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PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL CONTRIBUIÇÕES PARA PENSAR O PATRIMÔNIO EDIFICADO E A PAISAGEM CULTURAL Danilo Rodrigues MÓDULO 1 APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 01 I. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO PATRIMÔNIO MATERIAL NO BRASIL .......................................................................... 02 II. A CIDADE COMO ARTEFATO: DIREITO A HISTÓRIA E A MEMÓRIA .................................................................................................. 06 III. PATRIMÔNIO EDIFICADO E A PAISAGEM COMO CATEGORIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL ............................ 10 IV. O CONJUNTO URBANO, ARQUITETÔNICO E PAISAGÍSTICO DO CENTRO HISTÓRICO DE CUIABÁ ... 15 V. INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL .................................................................... 20 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 23 SUMÁRIO DANILO RODRIGUES É graduado em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Possui pós- graduação interdisciplinar em Patrimônio, Direitos Culturais e Cidadania (UFG). Atualmente é técnico em Educação Patrimonial e Patrimônio Cultural na empresa Archaeo Pesquisas Arqueológicas. Membro do Núcleo de Pesquisa em Antropologia Social, Artes, Performance e Simbolismos (NAPAS/UFMT) e do Instituto Ecossistemas e Populações Tradicionais (ECOSS). Tem experiência nas áreas de Antropologia Social, Etnologia Indígena, Patrimônio Cultural, Arqueologia e Educação Patrimonial. SOBRE O AUTOR Neste módulo iremos aprender alguns conceitos que orientam os sentidos do patrimônio material. Para tanto, é preciso nos atentarmos para a evolução das políticas patrimoniais no Brasil ao longo do tempo e do espaço. Isso nos ajudará a compreender o conceito de patrimônio como um constructo social, fruto de concepções que sinalizam o tempo, o lugar social de produção, perspectivas teórica, metodológicas e políticas atribuída a noção de patrimônio. Em sua concepção a palavra patrimônio tem origem no latim patrimonium, junção das palavras “pater” (pai) e “monium” (recebido), manifestando à ideia de herança. Desde a antiguidade a noção mais contemporânea, o patrimônio está relacionado a transmissão de bens as gerações futuras. No início do século XX a função dos patrimônios nacionais era reunir os bens materiais (monumentos, edifícios e objetos), aos quais se atribuíram valores simbólicos representativos da cultura nacional e que se supunham comuns a todo povo brasileiro. De acordo com APRESENTAÇÃO Fonseca (2005, p. 58): “A ideia de posse coletiva como parte do exercício da cidadania inspirou a utilização do termo patrimônio para designar o conjunto de bens de valor cultural que passaram a ser propriedade da nação, ou seja, do conjunto de todos os cidadãos”. Para compreendermos a construção dos sentidos atribuídos ao conceito de patrimônio cultural é preciso conhecer um pouco da história e da trajetória das políticas patrimoniais. Então, vamos nessa? Guarda corpo em aço com detalhes em arabescos em casarão no Centro Histórico de Cuiabá. A história do Patrimônio Cultural no Brasil remonta a marcos políticos e institucionais que nos levam ao ano de 1922, quando existe uma grande preocupação no Brasil em estabelecer uma identidade nacional consolidada através da valorização de uma arte nacional. Nesse período o Brasil se transformava e se modernizava, precisava de um novo olhar artístico, sociocultural e filosófico que propusesse uma arte nacional original e atualizada, trazendo consigo um pensamento a respeito dos problemas brasileiros e da diversidade cultural que se estendia por nosso vasto território. É neste contexto que surge o movimento modernista em conjunto com a Semana de Arte Moderna de 1922. Os intelectuais e artistas da época, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Mario de Andrade, Oswald de Andrade surgem como expoentes da nova arte brasileira em um panorama de florescimento intelectual e artístico que iria influenciar a construção das políticas de patrimônio no país. I. UMA BREVE INTRODUÇÃO AO PATRIMÔNIO MATERIAL NO BRASIL Cartazes de exposição da Semana de Arte Moderna de 1922: Música; Pintura e Escultura; Capa do Catálogo. Marco oficial do modernismo brasileiro, a Semana de Arte Moderna aconteceu em São Paulo (SP) e reuniu artistas das mais diversas áreas no Theatro Municipal de São Paulo ao longo dos dias 13 e 18 de fevereiro de 1922. Apresentações musicais e conferências intercalavam-se às exposições de escultura, pintura e arquitetura, com o intuito de introduzir ao cenário brasileiro as mais novas tendências da arte. PARA SABER MAIS! Vídeo Documentário sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 - https://www.youtube.com/watch? v=r36R0-lBB3U FICA A DICA! As décadas de 1920 e 1930 marcam uma série de projetos voltados para a proteção de monumentos nacionais, decorrência de um trauma deixado pela Primeira Guerra Mundial. Intelectuais e políticos da época se esforçavam para manter a integridade das antigas edificações em risco de desaparecimento pela eminência de uma novo conflito e frente as reformas urbanas de modernização e embelezamento emergente (MAGALHÃES, 2017, p. 251). Nesse período ocorre a criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais (IMN) em 1934, que teve como ponto de partida a valorização e defesa da cidade de Ouro Preto em Minas Gerais, patrimônio diretamente relacionado as memórias da Inconfidência Mineira. A cidade foi a primeira a ser reconhecida como Monumento Nacional. Sediada no Museu Histórico Nacional e dirigido por Gustavo Barroso (1888-1959), a IMN foi criada a partir do Decreto nº 