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Linguística Viviane Gomes de Deus Danilo Maciel Machado Jouberto Uchôa de Mendonça Reitor Amélia Maria Cerqueira Uchôa Vice-Reitora Jouberto Uchôa de Mendonça Junior Pró-Reitoria Administrativa - PROAD Ihanmark Damasceno dos Santos Pró-Reitoria Acadêmica - PROAC Domingos Sávio Alcântara Machado Pró-Reitoria Adjunta de Graduação - PAGR Temisson José dos Santos Pró-Reitoria Adjunta de Pós-Graduação e Pesquisa - PAPGP Gilton Kennedy Sousa Fraga Pró-Reitoria Adjunta de Assuntos Comunitários e Extensão - PAACE Jane Luci Ornelas Freire Gerente do Núcleo de Educação a Distância - Nead Andrea Karla Ferreira Nunes Coordenadora Pedagógica de Projetos - Nead Lucas Cerqueira do Vale Coordenador de Tecnologias Educacionais - Nead Equipe de Elaboração e Produção de Conteúdos Midiáticos: Alexandre Meneses Chagas - Supervisor Ancéjo Santana Resende - Corretor Claudivan da Silva Santana - Diagramador Edivan Santos Guimarães - Diagramador Geová da Silva Borges Junior - Ilustrador Márcia Maria da Silva Santos - Corretora Matheus Oliveira dos Santos - Ilustrador Monique Lara Farias Alves - Webdesign Pedro Antonio Dantas P. Nou - Webdesign Rebecca Wanderley N. Agra Silva - Design Rodrigo Sangiovanni Lima - Assessor Walmir Oliveira Santos Júnior - Ilustrador Redação: Núcleo de Educação a Distância - Nead Av. Murilo Dantas, 300 - Farolândia Prédio da Reitoria - Sala 40 CEP: 49.032-490 - Aracaju / SE Tel.: (79) 3218-2186 E-mail: infonead@unit.br Site: www.ead.unit.br Impressão: Gráfica Gutemberg Telefone: (79) 3218-2154 E-mail: grafica@unit.br Site: www.unit.br Copyright © Universidade Tiradentes D486l Deus, Viviane Gomes de Linguística / Viviane Gomes de Deus, Danilo Maciel Machado. – Aracaju : Gráf. UNIT, 2010. 160 p.: il. Inclui bibliografia 1. Linguística – estudo e ensino. I. Titulo Universidade Tiradentes (UNIT) Núcleo de Educação à Distância - NEAD CDU : 81 Prezado(a) estudante, A modernidade anda cada vez mais atrelada ao tempo, e a educação não pode ficar para trás. Prova disso são as nossas disci- plinas on-line, que possibilitam a você estudar com o maior confor- to e comodidade possível, sem perder a qualidade do conteúdo. Por meio do nosso programa de disciplinas on-line você pode ter acesso ao conhecimento de forma rápida, prática e eficiente, como deve ser a sua forma de comunicação e interação com o mundo na modernidade. Fóruns on-line, chats, podcasts, livespace, vídeos, MSN, tudo é válido para o seu aprendizado. Mesmo com tantas opções, a Universidade Tira- dentes optou por criar a coleção de livros Série Biblio- gráfica Unit como mais uma opção de acesso ao conhe- cimento. Escrita por nossos professores, a obra contém todo o conteúdo da disciplina que você está cursando na modalidade EAD e representa, sobretudo, a nossa preocupação em garantir o seu acesso ao conhecimento, onde quer que você esteja. Desejo a você bom aprendizado e muito sucesso! Professor Jouberto Uchôa de Mendonça Reitor da Universidade Tiradentes Apresentação iblio- onhe- ntém ando Sumário Parte I: Introdução aos estudos linguísticos: conceitos, história, teorias e relação com outras ciências ......11 Tema 1: Conceituação e cronologia dos estudos l inguísticos .................................................13 1.1 A Linguística e seu objeto de estudo: implicações terminológicas ............................................15 1.2 Conceitos básicos para a compreensão das teorias linguísticas e das diferentes gramáticas. ...........24 1.3 Aquisição da linguagem e suas teorias ...................33 1.4 Do estudo ‘acientífico’ à ciência da linguagem: um breve histórico ................................38 Resumo do Tema I .............................................................. 45 Tema 2: Principais teóricos/teorias da Linguística moderna ................................................47 2.1 Formalismo x Funcionalismo: correntes e teorias linguísticas .......................................47 2.2 O Estruturalismo e as principais ideias de Saussure .....53 2.3 O Gerativismo e as ideias de Chomsky ...................60 2.4 Princípios da Sociolinguística: conhecendo Labov .......67 Resumo do Tema 2 ............................................................. 75 Parte II: Organização da Língua: Sistema, Norma e fala .........77 Tema 3: Conhecendo o sistema linguístico: níveis da gramática ..................................................79 3.1 Introdução ao nível fonético: delimitação e conceitos ..................................................79 3.2 Introdução ao nível fonológico: delimitação e con- ceitos ...............................................................................88 3.3 Introdução ao nível morfológico: delimitação e con- ceitos ...............................................................................94 3.4 Introdução ao nível sintático: delimitação e concei- tos ..................................................................................102 Resumo do Tema 3 ........................................................... 111 Tema 4: A linguística em prática: norma x fala ..................113 4.1 A importância da comunicação: a semântica e a pragmática explicam ....................................................114 4.2 A(s) norma(s): conceitos e (pre)conceitos linguísti- cos .................................................................................123 4.3 A fala: variação e mudança linguística ..................130 4.4 A Linguística em sala de aula: variação e ensino .138 Resumo do Tema 4 ........................................................... 147 Referências ............................................................................149 Concepção da Disciplina Ementa Fundamentos da linguística e suas relações com outras ciências; conhecimento da história dos estudos linguísticos e das teorias modernas sobre língua e linguagem. Objetivos Geral Apresentar os conceitos básicos da Linguística e a cronologia dos estudos nessa área, chegando à compreensão das teorias contemporâneas por meio da aplicação dos conteúdos. Específicos - Identificar o objeto de estudo da Linguística e os princípios teóricos básicos desta ciência. - Reconhecer as principais teorias linguísticas e a sua aplicabilidade em diferentes contextos de análise. - Compreender a organização da língua relacionando-a às teorias contemporâneas a respeito da linguagem e ao ensino- aprendizagem do Português e do Espanhol. - Observar os fenômenos linguísticos na fala de pessoas com diferentes perfis e classificá-los conforme os níveis da gramática. - Analisar o prestígio e o estigma dos fenômenos linguísticos em diferentes situações de fala. - Repensar a prática docente da diversidade linguística presente na sala de aula e interferir nessa realidade a fim de desconstruir a visão de preconceito linguístico. Orientação para Estudo A disciplina propõe orientá-lo em seus procedimentos de estudo e na produção de trabalhos científicos, possibilitando que você desenvolva em seus trabalhos pesquisas, o rigor metodológico e o espírito crítico necessários ao estudo. Tendo em vista que a experiência de estudar a distância é algo novo, é importante que você observe algumas orientações: • Cuide do seu tempo de estudo! Defina um horário regular para acessar todo o conteúdo da sua disciplina disponível neste material impresso e no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Organize-se de tal forma para que você possa dedicar tempo suficiente para leitura e reflexão; • Esforce-se para alcançar os objetivos propostos na disciplina; • Utilize-se dos recursos técnicos e humanos que estão ao seu dispor para buscar esclarecimentos e para aprofundar as suas reflexões. Estamos nos referindo ao contato permanente com o professor e com os colegas a partirdos fóruns, chats e encontros presencias. Além dos recursos disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA. Para que sua trajetória no curso ocorra de forma tranquila, você deve realizar as atividades propostas e estar sempre em contato com o professor, além de acessar o AVA. Para se estudar num curso a distância deve-se ter a clareza que a área da Educação a Distância pauta-se na autonomia, responsabilidade, cooperação e colaboração por parte dos envolvidos, o que requer uma nova postura do aluno e uma nova forma de concepção de educação. Por isso, você contará com o apoio das equipes pedagógica e técnica envolvidas na operacionalização do curso, além dos recursos tecnológicos que contribuirão na mediação entre você e o professor. Parte I INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS: CONCEITOS, HISTÓRIA, TEORIAS E RELAÇÃO COM OUTRAS CIÊNCIAS 1 Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos Bem-vindo ao ‘universo de (ou das?) Letras’! Por essa simples saudação já se pode perceber que, para expressarmos ‘aquilo’ que queremos dizer implica escolha: seja entre uma letra e outra ( ‘e’ ou ‘a’ ), ou entre palavras/expressões já formadas (universo/mundo de/das... ‘alguma coisa’). A princípio parece muito complexo, ou até fácil para alguns. Mas, atenção: “[...] para quem gosta de certezas e seguranças, tenho más notícias: a gramática não está pronta! Para quem gosta de desafios, tenho boas notícias: a gramática não está pronta. Sofrendo a gramática (MÁRIO PERINI, 2002) [Com base no avanço da Linguística e na sua contribuição para o ensino- aprendizagem de línguas, Perini reflete sobre algumas questões referentes à linguagem e ao ensino de gramática no Brasil.] Fonte: http://i.s8.com.br/images/books/ cover/img1/60651.jpg 14 Linguística Preparados? Iniciemos, então, o nosso curso! Esta primeira parte trata da fundamentação teórica e da his- tória dos estudos linguísticos. No Tema 1 veremos os fundamen- tos da Linguística e um breve histórico da consolidação dessa ciência, desde