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Estado Democrático de Direito e Estado Laico

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1 Estado Democrático de Direito e o Estado Laico
	A humanidade sempre buscou acreditar em algo sobrenatural a sua realidade, adorando a Deus, a deuses, a ídolos, a animais, a qualquer coisa que sua imaginação permitisse e determinasse. A necessidade a uma crença, uma fé, uma convicção não deixa dúvida que o ser humano é motivado, coagido, conduzido por tais necessidades.
	Analisando a história é conclusivo que a religião em suas diferentes fases acompanha o cotidiano das civilizações e sua forma organizacional. A evolução gradativa através do tempo provocou marcos histórico e contagiou o sistema estatal como forma de poder e soberania.
	As revoluções do Estado Moderno trouxeram novas aspirações às sociedades, dando início aos direitos individuais e coletivos. O Estado desvincula-se da igreja, os cidadãos limita o poder do estatal através das Constituições. A nova modalidade político-constitucional é a solução perfeita para um Estado democrático de direito, iniciando assim, uma separação, uma ruptura entre o Estado e a Igreja, já que a mesma perdeu todo seu prestígio e não mantém mais sua coerção social junto ao sistema governamental. O mesmo ciclo é também adotado na nova República do Brasil recém-proclamada, sendo que, a monarquia aqui exonerada também foi uma forte aliada do poder da Igreja, que disseminou as mesmas calamidades na sociedade brasileira.
	O Estado Laico surge por uma necessidade indispensável, para que várias sociedades, ideologias e crenças se desenvolvam em uma liberdade pacífica, respeitando os direitos individuais e coletivos, e dando ao Estado a autonomia exclusiva para sua administração política soberana. É um processo que deixa de ser legitimado pelo sagrado, pelo absolutismo, passando a ser constitucional.
	A ruptura dos elementos religiosos permite que através das instituições políticas legitimadas pela vontade popular, em sua forma de governo essencialmente democrática adotem medidas de separação do Estado com a Igreja. Na regra constitucional, além de estabelecer a separação entre Estado e Igreja, adota por princípio fundamental a neutralidade do Estado com questões religiosas, não discriminando nenhuma denominação, não subvencionando-as, nem embaraçando-as em seu funcionamento, tampouco manter com seus representante relações de dependência ou aliança, ressalvado, na forma da lei, a colaboração de interesse público. O Estado deve abster-se, por medida garantidora de direito fundamental, previsto na carta magna e caso não cumprindo, deve ser fiscalizado e exigido pelo Supremo Tribunal Federal, no seu papel de Guardião da Constituição.
2 O que é laicidade? Diferença entre Estado Laico e Estado Laicista
	A união que existia entre Estado e religião era a característica que legitimava a ordem social. Não obstante, são poucos os países que professam uma fé oficial atualmente. Percebe-se, então que a interferência religiosa não se concretiza como antes. Com o desmembramento dessas instituições advindas dos movimentos sociais surgiu a necessidade de debater os conceitos de laicidade. 	 
	Era comum na antiguidade observar influências sacras por toda organização estatal, como na arte, na cultura, nas vestimentas e nos comportamentos humanos. Porém no mundo contemporâneo o que se observa são valores e normas que rege a atuação humana distanciando-se cada vez mais das bases da religião. O que antes era considerado normal na esfera pública passou a reger apenas o comportamento privado das consciências de cada um. Esse processo de decomposição dos valores, símbolos, práticas e instituições religiosas no ambiente público são considerados como secularização. Em outras palavras, a secularização se caracteriza fundamentalmente pelo declínio da religião, pela perda de sua posição axial e pela autonomização das diversas esferas da vida social da tutela, do controle da hierocracia. 
	Esse fenômeno denominado de secular está vinculado ao avanço da era moderna, no qual trouxe novas concepções na área das artes, do direito, da medicina, da educação, da cultura e principalmente da ciência.
	A partir da secularização surge a expressão laicidade que deriva do termo laico, leigo. Etimologicamente laico se origina do grego primitivo laós, que significa povo ou gente do povo. De laós deriva a palavra grega laikós de onde surgiu o termo latino laicus. Os termos laico, leigo exprimem uma oposição ao religioso, àquilo que é clerical (CATROGA, 2006).