24.735/34 pelo governo de Getúlio Vargas. O departamento foi desativado em 1937, e substituído pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). A institucionalização de um órgão federal responsável pela preservação do patrimônio histórico e artístico nacional ocorre, de um lado, por uma série de iniciativas institucionais regionais e, por outro, pelo clamor de artistas e intelectuais ligado a Semana de Arte Moderna de 1922 veiculados a grande imprensa brasileira (FLORÊNCIO et. al., 2014, p. 5). Fundada pela Lei nº 378/37 durante o Estado Novo, o Sphan torna-se o órgão gestor do patrimônio brasileiro. O anteprojeto escrito por Mário de Andrade apresentava uma perspectiva ampla para a noção de patrimônio, incluindo a produção de cultura popular, e expressava a importância dos museus e das imagens como elementos importantes para se pensar as ações educativas como estratégia de preservação e valorização do patrimônio cultural em conjunto com as comunidades. Muito das ideias expressas por Mário de Andrade acabaram sendo deixadas de lado e viriam a tomar corpo somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – o tema será abordado no módulo 2. A Inconfidência Mineira foi um dos mais importantes movimentos sociais da História do Brasil. Significou a luta do povo brasileiro pela liberdade, contra a opressão do governo português no período colonial. O movimento foi uma tentativa de revolta abortada pelo governo em 1789, em pleno ciclo do ouro, na então capitania de Minas Gerais. PARA SABER MAIS! Ainda na década de 1930 houve a institucionalização do Decreto-Lei n.º 25/37, conhecida com a Lei do Tombamento, principal instrumento de proteção dos bens materiais vinculados às elites nacionais. Em 1938 ocorre, então, o Tombamento do Centro Histórico de Ouro Preto, principal “cartão- postal” do patrimônio brasileiro na época. Em 1980 o conjunto arquitetônico da cidade torna-se Patrimônio Mundial pela Unesco, sendo o primeiro bem cultural brasileiro inscrito na Lista do Patrimônio Mundial. Nesse período o patrimônio era entendido como documentos de uma história oficial, era preciso manter a integridade do bem dado seu valor histórico e artístico. A seleção dos bens a serem preservados ocorria de acordo com a ideia de excepcionalidadeartística, monumentalidade, singularidade ou representatividade histórica, de acordo com uma visão marcadamente comprometida com a história das elites. Os elementos descritos nessa pequena cronologia englobam o período conhecido como Fase Heroica do Patrimônio (1937 a 1967), período de 30 anos onde Rodrigo Melo Franco de Andrade esteve à frente das atividades do Sphan. Observamos que nesse contexto foram priorizados o salvamento do patrimônio de “pedra e cal”, expressão comumente utilizada em referência as edificações e monumentos históricos, os sítios arqueológicos, paleontológicos, etnográficos e paisagístico, foco principal das políticas patrimoniais no Brasil naquela época. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi criada em 16 de novembro de 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de garantir a paz por meio da cooperação intelectual entre as nações. A agência é responsável por desenvolver projetos de cooperação técnica em parceria com o governo, sociedade civil e a iniciativa privada. Além de auxilar os Estados Membros da Organização a formular e desenvolver políticas públicas em sintonia com suas diretrizes. Atualmente, a Organização reúne 193 países. No Brasil sua representação foi estabelecida em 1964 e iniciou suas atividades com a criação do seu Escritório em Brasília em 1972. SE LIGA! Esta fase de consolidação do patrimônio no Brasil foi responsável, ainda, por incentivar a criação e construção de museus nas principais cidades brasileiras. Um marco institucional desse período foi a criação do Conselho Internacional de Museus (Icom Brasil) em 1948. As principais frentes de ações educativas eram dadas pelo tombamento de coleções, acervos artísticos e documentais, assim como, de exemplares da arquitetura civil, militar e vernacular. O incentivo a publicações e exposições com vista a sensibilizar o público mais amplo foi muito difundido, especialmente a partir das publicações da Revista do Iphan. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em seus parâmetros atuais, foi estruturado pela Portaria nº 92, de 5 de julho de 2012 que regulamenta o regimento interno da instituição. O Iphan possui 27 superintendências (uma em cada Unidade Federativa); 37 Escritórios Técnicos, a maioria eles localizados em cidades que são conjuntos urbanos tombados, as chamadas Cidades Históricas; e, ainda, seis Unidades Especiais, sendo quatro delas no Rio de Janeiro: Centro Lucio Costa, Sítio Roberto Burle Marx, Paço Imperial e Centro Nacional do Folclore e Cultura Popular; e, duas em Brasília, o Centro Nacional de Arqueologia e Centro de Documentação do Patrimônio. FICA A DICA! O site do Iphan reuni uma diversidade enorme de documentos e informações sobre o Patrimônio Cultural Brasileiro. Para saber mais informações a respeito da instituição e ficar por dentro das novidades sobre o patrimônio cultural, consulte o site eletrônico pelo link: http://portal.iphan.gov.br Lá você encontrará notícias, publicações de revista, dossiês, artigos e dissertações, legislação atualizada e muito mais! Imagem da fachada do prédio do Iphan em Cuiabá-MT. Fonte: http://www.google.com As cidades, deste a Antiguidade no século V, são marcadas como um lugar de concentração de trocas, centro de criação, energia e transformação das diferentes culturas. A industrialização no século XIX transforma a cidade em um lugar de tensões e conflitos dado o seu processo acelerado de crescimento. No século XX esse processo é