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49 Hidráulica e Hidrologia Aplicada 4. ESCOAMENTO BRUSCAMENTE VARIADO Neste capítulo serão estudados os escoamentos permanentes bruscamente variados, ou seja, aqueles cujas características de fluxo variam de forma repentina de uma seção a outra. Um escoamento permanente é denominado bruscamente variado quando existe uma mudança rápida e localizada das características do escoamento, ou seja, ocorre em: • Curvatura do fluxo pronunciada, não sendo possível admitir-se a distribuição hidrostática das pressões; • Distribuição de velocidades; • Ocorrência em pequena extensão; • Ocorrência de turbulência, vórtices, correntes secundárias, zonas de estagnação, etc. Onde ocorre: 1. Estruturas hidráulicas: vertedores, comportas, dissipadores de energia. 2. Singularidades: degraus, obstáculos, transições bruscas de dimensões, cotas ou alinhamentos. 3. Cursos d’água naturais: cachoeiras, corredeiras, transições, curvas. Um caso importante de escoamento bruscamente variado é quando ocorre a passagem do regime torrencial para o fluvial em uma curta distância, com o aparecimento de turbilhões e grande dissipação de energia. Essa situação corresponde ao ressalto hidráulico, que ocorre com a passagem de um escoamento supercrítico para o subcrítico, com grande turbulência e perda de energia, conforme mostrado na Figura 4.1. Figura 4.1: Esquema de ressalto hidráulico Fonte: Batista. M e Lara M.(2003). 50 Hidráulica e Hidrologia Aplicada 4.1. Ressalto em canais retangulares horizontais Em função da elevada perda de energia ao longo do trecho de ocorrência do fenômeno invalida-se a utilização da equação de conservação de energia para determinação das profundidades correspondentes ao ressalto. Aplicando a equação da conservação da quantidade de movimento e de equilíbrio de forças e supondo o canal horizontal encontram-se as seguintes equações as profundidades conjugadas: ( )22 1 1 y 1 = 1+ 8Fr -1 y 2 ( )21 2 2 y 1 = 1+ 8Fr -1 y 2 Já a perda de carga localizada do ressalto pode ser obtida através da aplicação da equação de Bernoulli entre as seções de ocorrência das profundidades conjugadas: 2 2 3 1 2 2 1 1 2 1 2 1 2 (y - y ) = 2 2 4 y yR v vH H H y y E g g ∆ = − = + − + ∆ O comprimento do ressalto não pode ser definido através de expressões teóricas, tornando necessário o desenvolvimento de estudos experimentais para a obtenção dos elementos que permitam o seu cálculo. Existem diversas fórmulas empíricas que possibilitam sua estimativa, sendo a U.S. Bureau of Reclamation (U.S.B.R.), a mais comum no meio técnico. R 2 1L 6,9(y - y )= Para canais retangulares é possível utilizar a equação abaixo que permite a obtenção da profundidade montante y2, conhecida a profundidade conjugada montante y1, ou vice-versa. 2 2 2 2 1 2 12 2 ( )Q y y y y gB = + Outros estudos, mais detalhados, também do U.S.B.R., nos permitem definir o comprimento do ressalto de acordo com o gráfico apresentado na Figura 4.2. 51 Hidráulica e Hidrologia Aplicada Figura 4.2: Comprimento e tipos de ressalto hidráulico Fonte: Batista. M e Lara M.(2003). 