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Sobre Tratamento de Chorume

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Jean Schleuderer – CRQ 03301215 - 3ª Região 
Engenharia Ambiental 
Av. Comandante Hilton Machado, 1000 – Casa 50 CEP 25976-730 Teresópolis / RJ 
 
Considerações sobre Tratamento de Chorume 
 
O marco regulatório sobre resíduos sólidos, que encejou a construção de aterros sanitários em 
substituição aos ‘lixões’ a céu aberto, obrigou a engenharia sanitária a lidar com um passivo 
ambiental de difícil equacionamento: o percolado do RSU (Resíduo Sólido Urbano) disposto nos 
aterros, referido usualmente como ‘chorume’. 
De composição variável em função da idade do aterro e do seu manejo, além de volume 
extremamente também variável em função do regime de chuvas na região, o chorume pode ser 
quimicamente caracterizado pela alta carga orgânica refratária a biodegradação, toxicidade 
relativa, alta carga nitrogenada amoniacal, salinidade e elevada alcalinidade de bicarbonato. 
Nossa cultura ainda limitada sobre reciclagem e segregação, aliada a práticas de disposição 
inapropriadas agregam ao RSU óleos minerais, metais pesados e outras substâncias químicas. 
Resulta sempre ser o chorume uma corrente altamente poluidora, cujo tratamento ainda se 
mostra tecnicamente insuficiente ou economicamente prejudicado. Na Europa, por conta da 
elevada taxa de segregação e pequeno volume de lixo, o chorume dos poucos aterros sanitários 
é pré-tratado e disposto nas onipresentes estações de tratamento de esgoto (ETE). Nestes 
casos, por conta da diluição com o esgoto sanitário consegue-se redução da carga amoniacal 
via nitrificação e degradação parcial da carga orgânica. No Brasil, por força do nosso precário 
saneamento básico esta prática não vem se mostrando eficaz. 
Diversos trabalhos pioneiros, entre os quais tomo a liberdade de citar o prof. Gandhi Giordano 
FEN/UERJ, muitos esforços em pesquisa e desenvolvimento e algumas soluções inovadoras, 
veem buscando uma forma técnica e economicamente viável para o tratamento e disposição 
do chorume. Mas, o trabalho ainda será árduo até se concretizar. 
As rotas pesquisadas ou exploradas envolvem esgotamento ou arraste da amônia, processos 
oxidativos avançados (POA) - via Fenton ou Fenton combinado (UV/H2O2/O3) - ozonólise, 
amonólise, eletrocoagulação, separação por membranas e biodegração de alto desempenho. 
Observe-se que, seja qual for a rota, por conta da variabilidade em composição e volume, uma 
bacia pulmão racionalmente dimensionada será sempre necessária para homogeneização do 
meio e regularização da vazão, e assim permitir operação do sistema de tratamento em 
condições de regime controlado. 
 
Jean Schleuderer – CRQ 03301215 - 3ª Região 
Engenharia Ambiental 
Av. Comandante Hilton Machado, 1000 – Casa 50 CEP 25976-730 Teresópolis / RJ 
 
Percebe-se que duas questões precisam ser resolvidas para que o tratamento seja eficaz: 
redução da carga amoniacal e aumento da biodegradabilidade da carga orgânica, notadamente 
para maciços maduros em que a concentração de ácidos graxos voláteis é baixa. A não ser que 
a rota de tratamento se paute pela evaporação, insolubilização físico-química e/ou pela 
separação por membranas, que possuem cada qual suas restrições, a via biodegradativa para 
remoção das cargas nitrogenada e orgânica deverá ser considerada. 
Na figura abaixo pode ser visto o registro destas cargas para um dos aterros sanitários que 
tivemos oportunidade de avaliar, ou projetar, o seu sistema de tratamento. 
 
 
 
Já as duas figuras seguintes mostram a correlação nitrificante e biodegradativa do MBR. 
O monitoramento cobriu os anos de 2009 a 2011, podendo-se observar as cargas elevadas, a 
acentuada variabilidade de ambas e a resposta do MBR às mesmas. 
Observa-se também lento decaimento na eficiência biodegradativa e nitrificante, devido a 
problemas de colmatação das membranas de UF por conta de cargas químicas presentes no 
RSU recebido no aterro. Este é um problema que ameaça qualquer processo de separação por 
membranas aplicado ao tratamento de chorumes no Brasil. 
 
