Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MST e a Cultura Ademar Bogo outubro 2000 Sumário Apresentação............................................................................. 3 Introdução.......................................................................................5 1. O que é cultura e como se apresenta ...................................8 1.1. A formação de nosso povo..............................................10 1.2. A cultura dos rejeitados................................................15 1.3. A cultura dos sem terra..................................................22 1.3.1. Memória histórica .........................................27 1.3.2. As virtudes extraordinárias.................................30 1.3.3. A consciência estética..........................................36 2. A revolução cultural.............................................................47 2.1. O que é a revolução........................................................48 2.2. As possibilidades da revolução cultural.......................61 3. Pilares de nossa revolução cultural........................................72 4. Conclusão.................................................................92 Apresentação A cultura é nossa vida Estimados companheiros, É com muita alegria que estamos apresentando a toda nossa militância, mais esse caderno de formação. Agora, com um tema que há muito tempo gostaríamos de ter tipo oportunidade de publicar: a questão da cultura em nosso movimento, em nossos assentamentos e comunidades rurais. Em geral, temos uma falsa idéia ao identificarmos a questão da cultura apenas como atividades culturais de nossa sociedade relacionadas com nossa tradição musical, do teatro e da pintura. Na verdade, a questão da cultura é muito mais abrangente, está relacionada com todas as nossas atividades quotidianas; nossos hábitos, nossos costumes, nossas tradições, nossas inovações. Está relacionada com toda nossa vida. As reflexões reunidas neste caderno pelo companheiro Ademar Bogo, certamente nos ajudarão a discutir na base, tanto a compreensão como o estímulo ao desenvolvimento das inú- meras atividades relacionadas à cultura.Mas valorizar a questão da cultura não é apenas valorizar os mais diferentes aspectos de nossa vida. No contexto histórico atual se reveste de uma importância ainda maior. Há uma hegemonia política ideológica e (também) cultural, do modus vivendi burguês, do consumismo, de valorização apenas das coisas que acontecem na cidade. Como se a urbanização, como se as atividades que acontecem nas metrópoles fossem as únicas importantes para nosso povo. Pior, está em curso um modelo agrícola que marginaliza o meio rural e inviabiliza a agricultura familiar e as comunidades rurais esparramadas pelo nosso imenso território. Nesse contexto, discutir então a questão da cultura adquire um significado político e ideológico muito importante, pois a resistência a essa ofensiva neoliberal está relacionada também à cultura, aos nossos costumes e valores do meio rural e do MST como movimento social.Como disse o Prof. Horacio Martins, “mais do que nunca as comunidades do meio rural, os trabalha- dores rurais precisam desenvolver uma cultura de resistência e de valorização, de auto-estima, como trabalhadores rurais, para poderem enfrentar a avalanche da ofensiva neoliberal”. Por último, a reflexão de cultura está relacionada também à prática de nossos valores enquanto indivíduos comprometidos com o bem estar social de todos, comprometidos com os princí- pios da Justiça, da igualdade e do bem comum. E relacionada com os valores sociais, coletivos, que nosso movimento defende, que precisa estimular e propagar no meio rural. Certamente, este caderno de formação será muito útil para entendermos, refletirmos e melhorarmos nossa prática cotidiana de militantes sociais, por mudanças no meio rural. São Paulo, outubro 2000 Coletivo Nacional do Setor de Cultura e Educação 55555O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura Introdução O MST, por sua natureza, é um movimento de massas. Carrega em si uma enormidade de diferenças, hábitos, jeitos, métodos e comportamentos que às vezes confundem os inimigos, que por fazermos certas ações ousadas, acreditam que deixamos de ser um Movimento forte e lutador. É verdade que não é fácil relacionar e entender tudo o que fazemos, por se tratar de coisas diferentes, mas que estão muito ligadas. Acontece que as características do MST não admitem que se faça uma coisa isolada da outra. Por isso é que dizemos que no MST temos a cultura da organicidade, que nada mais é que a ligação de uma parte, de uma atividade com outra. Quando encanamos a água colocamos um cano mais grosso ao pé da fonte ou da rede principal. Depois