aprofundado, especialmente no Terceiro Mundo, onde as cidades incham com a crescente migração das populações do meio rural para o urbano, tornando-se, também no Brasil, um referencial para o homem contemporâneo. A modernidade no contexto urbano veio associada a ideias de mudança e de ruptura com o passado, de substituição do velho pelo novo. Na contemporaneidade as cidades brasileiras, sejam elas pequenas ou as grandes capitais, vêm sofrendo processos acelerados de transformações em seus traçados, estéticas e densidades a partir dessa cadeia de transformações urbanas, sociais, econômicas e culturais. II. A CIDADE COMO ARTEFATO: DIREITO A HISTÓRIA E A MEMÓRIA O mundo recebeu e recebe diferentes regionalizações, isso para facilitar o estudo do mesmo em diferentes abordagens, evitando generalizações nas informações. Uma das formas de regionalizar o mundo é a partir do critério de nível de desenvolvimento (econômico, político e social). No período da Guerra Fria, o mundo foi dividido em: Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo. Esse método de análise, baseado na Teoria dos Mundos, foi usado entre os anos de 1945 e 1990. SE LIGA! Em todas elas uma grande porção da materialidade traduzida através de suas edificações e monumentos históricos, testemunha de sua gradativa evolução, vai se modificando e desaparecendo nas renovações e nas modernizações, processo em que desaparecem muitas marcas evocativas das memórias de diferentes grupos sociais (SANTOS, 2008). Fundada em 1722 pelo capitão Jacinto Barbosa Lopes, a Catedral Basílica Senhor Bom Jesus de Cuiabá, popularmente conhecida como Igreja Matriz, foi a primeira igreja construída na região urbana de Cuiabá. Sendo, portanto, uma das edificações mais antiga da cidade. Ao longo do tempo a Catedral passou por inúmeras reformas e transformações em sua estrutura histórica, passando de uma simples capela de pau a pique, a Igreja, Matriz e Catedral. No ano de 1964 a edificação chegou a ser implodida com dinamite, em um projeto que previa a modernização dos espaços urbanos. Essa grande mudança deu origem ao prédio que vemos hoje, edificado em 1973 pelas mãos do então arcebispo Dom Orlando Chaves. Ao falarmos de patrimônio estamos a ponderar momentos que reverberam a história e a memória de indivíduos, grupos e comunidades. Para o autor Paul Ricoeur (2007), a memória é algo indissociável do esquecimento, este pode existir a partir da lembrança daquilo que já não está presente. Os esquecimentos da cidade somente existem diante de traços das lembranças do que desapareceu, isto é, sem a lembrança não se saberia o que se perdeu no tempo. São estes traços e vestígios, marcas e imagens que possibilitam rastrear as cidades passadas e permitem a construção de suas memórias, feitas de lembranças, esquecimentos e de sua história. A Catedral possui, até os dias de hoje, os restos mortais de grandes personalidades que marcaram a história do estado de Mato Grosso, como é o caso dos bandeirantes fundadores Pascoal Moreira Cabral Leme e Miguel Sutil de Oliveira. Em trabalho conjunto com a Igreja Católica Romana, os bandeirantes seguiam em missões em busca da conquista de terras que pertenciam à Espanha. Na cripta da Catedral também localizamos os jazigos de Dom Carlos Luiz D'Amaur, Dom José Antônio dos Reis, Dom Luiz de Castro Pereira, Dom Francisco de Aquino Corrêa, Dom Orlando Chaves e frei José Maria de Macerata, membros da comunidade católica que marcaram época na cidade. O espaço é aberto à visitação ao público. Bandeirantes no local onde hoje é São Gonçalo Beira-Rio; Pascoal Moreira Cabral; Combate de bandeirantes aos Paiaguás. Pinturas em tela: Moacyr Freitas. Fonte: http://www.google.com Primeiro registro da Igreja Matriz; Igreja na década de 1960; Arquitetura atual. Fonte: http://www.google.com Uma noção importante para o entendimento da cultura material é o conceito de artefato. De modo geral, podemos compreender os artefatos enquanto objetos, ou tudo aquilo que é produto do trabalho humano. O artefato nada mais é do que o resultado do raciocínio do homem sobre uma dada matéria da natureza de modo a transformá- la para seu usufruto. Eles podem ter funções utilitárias (como os instrumentos de preparação alimentar), e também funções de deleite (como pinturas, adereços, ornamentos festivos, dentre outros). Em um esforço para conceituar o artefato, Charotti argumenta: “(...) é um instrumento criado pelo homem que só terá sentido se o mesmo for usado em alguma atividade. É definido poruma ação, ou uso, que lhe é destinada. Um objeto material, um instrumento, ou ainda, um artefato é concebido para uma coisa, no entanto, se precisar de algo que não está na sua concepção primeira, pode se tornar um outro instrumento. Exemplificando: às vezes, quando se precisa de uma chave de fenda para tirar um parafuso, se esta não existir, recorre-se a uma faca de cozinha para retirá-lo. Assim, a função foi dada pelo uso e não pela concepção pronta e acabada. (CHAROTTI, 2005, p. 305) Pode-se dizer que os artefatos são produtos resultantes da capacidade dos homens de transformar o meio natural e adaptá-lo a suas necessidades e também a seu querer. Assim, os homens transformam a natureza e, ao mesmo tempo, se auto transformam, visto que a sua evolução e o destaque dentre os animais se deu por conta dessa capacidade de articular ideias, criar, inventar, produzir, manipular e lidar com informações que não se apagam da memória. Na perspectiva arqueológica sobre os estudos de restauração e preservação do patrimônio material existe a percepção de que o seu produto será sempre uma visão de uma concepção vigente de um determinado período histórico. Para a pesquisadora Najjar (2007, p. 202) “o artefato arquitetônico refletirá na