 
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
8000
9000
10000
DQO (ppm)
NH3 (ppm)
Linear (DQO (ppm))
Linear (NH3 (ppm))
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A tabela seguinte mostra a simulação de desempenho, sob diferentes alternativas conceituais 
e operacionais, incluindo polimento via NF, no seu confronto de enquadramento na legislação 
ambiental vigente no estado do Rio de Janeiro (Inea): 
 
 
 
carga média DQO ppm 4574 4574 4574 4574 4574
carga média NH3 ppm 1394 1394 1394 1394 1394
eficiência esgotamento 0% 0% 89% 0% 0%
cargas biológico DQO ppm 4574 4574 4574 4574 4574
NH3 ppm 1394 1394 155 1394 1394
eficiência biodegradativa, base DQO 75% 50% 50% 35% 50%
eficência nitrificante 98,8% 92% 92% 70% 95%
cargas nanofiltração DQO ppm 1143 2287 2287 2973 2287
NH3 ppm 17 112 12 418 70
rejeição NF DQO 85% 80% 80% 80% 80%
NH3 70% 60% 60% 60% 60%
efluente final DQO ppm 172 457 457 595 457
NH3 ppm 5 45 5 167 28
enquadramento Inea
DQO, DZ205R6 200 ppm OK não não não não
NH3, NT210R10 5 ppm OK não OK não não
médias aritméticas com 
margem de 25%
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Apenas no caso de se poder garantir elevada eficiência biodegradativa (base DQO) e nitrificante, 
elevada rejeição continuada de amônia e DQO na NF ou então incorporando-se a remoção física 
da amônia por esgotamento com vapor, é possível assegurar enquadramento. São todos 
parâmetros de difícil atendimento. Considerando-se chorume médio típico com 1500 ppm de 
amônia e 3500 ppm de DQO, as eficiências mínimas biodegradativa e nitrificante exigidas 
seriam, respectivamente, de 94,3% e 99,7%. Um enorme desafio, como mostra a tabulação 
abaixo. Embora as eficiências globais tenham sido elevadas (em azul), foram, na maioria das 
vezes, insuficientes para atender aquelas exigidas pelo enquadramento (em vermelho). 
 
 
 
Caso a legislação aplicável seja a Resolução Conama-430 a situação fica apenas um pouco 
melhor para amônia, pois o limite de enquadramento sobe para 20 mgN/L. 
A foto abaixo mostra o chorume bruto, o filtrado da UF do MBR e o permeado da NF. Pode-se 
ver que muito do trabalho é jogado nas costas da NF, que promove uma separação e não um 
tratamento. 
 
 
 
 
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Sobre a Carga Nitrogenada 
Para que toda a elevada taxa de remoção não tenha que ser suportada por apenas uma etapa 
de tratamento, a remoção por arraste com ar ou por esgotamento com vapor pode ser uma 
alternativa viável, ou não. 
Arraste com Ar 
Por conta da volatilidade relativa desfavorável (αNH3/CO2 = 0,153/21°C, considerando idealidade) 
há que se promover o incremento da labilidade da amônia e sua diminuição para o dióxido de 
carbono. Isto pode ser feito pelo simples ajuste de pH do chorume bruto (7,2 a 8,6) na faixa 
fortemente básica (pH≥ 10,5). Não seria problema, não fosse a elevada alcalinidade de 
bicarbonato do chorume. 
No pH médio do chorume bruto, a distribuição das espécies iônicas em equilíbrio no sistema 
CO2/H2O é a seguinte: H2CO3 2,6%, HCO3- 96,9% e CO32- 0,5%. 
Antes que o pH possa ser ajustado, toda a alcalinidade presente (1200 a 7500 ppm) terá que 
ser convertida em carbonato, o que demandará alto consumo de uma base forte. Em geral a 
soda cáustica é descartada pelo custo, mas o emprego de cal hidratada não é recomendado por 
duas razões que poderão ser prejudiciais. 
A primeira, é que imputará alta dureza de carbonato e a solução saturada irá incrustar 
seriamente os equipamentos de jusante, além de inviabilizar o uso de torre de recheio em 
contracorrente (que seria orecomendado, pois a resistência à transferência de massa encontra-
se no filme líquido). A Lei de Henry se aplica como correlação de equilíbrio. 
A segunda razão é que, como o grosso da alcalinidade terá sido removido pela precipitação do 
carbonato de cálcio, a mesma terá que ser reposta caso a remoção ulterior da amônia seja por 
nitrificação biológica (já que é realizada por m-o autotróficos quimiossintetizantes). 
Alem da limitada eficiência e de exigir torres de arraste de grande diâmetro - pela elevada razão 
G/L limitada apenas pelo afogamento do leito – requer uma segunda torre para lavagem do ar 
exausto, com remoção da amônia como sulfato ou fosfato de amônio (ambos com potencial de 
colocação no mercado de fertilizantes). 
 