4.3. Ressalto em Canais Inclinados No que diz respeito a canais inclinados, o peso do volume de controle correspondente ao ressalto hidráulico apresenta um componente no sentido do escoamento, levando a uma maior complexidade no seu tratamento matemático. Estudos descritos por Chow permitem a obtenção de gráficos que possibilitam o tratamento prático da questão. As Figuras 4.4 e 4.5 apresentam gráficos que permitem o cálculo das profundidades conjugadas e do comprimento do ressalto em canais retangulares inclinados. Figura 4.4: Profundidades conjugadas em ressaltos em canais inclinados Fonte: Batista. M e Lara M.(2003). 52 Hidráulica e Hidrologia Aplicada Figura 4.5: Comprimento dos ressaltos em canais inclinados Fonte: Batista. M e Lara M.(2003). A definição da localização do ressalto hidráulico também é muito importante, tendo em vista a eventual necessidade de proteção na região de ocorrência, em função da forte dissipação de energia e de consequente possibilidade de erosão. Para efetuar sua determinação é necessário que sejam determinadas as duas linhas d’água, a montante e a jusante, a partir das profundidades conhecidas. Calculando- se a linha d’água conjugada a partir de montante o ressalto fica definido pela interseção desta curva com a jusante, e primeira aproximação. Deve-se, em seguida satisfazer simultaneamente, a equação do comprimento do ressalto e a relação entre as profundidades conjugadas. De acordo com as características, sobretudo quanto à eficiência na dissipação de energia, podem-se distinguir diversos tipos de ressaltos, em função do Número de Froude a montante como mostrado nas Figuras. Ressalto hidráulico ondulado Se 1,2<Fr1<1,7: ressalto hidráulico onduloso. Neste caso não se tem o ressalto propriamente dito, mas sim a formação de ondas que se propagam para jusante. A dissipação de energia é muito pequena, de modo que o ressalto não é empregado como dissipador. 53 Hidráulica e Hidrologia Aplicada Pré-ressalto Ressalto oscilante Ressalto verdadeiro Ressalto forte Quanto à localização do ressalto, podem-se distinguir, essencialmente, três situações básicas, correspondentes à relação entre a profundidade conjugada jusante, y2, e a profundidade final de escoamento a jusante, y2’, conforme mostrado na Figura 4.3. A profundidade final do fluxo, a jusante do ressalto, condiciona a posição relativa deste. O Caso 1 corresponde ao ressalto estabilizado; no Caso 2, com a profundidade de escoamento a jusante menor do que a profundidade conjugada jusante, o ressalto deslocasse para jusante. Enfim, no Caso 3 corresponde à situação contrária, ocorrendo o deslocamento do ressalto para a montante, podendo mesmo ocorrer o “afogamento” deste. Se 1,7<Fr1<2,5: Pré-ressalto. Pouca energia é dissipada. O pré-ressalto tem aspecto ondular, mas com zonas de separação na superfície líquida, e as perdas de carga são baixas. Se 2,5<Fr1<4,5: ressalto oscilante. Para este intervalo de Fr1, o ressalto apresenta uma superfície livre com ondulações e ocorre a formação de ondas que podem se propagar para jusante sobre longas distâncias. Este fenômeno pode causar erosões em alguns tipos de canais. Se 4,5<Fr1<9,0: ressalto verdadeiro. Este tipo de ressalto é empregado como dissipador de energia em bacia de dissipação. Aproximadamente 45 a 70% da energia total a montante do ressalto é dissipada ao longo de sua extensão. Se Fr1>9,0: ressalto forte. Este tipo de ressalto não é empregado como dissipador de energia porque há o risco de ocorrência de erosões significativas em função da elevada turbulência. 54 Hidráulica e Hidrologia Aplicada Figura 4.3: Localização do ressalto hidráulico Fonte: Batista. M e Lara M.