sua materialidade toda a sua história, sua trajetória no tempo e no espaço. O resultado dessa trajetória é o que virá a ser objeto da arqueologia, da arquitetura e da história em um projeto de restauração”. Nesse sentido, observando o objeto arquitetônico enquanto um artefato cultural, este deverá ser o objeto de estudo das pesquisas arqueológicas. Pensando, ainda, essa concepção do patrimônio edificado enquanto artefato cultural, ou um “super- artefato”, isto é, enquanto um documento arqueológico que narra a história das ocupações humanas, do uso dos espaços e dos objetos. O que se buscar é resgatar, não só a materialidade do bem, mas também restaurar os “cacos de memória” dos indivíduos e grupos sociais que ali viveram (SANTOS, 2008). Na abordagem de uma educação para o patrimônio, o que importa é colocar em diálogo as perspectivas do passado e do presente, tendo em vista a preservação e valorização do patrimônio cultural ao estimulando as relações de identidade, afeto e estima. Agora que entendemos um pouco mais da cidade como artefato cultural, precisamos adentrar em um novo conceito, ainda pouco utilizado no âmbito das políticas patrimoniais do Brasil. O conceito de paisagem cultural é essencial para o entendimento do patrimônio edificado, uma vez que esse não deve ser visto como descolado do seu contexto paisagístico, natural e cultural. Edificação colonial do Museu de História Natural Casa Dom Aquino, Cuiabá-MT. Fonte: http://www.google.com O patrimônio edificado é a expressão cultural mais visível da produção humana em nossa sociedade. Ela é também um reflexo do conteúdo socioespacial que a constituiu em épocas pretéritas. Geralmente, inseridas no contexto de paisagens urbanas são resultado da materialidade produzidas nesses territórios configurados ao longo da história e de acordo com a cultura local. A partir da Convenção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972 que instituiu a Lista do Patrimônio Mundial que passamos a conhecer o conceito de paisagem. Mas a paisagem enquanto categoria do patrimônio cultural é adotado pela UNESCO somente em 1992 durante a 16º Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial. O conceito é, então, incorporado como uma nova tipologia de reconhecimento dos bens culturais com o objetivo de superar a dicotomia entre o patrimônio cultural e natural que vinha sendo proposto ao longo dos anos. No Brasil, a Portaria nº 127 de 2009 do Iphan regulamenta a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira como instrumento de preservação do patrimônio cultural brasileira. O dispositivo legislativo define em seu Art. 1º a paisagem cultural como A Convenção do Patrimônio Mundial estabelece as diretrizes sobre quais os bens naturais e culturais podem vir a ser inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. O documento fixa os deveres dos Estados membros quanto à identificação desses bens, assim como o desempenho para a proteção e preservação dos mesmos. O Brasil aderiu a convenção somente em 1977 conforme consta no Decreto n.º 80.978 de 12 de dezembro de 1977. Entre os principais sítios do Patrimônio Mundial no Brasil, localizamos A Cidade Histórica de Ouro Preto, Minas Gerais (1980); As Missões Jesuíticas Guarani, Rio Grande de Sul e Argentina (1983); O Plano Piloto de Brasília, Distrito Federal (1987); O Parque Nacional Serra da Capivara, Piauí (1991); Centro Histórico da Cidade de Goiás (2001); As paisagens cariocas entre a montanha e o mar do Rio de Janeiro, (2012); O Sítio Arqueológico Cais do Valongo, Rio de Janeiro (2017) e, mais recentemente a diversidade cultural do sítio de Paraty e Ilha Grande, Rio de Janeiro (2019). Você pode conhecer na integra toda Lista do Patrimônio Mundical acessando o site: http://whc.unesco.org/en/list/ IMPORTANTE! III. PATRIMÔNIO EDIFICADO E A PAISAGEM COMO CATEGORIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores.” Em conformidade com o instrumento legislativo, as paisagens culturais são definidas como resultadas de ações antrópicas, isto é, da utilização e transformação dos elementos da natureza por atividades realizadas pelo homem. Nesse sentido, todas as edificações artificialmente construídas, bem como as intervenções não naturais sobre o espaço constituem uma paisagem cultural, como o espaço de uma cidade ou um campo de produção agrícola. O entendimento da paisagem cultural perpassa por pelo menos duas dimensões de análise, uma simbólica e outro morfológica. A dimensão morfológica envolve o tempo da natureza e o tempo da história humana. Segundo o autor Aziz Ab’Saber (1977) “A paisagem é sempre uma herança. Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades”. Em relação ao tempo da história humana, Santos (2012; 2014) o define como rugosidades, isto é, marcas que as ações humanas e as sociedades vão imprimindo no espaço geográfico, registrando suas atividades, seus costumes, suas tecnologias, suas culturas, crenças e tradições. Sobre o conteúdo simbólico, Ribeiro (2007) destaca que a paisagem incorpora valores humanos e pode ser interpretada com base na relação íntima e afetiva que os grupos sociais estabeleceram com os lugares onde a vida humana se reproduz. Nesta perspectiva, o que confere identidade à paisagem pode não necessariamente corresponder à sua morfologia, mas ao significado social de fazer parte dela. Até o presente momento, os sítios reconhecidos mundialmente como paisagem cultural relacionam-se a áreas rurais, a sistemas agrícolas tradicionais, a jardins históricos e a outros locais de cunho simbólico, religioso e afetivo. Entre eles, podemos citar o exemplo emblemático da Cidade do Rio de Janeiro, primeira área urbana do mundo a receber a Chancela de Paisagem Cultural da UNESCO em 2012. Os espaços