a gramática comparada até as teorias contempo- râneas (SARFATI, 2006). No Tema 2, conheceremos as principais teorias que norteiam os estudos linguísticos da atualidade, bem como os teóricos que mais contribuíram para o avanço da ciên- cia da língua(gem). Apresentamos a vocês, portanto, informações básicas acerca da ciência Linguística. Mas... isso é só o começo! CONCEITUAÇÃO E CRONOLOGIA DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS Ao iniciar o estudo em qualquer área científica é de fun- damental importância preparar o terreno para a construção do conhecimento. Para isso, é necessário lançar as bases concei- tuais da ciência, a começar pela sua definição e a descrição do objeto a ser investigado (considerando suas implicações teórico- filosóficas e terminológicas). Isto não é diferente com a Linguís- tica, ramo de estudo que se formou dentre as ciências humanas, no início do século XX, impulsionado pela divulgação das ideias revolucionárias do suíço Ferdinand de Saussure (1916) em seu Curso de Linguística Geral (doravante Curso). Curso de Lingüística Geral é uma obra póstuma do autor Ferdinand de Saussure (1957-1913), publicada em 1916. [Essa obra foi organizada por Charles Bally e Albert Sechehaya, alunos de Saussure. A partir dessa publicação foi ‘inaugurada’ a fase estruturalista dos estudos da linguagem, pois nela foram apresentados os pressupostos teórico-metodológicos do Estruturalismo, cujas ideias (principalmente as saussureanas) acabaram influenciando outras ciências sociais. Sua última edição em português foi pela Ed. Cultrix de São Paulo, em 2008, com tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein.] Fonte: http://user.img.todaoferta.uol.com.br/J/L/FU/ AEK0GM/1230990680336_bigPhoto_0.jpg#1 Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 15 Estão curiosos para saber que ideias foram essas que cau- saram tanto alvoroço (influenciando até outras ciências)? No desenvolvimento dos conteúdos deste primeiro tema, conheceremos, de modo geral, a visão de Saussure sobre a lin- guagem. Contudo, as principais ideias saussureanas, apresenta- das na célebre obra do linguista suíço, serão estudadas no Tema 2 de forma mais específica. 1.1 A LINGUÍSTICA E SEU OBJETO DE ESTUDO: IMPLI- CAÇÕES TERMINOLÓGICAS Após a breve introdução do primeiro bloco temático, certa- mente surgiram algumas ‘interrogações’. Nesse exato momento você deve estar se perguntando, por exemplo: para que me ser- ve estudar Linguística? Informo a vocês que a resposta para essa pergunta, espe- cificamente, não se encontra em nenhum manual para ser ‘deco- rada’. Saber reconhecer a importância da ciência Linguística para a sua formação como pessoa e, principamente, como professor de línguas é um “dever de casa” que deve ser (re)feito (e sem dúvida será) a cada conteúdo estudado ao longo da disciplina, sobretudo, ao final do curso de Letras. Para orientar vocês nas descobertas sobre o universo da língua(gem), neste primeiro tópico discutiremos duas questões básicas do curso: O que é mesmo Linguística? Qual o objetivo e o objeto dessa ciência? Esses questionamentos são básicos (no sentido de espera- dos), mas não possuem uma resposta tão objetiva como, a prin- cípio, pode-se pensar. Aliás, como as demais ciências humanas, 16 Linguística a Linguística não é objetiva, não há verdades absolutas, desde quando o próprio objeto em estudo dá margem para interpreta- ções diversas que abrangem desde a visão natural, que concebe a língua como organismo, até o conceito de língua como ativi- dade social. No entanto, a discussão gerada por essas “simples” perguntas, contribuirá para as quais de um modo geral, para o entendimento da importância dos estudos nessa área. O que é mesmo Linguística? A resposta a essa pergunta implica esclarecer outras ques- tões que constituem a base da definição desta ciência, tais como: Em que consiste esse ‘fazer científico da língua(gem)?’; Como procedem os estudiosos dessa área do conhecimento e como estes podem/devem ser denominados (Filólogos, gramáticos ou linguistas?). São tantas perguntas que nos levam a tantas outras, mas... não se assustem! Na maioria dos manuais introdutórios, a Linguística é de- finida, de modo geral, como o estudo científico da língua(gem) humana (WEEDWOOD, 2002; BORBA, 2005; MARTELOTTA, 2008). No entanto, uma definição tão objetiva não corresponde à complexidade dessa ciência, o que se deve ao caráter dinâmico e multifacetado do seu objeto (do qual falaremos mais adiante). Para chegarmos a uma conclusão do que se entende por Lin- guística hoje em dia, partiremos da discussão sobre a denomina- ção desse campo de estudo. Destacamos, a princípio, que o termo linguística passou a ser usado para identificar uma nova aborda- gem do estudo da língua que surgiu em meados do século XIX, contrastando com a abordagem tradicional (da filologia) feita pelos estudiosos da Antiguidade clássica (gramáticos gregos e romanos), autores renascentistas e gramáticos prescritivistas do século XVIII. A distinção entre Filologia e Linguística foi necessária na- quele momento. Hoje, de certa forma, a atribuição de nomes di- Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 17 ferentes às duas perspectivas de abordagem – tradicional ver- sus inovadora – ainda é considerada importante para delimitar o campo de atuação dos pesquisadores, visto que o objeto de estudo é o ‘mesmo’ para a Filologia e para a Linguística, porém com enfoques diferentes. Enquanto o ‘filólogo’ atenta para o de- senvolvimento histórico das línguas (tendo como fonte de pesquisa os textos escritos), o linguista, por sua vez, tem como prioridade a língua fa- lada (ainda que se desenvol- vam pesquisas linguísticas com base em textos escritos). De acordo com Wee- dwood (2002), a ciência da língua(gem) é dividida por três dicotomias: 1) sincronia vs. diacronia; 2) teórica vs. aplicada; 3) microlinguísticavs. macrolinguística. No entanto, falaremos apenas sobre as duas primeiras, visto que a terceira dicotomia apresentada por Weedwood (2002) ainda não se estabeleceu definitivamente. No que diz respeito ao primeiro par dicotômico – sincronia vs. diacronia –, introduzido na Linguística por Saussure, no iní- cio do século XX, destaca-se a relação tempo/língua. O estudo sincrônico, caracterizado pela ausência de elementos temporais na descrição linguística, consiste em descrever a língua de um determinado tempo/período (também chamado de sincronia). Veremos mais adiante as ‘dicotomias saus- sureanas’. Mas... você sabe o que significa a palavra ‘dicotomia’? De acordo com o dicionário Aurélio, esse termo possui seis significados possíveis na língua portuguesa. No entanto, podemos perceber que em todas as entradas do termo no dicionário encontra-se a noção de ‘repar- tir’, ‘dividir’, ou, simplesmente, a existência de duas coisas compondo outra. Entretanto, no que se refere à teoria linguística, predomi- na o significado de número 1, registrado no referido dicionário, o mais abrangente, que apresenta a dicotomia como “[...] método de classificação em que cada uma das divisões e subdivisões não contém mais de dois ter- mos”. (AURÉLIO séc. XXI, CD room) 18 Linguística Podemos, por exemplo, estudar o uso de determinada palavra ou expressão em algum século passado, ou década, sendo des- necessário considerar como era o uso da língua antes ou depois do recorte de tempo analisado. Um pesquisador que tenha inte- resse em investigar o uso das formas de tratamento no período colonial ‘não precisa’ considerar o uso dessas formas em perío- do antecedente ou posterior, visto que o interesse é: saber quais expressões eram utilizadas no trato da segunda pessoa no Brasil colônia. Por outro lado, alguém pode se interessar em estudar como as pessoas costumam tratar as outras na sociedade atual. Observamos, assim, que o estudo de um determinado fenômeno linguístico, no período colonial ou atualmente, sem considerar o antes ou depois, é o que se define como estudo sincrônico. A perspectiva diacrônica, por sua vez, caracteriza-se por considerar o fator tempo como determinante para a mudança linguística. Desse modo, os estudos diacrônicos correspondem à análise do desenvolvimento histórico da língua, observando-se, assim, suas mudanças ao longo de determinado período. Reto- mando o exemplo do fenômeno apresentado para a perspectiva sincrônica, poderíamos fazer um estudo diacrônico das formas de tratamento. Se procedêssemos assim, estaríamos analisando esse fenômeno do ponto de vista histórico, ou seja, da diacronia. Sobre a segunda dicotomia que subdivide a Linguística – teórica vs. aplicada –, destacamos os objetivos que distinguem essas duas vertentes dos estudos linguísticos. Borba (2005), res- salta que quando se busca desenvolver uma metodologia de tra- balho, não se voltando para nenhuma língua em particular, cor- responde à Linguística teórica e geral. Por outro lado, ainda segundo o referido autor, quando se pretende observar e descrever uma determinada língua, aplican- do novos métodos e descobertas, a fim de aperfeiçoar o ensino de língua, temos aí a Liguística aplicada. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 19 Qual o objetivo e o objeto da Linguística? De modo geral, o objetivo principal da linguística é estudar e descrever a língua(gem) humana. Apesar de parecer simples, essa tarefa se torna bastante complexa quando tentamos definir o seu objeto: a língua(gem). Vale lembrar que em Linguística a palavra linguagem é usa- da com o sentido de língua quando se refere ao objeto de estudo dessa ciência. Como vocês podem perceber, para compreender- mos melhor o que se define como Linguística, é necessário que se tenham “bem claros” os conceitos de ‘linguagem’ e ‘língua’ (suas principais concepções – Tema 2). O que é a linguagem? A primeira observação a ser feita é quanto à forma como venho grafando o termo língua(gem) – enquanto objeto de análi- se da ciência linguística – desde a apresentação do nosso curso. Essa grafia é encontrada em algumas obras dessa área traduzi- das do inglês para o português, especificamente no livro História concisa da Lingüística (WEEDWOOD, 2002). De acordo com uma nota de roda pé apresentada pelo tradutor, o linguista Marcos Bagno, o uso do termo língua(gem), assim grafado, justifica-se pelo fato de a língua inglesa só dispor de uma palavra – langua- ge – para dois significados que, em português, correspondem a: 1) língua – o próprio código usado na comunicação, no caso, um idioma; 2) linguagem – capacidade do homem de usar um código para expressar seu pensamento por meio da fala e/ou da escrita, ou seja, ‘como’ fazemos uso desse código. Na visão de Saussure, a linguagem é “heteróclita e multifa- cetada”, pelo fato de abranger vários domínios; nessa perspec- 20 Linguística tiva, a linguagem é física, fisiológica e psíquica ao mesmo tem- po. Portanto, para esse autor, ela é própria do domínio individual e social. Logo, “não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como infirir sua unidade.” (SAUSSURE, 1969 apud FIORIM, 2003, p. 14) A outra importante concepção de linguagem foi apresen- tada pelo norte-americano Noam Chomsky em meados do sé- culo XX. Para esse autor, a linguagem é considerada como um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, todas elas finitas em comprimento e construídas a partir de um conjunto finito de ele- mentos. Chamamos a sua atenção para a relação entre linguagem, língua e comunicação, o que podemos observar no esquema es- boçado a seguir: Recomendo ler o livro: JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. 18. ed. São Paulo. Cultrix, 2001. Disponível no AVA Esse livro é considerado uma obra clássica dos estudos linguísticos e, por isso, é indispensável para estudantes e pes- quisadores da área. Nesta obra, o autor aborda a relação en- tre linguagem, comunicação e outros sistemas semióticos, in- clusive a arte, e apresenta a teoria das funções da linguagem. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 21 Figura 2 – Esquema da relação linguagem-língua-comunicação e o seu es- tudo científico. Nessa figura tenta-se ilustrar como os termos língua, linguagem estão in- trinsecamente ligados no processamento da comunicação e que, por isso, dão margem a discussões teóricas entre correntes linguísticas divergentes quanto à concepção desses termos. As funções da Linguagem Você sabe como funciona, para que serve, uma tesoura? Pergunta fácil, não é? Difícil é responder: Qual a função (ou as funções) da linguagem? Isto ocorre por se tratar de algo abs- trato e de uma complexidade ímpar. Tentando responder essa pergunta, alguns cientistas (o psicólogo Karl Bühler e os linguis- tas Roman Jakobson e Michael K. Halliday) apresentaram suas propostas. Veremos a mais divulgada. Das três propostas referidas, a mais conhecida foi a de Jakobson. Segundo esse autor, para compreendermos a varie- dade de funções da linguagem precisamos levar em conta os EXPRESSÃO (oral ou escrita) ↓ DIÁLOGO / TEXTO / DISCURSO 22 Linguística elementos que constituem a comunicação, pois a predominância de um dos elementos corresponde a uma determinada função da linguagem. Veja o esquema a seguir: Observamos, no esquema, que para haver comunicação é preciso que a mensagem seja compreendida pelo receptor. Para isso acontecer é necessário um código (linguagem) comum en- tre os envolvidos no ato comunicativo. Por fim, é sempre importante ressaltar que uma mensagem será eficaz quando atender as seguintes condições: a) Um conceito apreensível pelo destinatário. Lembramos que contexto é o nome dado ao conjunto de conhecimentos necessários à compreensão da mensagem. b) Um código que seja conhecido por emissor e receptor. O código consiste num conjunto de convenções de sinaisou signos visando a uma comunicação eficaz. c) Um contato ou canal físico e uma conexão psicológica entre emissor e receptor. O ‘canal’ é o meio pelo qual a mensagem é transmitida. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 23 Texto complementar Língua e Linguagem Quando falamos ou escrevemos produzimos sentidos. Uma espécie de dependência entre linguagem e pensamento que forma uma unidade significativa. Nesse caso é impossível pensar um sem o outro. O pensamento só se manifesta atra- vés da linguagem (inclusive a não verbal como os gestos, as cores, as imagens) e a linguagem só se manifesta pelo pensa- mento. Pode-se afirmar que a linguagem é o próprio pensa- mento em ação. Ou ainda, o pensamento só se materializa na linguagem. É importante, portanto, notar que o esforço para a produ- ção dos sentidos ocorre em virtude de os homens desejarem estabelecer cadeias comunicativas, seja para informar, con- vencer, emocionar, seja para explicar, determinar, aconselhar. Mas, para que isso acontecesse, foi necessário a criação de línguas que expressassem maneiras particulares de conceber os significados, as formas de uso, os mecanismos de elabora- ção do universo das palavras. Em nosso caso, o código comum é a língua portuguesa: graças a ela, produzimos os efeitos do sentido. No entanto, não se deve considerar o código comum como uma referên- cia padrão que se mantém inalterada. Ao contrário, a língua possui variabilidade, usos diferenciados conforme a situação cultural, econômica, etária e regional do usuário. Para se comunicar o falante não precisa necessariamente dominar as regras da gramática escolar. No entanto, ele utiliza (mesmo sem ter consciência disso) uma “gramática natural”, que admite a construção me dá um cigarro, mas não admite, por exemplo, a construção me cigarro um dá. Ou seja, essa 24 Linguística gramática natural possui um sistema de regras que formam a estrutura da língua, e que os falantes interiorizam ouvindo e falando. (Celso P. Luft, in Língua e liberdade) Fonte: NETO, José Borges. Ensaios de filosofia da Linguística, 2004, p.50-51. Para Refletir Com base nessa breve introdução aos estudos linguísticos, re- flita sobre a seguinte questão: Filólogo, linguista e gramático é tudo a mesma ‘coisa’? Após refletir, organize suas ideias e discuta no AVA com seus colegas. 1.2 CONCEITOS BÁSICOS PARA A COMPREENSÃO DAS TEO- RIAS LINGUÍSTICAS E DAS DIFERENTES GRAMÁTICAS. Não sei se você tem preferência por alguma língua (por achá-la ‘mais bonita’) ou se prefere um sotaque a outro (por achar ‘feio’), ou algo assim. Mas, aviso aos que se encaixam nes- ses exemplos que o princípio básico da linguística é: Isto se justifica porque, diferente da visão tradicional pres- critivista, a perspectiva linguística acredita que é natural de toda língua apresentar variações. TODAS AS LÍNGUAS E SUAS VARIAÇÕES TÊM O MESMO VALOR. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 25 No entanto, como esses fenômenos linguísticos são estu- dados, vai depender da concepção de língua e de gramática dos teóricos. Logo, veremos conceitos que correspondem às três principais correntes teóricas dos estudos linguísticos. Nesse início de curso, é comum a dúvida a respeito da cor- rente teórica que determinado autor segue. Ao longo do curso poderemos identificar melhor as ideias principais de cada escola linguística. Entretanto, a depender da sua atenção às aulas e do seu empenho extra-classe, é bem provável que no final desse encontro você possa agrupar em três polos as teorias identifica- das correspondentes a uma das três principais concepções de língua. Vejamos a seguir: 1) A língua é uma atividade mental. 2) A língua é uma estrutura. 3) A língua é uma atividade social. A língua como atividade mental Esta vertente que concebe a língua como uma atividade mental tem origem nas racionalistas clássicas e modernas. No séc. XIX foi retomada por Wilhelm von Humboldt, e no séc. XX, a partir de 1957, por Chomsky. Este teórico é o principal representante do Gerativismo. Nessa perspectiva, a natureza da linguagem está re- lacionada à estrutura biológica, pensamento este que deu origem à Gramática Gerativa (ver Tema 2). Essa concepção de gramática fundamenta-se em dois princípios teóricos básicos: - princípio do inatismo – consiste em afirmar a existência de uma estrutura inata constituída de princípios gerais que estariam presentes em todas as línguas. A esse conjunto de princípios, os gerativistas atribuíram o nome de Gramática Universal. Observe o esquema abaixo: 26 Linguística - princípio da modularidade da mente – de acordo com esse princípio, a mente humana é modular, o que significa dizer que é constituída por módulos ou partes. Essas divisões corres- pondem aos diferentes sistemas cognitivos, ou seja, cada módu- lo responde por uma atividade mental diferente. A língua como uma estrutura Esse conjunto de teorias toma parte do enunciado linguís- tico, estabelecendo que a língua é uma estrutura composta por signos. Estes, por sua vez, são constituídos por unidades organi- zadas em níveis dispostos hierarquicamente, como se descreve a seguir: Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 27 - o nível fonológico – fonema (sons com significado em uma língua). (ver tema 3) Ex.: pata e bata opõem-se pelos fonemas por um fonema /p/ e /b/. - o nível morfológico - morfema, palavra (ver tema 3) - o nível sintático (= sintagma e sentença). (ver tema 3) Obs.: Sobre esses níveis, vale ressaltar que alguns mode- los estruturalistas mais recentes incluem o nível discursivo. O principal representante dessa corrente teórica que con- cebe a língua como um sistema estruturado é Saussure. Com a publicação do seu Curso, o considerado pai do estruturalismo e da Linguística moderna instituiu a concepção de língua como estrutura e estabeleceu o campo de atuação da Linguística como disciplina autônoma. A partir da divulgação das ideias