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Esgotamento com Vapor 
O esgotamento com vapor, direto ou via refervedor e condensador de topo, não tem nenhuma 
das restrições do arraste físico com ar. Naturalmente, há que se considerar o custo com geração 
de vapor, o que, em princípio poderia ser atendido pela queima de parte do biogás em caldeira. 
A amônia será recuperada no condensador e também possui potencial valor de colocação no 
mercado de fertilizantes. 
Ao final do relatório apresenta-se o balanço de massa e energia para os casos de esgotamento 
e arraste de amônia em aterro com capacidade nominal para 1.000 toneladas/dia de RSU. Neste 
estudo se avaliou as alternativas de recirculação e evaporação do rejeito da NF. 
 
Sobre a Biodegradação da DQO 
A forte recalcitrância da matéria orgânica do chorume bruto, notadamente em maciços 
maduros, evidenciada pela baixa razão DBO/DQO que faz com que o tratamento biológico seja 
prejudicado deve-se, em grande parte, às diversas substâncias húmicas e fúlvicas, entre outras, 
naturalmente extraíveis do solo em decomposição. A própria coloração do chorume bruto é 
devida à essas substâncias, ilustradas no quadro abaixo. São complexos poliméricos de alto 
peso molecular, com diferentes grupos funcionais e parcialmente solúveis em água. 
 
 
 
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As complexas estruturas moleculares dos ácidos húmicos e fúlvicos, por exemplo, que 
dificultam enormemente seu aproveitamento como substrato pelas bactérias biodegradativas, 
podem ser vistas nas figuras seguintes. 
De modo que, para que o tratamento biológico possa ser utilizado com todas suas vantagens, 
notadamente na versão MBR, é necessário antes quebrar as moléculas complexas 
transformando-se assim DQO em DBO. Os processos oxidativos avançados (POA), em suas 
diferentes concepções e configurações, seriam a rota indicada para isso. Mas, pelo menos ao 
que conste, ainda estão carentes de certificação técnica e viabilização econômica em escala 
industrial, embora muito esforço em P&D venha sendo feito neste sentido. 
 
 
 
 
 
Na impossibilidade de se aplicar algum POA certificado, restarão as rotas de insolubilização e 
encapsulamento destas substâncias recalcitrantes via tratamento físico-químico primário. 
 
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Sobre o Processo de Polimento via NF 
Desde o início o polimento final do tratamento vem sendo feito pela permeação em membranas 
de Nanofiltração (NF), por não concentrar o rejeito em salinidade. Sua baixa rejeição para 
amônia, no entanto, lhe desfavorece. Alem disso, tanto NF quanto OR são sistemas 
desenvolvidos para processar água limpa, de modo que a vida útil e alta frequência de limpeza 
também comprometem o seu desempenho. 
De qualquer modo, trata-se de um processo de separação física e não de um tratamento, 
resultando que ao rejeito deva ser dada destinação adequada. 
O protocolo usual envolve seu retorno (ou mesmo o do chorume bruto) para os maciços do 
aterro. Sem dúvida que no período seco, ressalvada a estabilidade dos maciços, a umidificação 
decorrente, necessária à biodegradação anaeróbia dos resíduos dispostos, o retorno mostra-se 
interessante. 
 