da cidade valorizados com o título são o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Floresta da Tijuca, o Aterro do Flamengo, o Jardim Botânico, a praia de Copacabana, e a entrada da Baía de Guanabara. Os bens cariocas incluem ainda o Forte e o Morro do Leme, o Forte de Copacabana e o Arpoador, o Parque do Flamengo e a Enseada de Botafogo. bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, entre outros, reflete as características de uma determinada sociedade. O Centro Histórico de Cuiabá e seu entorno é um importante patrimônio cultural material de Mato Grosso tombado pelo Iphan em 1992. Veremos no tópico seguinte que, depois de passar por marcantesmudanças, ser apropriado e transformado de acordo com ideais políticos e discursos de época, antigas edificações que caracterizavam o local e sua identidade regional foram sacrificados. A exemplo da implosão da Catedral Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá em 1965. Em uma abordagem educativa voltada ao patrimônio cultural precisamos compreender que é na paisagem onde se encontram os resultados dos processos da relação entre sociedade e espaço a qual revela conteúdos sociais pretéritos e presente. Nesse sentido, devemos Se é do seu interesse apresentar uma proposta de chancela da paisagem cultural presente na sua região saiba que isso é possível com simples passos. Segundo a Portaria 127/2009, qualquer pessoa natural ou jurídica pode requerer a instauração de um processo administrativo visando a Chancela de Paisagem Cultural Brasileira. Para isso, basta encaminhar um requerimento acompanhado da documentação pertinente, a superintendência regional do Iphan no seu estado encaminhado ao presidente do Iphan ou ao Ministro de Estado da Cultura. Acesse o site: http://portal.iphan.gov.br/ FICA A DICA! Atual cartão-postal do Brasil no exterior, a Cidade Maravilhosa já foi inspiração e palco de grandes produções cinematográficas premiados no cenário internacional, como a franquia de filmes Rio produzido pela 20th Century Fox e Blue Sky Studios, dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha. A saga da ararinha-azul Blue retrata a riqueza da biodiversidade das florestas tropicais e a diversidade étnica, além de trazer em cena expressões da cultural local como o carnaval e o samba. A cidade entendida como um artefato cultural, constituído por Rio de Janeiro patrimônio mundial como paisagem cultural urbana. Fonte: http://www.google.com buscar responder, no âmbito da construção da paisagem da cidade, a perguntas tais como: “Quais são os mecanismos que ligam a produção de uma paisagem à sociedade? Que escolhas e modelos culturais estão sendo veiculados nessa paisagem? O que eles nos dizem sobre a sociedade que os produziu?” A Chancela da Paisagem Cultural Brasileira valoriza a relação harmônica entre o homem e a natureza, estimulando a dimensão afetiva com o território, tendo como premissa a qualidade de vida da população. Agora que você compreende um pouco mais sobre os conceitos que norteiam os sentidos do patrimônio material, que tal planejar uma atividade de visitação no Centro Histórico de Cuiabá? Ou em outro local de sua escolha na cidade como museus, teatros, galerias, memoriais, comunidades tradicionais, parques, sítios arqueológicos? É importante ter em vista que em uma atividade de visitação em espaços urbanos é necessário pensar em um roteiro: quais áreas queremos conhecer? Se esses lugares são abertos ao público ou se cobram entrada? Se possuem ou não acessibilidade? Para isso é necessário realizar uma pesquisa prévia sobre esses espaços. A internet é uma ótima ferramenta de busca e de informações. Você também pode buscar em livros, revistas, bibliotecas e arquivos públicos a história desses lugares. Outra dica importante, é criar uma lista de contatos com números de Museus, Instituições e Casas de Cultura onde você poderá falar com pessoas que já conhecem de perto a realidade do espaço a ser visitado. Munido com as informações do levantamento, agende uma visita ao local, e aproveite o passeio para fazer anotações, tirar dúvidas e planejar seu roteiro. Durante a atividade de visitação em grupo, é você, como mediador do Lavar as mãos com água e sabão ou higienizador à base de álcool; Manter distância de pelo menos 1 metro entre você e qualquer pessoa tossindo ou espirrando; Evite tocar nos olhos, nariz e boca; Certificar-se que você e as pessoas ao seu redor seguem uma boa higiene respiratória; As pessoas que usarem máscaras devem seguir as boas práticas de uso, remoção e descarte, assim como higienizar adequadamente as mãos antes e após a remoção; Fique em casa se não se sentir bem. Em todo o mundo e no território nacional os estados estão tomando medidas de prevenção da COVID-19. Mantenha-se informado sobre os últimos desenvolvimentos a respeito do COVID-19 e siga todas as orientações do OMS (Organização Mundial da Saúde): ALERTA COVID-19 patrimônio cultural que lançará questões e curiosidades para manter a atenção do público. Busque levantar questões sobre o tombamento como instrumento de proteção, o contexto político e os períodos históricos, o significado dos nomes de ruas, praças e edificações. Em uma visita no Centro Histórico de Cuiabá lance um olhar sobre os elementos da paisagem cultural. Instigue o público a pensar sobre a grandiosidade dos casarões antigos, o que eles representam para as pessoas que estão em contato com este patrimônio? Desafie-os a treinar um olhar aguçado sobre quem são as pessoas que se encontram no lugar? Como vieram parar ali? Como vivem as comunidades no entorno dessas edificações? E, como essas edificações históricas estão associadas a construção dessa paisagem cultural? Incentive associações entre a história do lugar