	Poucos trabalhos aqui no Brasil se dedicaram a explicar melhor o fenômeno da laicidade, mas para melhor entendimento deste artigo é necessário a diferenciação entre Estado laico e Estado laicista. Há um equívoco ao se discutir os dois termos justamente por ambos estarem ligados a não atuação da igreja em âmbito estatal. De modo bastante resumido, a laicidade é característica dos Estados não confessionais que assumem uma posição de neutralidade perante a religião, a qual se traduz em respeito por todos os credos e inclusive pela ausência deles. Já o laicismo, também não confessional, refere-se aos Estados que assumem uma postura de tolerância ou de intolerância religiosa, neste caso, a religião é vista de forma negativa.
	Em outras palavras pode se afirmar que um Estado Laico respeita todos os tipos de crença permitindo sua manifestação a qualquer tempo e local. Configura-se totalmente condizente com o a atuação do Estado Democrático de Direito que traz a liberdade religiosa e o livre pensamento. Já o Estado laicista além reprimir qualquer manifestação de crenças em locais públicos, não fomenta a prática de atividades religiosas. Para um Estado laicista a religião é algo extremamente privado e que sua manifestação em locais públicos põe em xeque a separação do Estado e religião.
2.1 Laicidade do Estado Brasileiro: constituição, história, fatores motivadores.
	A laicidade do Estado firmou-se historicamente, na Europa, não como princípio, mas como questão de fato, exigida pelo realismo político. A coexistência de súditos com diferentes afiliações religiosas é aceita como um mal menor, determinado pelas circunstâncias, já que uma guerra religiosa colocaria em risco a sobrevivência do Estado. Dessa situação acaba por emergir, como valor positivo, a liberdade de crença, que passa a integrar o elenco dos direitos liberais básicos. Este capítulo tem como escopo a análise de como se configura a laicidade no Brasil, principalmente a luz da atual carta magna de 1988.
	O estado brasileiro colonial e imperial era completamente confessional. A Constituição de 1824, por exemplo, consagrou a religião Católica Apostólica Romana como religião oficial e as demais crenças poderiam ser cultuadas desde que fossem em casa ou domínio particular. Apesar de trazer a laicidade no Decreto nº 119-A de 07/01/1890 de autoria de Ruy Barbosa, a desagregação se efetivou por completo teoricamente com a proclamação da república na carta magna de 1891.
	Ao se tornar laico, entende-se que o Brasil, a partir de então, torna-se indiferente à criação de novas igrejas ou ao surgimento de novas religiões ou seitas, e que estas poderiam se organizar e se constituir livremente. Como laico, o Estado brasileiro não trata de religiões e não nutre sentimentos religiosos nem os declara por meio de seus órgãos. Esses sentimentos são inerentes ao ser humano; portanto, o Estado brasileiro não acredita ou desacredita em Deus, quem os faz são os brasileiros.
	Apesar da declaração de laicidade pela Constituição, não se pode ignorar que princípios religiosos estão arraigados na cultura brasileira, principalmente os mandamentos católicos. Então, os principais questionamentos que surgem é como um Estado laico poderia sobreviver e garantir a liberdade religiosa de outras crenças. E com tal organização poderia conduzir o aparelho estatal de forma imparcial sem impor suas concepções aos adeptos de outras crenças e não crenças.
	O Estado Brasileiro já trouxe progressos e retrocessos na questão da laicidade. No preâmbulo da constituição de 1824 é encontrada a expressão “Em nome da Santíssima Trindade”, demonstrandoclaramente sua situação confessional. O seguinte texto constitucional foi o de 1981, já na república, traz a seguinte informação no seu preâmbulo: 
	Nós, os representantes do Povo Brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL (BRASIL, 1891).
	Percebe-se que a carta maior de 1891 não faz nenhuma alusão a alguma religião ou crença. O mesmo não pode ser percebido na constituição de 1988:
	Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1988).