Conclusão 
Pelas dificuldades técnicas, operacionais e econômicas, algumas das quais abordadas neste 
arrazoado de fatos, erros e experiências, ainda teremos um árduo caminho a percorrer até que 
soluções certificadas possam ser colocadas pelo mercado para equacionamento da questão do 
tratamento e disposição do chorume. 
O comportamento dinâmico do binômio aterro-chorume, sua variabilidade em carga e volume, 
as rotinas de manejo dos maciços, as estratégias de implementação, a fase evolutiva do aterro, 
a combinação, encadeamento e adequação temporal de rotas de tratamento e os custos de 
investimento e operação, tudo contribui para a complexidade da solução. 
Seria mister dos órgãos públicos de gestão ambiental, reconhecer as dificuldades e os esforços 
que veem sendo dispendidos por profissionais e empresas altamente qualificados, definindo 
padrões de lançamento compatíveis com a carga e a natureza dos chorumes. 
 
 
Jean Schleuderer – CRQ 03301215 - 3ª Região 
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Av. Comandante Hilton Machado, 1000 – Casa 50 CEP 25976-730 Teresópolis / RJ 
 
Balanços típicos do arraste e esgotamento de amônia 
 
 
Jean Schleuderer – Setembro 2020 
Case 01.a36 = Avaliação entre sistemas de arraste e esgotamento
RSU = 1000 tpd
Arraste com AR Esgotamento com VAPOR
Fase 1 Fase 1
Com recirculação Sem recirculação
alimentação, chorume, S1 alimentação, chorume, S1
amônia kg/h 126,55 amônia kg/h 126,55
CO2 kg/h 295,25 CO2 kg/h 295,25
total kg/h 74370 total kg/h 42495
m3/h 73,0 m3/h 41,7
densidade 1019 densidade 1020
temperatura °C 37 temperatura °C 37
pH 8,0 pH 8,0
N-NH3 alimentação ppm 1401 N-NH3 alimentação ppm 2452
chorume ppm 2455 chorume ppm 2452
produto, chorume, S4 produto, chorume, S4
amônia kg/h 33,92 amônia kg/h 0,0098789
CO2 kg/h 20,75 CO2 kg/h 0,00
total kg/h 81837 total kg/h 38995
m3/h 80,3 m3/h 39,0
densidade 1019 densidade 1000
temperatura °C 34,9 temperatura °C 99,4
pH 9,4 pH 7,2
NH3 total chorume ppm 414 NH3 total chorume ppm 0,25
N-NH3 ppm 341 N-NH3 ppm 0,21
amônia livre ppm 0 amônia livre ppm 0,00
remoção NH3 % wt 73,2% remoção NH3 % wt 100,0%
remoção CO2 % wt 93,0% remoção CO2 % wt 100,0%
alcalinidade residual ppm 329 alcalinidade residual ppm 0,5
para geração de resíduo amoniacal, S3 para geração de resíduo amoniacal, S7
amônia 17 kg/h 92,67 amônia 17 kg/h 125,71
CO2 44 kg/h 20,75 CO2 44 kg/h 230,68
água vapor kg/h 4221,88 água vapor kg/h 3071,64
ar kg/h 106233,66 ar kg/h 0,00
total kg/h 110568,96 total kg/h 3428,03
(NH4)2CO3 96 kg/h 109,44 (NH4)2CO3 96 kg/h 370,20
% wt, H2O 2,6% % wt, H2O 12,1%
CO3 60 kg/h 28,30 CO3 60 kg/h 314,56
kgM/h 0,471590909 kgM/h 5,2427273
NH4 disponível 18 kg/h 98,12 NH4 disponível 18 kg/h 133,10
requerida kg/h 81,14 requerida kg/h 55,63
livre kg/h 16,98 livre kg/h 77,47
% wt, H2O 0,40% % wt, H2O 2,52%
resíduo como sulfato de amônio resíduo como carbonato de amônio/amônia
 vazão PA 132 kg/h 359,8 vazão PA kg/h 447,7
 concentração % wt 18,0% concentração % wt 14,6%
 densidade kg/m3 1200 densidade kg/m3 1150
 volume m3/dia 40 volume m3/dia 64
características gerais características gerais
nº de colunas 2 nº de colunas 1
diâmetro colunas mm 4300 diâmetro colunas mm 2200
altura colunas mm 13700/9400 altura colunas mm 18000
volume de recheio litros 130000 volume de recheio litros 30000
material colunas AC c/ FRP material colunas AI 316L
trocadores de calor 0 trocadores de calor 5
custo colunas & periféricos (*) R$ 1.737.000 custo colunas & periféricos (*) R$ 1.896.000
(*) Supõe-se disponível no LB: vapor, água de resfriamento, ácido sulfúrico

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