saussureanas, definiu-se o objeto de estudo da linguística e, especificamente, da Gramáti- ca Estruturalista. De um modo geral, gramática tem por base as dicotomias propostas por Saussure (ver Tema 2), que podem ser assim resumidas: - significante x significado – compõem o signo linguístico 28 Linguística - langue x parole – constituem o objeto linguístico. (língua) (fala/discurso) - sincronia (=descritiva) x diacronia (=histórica) - o estudo da língua pode ser feito numa determinada sincronia (recorte de tempo (década ou século), ou numa perspectiva histórica (a par- tir de dois períodos (ver tópico 1.1). - sintagma x paradigma – são os dois eixos de relações sobre os quais a língua é feita. Correspondem, respectivamente, ao eixo horizontal (ordem-sequência) e vertical (associação - es- colha). Como detalharemos a seguir essa dicotomia, apresento resumidamente os tipos de sintagma. Como se observa, as dicotomias são formadas sempre por duas ideias opostas. As duas correntes teóricas que apresentamos, até aqui, com- partilham, de um modo geral, a maneira de ver a língua. Isto se diz porque ambas, tanto o Gerativismo (a Gramática Gerativa) quanto o Estruturalismo (a Gramática Estrutural), preservando suas parti- cularidades, concebem a língua como um fenômeno homogêneo. Assim, o empenho dos gerativistas e estruturalistas conferiram à Linguística autonomia enquanto disciplina científica. Todas as aulas... ↑ ↑ ↑ Todos os alunos fizeram a prova. ↓ ↓ Sintagma verbal Sintagma nominal Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 29 A língua como atividade social No que diz respeito à terceira corrente teórica, a língua é vista como uma atividade social por meio da qual emitimos in- formações, expressamos sentimentos e agimos sobre o outro. De acordo com essa perspectiva, a língua é um somatório de usos concretos, historicamente situados, que envolve sempreum locutor e um interlocutor. Estes, por sua vez, estão situados num determinado espaço; em geral, interagem a propósito de um tópico previamente combinado. Diante disso, conlui-se que a língua como atividade social é heterogênea. Em consequência dessa nova concepção, que diverge das duas correntes teóricas anteriormente citadas, a Gramática dei- xa de ser uma disciplina científica autônoma, passando a buscar pontos de contacto com outras ciências, tais como: a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Semiologia, a Ciência Política, a História e a Filosofia. Algumas teorias auxiliares compartilham dessa visão interdisciplinar dos estudos linguísticos: Língua como comunicação: - Jakobson (1969, p. 19), ao estabelecer os elementos do contexto comunicativo – emissor, receptor, tema, código, canal e mensagem. (ver tópico 1.1) –, enfatizou o lado social da comu- nicação. 30 Linguística - Alguns linguistas da Escola de Praga, por sua vez, a exem- plo de Mathesius, elaboraram uma teoria da comunicação em sua argumentação sintática, desenvolvendo hipóteses a respeito da “articulação tema e rema”. a língua como um conjunto de funções socialmente defi- nidas - De acordo com esta teoria, as estruturas linguísticas não são autônomas, podem, portanto, ser descritas e interpretadas a partir das propriedades seguintes: i) flexibilidade e vulnerabilidade às pressões do uso; com- binam padrões morfossintáticos com as estruturas emergentes; ii) não-arbitrariedade das estruturas; iii) dinâmismo, que cor- responde à capacidade de refazimento (reelaboração) das línguas através do pro- cesso de gramaticalização. Nesse sentido, não tem uma gramática, o que elas têm são gramaticalizações. Essa obra apresenta de forma clara os principais conceitos e teorias envolvidos no processo de gramaticalização. a língua como um conjunto de atos de fala. a variação e a mudança como fenômenos inerentes à heteroge- neidade da língua. a língua como discurso. Para saber mais sobre ‘variação lin- guística’, leia o texto: BASSO, Renato; ILARI; Rodolfo. A variação que vemos e a variação que esquecemos de ver. Contexto, 2007, p151-196. Gramaticalização é um fenômeno que reflete a necessidade de se refazer, próprio de toda gramática. Basicamente, consiste na passa- gem de um item lexical para a condição de “mais gramatical“. Para saber mais sobre gra- maticalização indico a leitura de: GONÇALVES, S. C. L. et al. (Org.). Introdução à gramaticalização. São Paulo: Parábola, 2007. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 31 Por fim, a gramática da língua, a partir da concepção de lín- gua como atividade social, consiste num conjunto de regras em que se procura correlacionar as classes, as relações e as funções com as situações reais em sociedade, no contexto em que elas foram geradas. Para que isso ocorra, essa gramática – denomina- da Gramática Funcional (ou Funcionalista) – vai além da senten- ça, avançando na análise dos textos inteiros. Texto complementar O que vem a ser uma teoria linguística? Para que serve? Ataliba Castilho Teoria é uma palavra grega que quer dizer “visão”, “ponto de vista”. Lembre-se da fábula dos deficientes visuais e do elefante. Foi mais ou menos assim. Três deficientes visuais rodearam um elefante. Um pegou em seu rabo e disse que o elefante era um animal cilíndrico, fininho e duro como uma corda, ocupando no espaço uma posição va- riável. Outro apalpou uma das pernas e logo discordou do primeiro: o elevante até pode ser cilíndrico, mas não é fininho, nem duro, e ocupa no espaço uma posição fixa, vertical. Um terceiro conseguiu agarrar a tromba e considerou que seus dois colegas estavam certos só até cer- to ponto: cilíndrico, OK, posição variável, OK, mas nem fino nem duro. Qual deles estava certo? Individualmente, nenhum. Coletiva- mente, todos, ainda que sua visão do elefante fosse apenas aproxi- mativa. Eles tiveram opiniões diferentes por que tiveram “pontos de vista” diferentes – permitam-me usar respeitosamente essa expressão, que é igualmente usada pelos deficientes visuais, visto que, como se sabe, nossa fala é recheada de imagens. Isso sem mencionar que os deficientes visuais desenvolvem bastante os outros sentidos. Então, se um quarto deficiente subisse em seu lombo, e um quinto apalpasse suas trombas, teriam surgido mais duas opiniões, pelo menos. Nossa percepção sobre o elefante teria melhorado, mas ainda assim faltaria 32 Linguística muito para que conhecêssemos a coisa por inteiro. Primeira moral da história: a língua é o elefante, os usuários da língua, os linguistas e os gramáticos são os deficientes visu- ais. Assim como o elefante é um objeto parcialmente escondido para quem não enxerga bem, assim a língua é um objeto escon- dido para todo mundo, mesmo para aqueles que enxergam bem. Segunda moral da história: a cada ponto de vista corresponde uma percepção do que é a língua. Nenhuma está errada, a menos que se torne inconsistente em relação ao ponto de vista adotado. Imagine a confusão se um dos deficientes visuais deixasse de lado o tato, que estava sendo utilizado pelos outros, e usasse outro dispo- sitivo dos sentidos, como o olfato, ou a audição, por exemplo. Sua opinião, por mais valiosa, seria inconsistente com a de seus colegas. Seria de pouca utilidade comparar cheiros com formas, por exemplo. Transposta a situação da fábula para o estudo da língua por- tuguesa, fica claro que se não dispusermos previamente de um ponto de vista sobre a língua, torna-se difícil refletir coerentemen- te e com a maior amplitude possível sobre esse objeto escondido. Saussure acrescenta que na Linguística “o ponto de vista cria o objeto” – e apenas isto já mostra a importância das teorias para o estudo das línguas. Por objeto pode-se entender tanto o objeto teórico (isto é, o ponto de vista sobre a língua), quanto o objeto empírico (isto é, os materiais sobre que fundamentare- mos nossa análise). Saussure sabia o que estava falando! (Disponível em: www.museudalinguaportuguesa.org.br) Para Refletir Você já consegue definir qual é a melhor teoria para o estudo da língua portuguesa? Busque mais informações e discuta com seus colegas no fórum do AVA. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 33 1.3 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E SUAS TEORIAS Como é que as crianças podem falar? O adulto tem, na aprendizagem infantil, papel fundamental na aprendizagem da língua? Existe uma gramática universal? Caro leitor, estas e outras questões intrigam os estudiosos da linguagem desde muito tempo. A aquisição da linguagem é assunto que é estudado por algumas teorias que serão explana- das aqui. Behaviorista O estruturalismo (ver tópico sobre “Estruturalismo”) bus- cou na psicologia behaviorista a explicação para a aprendizagem da língua. Visão associacionista entre som e significado, tipo de aproximação que previa o aprendizado de comportamentos não- linguístico e linguístico, por meio de estímulos, priva- ções e reforços; resumo na visão de Skinner (1957), para o comportamento. Skinner sugeria ser capaz de predizer e controlar o com- portamento verbal mediante variáveis que controlam o compor- tamento (estímulo, resposta e reforço). Esse esquema serve para verificar a interação que determina a resposta verbal particular. Um estímulo externo provoca uma resposta externa do organis- mo. Se a resposta for positiva, o comportamento se mantém. Já se a resposta for reforçada negativamente, o comportamento é eliminado. E se não há reforço, tanto positivo como negativo, é a desaparecer que tende o comportamento. S (estímulo) → R (Resposta) → Reforço Relembrar as teorias de Skinner no livro de Psicologia da Educação, no tópico 1.2 Cor- rentes Teóricas da Psicologia: Behavioris- mo, Gestalt, Psicanálise. 