		A frase no preâmbulo demostra uma laicidade com aspirações religiosas, o que é paradoxal, ao Estado Democrático de Direito assegurada pela própria constituição. O argumento que geralmente é utilizada (inclusive pelo STF) para a defesa da permanência dessa expressão na parte inicial do texto constitucional é que o preâmbulo não é texto normativo e serve apenas para orientação de interpretação do texto magno e que expressa somente o sentimento dos constituintes presentes na edição da Constituição.
	Se a menção Deus no texto constitucional não é suficiente para ameaçar a separação entre religião e Estado, existem evidências mais concretas que podem colocar em perigo a imparcialidade estatal. Por exemplo, a própria constituição traz em seu texto no art. 210, § 1º “o ensino religioso, de matrícula facultativa, construirá disciplina dos horários normais das escolas públicas” (BRASIL, 1988). 
	É contraditório perceber que um estado que se diz leigo permite o ensino público religioso em seu texto constitucional. Mesmo sendo o ensino facultativo um estado que está sob os ideais de um Estado laico, não pode favorecer ou embaraçar qualquer concepção religiosa, nem deixar que seja interferido por ela.
O ensino religioso não deve ser dado na escola pública, e sim em instituições religiosas ou nos lares para quem desejar. A religião é uma matéria de foro íntimo que não deve ser oferecido sob a égide do Estado, pois promove a distinção entre brasileiros. Valorizar o ensino de uma religião em detrimento de outra ou daqueles que não têm nenhuma em escolas públicas é ir contra a garantia dos direitos fundamentais protegidos em clausula pétrea na Constituição. 
	Outro risco a instituição laical é a utilização de símbolos religiosos em prédios públicos. A presença de um símbolo de uma religião específica em uma instituição revela a predileção do Estado em relação a uma determinada religião, preterindo as demais. Além do dever de preservar o tratamento igualitário entre todas as crenças, há o problema relativo ao que a presença do símbolo de determinada religião, sobre a cabeça de um funcionário público, pode implicar. A presença desse símbolo representa uma “carta branca” do Estado para que ele decida de acordo com os dogmas daquela religião. Isso pode influenciar em diversas decisões judiciais.
	O embate sobre essas concepções tem se fortalecido com o aumento de diversas experiências religiosas ou de convicções filosóficas nos últimos anos que aumenta o leque de desafias para o direito. É verdade que no Brasil ainda é possível detectar a violação da laicidade. Contudo, o país passa por um período de redemocratização no qual a reafirmação do estado leigo precisa ser algo contínuo. 
	 Ao Estado brasileiro se impõe o dever de garantir, inclusive por meio de medidas intervencionistas, o respeito aos valores e crenças individuais contra qualquer tipo de intransigência e proselitismo militante. É preciso aceitar as diferenças e estimular a igualdade, independentemente de maioria ou minoria, pois, perante a própria Carta Magna, os indivíduos são “iguais perante a lei, sem distinção de qualquer Natureza”. 
3) Uma análise da interferência religiosa no legislativo e judiciário, sob a perspectiva do aborto.
	Uma problemática que surge sobre a questão da laicidade estatal nas ações do Estado é que em nome da liberdade crença e pensamento, grupos religiosos buscam interferir nas decisões estatais cujo caráter é totalmente secular. A ideia de um estado laico não consegue impedir que manifestações de cunho religioso reivindiquem uma proteção maior do que necessário às suas respectivas crenças. Geralmente os anseios se referem aprovação ou rejeição de projetos com alegações de princípios religiosos. Além desta forma frequente de influência, grande parte da população brasileira tende a confiar em candidatos políticos que defendam interesses propalados por alguma instituição religiosa.
	Normalmente, as religiões de origem cristã questionam o tratamento de questões seculares que interferem em suas crenças no espaço público, principalmente no que se refere à sexualidade, ciência e reprodução, Dessa maneira, surge dilema entre aquilo que se situa no campo da moral, com o que é medida eficaz para uma sociedade plural e não confessional.
