
na medida em que está articulado de modo narrativo: em 
compensação, a narrativa é signifi cativa na medida em que 
esboça os traços da experiência temporal (RICOUEUR, 1994, 
p. 15).
32
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
A hierarquização das temporalidades, enquanto ferramenta de trabalho do 
historiador, está ligada à Escola de Annales, mais especifi camente ao trabalho 
de Fernand Braudel, no que ele chama de decomposição da história em planos 
escalonados. E esse escalonamento se faz necessário, uma vez que
Como a própria vida, a história se nos aparece como um 
espetáculo fugidio, movediço, feito do entrelaçamento de 
problemas inextrincavelmente misturados e que pode tomar, 
alternadamente, cem aspectos diversos e contraditórios. 
Como abordar e fragmentar essa vida complexa, para poder 
apreendê-la ou ao menos aprender alguma coisa nela? 
(BRAUDEL, 1978, p. 22).
Assim, Braudel nos apresenta o desdobramento das temporalidades, 
permitindo ao historiador a pesquisa de temas e objetos na perspectiva do 
que chamou de "longa duração", permitindo aprofundar os conhecimentos nas 
conexões existentes entre tempo histórico e mudança social. O trabalho do 
historiador, portanto, se aproxima e dialoga também com as Ciências Sociais. 
Sobre isso, Bentivoglio e Lopes (ano, p. 287) afi rmam:
[…] Braudel é um estudioso da formação dos espaços sociais, 
das relações entre o homem e a natureza, posto que sua visão 
da história "exige o estudo de uma série imensa de evidências 
históricas no decurso" da longa duração, onde as estruturas 
são formadas, mantidas, ou até refeitas (inclusive, por novas 
que tomam o lugar das anteriores). 
Além do trabalho desenvolvido por Braudel, a ampliação dos objetos e 
métodos de estudos históricos desenvolvidos, permitiu novas abordagens e 
concepções do tempo histórico. Assim, a história passa a abarcar as diversas 
temporalidades. E então se torna possível estudar não só o passado, mas também 
a história presente (numa perspectiva de curta e média duração); não apenas as 
grandes civilizações, mas também a história regional e local. 
As maiores descobertas promovidas pelos Annales, o seu maior legado para 
as gerações de historiadores contemporâneos, relacionam-se aos novos modos 
de conceber o tempo, de representá-lo, de utilizá-lo como aliado para produzir 
inovadoras leituras da história, pensar inusitados objetos e mobilizar novos 
tipos de fontes históricas. Com os Annales, o estímulo a criar novos modelos de 
relacionamentos entre os historiadores e o tempo elevou-se ao patamar de um 
dos mais poderosos itens pragmáticos da escolar (BARROS, 2012, p. 142). 
O que devemos ter sempre em mente é que a medida do tempo como hoje 
conhecemos nem sempre foi a mesma e as concepções que temos a respeito das 
temporalidades são construções, características derivadas da experimentação 
33
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
cultural, social, econômica e política. Então os "sentidos" dados ao tempo, 
envolvem sempre alguns interesses e são atravessados por infl uências externas 
a nós. Entretanto, ao trabalho do pesquisador, seja ele o historiador ou o docente, 
o conceito de tempo é importante, pois, é ferramenta de trabalho. 
O historiador vive quotidianamente o tempo, mas mesmo que 
ele não mais se interesse, no dizer de Benjamin, pelo tempo 
linear “homogêneo” e “vazio”, ele corre o risco de simplesmente 
instrumentalizar o tempo. Constitui também tarefa do historiador 
tentar pensar sobre o tempo, não sozinho, é óbvio. Diante de 
nós, houve vários momentos em que o tempo foi objeto de uma 
intensa refl exão, especulações, medos, sonhos [...] (HARTOG, 
2003, p. 10).
Devemos, entretanto, estar atentos que o nosso trabalho envolve as 
diferentes temporalidades e que as diferentes concepções de História utilizam 
distintas concepções de tempo. Desse modo, as análises dos objetos e os 
recortes temporais são também diversos, assim como as compreensões de 
passado, presente e futuro. Sobre isso, Delgado (2010, p. 9-10) afi rma: 
[…] O tempo e seus ritmos, o tempo e as representações 
coletivas sobre seu processar relacionam-se aos movimentos 
históricos e à construção de interpretações sobre esses 
processos específi cos.