colocamos curvas nos canos para fazer a água subir e descer. Aí colocamos um cano mais fino, e para não desperdiçar água, colocamos na ponta do cano uma torneira. Isso pode ser um exemplo de organicidade onde a justeza de uma parte complementa a outra. A luta vai criando hábitos e jeitos que dão identidade à organização e aos poucos descobrimos que a cada passo construímos nossa existência, que chamamos de MST. Assim ocupamos terra, lutamos por créditos, educamos crianças, construímos casas e escolas, participamos de disputas eleitorais, gravamos CDs, protestamos contra as privatizações, fazemos ações de solidariedade. Tudo isso vai fazendo parte da vida da gente que luta no MST. Será que isto tem algo a ver com cultura? 66666 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 Tem muito a ver. Por que não podemos considerar cultura somente aquilo que está ligado com a arte. A arte é a capacidade que o ser humano tem de criar. Logo, temos capacidade de criar músicas, mas também criamos as lutas, as escolas, os barracos, as casas, o método de fazer reuniões, as marchas, etc. Significa que tudo isso vai se transformando em cultura. O que precisamos fazer é tornar esses gestos do cotidiano em conscientes, para que analisemos tudo que fazemos, se contribui ou não para o melhoramento da vida e da organização social. Há hábitos que repetimos há dezenas de anos e não percebemos que prejudicam nossa saúde. Há tipos de alimentos que ingerimos que também não fazem bem à saúde. Às vezes o jeito de trabalhar, andar, relacionar-se, perceber as coisas, solucionar problemas, etc. não ajudam a melhorar a existência social, por isso dizemos que precisamos fazer uma revolução cultural, que nada mais é que colocar as coisas em outra ordem. Nossa tarefa imediata é desenvolver a consciência nas diferentes áreas da vida humana, para que se possa superar os atrasos culturais que pairam sobre determinados aspectos. Devemos corrigir desvios surgidos a partir da convivência social, e possibilitar a formulação e a prática de novos valores culturais. É fundamental avançar e consolidar a identidade nacional através dos hábitos, costumes, práticas e valores. A isto chamaremos de unidade em torno da expressão cultural que dará maior qualidade à consciência. Cada vez mais a cultura se tornará consciência, porque tudo o que fazemos e sentimos constituirá a existência de nossa orga- nização. Assim a educação, a religião, o trabalho, a mecanização, a preservação da natureza, a agrovila, a agroindústria, a beleza nos assentamentos, as músicas, a mística, enfim, tudo o que 77777O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura existe ou acontece no assentamento é a cultura dos trabalhadores Sem Terra, que se manifesta e transforma-se em consciência social na medida em que as pessoas passam a repetir tais manifestações de forma consciente e se preocupam em desenvolver aspectos para aperfeiçoar a construção da existência social nas áreas de reforma agrária. 88888 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 1. O que é cultura e como seapresenta A definição da palavra é importante e devemos tomá-la como ponto de partida para iniciarmos nossa discussão. “Cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus”. É o que nos diz Alfredo Bosi, concluindo que “colo significou na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a terra, e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo”1 . Portanto, em sua origem, a cultura está vinculada ao cultivo da terra e por decorrência, ao trabalho. Verificando na história que a divisão social do trabalho se deu justamente quando os seres humanos descobriram a agricultura e passaram a cultivar sementes, da produção destas sementes é que dependia a existência das comunidades primitivas. Logo chegamos a uma conclusão muito simples, que cultura, trabalho e existência estão interligados. Por isso definimos que cultura é tudo o que fazemos para produzir nossa existência. Se fazemos coisas, dependemos do emprego da força física e, portanto, do trabalho. Mas nada podemos fazer sem aplicar uma outra força que somente o ser humano tem: a capacidade para criar. Logo, a cultura é também criatividade. Mas ao fazermos as coisas também nos emocionamos, sentimos alegria, projetamos sonhos. Logo, a existência é produ- zida com emoção. 1 Alfredo Bosi, Dialética da Colonização. 