	Como já mencionado é importante ressaltar que a Igreja teve, pelo menos em tese, sua força reduzida ou aumentada nos diferentes momentos da história do país com as transformações sofridas pelo texto constitucional. Equivale frisar, que o sentimento religioso e a fé acompanham os brasilianos desde épocas bem remotas e tratar da separação daquilo que é público (decisões políticas e jurídicas) do que é privado (sentimento religioso, crença, fé – sobretudo cristã) sempre constituirá num grande e delicado desafio. Nessa perspectiva Emmerick afirma:
[...] o que se busca garantir é um Estado laico de fato, mas o que se verifica nas disputas cotidianas das relações sociais de poder é que o religioso ainda se faz presente com grande expressão na arena pública e, não raramente, leis e políticas públicas restam impregnadas de valores religiosos. Tal fato tem implicações negativas graves no que diz respeito à garantia da cidadania e dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, sem qualquer distinção. Emmerick (2010, p. 17)
	O contexto analisado evidencia o perigo do fundamentalismo religioso, visto que ao considerar sua fé como verdade absoluta e base para legitimar determinações sobre aqueles cujas convicções são totalmente diferentes.
	É importante demonstrar através de exemplos a gravidade da influência na religião na produção de normas e decisões judiciais, que podem ocasionar na negativa de direitos legítimos aos cidadãos.
	O objetivo do artigo não é detalhar a ameaça da atuação religiosa nas produções de leis ou decisões judiciais em todos os casos, mas é importante citar alguns temais mais relevantes na qual a o fundamentalismo religioso procura sempre estar presente, sobretudo o cristianismo. 
	Não é difícil compreender o caráter secular que permeia as questões do divorcio. Mas, devido às concepção cristã, que proíbe a segunda núpcias com base em argumentos bíblicos, o instituto da separação entre casados só foi possível quase 90 anos depois da instituição do estado laico. Nesta seara, ganharam reflexo também as manifestações de grupos cristão contra os direitos dos homossexuais e garantias que lhes forneçam total proteção - principalmente no que se refere a formação de família. Sob o argumento de que Deus não permite que pessoas do mesmo sexo construa um núcleo familiar. Os fundamentalistas religiosos buscam atuar também em matérias como uso de contraceptivos, fecundação artificial, células-tronco, eutanásia, assuntos no qual se refere a um âmbito estritamente secular. Visando melhor compreensão de como se configura essa interferência religiosa usaremos a questão do aborto, para detalharmelhor esta questão. 
	
3.1 Problemática do aborto
	Como mencionado acima, artigo seguirá detalhando um pouco mais a questão do aborto sob a perspectiva da legitimidade ou não, das crenças religiosas interferirem na condução de normas e julgamentos estatais acerca desse assunto. Ressalta-se que o artigo não pretende gerar nenhum juízo de valor no que se refere ao procedimento abortivo e muito menos julgar se esta conduta deve ou não permanecer na esfera do direito penal.
	Segundo Arnaud (2008), a palavra “aborto” é um termo latino (abortus) derivado da composição de um prefixo e uma raiz: Ab, que significa provação, e ortus, que significa nascimento. Então, seu significado seria “privação do nascimento”, mas pode-se dizer que o aborto é a morte de uma criança no ventre materno, produzida durante qualquer momento da gravidez, que vai desde a fecundação até os momentos prévios ao nascimento.
	A Organização Mundial da Saúde (OMS) trouce o conceito de aborto em 1977, com a intenção de unificar os critérios e não subestimar a morte do feto, definindo-o como a expulsão ou extração uterina de um embrião ou feto de 500g ou menos. (FREITAS, 2011) Anos depois, conforme Freitas (2011) afirma, estabeleceu-se a idade gestacional de vinte e duas semanas, que coincide aproximadamente com o peso estabelecido para o feto, definindo ainda o aborto como interrupção da gravidez quando o feto ainda não é viável fora do ventre materno.
	O procedimento de retirada do feto antes de sua total formação não é algo próprio da contemporaneidade. Ressalta que, Tessaro (2008), antes do cristianismo, a prática comum era o abandono do recém-nascido com alguma deformidade ou doença, mas não são poucas as informações sobre a ocorrência de abortos em virtude de anomalias do feto, principalmente por não haver especialização na área médica capaz de detectá-la, o que ocorreu somente a partir da década de cinquenta do século XX.