34 Linguística Empirismo A aquisição da linguagem não é caótica, sujeita a incer- tezas somente. O fato de as crianças, porvolta de três anos, serem capazes de fazer uso produtivo de suas línguas suscita a questão de como estas línguas são aprendidas, adquiridas. É essa a questão que as teorias de aquisição tentam responder. As propostas do empirismo entendem-se aquelas para as quais o conhecimento é originado da experiência. A questão proble- matizada é de como as ideias adquiridas, dotadas de capacida- de de formar associações entre estímulo, ou entre estímulo e resposta, com base na similaridade e proximidade. A estrutura não está no indivíduo, nem é construída por ele, mas está no exterior, fora do organismo. Inatismo A hipótese do Inatismo de dizer que o ser humano é possuidor de uma gra- mática inata remonta a Chomsky (1965). Sua pro- posta afirma que existe uma gramática universal, que é uma matriz biológica responsá- vel pela grande semelhança entre as línguas e pela rapidez com que as crianças aprendem a falar. Essa corrente dá maior importância ao organismo, à codifi- cação genética, que traz muitas informações sobre o comporta- mento humano, a personalidade, a capacidade de compreensão de quantidades, a capacidade de distinção entre os sons da fala e Relembrar as teorias de Chomsky no livro de Psicologia da Educação no tópico 2.2 Correntes teóricas do desenvolvimento: Inatismo, Ambientalismo e Interacionismo. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 35 outros sons, entre outras informações. O meio, o papel somente de acionar o dispositivo responsável pela aquisição da linguagem. Hipóteses construtivistas e interacionistas Há diferentes abordagens que tentam dar conta da lingua- gem a partir das relações interativas entre as crianças e o ambien- te, sendo a linguagem consequência da construção da inteligência em geral (hipótese construtivista de Piaget) ou entre a criança e as pessoas com quem ela convive (hipóteses interacionistas). Cognitivismo construtivista Desenvolvida pelo es- tudioso suíço Jean Piaget, sua visão tem por base a ideia de que o desenvol- vimento das estruturas do conhecimento ou estrutu- ras cognitivas é feito pela interação entre ambiente e organismo. Ou seja, não existe uma gramática independente de outros do- mínios cognitivos. O conhecimento linguístico não seria inato, mas sim, per- mite que a experiência seja armazenada e recuperada na intera- ção entre ambiente e organismo. Interacionismo social Proposta desenvolvi- da pelo psicólogo soviético Vygotsky (1996), explica o desenvolvimento da lin- guagem e do pensamento Relembrar as teorias de Piaget no livro de Psicologia da Educação no tópico 2.2 Cor- rentes teóricas do desenvolvimento: Inatis- mo, Ambientalismo e Interacionismo. Relembrar as teorias de Vygotsky no livro de Psicologia da Educação no tópico 2.2 Cor- rentes teóricas do desenvolvimento: Inatis- mo, Ambientalismo e Interacionismo. 36 Linguística com base na interação entre os indivíduos. Autor, fala e pensa- mento têm origens genéticas diferentes. Desta forma, o mais importante está na troca comunica- tiva entre a criança e o adulto contexto em que a linguagem e o pensamento são desenvolvidos. As estruturas construídas so- cialmente são internalizadas quando a criança passa a controlar o ambiente e o próprio comportamento. Visão sociocognitiva O sociocognitivismo junta a base social, interacional, com a base cognitiva. A aquisição da linguagem dá-se em termos funcio- nalistas, assim, o processo começa quando a criança passa a en- tender que existe uma intenção no ato comunicativo dos adultos. O conjunto de habilidades cognitivas que caracterizam os humanos modernos constitui o resultado de algum processo ca- racterístico, unicamente da espécies de transmissão cultural. Os estudos sobre Aquisição da Linguagem Como vimos, na abertura deste tópico há alguns questiona- mentos a respeito da linguagem da criança que vêm provocando várias especulações entre leigos ou estudiosos dessa área de pes- quisa. No entanto, a produção científica nesse campo de investi- gação não acompanhou as demais áreas dos estudos linguísticos. Hoje, numa época em que as crianças “só faltam nascer fa- lando”, o número de pesquisas nesse campo vem aumentando, na tentativa de entender como seres tão pequenos, e com tão pouca experiência de vida, podem ser tão criativos no que se refere ao uso da língua. Essas pesquisas sobre o que e como a criança aprende a falar tiveram início, de forma mais sistemática, no século XX. A partir de então, diversos estudiosos passaram a estudar os fe- Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 37 nômenos da linguagem e do pensamento infantil. Psicólogos do desenvolvimento, a exemplo de Stern, Bühler, Binet e Guillaume, entenderam que a linguagem infantil está relacionada à atividade intelectual exercida pela criança desde os primeiros anos de vida. Durante a primeira metade do século XX, as pesquisas so- bre a aquisição da linguagem nos Estados Unidos eram de base mecanicista. Nessa época predominava, no campo científico, a corrente Behaviorista ou ambientalista, pensamento este que do- minou as teorias da aprendizagem nesse período. Como vimos, de acordo com as ideias behavioristas, a aprendizagem da linguagem seria resultado da exposição ao meio, em decorrência de mecanismos comportamentais como reforço, estímulo e resposta, conforme Scarpa (2001). Desse modo, a linguagem passaria a ser vista como a origem física de todo o pensamento. Para Refletir Como vimos, a aquisição da linguagem por pessoas não-por- tadoras de alguma deficiência já é complexa. Você já conheceu alguém que tem dificuldades para falar determinadas palavras? E os surdos-mudos, como será que eles adquirem a linguagem? Ficou interessado sobre esse linha de pesquisa? Passe a obser- var essas situações e compartilhe com seus colegas no AVA o que você conseguiu perceber. Ler o texto: O instinto da linguagem (um best-seller na Neu- rociência) – resenha do livro “The language instinct”. CAMPOS, Jorge. O instinto da linguagem (um best-seller na Neu- rociência) – resenha do livro “The language instinct”, de Steven Pinker. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. V. 3, n. 5, agosto de 2005. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. 38 Linguística 1.4 DO ESTUDO ‘ACIENTÍFICO’ À CIÊNCIA DA LINGUAGEM: UM BREVE HISTÓRICO Enfim, chegamos ao último tópico do nosso primeiro tema. Isto não significa dizer que as perguntas acabaram. En- tão, vamos lá! É possível imaginar quando começaram, de fato, os estu- dos linguísticos? Enfim, existe (ou não) uma ciência da linguagem? Em geral, costuma-se, datar o nascimento da Linguística moderna, de maneira mais precisa, no ano de 1916, quando foi publicado, em francês, o livro Curso de Linguística Geral, do suí- ço Ferdinand de Saussure (1857-1913). Realmente, após a publi- cação desse livro, o estudo das línguas humanas não foi mais a mesmo. A importância dessa publicação foi tão grande que outros cientistas começaram a aplicar os mesmos critérios e métodos de Saussure em suas próprias áreas de conhecimento, fazendo nascer uma das mais importantes escolas científicas do século XX, o estruturalismo. As ideias dessa escola influenciaram, além da Linguística, também a Antropologia, a Psicanálise, a Psicolo- gia, a Filosofia, etc. No entanto, não se deve imaginar que a Linguística surgiu assim, com data fixa, como se resultasse do esforço de apenas um pesquisador. Conforme os manuais de Linguística, os estu- dos nessa área tiveram início com o trabalho investigativo de muitos pesquisadores, sobretudo dos que se ocupavam com os estudos de comparação entre as diferentes línguas – de caráter ‘acientífico’ –, aos quais o próprio Saussure recorria). Destaca- se, portanto, que as bases da moderna ciência da linguagem já tinham sido lançadas, na realidade, durante o século XIX. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 39 A “linguística” antes do século XIX A linguísticaocidental teve início em Atenas com os Pensamentos de Platão. Tendo sido o primeiro pensador eu- ropeu a refletir sobre a problemática da linguagem, esse filó- sofo levantou quastionamentos importantes, aos quais se re- corre até hoje. Ressalta-se, porém, que muitas de suas ideias foram importadas da tradição judaica, da linguística hebraica e árabe e, também, da India. No entanto, a tradição ociden- tal apresenta um padrão de desenvolvimento próprio e bem definido. No século XVIII, vários linguistas, de forma independente, destacaram-se no interesse pelo estudo das línguas, dentre eles Sir William Jones, chegando à descoberta de que o sânscrito relacionava-se com o latim, o grego e outras línguas europeias. Não se pode dizer que a linguística oitocentista seja a responsável pela descoberta ou invenção dos estudos da mudança linguísti- ca, no entanto, é necessário ressaltar a importância da reflexão linguística durante este século. Uma vez que inaugura uma nova concepção da relação história do tempo/história da linguagem e constrói um novo plano para sua análise, a reflexão oitocentista a respeito das mudanças observadas nas línguas constitui um marco na História da Linguística. O desenvolvimento da Linguística dentre as Ciências Hu- manas pode ser constatado na vasta bibliografia e no número crescente de produções científicas em andamento nos diversos cursos de graduação e pós-graduação em Letras, em diferentes países (independente da língua), especificamente nas universi- dades brasileiras. Esse avanço científico se torna possível pela aplicação de princípios e conceitos que fundamentam os estu- dos linguísticos e são, portanto, indispensáveis aos futuros pro- fessores de línguas e profissionais de áreas afins. 