99999O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura Dizemos isto para confirmar que cultura para nós significa tudo o que criamos, fazemos e sentimos ao produzir nossa existência. Karl Marx ao estudar a questão, encontrou justamente esses elementos, em que o homem emprega para produzir um objeto, ou seja, emprega “força física e espiritual”. “Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, a abelha supera mais que um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura em sua mente construção antes de transformá-la em realidade. No fim do pro- cesso de trabalho aparece um resultado que já existia antes ideal- mente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E esta subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece menos possibilidade de fruir da aplicação das suas forças físicas e espirituais”2 . Isto quer dizer que no processo de trabalho o ser humano altera a natureza e ao mesmo tempo a sua própria natureza, aperfeiçoando assim as qualidades humanas. Daí é que vem a teoria materialista e diz que foi “o trabalho quem criou o homem”. O ser humano na sua essência é o resultado do trabalho. Além de o trabalho produzir o sustento humano, ele é respon- 2 Karl Marx. O Capital, T.1, p. 202. 1010101010 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 sável pelo relacionamento, afetividade, convivência, desenvol- vimento da consciência social, etc. Por isso é que se divide em produtivo e improdutivo. O primeiro cria objetos materiais, o segundo possibilita o surgimento do conhecimento, da organi- zação social, formação e educação ideológica, etc. Isto tudo rela- cionado formará a cultura. Os costumes, comportamentos, valores, ensinamentos são heranças culturais que recebemos de nossos antepassados como se fossem objetos de uso, os utilizamos sempre que necessitamos e às vezes sem nos dar conta. Por isso é que há culturas diferentes, pois além de tudo ela é produzida em um certo lugar com determinadas condições que não existem em todos os lugares. Isto pode ser empregado para se analisar um povo ou simplesmente uma organização social que vai modificando suas características culturais com o passar do tempo. 1.1. A formação de nosso povo Se as palavras “povo novo” ditas por Darcy Ribeiro, definem as características do povo brasileiro organizado em sociedade, que completa 500 anos de formação, o que dizer de nós que temos menos de duas décadas de organização enquanto trabalhadores Sem Terra? As características desse “povo novo” brasileiro estão relacio- nadas pela “confluência” de matrizes raciais diferentes, “tradições culturais distintas”, que se encontrarão forçadamente para formar uma nova estrutura de sociedade. E que embora imperial, terá um novo modelo. “Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada (...) porque vê a si mesmo e é visto como 1111111111O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam”3 . Do geral ao particular. Há uma seqüência idêntica ao processo que ocorreu na história da constituição do povo brasileiro com o surgimento da categoria social “sem-terra”, formada pela mistura das raças, para tornar-se “povo organizado” Sem Terra, sujeitos da produção da própria história. Agora, para concluir a miscigenação racial, mistura-se etnias com objetivos comuns, a serem alcançados através da luta pela libertação da terra e do próprio ser humano, com suas cores, raças, costumes, práticas e valores. Para realizar tal façanha, viemos de todas as penumbras. Trazemos conosco embrulhados em sacos e lonas, pedaços da história de exclusão, fragmentada e marcada, como se tivesse sido (e foi) composta aos pedaços que não se combinaram; por isso percebe-se nesta imagem os desencontros das partes rompidas e emendadas pelo vigor do tempo. As marcas desse tempo aparecem como olhos rasgados em forma de cicatrizes, abertos no corpo e na história de cada retirante, por onde se vê os passos de uma dura trajetória na linha do próprio destino, e no seu silêncio mostram a resistência, denunciam a perda de valores, pelo simples fato de termos acreditado demais e por muito tempo, em nossos dominadores. Os mesmos preconceitos tingiram as consciências e obscureceram o espírito crítico, ajudando assim para que os pobres nem sempre ficassem do mesmo lado, por isso era preciso que surgisse essa possibilidade na história, para dizer a todos aqueles que estavam abaixo da linha da esperança, que não nos 3 Darcy Ribeiro. O povo Brasileiro. 1995, p. 19. 