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O auto da barca da moralidade: uma visão maniqueísta, social e religiosa

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O auto da barca da moralidade: uma visão maniqueísta, social e religiosa 
 
Anna Carolina de Souza e Lousa 
Nº USP 8574270 
 
VICENTE, Gil. O auto da barca do Inferno. Editora ática, 7ª edição. São Paulo: 2011. 
 
​O auto da barca do inferno é uma peça teatral, escrita em ato único por Gil Vicente. O ato é 
dividido por cenas contendo importantes diálogos entre os personagens, o anjo e o diabo. 
Gil Vicente é nascido em Portugal em 1465, cresceu no meio cultural e era responsável por 
organizar espetáculos para divertir a nobreza durante o reinado de D. Manuel. É considerado por 
muitos, um dos fundadores da dramaturgia na língua portuguesa. 
Um auto tem por característica ser uma peça teatral cuja finalidade é tanto divertir, quanto instruir 
e por conta disso, seus temas variam da religiosidade ao profanismo, da tragédia à comédia, sempre 
levando em si um profundo sentido moralizador. Podemos observar que o auto da barca do inferno 
não foge á essa característica, apresentando um discurso carregado de pensamentos da época em 
que foi escrito, entre as idades média e moderna. 
Essa colocação fica clara já quando tratamos do cenário em que a peça se passa: em um porto, na 
beira de um rio, onde encontram-se duas barcas - a barca do inferno e a barca do paraíso – guiadas 
respectivamente pelo diabo e pelo anjo, sendo de decisão deles quem entra em cada barca após a 
morte. Os que chegam e são acusados pelo diabo, podem ser absolvidos pelo anjo. 
O diabo é um personagem irônico, aparenta conhecer toda a vida dos que possam pelas barcas e 
argumenta com todas elas, expondo seus defeitos e pecados, convencendo-as a embarcar no batel 
infernal. É um personagem vigoroso, que conhece a arte de persuadir, além de ser ágil no ataque, 
sendo o personagem mais importante nas críticas de Gil Vicente. 
O anjo é o condutor da barca do paraíso, separando as almas que vão para o céu, assim como o 
diabo, ele conhece a vida de todos os que esperam para embarcar, mostra todos os feitos dos 
personagens, dizendo seus pecados e mais importantemente, suas virtudes, dizendo o que leva ou 
não à condenação. 
O primeiro personagem a tentar embarcar é o fidalgo, que representa a nobreza e o luxo. Discute 
com o diabo, que afirma que a barca do inferno é a qual ele devia embarcar, mas o fidalgo se recusa 
a tal alegando que várias pessoa rezam por ele. Vem acompanhado de um servo e uma cadeira, 
vestido em roupas luxuosas, símbolo de sua posição social. Acaba condenado por sua tirania, 
egoísmo, luxúria e a vida pecaminosa que viveu. 
O segundo personagem a ser julgado é um onzeneiro, uma espécie de agiota, que enriquece coma 
cobrança de altos juros, o que é considerado pecado para a igreja. Entra carregando uma enorme 
bolsa que representa seus lucros terrenos. Adoece e morre quando está para recolher o dinheiro 
que lhe é devido. Deseja voltar a vida para buscar seu dinheiro, tentando subornar o anjo para que 
possa ir para o paraíso. Termina condenado por explorar o povo em vida e agora deve servir ao 
diabo. 
O terceiro personagem é Joane, o Parvo, um tolo inocente que vivia de forma simples. O diabo 
tenta enganá-lo para que entre em sua barca, mas acaba embarcando na barca do paraíso, pois 
segundo o anjo seus pecados eram cometidos com inocência. Representa o povo português que 
mesmo sendo ignorante, possui um bom coração e é temente a deus. É o primeiro personagem a 
ser salvo. 
O quarto personagem a ser julgado é o sapateiro, que chega com todos os seus instrumentos de 
trabalho. Em vida, ele roubou e enganou o povo que utilizava seus serviços, argumenta que morreu 
confessado e comungado, além de freqüentar missas assiduamente. Representa os artesãos e 
mestres do ofício e é condenado por seus roubos e por enganar o povo. 
O quinto personagem a chegar é o frade, que porta uma espada e vem acompanhado de uma 
mulher, que diz ser sua amante, quebrando assim o voto de celibato. Dá uma aula de esgrima ao 
diabo, sendo identificado como guerreiro e não homem de fé. O diabo não considera seu hábito uma 
prova de salvação e acaba por condená-lo por não seguir as leis da igreja e não ter fé na moral 
verdadeira. 
O sexto personagem é uma alcoviteira, que diz ser mártir, mas em vida prostituiu mulheres, 
enganou homens e foi condenada por sua imoralidade, lascívia e falta de escrúpulos. 
O sétimo personagem é um judeu, que chega acompanhado de um bode. Representa os 
judeus perseguidos no reino português. Nem o diabo quer aceitá-lo na barca e acaba condenado por 
não seguir os preceitos da fé cristã. 
Os próximos personagens a adentrar a barca, são os representantes da lei, um corregedor e 
procurador, utilizam latim para mostrar seu grande conhecimento e representam o poder judiciário 
corrupto da época. Acabam condenados por fazerem uso da justiça para benefício próprio, 
receberem propinas e pela arrogância. 
O penúltimo personagem é o enforcado, leva no pescoço a corda que o enforcou, acredita ser 
merecedor do paraíso por ter sido condenado em vida, mas acaba condenado por seus crimes. 
Os últimos personagens a adentrar a barca são quatro cavaleiros que lutaram e morreram nas 
cruzadas, defendendo o cristianismo. Por conta disso, são salvos. São os únicos personagens, junto 
com Joane a embarcarem na barca do paraíso. 
Considerando todas essas informações, notamos que Gil Vicente mostra na obra os valores da 
época, 1517, transição entre a idade média e moderna, levando em consideração, as fortes críticas 
sociais, ligadas à idade moderna e a religiosidade, um pensamento característico do homem 
medieval. Trata-se de uma sátira com forte apelo moral e uma visão maniqueísta de mundo, 
considerando o bem e o mal como as únicas opções possíveis para a caracterização das ações dos 
personagens, inclusive utilizando o ponto de vista católico sobre o juízo final.

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