	Acrescenta ainda Galeotti (2011) que na Grécia clássica passaram a surgir motivos políticos para provocar o aborto, encontrando-se descrições de métodos abortivos nas obras sobre medicina. Na sociedade grega e romana, o aborto chegou a ser bem aceito e não havia proteção legal para a vida do feto. Após o Juramento de Hipócrates, datado do século V a.C., existe a condenação do aborto, apesar desse juramento nunca tenha sido aceito em sua época, tendo sido resgatado por autores cristãos posteriormente.
	Com o cristianismo, tais práticas foram suprimidas, diante da concepção de que a vida representava um presente de Deus, e, portanto, intangível. Surgindo assim a tese de que o início da vida humana corresponde ao instante em que ocorre a concepção. Dessa ideia concluiu-se que não há distinção entre feto e o recém-nascido não apresentam distinções e, logo, o aborto passou a ser considerado homicídio. (TESSARO, 2008).
	Geralmente, como mostra Arnaud (2008), o aborto pode ser considerado de duas formas: espontâneo ou induzido e de tipo legal ou ilegal. A maioria dos abortos espontâneos, segundo Arnaud (2008), tanto conhecidos como desconhecidos, ocorre nas primeiras doze semanas de gestação e, na maioria dos casos, não requer nenhum tipo de assistência medica. Do mesmo modo, também a imensa maioria dos abortos induzidos ocorre no mesmo prazo.
	No ano de 2014, cerca de quarenta e seis milhões de mulheres em todo o mundo se submeteram a um aborto induzido. Destas, 78% se encontram em países periféricos e 22% nos países centrais. Ainda, 11% de todas as mulheres que sofrem um aborto residem na África, 58% na Ásia e 9% na América Latina e no Caribe. No continente europeu e em outros países do chamado primeiro mundo a cifra é de 22%. Da mesma forma, calcula-se que, no mundo, de cada mil mulheres em idade reprodutiva, trinta e cinco praticam um aborto induzido a cada ano. (AMARAL, 2014).
	Para compreender melhor a situação do Brasil na questão do aborto é necessário ter ciência de como os outros países encaram esse tema. Nesse sentido menciona-se o cenário francês, português, e uruguaio.
	No Direito Francês, pode se praticar o aborto por solicitação da mulher até a décima segunda semana e, excepcionalmente, da décima terceira à vigésima. O aborto por enfermidade fetal é aceito e, após essa etapa, quando se encontra em perigo a vida da mãe. (TORRES, 2007). Na legislação portuguesa, o aborto é livre até nas primeiras dez semanas de gravidez e nas doze semanas iniciais, em caso de perigo à saúde ou à vida da mulher. Quando é possível prever que o feto sofrerá, em caráter incurável, uma enfermidade grave ou malformação congênita, é permitida a interrupção nas primeiras vinte e quatro semanas e, quando o feto é anencéfalo, pode ser realizado em qualquer momento da gestação. Torres (2007)
	Em 2012 foi aprovada no Uruguai a Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez, que ampara as mulheres que desejam interromper uma gravidez não desejada, por qualquer motivo, para a prática de um aborto seguro. O aborto é legalizado até a décima segunda semana de gravidez. Em caso de estupro, amplia-se para catorze semanas o prazo e havendo má formação do feto ou risco de vida para a mãe o aborto é legal a qualquer momento da gravidez. (NIKI, in JOHNSON et al, 2015).
	No território brasileiro e sob o ponto de vista do ordenamento jurídico o aborto é conceituado como interrupção voluntaria da gravidez, que causa a morte do resultado da concepção. Tal prática independente do momento se configura crime. No Código Penal, há dois permissivos legais que afasta o delito, quais sejam no risco de vida à gestante e na gravidez resultante de estupro. A primeira corresponde ao aborto necessário e a segunda ao aborto humanitário. (NUCCI, 2012). O autor acrescenta que a lei brasileira passou a contemplar o aborto em caso de anomalia fetal grave em 2012, acrescentando essa modalidade de aborto humanitário ou sentimental àquelas prevista no Código Penal. 