1212121212 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 dividimos por raças, nem por credos religiosos, mas sim por classes, onde uma pequena quantidade de abastados coloca-se acima da linha divisória, imposta para diferenciar riqueza de pobreza e a grande maioria fica abaixo dela, tentando com pequenos saltos alcançar algumas pontas de privilégio, que pendem como fios de algodão doce. Na tentativa de alcançá-los e subir por eles, não suportam o peso de quem quer subir e quebram, ficando as pontas dessa tentação cada vez mais longe das mãos dos pobres. Excluídos como seres sociais não tivemos história regular. As circunstâncias sempre foram irregulares, oscilando sempre entre os interesses e as vaidades da classe dominante. Sendo assim, a vontade dos senhores sempre foi superior aos direitos dos servos, e os primeiros determinam o destino dos segundos, imaginando que a força sempre tem primazia sobre a fraqueza. Desta forma, estruturaram a sociedade com seus hábitos, costumes, tradições e valores e os impuseram sem escrúpulos, a laço, ferro em brasa e baixos salários, determinando sempre a produção da existência humana e social a seu modo, sem deixar de lado os privilégios. Na verdade, as circunstâncias que encontramos já ao nascer são diversas e ao abrir os olhos, herdamos imagens fisionômicas quase sempredeformadas pelo sofrimento, miséria e esforço físico demasiado. Mas sentimos por outro lado, carinho, acon- chego, gritos de felicitações de quase uma dezena de meninos que circulam ao redor da cama ou do berço, comemorando o aparecimento de mais um irmão ou de mais um brinquedo para as meninas, que com 5 ou 6 anos de idade, aprendem a carregar, enforquilhado na cintura, o “objeto” querendo tornar-se gente. Estas circunstâncias moldam os pobres como as vidraças das 1313131313O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura janelas que só podem ser talhadas daquele tamanho. As mãos do poder pressionam para que se enquadrem dentro da “ordem”, sejam obedientes e esperem pelas recompensas que os anos vão engolindo uma a uma; por fim, engolem também as esperanças, e deitados nos levam para dormir o longo sono, cobrindo-nos com um lençol úmido e macio de terra, deixando para trás muitos rastros, que serão reconhecidos por algum tempo, pelos descendentes herdeiros das mesmas circunstâncias, impostas e vigiadas para continuar a história que como castigo não se consegue renegar. Mas existe outro caminho, onde as circunstâncias podem ser feitas pelo homem? Sim. Mas é preciso querer. Podemos intervir no rumo da história, e através do esforço coletivo, acrescentar a ela também nossos interesses e fazer o presente nascer de outros sulcos abertos pelo arado da luta, plantando ali os sonhos, de início pequenos, mas vigorosos, em busca de produzir a existência através dos próprios passos em outras circunstân- cias. “A formação do sem-terra, pois, não se dá pela assimila- ção de discursos, mas, fundamentalmente, pela vivência pessoal em ações de luta social, cuja força educativa costuma ser proporcional ao grau de ruptura que estabelece com padrões anteriores de existência social destes trabalhadores e destas trabalhadoras da terra, exatamente porque isto exige a elaboração de novas sínteses culturais”4 . Então poderemos chamar tais passos de cultura consciente, que faz e que se deixa fazer pelos carinhos sinceros que nada prometem, apenas estimulam para que se continue caminhando. 4 Caldart, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Ed. Vozes, 2000, p. 106. 1414141414 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 Vivemos, portanto, para produzir nossa existência e coexistência com todos os demais tipos de vida e para preparar as condições da produção da existência das futuras gerações. É como se as futuras gerações apenas nos emprestassem a terra e o tempo para vivermos nosso pedaço de existência, entregando-lhes como pagamento tudo o que conseguirmos produzir materialmente e espiritualmente em nossa curta existência. Receberão elas em quaisquer circunstâncias nossa herança cultural. Essa herança cultural, produzida e repassada aos seres individuais e sociais, não se limita apenas às descobertas e invenções, nem tampouco as futuras gerações se acomodarão em torno do que as antigas gerações descobriram. Haverá altera- ções permanentes. Cada geração acrescenta nesta interligação de gerações, suas próprias características, formando sua identidade, sempre com a responsabilidade de preparar o ambiente onde viverão as gerações posteriores. A cultura, portanto, representa a produção material e espiritual da existência, a produção da consciência e a formulação de objetivos que poderão ser alcançados pela sucessão de várias gerações. Assim se sucedem os inventos, as descobertas científicas, as formulações metodológicas, as práticas e teorias organizativas com seus princípios e valores. Assim forjam-se os arquitetos da existência, os poetas e seresteiros, que buscam apaixonadamente subir os mais altos degraus na escada que leva à felicidade. Assim brincam os cantadores com as cordas, arrancando delas melodias. Jogam futebol os atletas como se fossem deuses rolando para o gol o universo que cabe sobre o pé. Sonham as crianças com estórias ouvidas antes de dormir. Assim plantamos e colhemos gerações que imprimem à história suas características reconhecidas, reproduzidas ou renegadas, dependendo de sua 1515151515O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura importância e serventia. De certa forma as gerações seguintes sempre nascem e se forjam com o esforço das gerações passadas, tendo que levar consigo como castigo ou como recompensa as impressões digitais das mãos que moldaram a realidade. O que fica das gerações que passam é a cultura em suas diferentes dimensões, mesmo que seja perversa e desestruturante, ainda é o resultado da existência de um grupo social. O fator mais belo e interessante desta interligação é que temos o direito de acrescentar ou retirar aspectos que não queremos carregar, embora muitas vezes fiquem cicatrizes que jamais se apagarão da face de nossa história. Por isso vale a pena viver através de gestos conscientes, que contribuam para que a humanidade siga sua trajetória na busca da utópica perfeição. 1.2. A cultura dos rejeitados A perda de parte da identidade individual e grupal não é suficiente para jogar para a indigência a existência já produzida. Podemos perder os documentos, mas com eles não perdemos a identidade. Mudamos de categoria social, mas continuamos na classe dos explorados. Desta forma, quem classifica um ser hu- mano de indigente é porque deseja identificá-lo pelos registros e não aprendeu a ler em sua face as marcas da construção histórica. Esse corpo esquálido e refugado migra em busca do que fazer, empurrado mais pelos conselhos que pela determinação, poderá recompor e reiniciar a produção da existência com raízes culturais sólidas? Muitas são as dúvidas e interrogações voltadas para a reconstrução da cultura da população migrante. “A cultura 1616161616 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 dominada perde os meios materiais de expressar sua originalidade. (...) Como pensar em cultura popular num país de migrantes?” Isto porque, “o migrante perde a paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a caça, a lenha, os animais, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, o entoado nativo de falar, de viver, de louvar a seu Deus. Suas múltiplas raízes se partem. Na cidade, a sua fala é chamada “código restrito” pelos lingüistas; seu jeito de viver, “carência cultural”, sua religião, crendice ou folclore. Seria mais justo pensar a cultura de um povo migrante em termos de desenraizamento. Não buscar o que se perdeu: as raízes já foram arrancadas, mas procurar o que pode renascer nessa terra de erosão” 5 . Apesar da imagem real do migrante na cidade onde deverá “renascer na erosão” urbana, não devemos desprezar a possibilidade do retorno para onde ficaram pedaços das raízes, isto porque, a terra tem o poder de conservá-las vivas por muito tempo. É o que denominamos caminho de volta para compensar o êxodo criminoso que ocorreu no Brasil a partir da década de 60. Embora sabendo que as circunstâncias mudam e que é muito difícil recolocar a mesma cepa sobre o resto da raiz cortada nessa fresta de tempo, acreditamos na força da terra e das pessoas quando buscamos nas periferias das cidades, gente que ainda tem condições de religar suas raízes, pois há terra que ainda é possível cultivar com conhecimentos guardados na memória, antes que a erosão do tempo também descaracterize a sabedoria deitada na consciência desses caminheiros. Poderíamos dizer que quando renegamos às coisas conscientemente, estas se perdem rapidamente nos arquivos 5 Ecléa Bosi. Cultura e Desenraizamento; in Cultura Brasileira: temas e Situações, p. 17. 1717171717O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura sentimentais da cultura popular. Ao contrário de quando somos forçados a separar-nos delas, as mantemos vivas através da saudade, e por mais que o tempo passe ou que sejamos obrigadosa viver diferentemente daquela situação antiga, propositadamente as mantemos vivas como feridas no coração. Mesmo doendo, não queremos que sarem. As recordações são ainda o que de bom nos anima e faz-nos respirar a utopia. Imaginemos que um camponês demitido do trabalho agrícola, da monocultura do cacau, eucalipto, café, etc busca emprego na pecuária extensiva. Ao mudar de lugar social mudará também as relações de produção e sentirá imediatamente a diferença no falar, no vestir, divertir, comercializar, etc. O vaqueiro é um ser “solitário”, fala pouco, e seu vocabulário gira em torno de datas, números, ida- des, nomes de remédios, sementes de capim e outras informações relacionadas com a pecuária. As festas e diversões mudam as características, são rodeios, vaquejadas ou exposições que os patrões organizam e obrigam seus peões a vestirem-se a rigor para encontrarem-se com os animais, figuras simbólicas e místicas centrais dos eventos. Mas o jeito de produzir a existência desse peão esconderá superficialmente as marcas deixadas pela produção da existência passada, quando era camponês ou empregado em