com as lembranças e memórias do grupo. Casarões antigos no “Calçadão da Galdino Pimentel” no Centro Histórico de Cuiabá. Fonte: http://www.google.com O Pantanal, bioma presente nos territórios do estado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul representam um importante ecossistema brasileiro, sendo reconhecido como o maior sistema inundado contínuo de água doce do mundo e um dos mais ricos em vida silvestre. Em reconhecimento de sua paisagem, o Complexo de Áreas Protegidas do Pantanal foi inscrito pela Unesco em 2000 na Lista do Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera. A área compreende o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense as Reservas Particulares de Proteção Natural de Acorizal, Penha e Dorochê, compreendendo uma extensão territorial de aproximadamente 200 mil quilômetros quadrados. VIVA O PATRIMÔNIO DE MATO GROSSO! O Pantanal é composto por um mosaico de matas, cerradões, savanas, campos inundáveis, brejos e lagoas com uma enorme diversidade de animais e plantas típicas da região. Fonte: http://www.google.com Casarões antigos no "Beco do Candieiro” no Centro Histórico de Cuiabá. Fonte: http://www.google.com Existem algumas explicações para a origem do nome Cuiabá, a mais recorrente delas deriva do uso feito pelos povos indígenas que habitavam aqui, antes da chegado dos colonizadores europeus em 1525 durante as primeiras expedições guiada por Pedro Aleixo Garcia. Denominado de Ikuiapá, palavra de origem Bororo que significa “lugar onde se pesca com flecha- arpão”. O nome designava um topônimo (nome de lugar) da etnia, localizado próximo às margens do córrego da Prainha, onde os Bororo costumavam pescar e caçar utilizando essa técnica tradicional. A primeira aglomeração urbana que mais tarde se transformaria na cidade de Cuiabá se formou a partir de 1719, com as descobertas de jazidas de ouro pela bandeira de Pascoal Moreira Cabral as margens do rio Coxipó, na região conhecida como Córrego da Prainha – Fundava-se naquela localidade o Arraial de Cuiabá. Em 1726, o Arraial de Cuiabá recebeu novo nome: Vila Real do SIGNIFICADO! Ikuipá: ikúia, flecha-arpão (arma utilizada para pescar, feita de madeira); pá, lugar (lugar da flecha-arpão). Designação: 1. De uma localidade onde se pesca com flecha-arpão; 2. De uma localidade onde antigamente os Bororo costumavam pescar com flecha-arpão correspondente à foz do Ikuiébo, córrego da Prainha, afluente esquerda do rio Cuiabá, na cidade homônima. (Albisetti & Venturelli, 1962, p. 610). IV. O CONJUNTO URBANO, ARQUITETÔNICO E PAISAGÍSTICO DO CENTRO HISTÓRICO DE CUIABÁ Indígenas da etnia Bororo durante o Encontro Indígena no Museu de História Natural Casa Dom Aquino (2015). Indígenas da etnia Bororo durante o Encontro Indígena no Museu de História Natural Casa Dom Aquino (2015). Senhor Bom Jesus de Cuiabá e, no ano seguinte, foi elevado à categoria de vila por ato do Capitão General de São Paulo, Dom Rodrigo César de Menezes. Naquela época a capital do estado aindaera localizada em Vila Bela de Santíssima Trindade. Em 1835, sede da Província de Mato Grosso volta a ser instalada em Cuiabá. A construção do centro antigo de Cuiabá ocorre a partir do século XVIII com aplicação de técnicas construtivas convencionalmente chamadas de arquitetura de terra crua. São técnicas de construção que os portugueses e ibéricos herdaram dos povos árabes e norte-africanos, sob o domínio dos quais estiveram por vários séculos. De acordo com Nolasco (2010, p. 96): A teia urbana edificada segundo a orientação de engenheiros militares o fora por trabalhadores africanos, ameríndios e descendentes que se qualificavam mediante orientação de mestres e oficiais livres no aprendizado dos ofícios mecânicos. Ainda hoje, o traçado sinuoso das vias, que se acomoda à topografia próxima ao Córrego da Prainha, e a maior parte das edificações do conjunto urbano, construídas em terra crua, se mantém. O Conjunto Arquitetônico do Centro Histórico de Cuiabá foi erguido em taipa de pilão e adobe. A Terra Crua é o material de construção mais antigo do mundo. As técnicas de construção com barro datam de mais de 9.000 anos. Todas as culturas antigas utilizaram o solo para a construção de casas, fortalezas e obras religiosas. Um exemplo é a grande muralha da China, que foi construída 4.000 anos atrás, inicialmente com terra compactada (taipa de pilão), e posteriormente forrada com pedras naturais. Na península ibérica, as técnicas de construção em terra crua foram introduzidas pelos romanos e enriquecidas pelos árabes. Já na América pré-colombiana existiram construções em adobe em quase todas as culturas. Na América Latina, as técnicas foram aperfeiçoadas a partir de inúmeras combinações introduzidas pelo processo de colonização de portugueses e espanhóis. No Brasil, a terra permaneceu e se desenvolveu quando e onde sua utilização se adaptou pela experiência com solo e clima. Assim, formam parte do patrimônio brasileiro, das casas paulistas de taipa de pilão ao longo dos caminhos bandeiristas, até Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, onde a taipa de pilão introduzida foi substituída pelo pau-a-pique ou adobe e/ou perdeu sua função estrutural, combinando-se com estruturas de madeira. Foi de pau-a- pique o primeiro muro na cidade de Salvador, na Bahia, para defesa contra os índios. Inúmeros monumentos com essa tecnologia são encontrados nas cidades coloniais brasileiras. As igrejas e casas de Ouro Preto e Diamantina, em Minas Gerais, as fortificações militares em Recife, Pernambuco, as fazendas de café do Vale do Paraíba, São Paulo, e em tantas outras cidades brasileiras. Fonte: http://www.escoladacidade.org/wp/wp- content/uploads/cadernos_pesq_ec_n1. pdf CURIOSIDADE! As paredes dos