· Uma análise da interferência religiosa no legislativo sobre o aborto 
	Entendido como se encontra a questão do aborto no Estado brasileiro e em alguns países o questionamento que surge é: qual a relação do entre religião, estado laico, estado democrático de direito e (neste caso) e a questão do aborto no Brasil? Como mencionado outrora, a população brasileira possui princípios arraigados no cristianismo, mas essa afirmação não se consubstancia de forma absoluta. Se considerar o processo de formação histórica do território brasileiro percebe-se que houve um grande encontro de etnias que por si só já possuíam suas crenças e suas culturas, o que se perpetua até hoje.
	Além da questão da liberdade religiosa, há outro aspecto que precisa ser analisado quando se trata de estado laical. No Brasil, por exemplo, há uma forte interferência da religião, sobretudo do cristianismo, nas produções de leis e decisões dos magistrados, o que não se coaduna com a imparcialidade o ordenamento estatal perante as acepções religiosas. O aparelho estatal não pode agir segundo argumentos de uma determinada crença, ao proceder dessa forma o ordenamento está erroneamente impondo-a indiretamente àqueles de outras convicções. 
	Em diversos países, como Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, os defensores da legalização do aborto e da eutanásia se unem pelo fato de ambas as questões envolverem a discussão do estatuto da vida, da autonomia individual e dos direitos sobre a vida. Os debates estão sendo travados no mundo ocidental por grupos de interesse e movimentos políticos e religiosos, buscando influenciar a reforma das legislações vigentes sobre tais temas. As discussões acerca do inicio da vida tem possui várias vertentes sejam no âmbito da sociedade, da medicina ou do direito. Tais questionamentos sofrem constantes influências de convicções religiosas e da sociedade civil, representada, sobretudo pelas organizações não governamentais e movimentos sociais voltados à defesa dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos.
	Isso demonstra que quando questionamentos sociais permeiam assuntos como vida e tudo que se refere a ela, aoseu início e fim, a religiosidade aparece como fator extremamente influente na elaboração, edição e interpretação de normas. Àqueles que defendem a ideia de um estado laico por sua vez, retificam que essa interferência, não deveria ser tão presente, ao passo que os direitos individuais e liberdade sobre o próprio corpo passam a ser algo defendido e não limitado pelo Estado.
	Este capítulo tem com desígnio, mostrar como as decisões acerca do aborto que surgiram entre os anos de 2003 a 2010 se configuram no ambiente parlamentar e se tais decisões carregam ideais religiosos. Como base para tal observação foi utilizado uma pesquisa feita por Naara Luna, em seu Artigo “Aborto no Congresso Nacional: o enfrentamento de atores religiosos e feministas em um Estado laico” em 2014.
	Nesse trabalho a autora analisa a partir da antropologia o debate sobre aborto na Câmara dos Deputados durante as duas legislaturas do governo Lula (2003-2006; 2007-2010) considerando o embate entre as posições pró-vida e pró-escolha. 
	Em 2003, cinco parlamentares fizeram discursos com a palavra “aborto” em questão, sendo três contrários ao aborto, um de orientação pró-escolha, e um sem posicionamento definido. Todos os pronunciamentos de orientação antiaborto foram proferidos por pessoas com uma crença religiosa definida, dos quais dois católicos (Elimar Máximo Damasceno, do Partido da Reedificação da Ordem Nacional - PRONA-SP – e Severino Cavalcanti, do Partido Progressista Brasileiro - PPB-PE) e outro evangélico da Assembleia de Deus (Costa Ferreira, do Partido da Frente Liberal - PFL-MA). A manifestação em defesa da autonomia feminina foi proferida por uma deputada sem religião identificada (Fátima Bezerra, PT-RN). Dos que demonstraram sua opinião nesse ano, ressalta-se a atuação do parlamentar Elimar Máximo Damasceno, que proferiu oito discursos com a palavra “aborto” e um com a palavra “nascituro”. 
	No ano seguinte os debates obtiveram mais participações parlamentares. Houve 35 deputados que discorreram sobre a interrupção voluntaria da gestação. Destes, 25 tiveram posição contra, quatro foram a favor, cinco admitiram o aborto em caso de anencefalia, e em um discurso a menção a aborto não fazia referência a posição pró-escolha ou pró-vida. 