outra atividade agrícola. Muitas coisas são trazidas do passado que cabem nessa nova situação e que ajudará na formação da identidade do peão, feitas de hábitos e valores como a lealdade, sinceridade, fran- queza, solidariedade, mas não poderá expor costumes, gostos e outras características que ficarão adormecidas, para um dia, se tiverem oportunidade, despertarem em uma nova realidade. Portanto, embora “desenraizados”, os refugados do capital mantêm vivas determinadas características que, forjadas na 1818181818 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 produção da existência individual e coletiva, em outras circuns- tâncias, e que em novas condições poderão renascer possivelmente de forma conservadora, podem servir como ponto de partida para a produção de um novo pedaço de existência. A reforma agrária é por excelência a possibilidade de religamento das raízes cortadas por diversos fatores no passado, por ser um resgate coletivo e comunitário delas. Por uma ou outra razão, ou por uma energia invisível mas sentida, tais raízes permanecem verdes à espera do pedaço que foi embora como o toco do jequitibá que fica ali, imaginando que um dia o tronco possa voltar a assentar-se sobre ele, por não ter aprendido a viver em outro lugar. Assim é o sertanejo, “às vezes, até ganhando dinheiro, mas sempre lutando contra a nostalgia da roça, um banzo peculiar, que fez com que o povo saído do interior jamais se adaptasse inteiramente à vida na cidade grande”6. O afastamento do camponês da atividade produtiva ocasiona num período histórico de descobrimentos tecnológicos, funda- mentalmente na mecânica e na genética, um certo descompasso entre o conhecimento empírico e o científico, mas não necessaria- mente o conhecimento empírico ou experiencial seja descartável, fundamentalmente na agricultura de subsistência. Por mais tecnologias modernas que inventem, não há outra forma de produzir alimentos a não ser primeiramente enterrando sementes! Isto pode ser feito com moderníssimas máquinas de plantar, como também com o dedo indicador da mão direita. O que muda é a rapidez, mas a quantidade pode chegar a ser a 6 Nepomuceno Rosa. Música Caipira: Da Roça ao Rodeio, 1999, p. 19. 1919191919O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura mesma. Há no Brasil essa disparidade tecnológica entre as dife- rentes regiões, onde em determinados lugares ignora-se a plan- tadeira mecânica usando-se a enxada para abrir covas e enterrar sementes, com a participação tríplice dos membros da família. O pai usa a enxada, a criança o adubo e a mãe joga em quantidade exata, em cada cova as sementes. Com o pé cobre-as para que germinem. Assim, todos trabalham e não há desemprego da mão- de-obra. Desenvolve-se por outro lado, juntamente com a “cultura” da existência, a cultura da resistência, de não entregar-se totalmente aos embalos do cantarolar do consumismo capitalista. Pelas iniciativas de resistência, podemos identificar sinais de vida na existência da população refugada e desprezada pelas forças produtivas capitalistas. Podemos dizer mais, que a vontade de viver faz surgir novas categorias profissionais, como os catadores de papelão que a cada cinqüenta quilos recolhidos salvam uma árvore. Catadores de latas, vendedores ambulantes, etc. No campo da arte surgem grupos que mantêm a tradição basicamente caipira, com suas músicas e rituais religiosos. Mesmo vivendo fora do ambiente camponês, estas sobrevivem na memória e nas recordações por muitos anos. Se permanecer no campo, significa resistência ainda maior, e não se desorganiza facilmente como diz Martins: “nessas condições, a institucionalização das relações de comercialização do excedente faz-se de forma que o mundo caipira não se desorganize necessariamente nem quando há uma crise econômica no conjunto da sociedade (como em 1929 e suas conseqüências durante quase toda a década de 30) nem quando há uma conjuntura favorável no mercado de produtos agropecuários, pois os setores propriamente 2020202020 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 urbanos absorvem a renda diferencial aí surgida”7. Se no setor produtivo, onde se engendram relações de trabalho, é praticamente impossível crises abalarem esse intercâmbio de excedentes, muito mais difícil será arrancar as experiências e aprendizados históricos, que se fixam no conhecimento humano como sinais que não se apagam, nem mesmo com a eliminação do corpo físico específico. Os conheci– mentos permanecerão por muito tempo na memória dos descendentes. A cultura, portanto, é algo concreto que se move como uma força invisível no ambiente onde se produz a existência de um determinado grupo social e influi profundamente em seu comportamento. Desta maneira o ser humano buscará formas de