As representações sobre o tempo também são construções 
concretas, pois referenciadas na realidade material. Assim, 
em conjunturas diferentes da história os homens constroem 
análises e representações específi cas sobre o acontecido e 
sobre o vivido. Pois, apesar dos acontecimentos e processos 
históricos serem imutáveis, os historiadores, os sujeitos e as 
testemunhas da história constroem análises naturalmente 
infl uenciadas pelo tempo no qual estão inseridos. Não se trata 
de relativismo, mas sim de manifestações cognitivas inseridas 
na realidade do tempo presente de cada uma dessas pessoas.
Portanto, para que o trabalho do historiador se desenvolva, é necessária a 
realização e criação de um ‘recorte temporal’, ou seja, é preciso defi nir marcos 
em relação ao objeto e às questões que serão estudadas / investigadas. Hartog 
(2003) se refere a esse recorte a partir dos conceitos de “regime de historicidade”. 
Segundo o autor, o regime de historicidade difere das noções de “época”. 
Época signifi ca [...] apenas um corte no tempo linear (de 
que frequentemente se ganha consciência após o fato e bem 
depois ela pode ser usada como um recurso de periodização). 
Por regime, quero signifi car algo maisativo. Entendidos como 
uma expressão da experiência temporal, regimes não marcam 
meramente o tempo de forma neutra, mas antes organizam 
34
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
o passado como uma sequência de estruturas. Trata-se de 
um enquadramento acadêmico da experiência (Erfahrung) 
do tempo, que, em contrapartida, conforma nossos modos de 
discorrer acerca de e de vivenciar nosso próprio tempo. Abre a 
possibilidade de e também circunscreve um espaço para obrar 
e pensar. Dota de um ritmo a marca do tempo, e representa, 
como se o fosse, uma “ordem” do tempo, à qual pode-se 
subscrever ou, ao contrário, e o que ocorre na maioria das 
vezes, tentar evadir-se, buscando elaborar alguma alternativa 
(HARTOG, 2003, p. 11-12).
Nesse contexto, o recorte temporal marca um início e um término, delimitando, 
portanto, do estudo a ser realizado. Esse início e término, entretanto, podem ter 
diferentes durações, de modo que se encaixe no estudo da longa duração, média 
duração ou curta duração, sem que a análise realizada desconsidere as categorias 
de sucessão, transformação, ruptura, mudança, permanência, entre outras. 
No âmbito mais amplo da longa duração, o tempo se apresente 
estrutural; em seu interior ocorrem mudanças. Estas, todavia, 
podem se resolver no interior na estrutura (um período de 
determinadas características) por conta de repetições, ciclos, 
regularidades. Outros tipos de eventos, ainda, os agitados 
acontecimentos não repetíveis dos quais o mundo político 
mais superfi cial nos fornece os melhores exemplos, pouco 
mais seriam do que “espumas” formadas nas cristas das 
grandes ondas históricas. Com essa possibilidade teórico-
prática de articular diferentes ritmos de mudanças históricas, 
os Annales abrem espaço para se pensar o tempo em termos 
de um enquadramento de diferentes “durações” – projeto 
que assumiria sua forma mais sofi sticada com a arquitetura 
historiográfi ca que Fernand Braudel chamaria de “dialética das 
durações” [...] (BARROS, 2012, p. 155).
Quando os historiadores escrevem a partir da perspectiva da “curta 
duração”, podemos compreender que estão falando do o tempo dos eventos, 
dos acontecimentos do cotidiano, que mudam com rapidez, como por exemplo, 
acontecimentos da vida política, de um campeonato esportivo etc. Barros 
(2006, p. 467) defi ne a curta duração como aquela que “[...] rege a história dos 
acontecimentos, formada por perturbações superfi ciais, espumas de ondas que a 
maré da história carrega em suas fortes espáduas”. 
A “média duração” está relacionada com as conjunturas, com o tempo que 
pode variar desde décadas até meio século. A média duração, portanto, diz 
respeito à acontecimentos que não são percebidos de imediato, pois abrangem 
ciclos econômicos e transformações sociais. Barros (2006, p. 467) defi ne a média 
duração como perspectiva “[...] que rege os destinos coletivos e movimentos 
35
DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
de conjunto, trazendo à tona uma história das estruturas que abrange desde os 
sistemas econômicos até as hegemonias políticas, os estados e sociedades [...]”.