(2003). 4.4 Formas de controlar o ressalto Os escoamentos supercríticos podem conter energia excessiva, sendo necessário dispor meios para dissipá-la, evitando danos não previstos. O fluido, acima de determinadas velocidades, provoca um desgaste rápido das estruturas através da abrasão, erosão e impacto. Essas forças hidrodinâmicas aparecem nos descarregadores de grandes estruturas como barragens, adutoras, drenagem, etc. Há várias estruturas que dissipam energia mas a escolha é função de uma série de fatores de projeto, principalmente custo e eficiência,podendo-se destacar: • Desnível. • Vazão específica. • Características geológicas. • Números de Froude. • Relação entre a curva da altura conjugada do ressalto e a curva chave do rio ou conduto. Para dissipar a energia os tipos mais frequentes de estruturas são: bacias de dissipação devido ao ressalto hidráulico, bacias de dissipação devido ao “roller”, bacias de dissipação devido ao impacto e macrorugosidades. • Elevação do fundo ou rebaixamento do fundo. • Blocos. • Bacias de dissipação. • Anteparos e/ou soleira espessa. 55 Hidráulica e Hidrologia Aplicada Exemplo 4.1: A jusante de um vertedor observa-se a ocorrência de um ressalto em um canal retangular com largura de 50 m. Sabendo-se que a vazão é de 350 m3/s e que a profundidade inicial do ressalto é de 0,80m, pede-se o tipo de ressalto, a profundidade jusante, o comprimento e a energia dissipada. Profundidade a jusante ( )2 22 21 2 1 y 1 1 = 1+ 8Fr -1 ( 1 8 3,12 1) 3,15 y 2 0,80 2 y y= = + ⋅ − ∴ = m Comprimento aproximado do ressalto R 2 1 RL 6,9(y - y ) 6,9 (3,15 0,80) L 16,21= = ⋅ − ∴ = m Energia dissipada no ressalto 3 3 2 1 1 2 (y - y ) (3,15 0,80) = 1,29 4 y y 4 0,80 3,15R R E E−∆ = ∴∆ = ⋅ ⋅ m Exemplo 4.2: Um canal retangular com 15 m de largura transporta 210000 L/s em condição supercrítica. Ao final do canal uma estrutura de concreto eleva o N.A. a 5,20 m de altura, ocasionando um ressalto hidráulico. Calcule a profundidade inicial do ressalto, seu comprimento, a energia dissipada e o tipo de ressalto. Resolução Cálculo da profundidade inicial. 2 2 2 2 2 2 2 1 2 1 1 1 1 12 2 2 2 210( ) 5,20 (5,20 ) 39,96 27,04 5,2 9,81 15 Q y y y y y y y y gB ⋅ = + = = ⋅ + ∴ = + ⋅ ,logo, 2 15,20 27,04 36,96 0y y− + = . Resolvendo a equação de 2° grau temos: Resolução: Vazão 350,0 (0,80 50,0) v 8,75Q v Am v= ⋅ = = ⋅ ⋅ ∴ = m/s Número de Froude 1 1 1 8,75 3,12 9,81 0,80R vF gy = = = ⋅ 2,5<Fr1<4,5∴ Ressalto oscilante 56 Hidráulica e Hidrologia Aplicada 2 ' " 27,04 27,04 4 5,2 36,96 1,20m ou y 6,40m 2 5,20 y y± − − ⋅ − ⋅= ∴ = = − ⋅ − Comprimento aproximado do ressalto R 2 1 RL 6,9(y - y ) 6,9 (5,2 1,20) L 27,60= = ⋅ − ∴ = m Energia dissipada no ressalto 3 3 2 1 1 2 (y - y ) (5,20 1,20) = 2,56 4 y y 4 1,20 5,20R R E E−∆ = ∴∆ = ⋅ ⋅ m Tipo de ressalto Vazão 210,0 (1,2 15,0) v 11,67Q v Am v= ⋅ = = ⋅ ⋅ ∴ = m/s Nº de Froude: 11 1 11,67 3,40 9,81 1,20R vF gy = = = ⋅ , 2,5<Fr1<4,5∴ Ressalto oscilante Exemplo 4.3: Supondo a ocorrência de um ressalto hidráulico a jusante do trecho de escoamento gradualmente variado com profundidade conjugadas de 0,50 m e 6,50 m, determine os seguintes dados: A) A vazão unitária; B) A vazão em trânsito, sabendo que a largura do canal é de 6,0 m; C) O tipo de ressalto; D) O comprimento do ressalto; E) A energia dissipada. Resolução: Número de Froude ( )2 22 1 1 1 1 y 1 6,5 1 = 1+ 8Fr -1 ( 1 8 1 9,54 y 2 0,5 2 Fr Fr= = + − ∴ = A) Vazão unitária 1 3 3 1 9,54 10,56 9,81 0,50R q qF q gy = = = ∴ = ⋅ m3/s.m B) A vazão em trânsito, sabendo que a largura do canal é de 6,0 m. 57 Hidráulica e Hidrologia Aplicada 10,56 63,36 6,0 Q Qq B = = = = m3/s. C) Tipo de Ressalto 1 9,54Fr = , 1 9,0Fr > ∴ressalto forte D) Comprimento aproximado do ressalto R 2 1 RL 6,9(y - y ) 6,9 (6,5 0,5) L 41,40= = ⋅ − ∴ = m E) Energia dissipada no ressalto 3 3 2 1 1 2 (y - y ) (6,5 0,5) = 16,61 4 y y 4 0,5 6,5R R E E−∆ = ∴ ∆ = ⋅ ⋅ m Exemplo 4.4: Um ressalto hidráulico ocorre em um canal retangular largo com declividade de 0,1m/m, com uma profundidade montante de 45 cm. Sabendo-se que a vazão transportada é de 5500 L/s.m, pede-se definir o tipo de ressalto, a profundidade conjugada, o comprimento do ressalto e a energia dissipada. Resolução: Encontra-se graficamente a altura conjugada considerando a declividade do canal. Para Fr1= 5,82 temos a relação 2 1 y y = 10,80, 2 10,80 0,45 4,86y = ⋅ = m. 1 3 3 1 5,5 5,82 ressalto verdadeiro 9,81 0,45R qF gy = = = ∴ ⋅ 58 Hidráulica e Hidrologia Aplicada Encontra-se graficamente o comprimento do ressalto considerando a declividade do canal. Para Fr1= 5,82 temos a relação 2 4,30 4,30 4,86 20,90L L y = = = ⋅ = m Energia dissipada no ressalto 3 3 2 1 1 2 (y - y ) (4,86 0,45) = 9,80 4 y y 4 0,45 4,86R R E E−∆ = ∴ ∆ = ⋅ ⋅ m Exemplo 4.5: Para a cota 350 m do nível de água a montante do vertedor, a vazão que escoa pela bacia de dissipação, com 4 metros de largura, é de 20 m3/s. A formação de um ressalto hidráulico, localizada na bacia de dissipação, deverá ser realizada pela colocação de uma soleira na extremidade a jusante da bacia de dissipação. Determine a altura de Z requerida pela soleira para que o ressalto se forme dentro da bacia de dissipação 59 Hidráulica e Hidrologia Aplicada Resolução Cálculo da energia. E1= cota crista – cota da bacia de dissipação E1= 350,00 – 347,21 = 2,79 m, portanto E1=E2 Cálculo do yc.: 2 2 33 5,0 1,36 m 9,81c qy g = = = Cálculo da vazão unitária (q): 20,0 5,0 4,0 Qq B = = = m3/s.m Cálculo de y2: 2 2 2 2 2 22 2 2 2 2 2 5,0 1,272,79 2,79 2 2 9,81 qE y y y gy y y = + = = + ∴ = + ⋅ ⋅ Para encontrar o valor de y será necessário aplicar Newton Raphson na equação de terceiro grau: 1 1 ' 1 ( ) ( ) n n n n f yy y f y − − − = − 3 2 2 2,79 1,27 3 5,58n y yy y y y − + − = − − + Determinação da altura de jusante ( )2 22 21 2 1 y 1 1 = 1+ 8Fr -1 ( 1 8 2,23 1) 2,15 y 2 0,80 2 y y= = + ⋅ − ∴ = m Energia no ponto 3. 2 2 3 3 32 3 5,02,15 2,42m 2 2 9,81 2,15 qE y E gy = + = = + ∴ ⋅ ⋅ Energia crítica (Ec): 4 3 3 1,36 2,04m2 2c cE y= = ⋅ = Como o ressalto deverá ocorrer somente na bacia de dissipação tem-se que y (m) 3 2 2 2,79 1,27 3 5,58n y yy y y y − + − = − − + 1,50 0,49 0,49 0,85 0,85 0,80 0,80 0,80 1 3 3 1 5,0 2,23 pré-ressalto 9,81 0,80R qF gy = = = ∴ ⋅ 60 Hidráulica e Hidrologia Aplicada 3 4 2,42 2,04 0,38mcE E Z Z Z= + ∆ = = + ∆ ∴ ∆ = Referências Bibliográficas BAPTISTA, MARCIO BENEDITO; LARA, MARCIA, “Fundamentos de Engenharia Hidráulica”, Editora UFMG, Minas Gerais, 2ª ed. 2003. PORTO, RODRIGO DE MELO. “Hidráulica Básica”, Editora São Carlos: EESC- USP, SP, 2ª ed.1999. PORTO, RODRIGO DE MELO. “Exercícios de Hidráulica Básica”, Editora São Carlos: EESC- USP, 4ª ed. 2013.
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