	Dos discursos contrários, quinze foram proferidos por evangélicos; nove por católicos e um por um deputado crença. Dos que se mostraram a favor, quatro foram proferidos por deputados sem religião identificada, enquanto dos cinco discursos pró-escolha em caso de anencefalia quatro foram de evangélicos e um de deputado sem religião identificada.
	Pode ser identificado, a partir do estudo dos dados até então mencionados que existe uma forte associação de religiosos com a posição antiaborto, dentre os parlamentares católicos, por exemplo, apenas um se mostrou sem posicionamento definido. No grupo dos evangélicos observa-se um avanço em caso de anencefalia, mas mesmo assim o posicionamento sobre o aborto ainda se encontra limitado.
	Em 2005, houve uma redução no debate sobre o aborto. Apenas 25 congressistas se dispuseram a discorrer sobre o assunto. Talvez porque o tema da pesquisa com células-troncos embrionárias humanas tenha ocupado muito espaço no plenário. Dentre os oradores, vinte eram contrário ao aborto, três fizeram pronunciamentos indefinidos e dois defendiam o direito de escolha da mulher. Dos 20 com posição antiaborto, nove eram evangélicos, oito católicos, dois sem religião identificada, e um espírita. As duas parlamentares que se pronunciaram pró-escolha são sem religião.
	Já em 2006, houve uma redução ainda maior dos interessados em discutir a problemática do aborto no congresso. Foram localizados apenas 12 deputados que discursaram sobre algo que permeava a questão do aborto. Desses, sete apresentavam posição antiaborto e cinco, pelo direito de decisão. A posição contrária estava presente nos discursos de quatro deputados católicos, de dois evangélicos (um da Assembleia de Deus e um batista) e de um espírita. O posicionamento a favor foi defendido nos pronunciamentos em plenário de quatro deputados sem religião identificada e de uma católica. 
	“No tocante ao pertencimento religioso, com base nos 14 projetos de inclinação pró-vida (o que inclui antiaborto e a defesa dos direitos do nascituro ou recém-nascido), dos quatro projetos que aumentam a penalidade ou criam tipos penais foram identificados três autores católicos, um espírita e um evangélico (Sara Nossa Terra)14, considerando que um projeto tinha mais de um autor. Os seis projetos voltados para o controle social são de autoria de quatro católicos e dois evangélicos (Assembleia de Deus). Quanto aos cinco projetos de lei que promovem direitos para o nascituro, houve um autor sem religião identificada, quatro católicos e um evangélico (IURD).” (p.92)
 	Em 2007 retornou com maior intensidade a questão da interrupção da gravidez no congresso nacional. 40 discursos de parlamentares versavam sobre o termo aborto, com associação também de nascituro e embrião por três parlamentares, enquanto um combinou aborto e nascituro. Nesse ano o número de parlamentares com posições antiaborto também aumentou chegando a 31, sobretudo entre os religiosos, destes, 12 são católicos, 11 evangélicos e um espírita, porém sete deputados sem religião identificada também fizeram discursos contra o aborto. Sete posicionamentos defenderam o direito da mulher de decidir sobre sua gestação, dos quais dois possuíam suas crenças no catolicismo e cinco não professaram nenhuma fé. Os pronunciamentos de dois parlamentares – um sem religião declarada, o outro católico – não conseguiram se posicionar sobre o assunto.
	2008 foi o ano com mais discursões sobre o tema aborto. Nesse ano 45 parlamentares se debruçaram para essa polemica questão. Os que se opuseram a legalização do aborto se totalizaram 30 parlamentares. Dentre eles estavam 12 evangélicos, 12 católicos, um espírita e cinco que não professaram crença. Todos os dez parlamentares que fizeram pronunciamentos pró-escolha não tinham religião identificada. 
	Houve novamente uma baixa nas discursões sobre a prática do aborto em 2009. Treze assumiram a postura antiaborto, destes, quatro não tinham religião identificada, quatro eram católicos, dois eram evangélicos e um era espírita. Nove parlamentares fizeram discurso reafirmando o direito de decisão da mulher perante sua gestação, dos quais oito eram sem religião professada. Totalizando nesse ano 22 parlamentares que se propuseram a debater a questão do aborto no Brasil. 