Já os acontecimentos de longa duração remetem às estruturas sociais, 
políticas, econômicas e culturais, sendo a análise centrada mais nas permanências 
e lentidão do que nas mudanças sociais. O exame da longa duração se desenrola 
sobre uma estrutura onde os diversos elementos, sejam eles econômicos, sociais, 
políticos, geográfi cos, climáticos, entre outros se inter-relacionam. 
O tempo, enquanto conceito elaborado e compreendido pelos humanos 
é sempre um tempo social, sobre o qual Le Goff (1990, p. 7) afi rma que “[…] 
para domesticar o tempo natural, as diversas sociedades e culturas inventaram 
um instrumento fundamental, que é também um dado essencial da história: 
o calendário”. Interessa-nos, portanto, o tempo social e histórico, de modo que 
possamos relacionar passado, presente e futuro, articulando essas noções e 
concepções de tempo, não esquecendo que:
O calendário é o produto e expressão da história: está ligado 
às origens míticas e religiosas da humanidade (festas), aos 
progressos tecnológicos e científi cos (medida do tempo), 
à evolução econômica, social e cultural (tempo do trabalho 
e tempo de lazer). Ele manifesta o esforço das sociedades 
humanas para transformar o tempo cíclico da natureza e dos 
mitos, do eterno retomo, num tempo linear escandido por 
grupos de anos (LE GOFF, 1990, p. 13). 
A matéria fundamental para o historiador é, portanto, o tempo. Não o tempo 
fi xo, estanque, mas o tempo compreendido na perspectiva do funcionamento da 
sociedade. E sempre considerando que a oposição entre passado e presente 
não é um dado natural, mas uma elaboração conceitual. E, nesse contexto, 
não podemos nos esquecer que “o tempo histórico encontra, num nível muito 
sofi sticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta” (LE 
GOFF, 1990, p. 13). 
Le Goff (1990), assim como outros historiadores, nos alerta para a relação 
que existe entre história e memória. História e memória, entretanto, estão longe 
de serem sinônimo. Sobre as diferenças que existem entre elas, Nora (1993, p. 9) 
afi rma:
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, 
nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à 
dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de 
suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e 
manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas 
revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática 
36
 Ensino, Pesquisa e Realidade histórica
e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno 
sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, 
uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, 
a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela 
se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou 
mutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as 
transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque 
operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso 
crítico.
A memória é parte essencial de nossa existência, como bem destaca 
Fontoura (2016). Segundo o autor, a memória é aquilo que nos permite lembrar de 
nós mesmos, dos nossos familiares e amigos, de nosso papel e lugar no mundo. 
É a memória que nos permite a localização no tempo e no espaço, bem como 
saber o que estamos fazendo e o que já fi zemos. “Acessamos continuamente 
nossa memória em busca da necessária construção de sentidos para o presente” 
(FONTOURA, 2016, p. 159-160). 
Foi Maurice Halbwachs (1877-1945), sociólogo francês, o 
primeiro pesquisador a demonstrar que a memória individual 
seleciona, registra e interpreta, mas também distorce os dados 
testemunhados, com base no contexto social em que as pessoas 
estão inseridas.
Embora Halbwachs tenha sido o primeiro a pesquisar aspectos importantes 
sobre a memória individual, ele afi rma ainda que “nossas lembranças permanecem 
coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de 
acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós 
vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós” (HALBWACHS, 1990, p. 23).
Destacamos, ainda, que a memória exerce um papel bastante distinto nas 
sociedades orais, em comparação com as sociedades escritas. De acordo com 
Fontoura (2016, p. 162), nas sociedades orais:
a memória recupera e reaviva a identidade do grupo (por meio 
dos mitos de origem, por exemplo), estabelece uma conexão e 
reverência a antepassados, constrói genealogias fundamentais 
para a ordem social, além de ser a maneira pela qual as 
práticas e as técnicas são armazenas e retransmitidas. É muito 
comum nas sociedades orais existirem pessoas responsáveis 
por guardar e transmitir a memória do grupo. 
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DAS POSSIBILIDADES DE PESQUISA EM HISTÓRIA: OBJETO, MÉTODOS E FONTES Capítulo 1 
Então, quando

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