40 Linguística A linguística moderna Como vimos na introdução deste livro, foi depois da publi- cação do ‘Curso de linguística geral’, de Ferdinand de Saussure, a partir do século XX, que os estudos linguísticos acabaram se dividindo em dois grandes polos: formalista e funcionalista (ver Tema 2). Tais perspectivas de análise, segundo Berlinck; Augus- to; Shaer, (2006, p.210), “constituem as duas vias principais pelas quais se têm desenvolvido os estudos linguísticos de um modo geral nesse último século”. No que diz respeito às teorias formalistas, o que engloba o estruturalismo (ver tópico 2.2) e o gerativismo (ver tópico 2.3), conforme dito, viu-se que a língua contextualiza-se nela mesma, ou seja, nas suas propriedades internas, e seleciona a gramática como seu componente central. Como principais representantes dessa linha de investigação tem-se Saussure, no Estruturalismo, e Chomsky, no Gerativismo (ver tema 2). Ao longo do século XX, muitas outras escolas de estudos linguísticos foram se desenvolvendo, produzindo uma quanti- dade enorme de pesquisa, revelando aspectos até então nunca explorados do funcionamento das línguas e mostrando definiti- vamente a inadequação e as limitações das análises tradicionais (mas sempre reconhecendo seu pioneirismo). Diante disso, sur- giram outros campos de estudo das línguas, além dos campos tradicionais - fonética, morfologia, sintaxe, semântica –, cada uma com seus objetivos e métodos de trabalho próprios. Divisões da Linguística Conforme anunciamos no parágrafo anterior, o campo da Linguística é constituído de diversas áreas, nas quais se desen- volve o estudo da linguagem com diferentes enfoques. Vejamos uma ilustração da divisão geral da Linguística: Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 41 Fonte: http://www.cefala.org/fonologia/imagens/img_divisoes_linguisti- ca_PQ.jpg Como se observa, os fenômenos linguísticos podem ser analisados à luz da Psicolinguística, da Sociolinguística, Pragmática, etc. É importante ressaltar que cada uma dessas áreas, principalmente as tradicionais, ainda se rami- fica (a Fonética, por exemplo, divide-se em Fonética Articulatória, Fonética Acústica, Fonética Auditiva e Fonética Instrumental). 42 Linguística Texto complementar HISTÓRIA DA LINGUÍSTICA: A opção “HISTÓRICA” No século XIX, os estu- dos linguísticos sofrem uma modificação em seu caráter, em função da al- teração de seus objetivos. Ao invés de se estudar a linguagem para fazer filo- sofia ou para fazer crítica literária, como nos sécu- los anteriores, passa-se a estudar a linguagem pen- sando-se em fazer ciên- cia. Em oposição a toda a linguística precedente, os linguistas desse perí- odo – os comparativistas- pretendem que a sua linguística seja “científica’: nos moldes da noção de cientificidade que se impôs no início do século XIX. Esse novo objetivo vai de- terminar não só uma metodologia como também um novo objeto para a linguística. A proposição de “fazer ciência” for- ça os comparativistas a se afastarem da praxis dos linguistas precedentes e a desenvolverem novas formas de abordar os fatos linguísticos, bem como os força a definir um novo obje- to para a linguística, um objeto em que seja possível encon- trar regularidades que possam ser enunciadas sob a forma de leis (o que antes se buscava eram normas ou regras).A comparação entre as línguas e a história de seus desenvolvi- mentos é esse novo objeto. A descoberta do sânscrito (antiga língua da India, pre- Indicamos o livro: Quinhentos anos de história linguística do Brasil [MATTOS E SILVA, R. V. Uma compre- ensão histórica do Português Brasileiro (PB): velhos problemas repensados. In: CARDOSO, S. A. M.; MOTA, J. A.; MAT- TOS E SILVA, R. V. (Org.). Quinhentos anos de história linguística do Brasil. Sal- vador: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia, 2006. p. 219-254. Nese livro você encontra uma coletânea de textos na área da Linguística Histórica com resultados de várias pesquisas.] Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 43 servada por razões religiosas) foi o lance de sorte que per- mitiu que Franz Bopp criasse uma nova forma de encarar os fatos linguísticos. Tudo levava a crer, no início do século XIX,que a comparação entre as línguas fosse um bom lugar para se encontrar regularidades.Os paradigmas de declina- ção do grego e do latim, quando comparados com o paradig- ma do sânscrito, exibiam regularidades notáveis e permitiam a obtenção de hipóteses razoavelmente bem fundadas sobre o processo evolutivo que separou as três línguas. Como as primeiras regularidades tivessem sido observadas nos sis- temas morfológicos e fonológicos das línguas comparadas (línguas com flexão de caso e com sistemas fonológicos já descritos de forma razoável), foi, obviamente, sobre a morfo- logia e a fonologia das línguas que os comparativistas - como o bêbado da piada - debruçaram-se. A história das línguas, obtida a partir do método comparativo, passou a ser central, na medida em que permitia um estudo científico dos fatos linguísticos,ou seja, permitia a obtenção de leis gerais que descrevem regularidades. Ao contrário do que ocorreu no século XVIII, quando surgiram inúmeras hipóteses sobre a origem e o desenvol- vimento das línguas, os comparativistas limitaram-se a des- crever os fatos e não tentaram explicá-los. Eles se recusaram a levantar hipóteses, seja sobre a direção das mudanças lin- guísticas, seja sobre suas razões. A linguística do século XIX privilegiou a “adequação descritiva”, para usar os termos de Chomsky. Todos os aspectos da linguagem para os quais não se dispunham de leis descritivas razoáveis, formuladas em termos histórico-comparativos, foram relegados a um segun- do plano. A linguística histórico-comparativa do século XIX força- nos a reconhecer uma terceira opção, ao lado das opções nocional e filológica. Chamemo-la de histórica. 44 Linguística A opção histórica, como seu nome indica, concentra sua atenção no caráter dos fenômenos linguísticos. Nessa perspectiva, a questão da variação liguística, no tempo e no espaço, passa a ser o objeto de estudos. Isso significa, en- tre outrascoisas, que se abandona a idéia de que a tare- fa da lingüística é identificar uma essência da língua (seja ela localizada na sua função representativa, como pretende a perspectiva nocional, seja numa forma pura e privilegiada de expressão, como pretende a perspectiva filológica), mas se reconhece que as línguas, como todo fenômeno humano e social, mudam historicamente e que, portanto, a tarefa de quem quer que seja no estudo objetivo (“científico”) da lin- guagem é descrever mudanças e descobrir as leis subjacen- tes. Essa opção é típica do século XIX e seus principais re- presentantes são comparativistas – como Bopp, Schleicher, Grimm e Schlegel – e neogramáticos como Osthoff, Brüg- mann, Delbrück e Hermann Paul. Para Refletir Linguística Histórica e História da Linguística têm o mesmo sig- nificado? Reflita e compartilhe sua opinião no AVA com seus colegas. Tema I | Conceituação e cronologia dos estudos linguísticos 45 Resumo do Tema I Ao longo dos conteúdos deste primeiro tema buscamos esclarecer algumas questões básicas sobre a natureza da lingua- gem humana, visando a sua descrição em geral. Mostrou-se, por- tanto, que a linguagem humana constitui-se o objeto da Linguísti- ca, mas que este mesmo objeto pode ser estudado, também, por outras ciências, porém com objetivos distintos da ciência que dá nome a esta disciplina – a Linguística. Observamos, por fim, que os estudos linguísticos já eram realizados de maneira “acientífica” (na antiguidade clássica) e que se afirmou cientificamente após Saussure vindo a se destacar no campo das ciências humanas. Na sequência do livro, veremos como se desenvolveu o fazer científico sobre a língua(gem), ou seja, quais as princi- pais teorias e teóricos da Linguística. 2 Principais teóricos/teorias da Linguística moderna No nosso primeiro encontro, você foi convidado a entrar no universo da língua(gem), onde, conhecemos um pouco das principais teorias linguísticas ao estudarmos os conceitos básicos e princípios da Linguística. Hoje, no nosso segundo tema, convido você a mergulhar no estudo das principais teorias da Linguística moderna. 2.1 FORMALISMO X FUNCIONALISMO: CORRENTES E TEO- RIAS LINGUÍSTICAS No primeiro tópico do tema 1 falei a respeito de uma obra que foi de fundamental importância para a história e consolidação dos estudos da linguagem. Alguém lembra que obra é essa? E o que aconteceu após a sua publicação? Como vimos, rapidamente, a partir do século XX, os estudos linguísticos agruparam-se em dois grandes polos: de um lado os formalistas e do outro os funcionalistas. 