casarões são grossas, seus telhados são de estrutura de madeira e cobertura de telhas de barro cozidas com largos beirais, adequados ao clima quente da cidade. As casas menos abastadas eram cobertas de palha, técnica herdada dos indígenas da região que desapareceram com o tempo. As primeiras alterações na paisagem cultural ocorrem a partir do século XIX, em projeto que previa a modernização das cidades e suas construções. Nesse período, foram introduzidas a moda das platibandas, viabilizadas pelas calhas metálicas, os ornamentos e os pisos de ladrilho hidráulico entre outras novidades que eram importadas até esta região longínqua através de comércio fluvial. Os terrenos das casas eram mais estreitos que profundos e cheios de árvores frutíferas. Ainda hoje, muitas características desse núcleo urbano permanecem vivos, mas o lugar enfrenta grandes processo de degradação física e relativa aos tipos de usos. Embora resistente à passagem do tempo, a arquitetura de terra crua é danificada a cada período de chuvas, pois muitos exemplares estão abandonados, vazios e subutilizados. Em 2018 observamos a comoção da população cuiabana entorno da Casarão de Nhô-Nhô de Manduca (Casa de Bembem), construção de estilo colonial localizado no Centro Histórico de Cuiabá datado de 1850. Em meados dos anos de 1970 e início de 1980, a casa habitada por Constança Figueiredo, dona Bembem, foi palco de importantes manifestações festivas da cidade em celebração a São Benedito. Ao presenciar a queda de parte de sua estrutura histórica, a família, que havia doado o prédio a Secretaria de Estado de Cultura, em conjunto com outros membros da comunidade realizou uma manifestação em frente a edificação. Em um ato simbólico, realizou-se um abraço coletivo entorno do bem cultural. Hoje a Casa de Bembem passa por um processo de restauração que visa a recuperação dos seus traçados originais. Faixada da Casarão de Nhô-Nhô de Manduca (Casa de Bembem) antes e depois da queda de sua estrutura histórica. O trabalho minucioso é realizado por uma equipe técnica especializada de arqueólogos, engenheiros e arquitetos. O novo prédio sediará o Centro Cultural da capital. Ministério da Cultura. Ao tombar um bem cultural como patrimônio o Estado Brasileiro reconhece sua importância e valor histórico, artístico, científico, arqueológico e paisagístico, entre outros, a nível Federal. O tombamento garante a preservação do patrimônio cultural, protegendo o bem de qualquer dano ou destruição que possa vir a ocorrer, com vistas a garantir sua sobrevivência e usufruto as gerações futuras. É importante salientar que o tombamento por si só não é suficiente para assegurar a integridade de um bem cultural. Para isso é fundamental a envolvimento da sociedade e a conscientização dos indivíduos sobre a importância da preservação de sua história e sua memória. O tombamento não traz somente restrições aos proprietários e usuários das edificações e casarões antigos, ele visa contribuir para o desenvolvimento das cidades, trazendo benefícios econômicos, sociais e financeiros. O Turismo Cultural, por exemplo, tem motivado a busca por lugares de memória e manifestações de caráter único, carregados de simbologia expressa através da história, da arte, da arquitetura ou de manifestações religiosas e festivas de caráter popular, onde a PORQUÊ TOMBAR? Durante os anos de 1970 e 1980 há uma grande onda de demolições e descaracterização do Centro Histórico de Cuiabá (CHC). Nesse sentido, houve uma sensibilização por parte do poder público, em especial da equipe do recém instalado Escritório Técnico do Sphan/Pró-Memória no ano de 1984. A equipe formada por arquitetos, engenheiros, historiadores e pesquisadores iniciam os estudos para realizar o pedido de tombamento da área. Como medida paliativa, a Divisão de Cultura da Prefeitura Municipal inicia um levantamento cadastral dos imóveis do CHC que são por seguinte tombados provisoriamente em 1985. A área tombada abarcou uma região do centro antigo e outra área no bairro do Porto. Em 1988 o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan aprovou o tombamento do CHC e do seu entorno, ficando a área do Porto de fora do projeto. O tombamento foi homologado pela Portaria Federal nº 10 de 4 de novembro de 1992 através do música, a dança e inúmeras outras linguagens que compõem um todo diferenciado. Através do turismo cultural muitas cidades tem aumentado sua arrecadação, o índice de emprego e contribuindo para o desenvolvimento sustentável das comunidades locais. VOCÊ SABIA? Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), o turismo cultural no mundo representa cerca de 37% do total do setor. Igreja Senhor dos Passos foi construída 1797 na região do Centro Histórico de Cuiabá. Fonte: http://www.google.com Existem inúmeros instrumentos de acautelamento e preservação do patrimônio material, entre eles temos disponível, conforme legislação específica, o inventário, o registro, as leis de planejamento urbano, a vigilância, a desapropriação e o tombamento. Criado pelo Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, o tombamento é o principal e mais antigo instrumento de preservação do patrimônio material no Brasil. Em seu Art. 1º, o decreto define como patrimônio histórico e artístico nacional todo “[...] conjunto dos bens móveise imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Pelo decreto, estão sujeitos ao tombamento os monumentos naturais, sítios e paisagens que sejam significativos. Além disso, ele institui a criação dos Livros do Tombo que visam registrar e proteger os bens de valor histórico e cultural para uma comunidade: V. INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL CURIOSIDADE! A palavra tombamento, tem origem portuguesa e