adaptar-se aos ambientes, produzindo instrumentos e meios para garantir a sobrevivência. Os animais, por sua vez, ao longo dos tempos são obrigados a modificarem características físicas e inclusive desenvolverem órgãos para buscar garantir a sobrevivência. A cultura é o meio de adaptação8 dos seres ao meio ecológico, possibilitando a aproximação ou o afastamento de grupos sociais. A cultura do caipira no momento em que se desloca para a cidade, expulso do campo, não se extingue com a mudança do ambiente físico, pelo contrário, permanece por certo tempo puramente caipira e é com ela que se defenderá no mundo desconhecido. Há reserva no falar, não faz inimigos e por outro lado, cultiva valores como a fidelidade, o compromisso, a solidariedade entre os amigos e assim por diante. Essa cultura 7 José de Souza Martins. Capitalismo e Tradicionalismo, 1975, p. 106. 8 Laraia Roque de Barros. Cultura um conceito Antropológico, 1986, p. 49. 2121212121O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura com aroma de sertão, com o decorrer do tempo mistura-se ao aroma produzido neste novo ambiente e se mantém, no imagi– nário, à procura de novos horizontes. Porque isso acontece? Simplesmente porque a cultura popular usa a simbologia, os sentimentos e a palavra falada vin– culada com a ação concreta. Relaciona-se com signos para materializar-se em conhecimentos históricos. A cultura na sua definição antropológica nos diz que é “o conjunto de modos de ser, viver, pensar, falar de uma dada formação social”9 . Por isso sua expansão se dá menos pela forma escrita e mais pela forma oral, visual, sentimental, etc.; por isso acreditamos nesta resistência da cultura dos refugados pelo capital, como fator determinante para retomar a luta pela terra na busca do “religamento” das raízes físicas e sentimentais. Estes dois pilares nos fazem sentir atração, por exemplo, para conversar com descendentes da luta de Canudos,onde Antônio Conselheiro no sertão da Bahia desafiou todas as forças, inclusive as da natureza e em meio à miséria e a seca construiu no final do século XIX, a segunda maior cidade do Estado da Bahia. Ou então com os descendentes do cangaço liderado por Lampião e Maria Bonita, sempre no sentido de resgatar conhecimentos e experiências. Da mesma forma que lembramos dos heróis revolucio– nários, recordamos nossos avós que viveram da produção, ligados à terra e junto produziram conhecimentos que vamos passando lentamente como um carro de boi que se arrasta à procura do futuro. 9 Alfredo Bosi. Dialética da Colonização, 1996, p. 319. 2222222222 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 Não podemos deixar de lembrar que nosso país, embora esteja completando quinhentos anos de exploração colonial e imperial, tem menos de 50 anos de vida predominantemente urbana. Antes disso a população majoritariamente vivia no campo e produzia sua existência ligada à terra. Isto possibilita falar da agricultura e tocar no imaginário ainda latente de conhe- cimentos produzidos pelos avós deste povo, que mesmo atualmente urbanizados, foram feitos de terra e carregam o cheiro dela para onde forem. 1.3. A cultura dos sem terra Sem Terra deixa de ser categoria social para tornar-se nome próprio quando identifica um grupo social que decidiu ser sujeito para mudar de condição social através da organização política, forjando daí sua própria identidade, com ideologia e valores. Há uma mistura profunda entre gente, terra e ideologia, na medida em que a caminhada provoca o encontro do ser homem com o ser terra. São dois corpos físicos materiais que possuem características e identidades que agora irão resgatar reciprocamente a história das duas existências. Embora sejam corpos físicos, é preciso entender que não são apenas matéria. Tanto o homem quanto a terra possuem aspectos que vão além das aparências, isto porque, não podemos considerar apenas as coisas visíveis e tocáveis como totalidade das coisas materiais. Nelas e dentro delas, há coisas que podemos tocar e coisas que não podemos tocar, mas existem. “Cada um sabe, com efeito, que há na realidade coisas que podemos ver, tocar, medir, são chamadas materiais. Por outro lado, há coisas que não podemos ver, nem tocar, nem medir, 2323232323O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura mas que, nem por isso, deixam de existir, como nossas idéias, nossos sentimentos, nossos desejos, nossas lembranças etc.; para exprimir que não são materiais diz-se que são ideais. Dividimos, assim, tudo que existe, em dois domínios: o material e o ideal. Pode-se, também dizer, de maneira dialética, que o real apresenta um aspecto material e um aspecto ideal”10 . Resta entender qual é a parte visível, que podemos tocar, e qual é a parte invisível da terra que não podemos