48 Linguística Essas escolas teóricas, segundo Berlinck; Augusto; Shaer, (2006, p.210), “constituem as duas vias principais pelas quais se têm desenvolvido os estudos linguísticos de um modo geral nesse último século”. Visão geral: forma x função De acordo com a visão formalista, a língua é objeto formal abstrato, ou seja, um conjunto de orações. A gramática, por sua vez, é concebida como uma tentativa de caracterizar esse objeto abstrato, em termos de regras da sintaxe formal. Já na visão funcionalista, língua é um instrumento de interação social, logo não existe por si só, mas sim em virtude de seu uso, visando à interação entre os falantes. Na visão funcionalista, observa-se a língua na situação social que gera as estruturas. Contudo, ao se fazer um confronto dessas duas teorias, foi possível concluir que a notória divergência de pontos de vista não implica dizer que os estudos funcionalistas excluíram as ideias dos estudos formalistas, senão que acresceram a noção de funcionalidade à concepção estrutural (formal) da língua. Segundo Pezatti (2004, p.175), “os diferentes enfoques não estudam objetos diferentes, mas elegem diferentes fenômenos do mesmo objeto”. Isto se justifica porque, na visão do autor, “enquanto forma função X Tema II | Principais teóricos/teorias da Linguística moderna 49 a linguística formal gera explicações a partir da própria estrutura”, a linguística funcional “encontra bases explanatórias na função que exercem as unidades estruturais” (PEZATTI, 2004, p.168). Até o século XIX, predominava uma visão estritamente formal da língua, desenvolvida pelo Estruturalismo. O Funcionalismo, que dá preferência à função da língua em vez da forma, desenvolveu- se mais intensamente a partir da década de 1970, mas tem suas raízes na Primeira Escola Linguística de Praga, em voga nos anos 40 e 60, cujos principais representantes eram Trubetzkoy, Jakobson, Karcevsky e Martinet. Segundo Neves (1997), a ‘Escola linguística de Praga’ é a designação que se dá a um grupo de estudiosos que começou a atuar antes de 1930, para os quais a linguagem, acima de tudo, permitia ao homem reação e referência à realidade extralinguística. Em 1946, Martinet afirmava que “a língua é um sistema de meios adaptados a um fim” (a comunicação). Desse ponto de vista, a língua varia durante a comunicação. Contestando preceitos de Saussure, ao se opor à ideia da “sincronia estática”, Martinet propõe uma “sincronia dinâmica”: a língua está em constante mutação e evolui para atender às necessidades de uma comunidade. Para Saussure, a língua é um fato social independente do indivíduo, e, ao estabelecer a dicotomia langue vs parole, considera a fala, mas não estuda a realidade individual, e sim o sistema. Mathesius, por sua vez, visto como um dos principais representantes da corrente funcionalista, também já destacava em seus trabalhos que na comunicação as formas lexicais e gramaticais de uma língua são produzidas para servir a um propósito especial imposto sobre elas pelos falantes no momento da interação. Funcionalismo ou Funcionalismos? De acordo com Neves (1997), não há uma teoria monolítica do funcionalismo. Este modelo apresenta vertentes bastante diferentes que compartilham a ideia de que a linguagem é um instrumento de comunicação e interação social e estabelecem 50 Linguística um objeto de estudo baseado no uso real (não há distinção entre sistema e uso). Segundo Pezzati (2004, p. 168), na perspectiva funcional “a linguagem é vista como uma ferramenta cuja forma se adapta às funções que exerce e, desse modo, ela pode ser explicada somente com base nessas funções, que são, em última análise, comunicativas.” O termo “função” remete à dependência de um elemento estrutural com relação a elementos linguísticos de uma ordem estrutural ou não-estrutural. Bühler chamou a atenção para o fato de que a língua tem funções: - representativa (descrição do contexto social do falante); - apelativa (necessária para chamar a atenção do receptor e modificar seu comportamento) e de; - exteriorização psíquica (expressão dos sentimentos do falante). Jakobson retoma as funções de Bühler ao propor as funções da linguagem: emotiva, metalinguística, poética, apelativa, fática e referencial. Essas ideias influenciaram a corrente funcionalista, segundo a qual tudo o que se passa no fenômeno linguístico requer uma função, um motivo. Isso implica dizer que essa vertente se contrapõe à visão estruturalista, que concebia a linguagem como imotivada, arbitrária. Para sintetizar o principal pen- samento das teorias funciona- listas é necessário ir ao pensa- mento de Martinet. Para ele o objeto da verdadeira linguísti- ca é o modo como as pesso- as conseguem comunicar-se pela língua, e o linguista, por sua vez, deve ser sempre guiado observando a compe- tência comunicativa. André Maertinet (1908-1999), um linguista francês, foi professor de linguística francesa e destacou-se dentro da corrente do funciona- lismo linguístico. Quando jovem, esteve em contato com os mestres do Círculo Linguísti- co de Praga, o que lhe possibilitou, mais tar- de, desenvolver a teoria funcionalista, que vi- ria a influenciar profundamente as gerações de linguistas posteriores, estabelecendo, as- sim, mais um paradigma em linguística. Tema II | Principais teóricos/teoriasda Linguística moderna 51 Como vocês podem perceber, a questão primordial de toda a abordagem funcionalista de determinada língua é “explicar as regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as condições discursivas em que se verifica esse uso”. (CUNHA, 2008, In: MARTELOTTA, 2008, p. 158). No que tange à aquisição da linguagem e aos universais linguísticos, a abordagem funcionalista considera que a criança desenvolve o sistema linguístico subjacente ao uso, a partir de suas necessidades comunicativas na sociedade. Os universais, assim, devem ser explicados através dos fins de comunicação, dos contextos em que a língua é usada e das propriedades biológicas, psicológicas e cognitivas dos usuários Halliday, de acordo com Neves (1997), propõe uma teoria que tenta explicar fatos intrínsecos à língua. As múltiplas funções que a língua exerce se refletem na organização interna da língua, e a investigação da estrutura linguística revela as necessidades a que a língua serve. “A pluralidade funcional se constrói claramente na estrutura linguística e forma a base de sua organização semântica e simbólica, ou seja, lexical e gramatical.” (NEVES, 1997, p. 12) Halliday (1970) percebe a linguagem servindo, em um primeiro momento, à expressão do conteúdo (como função ideacional), em um segundo momento, à função interpessoal, mantenedora dos papéis sociais e, em um terceiro momento, à função textual, a qual trabalha a criação do texto. Para os funcionalistas, o importante é o uso das expressões linguísticas na interação verbal. É através dela que se conhece a interação social entre os indivíduos, estabelecendo-se assim, relações comunicativas entre os usuários. 52 Linguística A Gramática Funcional A Gramática Funcional, que estuda a gramática de uma língua e a sua instrumentalidade de uso, tem como base de investigação e análise a perspectiva funcional da linguagem natural, entendida como instrumento de interação social. Sob este enfoque, entende-se que cada falante tem competência comunicativa e que há reciprocidade entre os usuários de determinada língua possibilitando-lhes trocas de experiências linguísticas, sejam elas mentais ou práticas. A teoria linguística da gramática funcional, portanto, atenta para as questões da parte da linguagem que atuam na competência comunicativa, além de se preocupar com a implementação desta competência na interação social. Na gramática funcional os princípios sintáticos e semânticos da língua se explicam a partir do princípio pragmático (motivações psicológicas dos falantes, reações dos interlocutores, tipos socializados da fala, objeto da fala, etc.). A comunicação é, portanto, moldada de acordo com o ouvinte. Castilho não considera a existência de uma gramática funcional, mas uma sintaxe (funcional) do discurso. Para ele a sintaxe e a semântica são moldadas pelo discurso. Essa sintaxe funcional seria o estudo da competência comunicativa (o conhecimento que o falante tem do receptor e, sobretudo, das intenções dos falantes, o conhecimento linguístico e o conhecimento pragmático). Para Castilho, a competência comunicativa é vista como: 1) capacidade de criar sentidos e processar informações (semântica); 2) capacidade de criação textual (sintaxe); 3) capacidade de promover interação verbal (pragmática). Tema II | Principais teóricos/teorias da Linguística moderna 53 Para Refletir ‘Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?’ Certamente você já ouviu essa pergunta, mas não relacionada às teorias linguísticas. Então, tomando por base as abordagens formal e funcional da língua(gem), discuta com seus colegas no AVA como os representantes dessas correntes responderiam a seguinte questão: Quem veio antes, a forma (estrutura da língua determina o uso) ou a função (o uso molda as estruturas linguísticas)? 2.2 O ESTRUTURALISMO: A DE SAUSSURE Finalmente, chegou a hora de conhecermos melhor as ideias que revo- lucionaram os estudos lin- guísticos e consolidaram a ciência da língua(gem). Como se sabe, pela apre- sentação do Curso de Lin- güística Geral no Tema 1, essas ideias foram herda- das de Saussure e publica- das após a sua morte. Mas... o que é mesmo Estruturalismo? Quando se trata do termo estruturalismo, não é possível falar em um conceito único. Ainda que não considerássemos o uso desse termo por outras ciências, entre as próprias escolas linguísticas, as abordagens estruturalistas foram diferentes, tais Ferdinand de Saussure (Genebra, 26 de no- vembro de 1857 - Morges, 22 de fevereiro de 1913) foi um linguista suíço que contri- buiu de forma significativa para o desen- volvimento da linguística enquanto ciência. Suas teorias desencadearam o surgimento do estruturalismo e estimularam muitos dos questionamentos presentes na linguística do século XX. 54 Linguística como a europeia (representada por Saussure) e a Americana (representada por Bloomfield). No entanto, pode-se dizer, de um modo geral, que o estruturalismo consiste numa abordagem da língua (langue) como um sistema estruturado. O Estruturalismo europeu: a herança saussureana Diferindo do pensamento linguístico predominante no século XIX, cujo foco era necessariamente histórico, Saussure (1857-1913) estabeleceu que o estudo era, na verdade, bidimensional, comportando, assim, uma dimensão histórico- temporal – a diacronia – e outra estática – a sincronia, uma vez que concebia a língua (fala) como uma realidade em tranformação. No entanto, segundo essa ótica, as mudanças nunca afetariam o sistema (langue) – a língua – globalmente, o que ocorreria seriam apenas alterações de elementos da fala. Assim, opondo-se ao estudo da linguagem numa perspectiva histórica, Saussure ampliou o horizonte da ciência Linguística. Isto ocorreu porque, até então, os estudos nessa área atentavam para o ser da linguagem, e não para o seu funcionamento. Ao levantar essas questões, Saussure chama a atenção para a necessidade de a Linguística