	No fim do segundo mandato do presidente Lula, em 2010, vinte e um congressistas se pronunciaram em discurso acerca do aborto, No que se refere ao pertencimento religioso, dos 11 deputados que discursaram contra o aborto, quatro eram católicos, três evangélicos, um era espírita, e três não tinham religião identificada. Nenhum dos cinco parlamentares com discursos pró-escolha tinham religião identificada.
“No tocante ao pertencimento religioso, dos sete parlamentares que propuseram projetos de lei em 2010 de aumento da penalidade ou criação de tipos penais para o aborto, quatro são católicos, um é espírita e dois são sem religião” (LUNA 2014 p.99)
	Durante análise dos dados da pesquisa de Narra Luna foi possível perceber claramente, por parte dos parlamentares que professavam uma fé, vários argumentos sem fundamentos científicos e de cunho puramente religioso, que expõe ao risco o fundamento da laicidade estatal. Dos quais podem ser destacados as seguintes afirmações: “[...] um deputado católico afirma que o Estado não pode ser considerado simplesmente laico, porque “tem berço cristão” enquanto um deputado evangélico afirma que o respeito à vida humana é um “imperativo categórico” acima do Estado laico. [...] “(LUNA 2014. Pág.101).
	De acordo com o texto de LUNA , é notório que, para as figuras legislativas com religião identificada, a definição de Estado Laico torna-se algo pequeno frente a relevância do tema na maior parte das concepções religiosas presentes na sociedade (principalmentenas de origem cristã, as quais dominam o congresso nacional brasileiro). Nesse sentido, os personagens do congresso que dão voz a grupos religiosos defendem que como estão ali eleitos pelo povo, têm o dever de lutar pelas crenças e pela sagrada vida.
4. Considerações finais
Diante do exposto, pode-se afirmar que, na prática, o Brasil está longe de ser um país obediente à Constituição Federal no que se refere à laicidade do Estado brasileiro. Isso porque, de acordo com o explicado em tópico próprio, o país laico é aquele em que a religião não interfere nas questões político-normativas e que, além disso, não permite que uma religião se sobreponha sobre as outras, pregando uma tolerância às crenças. 
Entretanto, no âmbito do legislativo e do judiciário brasileiro, foi comprovado, mediante pesquisas e julgados, que aqueles atores que constituem esses poderes do Estado não conseguem colocar em prática aquilo que prevê a Constituição Federal, ou seja, não conseguem separar aquilo que condiz com sua moral religiosa particular com o que realmente traz bons resultados à população. 
Isso ficou claro quando houve a análise sobre a questão do aborto nas duas esferas (judiciária e legislativa). No Legislativo, ficou claramente demonstrado que os pronunciamentos contrários à prática abortiva estavam sendo proferidos, em sua esmagadora maioria, por religiosos. Ao passo que, em julgados, trazidos também em tópico próprio, fundamentos de decisões foram claramente baseados em preceitos e crenças religiosas. 
Portanto, o que fica comprovado é a ideia de que a religião, no Brasil, é algo enraizado de tal forma na sociedade, que até aqueles que, supostamente, deveriam agir de forma imparcial e pensar de forma racional, sendo eles legisladores ou componentes do poder judiciário, não conseguem desempenhar seus papéis sem levar em consideração tendências religiosas pessoais ou do grupo ao qual pertencem.
Por fim, notou-se que a questão maior que foi possível extrair do que foi discutido neste documento é que, no Brasil, ausenta-se o respeito para com aqueles brasileiros sem religião definida ou sem qualquer tipo de crença religiosa. Esse fator vai de encontro ao ordenamento jurídico do país, visto que essa parcela da sociedade brasileira, também denominada de 'atéia', está protegida pela Constituição Federal, já que o país não tem religião definida e é, legalmente, um Estado laico. 
Ocorre que, esse direito de não ter crença e de não ter uma justiça ou um legislativo influenciado por religiões não é consagrado no cenário brasileiro, o que, desse modo, resulta em posicionamentos, votos, projetos de lei, e decisões judiciais extremamente tendenciosos e pautados em crenças pessoais, desrespeitando, desse modo, a laicidade prevista na Carta Magna do país.

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