remonta ao século XIV quando da instalação do Arquivo Público do Reino em uma das torres do Castelo de São Jorge em Lisboa, Portugal. Denominada Torre do Tombo, a instituição funcionou no local entre 1378 a 1755. Com o terremoto de Lisboa, a torre que abrigava o acervo nacional ficou ameaçada de ruína, obrigando a realocação do arquivo, em 1755, no Mosteiro de São Bento. A instituição funciona até os dias atuais como um Arquivo Nacional, que guarda documentos importantes sobre a administração portuguesa, incluindo suas colônias, como o Brasil. No Brasil, a partir do Decreto-Lei nº 25/1937, o verbo tombar tem o sentido de registro, atribuindo a determinado bem cultural a importância de preservação, conservação e difusão cultural. § 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei. § 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana. O tombamento pode ser realizado a nível federal, estadual e municipal, desde que em cada instância existam órgãos e leis que possam instituir o reconhecimento e a importância dos bens materiais. O objetivo do tombamento de um bem cultural é impedir sua destruição ou mutilação, em busca de mantê-lo preservado para as gerações futuras. Nos termos do decreto-lei, qualquer pessoa, sendo ela física ou jurídica, pode solicitar o tombamento de um bem cultural, sendo realizada diretamente no órgão gestor do patrimônio cultural brasileiro (Iphan). O interessado deve encaminhar a superintendência do Iphan do seu estado dados que caracterize o bem cultural e qualifique sua importância como patrimônio, informações como: descrição e localização; justificativa do pedido, esclarecendo a importância de preservação do bem; nome e endereço do interessado; se possível, nome e endereço do proprietário; documentação como dados históricos, desenhos e fotografias. Para ser considerado tombado, o bem cultural passa por um processo administrativo que avaliará sua importância e contribuição no contexto nacional. Uma vez tombado, não é possível fazer qualquer alteração ou modificação no bem cultural sem autorização expressa do Iphan, órgão responsável pela manutenção e conservação dos bens móveis e imóveis tombados. Qualquer intervenção de reforma ou restauração no bem cultural deverá ser solicitada à prefeitura que montará um processo junto ao Iphan para obter autorização de emissão do respectivo alvará da obra. Sem a anuência do Iphan, a prefeitura não poderá emitir alvarás, tanto na área tombada, quanto na área do seu entorno. A autorização do Iphan é expedida com base em um projeto devidamente elaborado por arquiteto e/ou engenheiro, observando as normas de preservação do Centro Histórico de Cuiabá localizadas por meio da Instrução Normativa do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Cidade de Cuiabá de 1994, elaborada pelos arquitetos Maria Clara Migliacio e Júlio De Lamonica Freire com base no poder discricionário do Iphan. O ato de tombar um bem cultural como forma de preservação da cultura é mais do que manter sua As ruínas de Vila Bela da Santíssima Trindade; Casa Barão de Melgaço; Centro Histórico de Cáceres; condição material. O tombamento vai além, pois ele transcende a materialidade, alcançando significados que são históricos, artísticos e cultural. Ele garante a continuidade do direito a história e a memória dos grupos sociais que compõem a nossa sociedade. No estado de Mato Grosso, os bens culturais tombados e registrados se encontram sobre a proteção da Secretaria do Estado de Cultura (SECEL). Criada através Decreto nº 167, de 01 de julho de 2015 a Coordenação do Patrimônio Histórico e Cultural é o setor responsável por executar as políticas de preservação, conservação, elaboração de projetos e proteção legal dos patrimônios móveis e imóveis do estado. Neste módulo buscamos apresentar alguns exemplares de bens de natureza material presente no estado de Mato Grosso, em especial aqueles localizados no CHC – lugar percebido como artefato cultural. Atualmente, Mato Grosso possui 109 bens culturais inventariados, tombados e registrados a nível de estado. Entre os bens de natureza material tombados podemos citar: Centro Histórico de Cuiabá; Cine Teatro Cuiabá; Grande Hotel; Igreja de Santana do Sacramento em Chapada dos Guimarães; Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho; Palácio da Instrução; Palácio da Justiça; Residência dos Governadores; Academia Mato-grossense de Letras; Casa Barão de Melgaço; Casa Dom Aquino (Museu de História Natural); Grupo Escolar Senador Azeredo (Casa do Artesão); Mercado do Peixe (Museu do Rio); Palácio da Instrução (Museu de Arte de Mato Grosso); Seminário da Conceição (Museu de Arte Sacra); Thesouro do Estado (Museu Histórico de Mato Grosso). Além dos exemplos citados, não podemos deixar de fora os tradicionais e aconchegantes casarões presente no CHC e seu entorno. Ao todo, são mais de 1000 imóveis tombados. Este número representa uma infinidade de possibilidades para discutir o patrimônio sobre diversos aspectos e, porque não, sugerir o tombamento de novos bens que evoque a história, a cultura e a memória da sua região? REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AB’SABER, Aziz Nacib. Potencialidades paisagísticas brasileiras. Boletim Geomorfo-logia, São Paulo, Inst. de Geografia da USP, n. 55, 1977. BRANDINO, Luiza. "Semana de Arte Moderna de 1922"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/semana-arte-moderna-1922.htm. Acesso em 21 de maio de 2020. CHIAROTTI, T. M. O Patrimônio Histórico Edificado como um Artefato Arqueológico: uma fonte alternativa de informações. Habitus, v. 3, p. 301-319, 2005. FLORÊNCIO, Sônia Rampim et al. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. 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