ampliar seu olhar para o estudo dos signos, sugerindo assim, a arbitrariedade dos signos e a rigidez do sistema. Nessa perspectiva, o que deve ser investigado é parte da língua comum aos falantes, ou seja, “o sistema, e não as mensagens a que ele serve de suporte” (ILARI, 2007, p. 53, In: MUSSALIM; BENTES, 2007). Tema II | Principais teóricos/teorias da Linguística moderna 55 Conforme vimos na breve apresentação das principais teorias linguísticas (tema 1), Saussure deixou um legado não só para a ciência da linguagem. As suas ideias resumem-se num conjunto de dicotomias (ver conteúdo 1.2), dentre as quais destacamos: língua e fala, sincronia e diacronia, paradigma e sintagma, significado e significante, forma e substância, motivado e arbitrário. Língua e fala De acordo com Saussure, a linguagem deve ser tomada como um objeto duplo, com seu lado social, a língua (langue), e um lado individual, a fala (parole), sendo impossível conceber um sem o outro. A língua na visão saussureana é um sistema supra-individual utilizado como meio de comunicação entre os membros de uma comunidade; corresponde assim à parte essencial da linguagem, um sistema gramatical depositado no cérebro de um conjunto de indivíduos pertencentes a uma mesma comunidade linguística. Daí seu caráter social. A fala por sua vez, segundo Saussure é a utilização prática, concreta de um código de língua por um determinado falante num momento preciso de comunicação, daí seu caráter individual. [Para saber mais sobre Saussure, leia: CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. Esse livro já se encontra em sua 12ª edição, contendo os fundamentos e uma visão crítica das iluminadas ideias do genial fundador da Linguística moderna. Nessa obra, de linguagem bastante acessível, você encontrará também exercícios com questões voltadas para o estudo da língua portuguesa de acordo com a perspectiva dessa teoria.] 56 LinguísticaPara Saussure, a língua é condição da fala, uma vez que, quando falamos, estamos submetidos ao sistema estabelecido de regras que corresponde à língua. O objeto de estudo da linguística estrutural é a língua e não a fala, sendo esta última tomada como objeto secundário. Isso se dá porque é na língua, conhecimento comum a todos, que se encontra a essência da atividade comunicativa, e não naquilo que é específico de cada um. Saussure não só apontava para um tipo de pesquisa totalmente diferente do que tinha praticado toda sua vida, como provocou uma mudança de atitude nos estudos linguísticos, mudança que é sentida até hoje. Sincronia e diacronia “É sincrônico tudo que se relacione com o aspecto estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito a evoluções. Do mesmo modo, sincronia e diacronia designarão, respectivamente, um estado de língua e uma fase de evolução” (SAUSSURE, 1975, p. 96). Enquanto um estudo sincrônico de uma língua tem como finalidade a descrição de um determinado momento no tempo, o estudo diacrônico busca estabelecer uma comparação entre dois momentos da evolução histórica de uma determinada língua. A linguística proposta por Saussure põe como prioritário o estudo sincrônico da língua: Saussure se opõe aos estudos sócio-comparativos do século XIX, mostrando que não há possibilidade de se fazer um estudo histórico sério se o lingüista se ocupar de meras “porções” da língua. A língua é um sistema e, na verdade, é o próprio sistema que muda e que é história. Assim, o estudo autônomo do sistema (linguística sincrônica) é condição lógica para o estudo de sua história (linguística diacrônica). (BORGES; NETO, 2004, p. 103) Tema II | Principais teóricos/teorias da Linguística moderna 57 Diante disso, Lucchesi (2004), conluiu que a nova dicotomia saussureana está relacionada com a primeira de forma direta: a sincronia correpondendo à língua, e a diacornia à fala. O signo linguístico A língua é um sistema de signos, ou seja, o signo é a unidade constituinte do sistema linguístico. Ele é formado por duas partes inseparáveis, como duas faces de uma folha de papel, o significado e o significante. O significante é uma imagem acústica de uma dado conceito, ou significado. Ambos são entidades psíquicas, então não se deve associar a imagem acústica a uma sequência de fonemas, pois não se trata do som material, já que a fala é excluída dos estudos estruturalistas. O signo linguístico é arbitrário, ou seja, a relação que se estabelece entre significante e significado não é motivado, e sim convencional. No entanto, Saussure admite que há signos parcialmente motivados, como dezenove. A Linguística pós-saussureana As gerações que se seguiram a Saussure mantiveram uma orientação estruturalista, estudando a língua sob um olhar sincrônico, preocupados com o sistema, com uma concepção de língua que priorizava a forma, em detrimento da substância. Estas correntes foram, entretanto, bastante diferentes entre si e, por isso, muitas vezes referiam-se a elas no plural, como estruturalismos; entre elas, há a Escola Linguística de Praga, com seu caráter funcionalista, a glossemática de Hjemslev, o funcionalismo de Martinet, entre outros. O aspecto mais característico da Escola de Praga, que teve forte atuação na década que antecedeu a II Guerra Mundial, é a 58 Linguística combinação de estruturalismo com funcionalismo. Para eles, a estrutura das línguas é, em grande parte, determinada por suas funções características. É também grande contribuição desta Escola a distinção entre tema e rema: o tema de um enunciado é a parte que se refere ao que já é conhecido ou dado no contexto (também chamado por outros teóricos de tópico ou assunto psicológico), e rema é a parte que veicula a informação nova (o comentário ou predicado psicológico). A glossemática, de Hjemslev, foi a escola linguística estrutural que mais procurou aplicar a tese saussuriana de que as línguas se constituem como sistemas de oposição, o que a levou a uma caracterização exaustiva das relações por meio das quais as línguas se estruturam. Isto fez com que fosse acusada de uma preocupação excessiva com os instrumentos de análise linguística e de produzir textos abstratos e de difícil aplicação. No entanto, há muitas distinções apresentadas por Hjelmslev que são bastante claras, tais como: a) A explicação de como a forma e a substância se articulam com a expressão e o conteúdo; e b) A demonstração de que a variedade de relações entre os eixos sintagmáticos e paradigmáticos é objeto de uma tipologia exaustiva. Com Saussure, a linguística passa a ter um ponto de vista próprio, “interno”, não subordinado ao de outras áreas do conhecimento. Indico a vocês a leitura de LUCCHESI, Dante. Sistema, Mudança e Linguagem. Parábola Editorial. São Paulo, 2004. Nessa obra, encontramos um percurso na história da linguística moderna, o autor aborda a problemática da contradição entre mudança e sistema e sistema questionando a ‘concepção de língua como sistema’ apresentada por Saussure. Tema II | Principais teóricos/teorias da Linguística moderna 59 Eugênio Coseriu, em seu livro Sincronia, diacronia e história, de 1973, contrapõe-se à visão de Saussure, propondo que se veja a língua como um sistema em movimento, em permanente sistematização. De acordo com a visão coseriana, as línguas são objetos históricos e, por isso, seu estudo deve envolver tanto descrição quanto história. Além de Coseriu, outros estudiosos, como William Labov, também questionaram e sugeriram alterações ao modelo de estudo separatista proposto por Saussure. Para Refletir Um dos princípios básicos da visão estrutural da língua é a arbitrariedade do signo. Você entende o que isto quer dizer? Reflita e discuta com seus colegas no AVA. Prof. Dr. Dante Lucchesi cursou o doutora- do em Linguística pela Universidade federal do Rio de Janeiro, após concluir o mestrado em Linguística Portuguesa Histórica pela Uni- versidade de Lisboa. Desde 1992 ele é pro- fessor de Língua Portuguesa da Universidade Federal da Bahia; é responsável pelo Projeto VERTENTES – grupo de pesquisa na área da sociolinguística que investiga os vestígios da crioulização na fala de comunidades afro-bra- sileiras. 60 Linguística 2.3 O GERATIVISMO E AS IDEIAS DE CHOMSKY O gerativismo é uma corrente de estudos linguísticos que teve início nos Estados Unidos, no final da década de 50, a partir dos trabalhos de Noam Chomsky. Considera-se o ano de 1957 a data de nascimento da linguística gerativa com a publicação de Syntactic Structures. Ao longo de meio século de existência, o gerativismo passou por diversas modificações e reformulações, que refletem a preocupação dos pesquisadores em elaborar um modelo formal capaz de explicar e descrever abstratamente o que é e como funciona a linguagem humana. A linguística gerativa surgiu em resposta e rejeição ao modelo behaviorista (ver tema1) de descrição dos fatos da linguagem, que interpretava a linguagem como uma resposta que o organismo humano produzia diante de estímulos externos que recebia. Esta resposta, a parte de repetição mecânica e constante, se tornaria um hábito, que caracterizariam o comportamento linguístico do falante. Com o gerativismo, as línguas deixam de ser interpretadas como um comportamento socialmente condicionado e passam a ser analisadas como uma faculdade mental natural. Conceito de Gramática Há definições diversas para o conceito de gramática, e o mais recorrente no senso comum é aquela da gramática tradicional, que é vista como um conjunto de regras do “bem falar”, que prescreve o que é certo e o que é errado em uma língua. O conceito de gramática adotado pela gerativa não é determinado por um padrão de correção. Partindo-se do princípio de que só os humanos são capazes de combinar um número finito de elementos. Tema II | Principais teóricos/teorias da Linguística moderna 61
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