tocar, mas que podemos sentir e que por isso mesmo existe. Assim também devemos proceder com o ser humano. A terra tem em sua origem, a energia que se transforma em potencial de ser mãe e gerar a vida de todas as espécies, sem se preocupar com a convivência entre ambas, mas oferecendo com seu sopro alimento para todas elas sem distinção. Na medida em que as espécies não compreendem os ciclos da própria existência e se destroem, a culpa não é da terra mas dos desequilíbrios das próprias espécies, por não saberem conviver no mesmo espaço. As que conseguem locomover-se buscam alimentos, retirando- se, andando por sobre a terra, à procura de um espaço diferente. Para as espécies em deslocamento, poderá haver variação de clima, solo e temperatura, para a terra não. Ela se estende como um imenso tapete colocado dentro da casa do universo, que se compõe de diferentes repartições. Os seres vivos que se deslocam é que vão da sala para o quarto, ou da sala para a varanda deste universo, mas todos os cômodos fazem parte da mesma casa. As plantas e todos os tipos de vida têm sua trajetória exis- tencial. Teriam sua história escrita se esta possibilidade estivesse 10 Georges Polítzer. Princípios Fundamentais de Filosofia, p.108. 2424242424 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 no vocabulário destas espécies que convivem com a vida humana. Como não aprendemos falar a língua das plantas e das minhocas, e estas não usam nossa caligrafia, pensamos que elas nada têm de importante a dizer sobre sua existência. Por isso derrubamos as plantas, matamos as minhocas e secamos a terra. O ser humano por sua vez parece disputar com os demais tipos de vida, lugar para viver e se mover sobre a terra. Por isso, por onde passa destrói o que precisa e o que não precisa para viver no momento. Nossa cultura ainda deve assimilar a linguagem das plantas, dos animais e das águas para poder dialogar em pé de igualdade com todas elas. Talvez tenhamos sido mal acostumados pela filosofia idealista, que defendeu por muitos anos que a terra era o centro do universo e por isso o “homem” deu-se a incumbência de tomar conta dela. “Crescer e multiplicar-se”, colocando-se acima das demais espécies. Considerando-se o senhor da natureza. Essa visão equivocada fez com que os seres humanos se mul- tiplicassem, mutilando as demais espécies, que também deve- riam multiplicar-se. Nesta competição fratricida, enquanto os seres humanos se multiplicaram progressivamente, muitas espécies subtraíram-se indiscriminadamente. Talvez as duas espécies que mais evoluem no planeta sejam a humana e a das bactérias, que de tempos em tempos causam na espécie humana epidemias incontroláveis. Por isso, quando os Sem Terra resgatam dentro de si a von- tade de voltar a ser gente, buscam a terra, e num diálogo emo- cionado, às vezes com lágrimas e sangue vertido por balas, chegam a constatação que o esqueleto do homem se parece com o esqueleto do latifúndio, onde a carne de ambos foi comida pelo capital. Por isso, fome e latifúndio têm a mesma cara, a 2525252525O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura mesma origem e a mesma identidade. Não são sanguinários o tempo todo. Preferem secar o corpo lentamente, até que o esqueleto se entregue e nada mais possa produzir. Então deite os ossos em algum lugar para que a terra os recolha e através de sua saliva os dissolva. Terra e homem têm a mesma história de desconstrução da própria existência. O capital inaugurou a era do descartável. Sobre a terra joga-se lixo, sobre os seres humanos joga-se o pre- conceito e a desocupação, por isso desconstrói-se o planeta e o cidadão. Desta maneira, parte da terra e parte dos seres humanos são jogados no berço da exclusão para chorarem a dor da falta de cuidado e de respeito. Esta trajetória já se iniciou há 500 anos em nosso país. Enquanto grupos poderosos nacionais e internacionais torturam e diminuem os seres humanos deixando-os sem trabalho, estudo, saúde e condições dignas de vida, a terra é despida de suas florestas, envenenada pelos poros, intoxicando as espécies de micro- organismos, que se debatem em seu ventre ou no leito seco dos rios como as lágrimas da mãe, que seca cansada de chorar pela dor e sofrimento que não tem mais solução. É esse encontro dos diminuídos, no final do segundo milênio, depois de 500 anos de torturas, que esqueletos hu- manos, despidos de todos os recursos, decidem se abraçar à terra, para extrair de seu corpo o perfume que move a dignidade de um povo em marcha, na defesa da vida e do planeta. Este encontro é conflitivo. Por um lado há os acostumados a desmatar e matar, sem respeitar a dor da consciência da terra, que vê o fogo queimar uma a uma as pernas das árvores, para depois cobrir seu rosto com capim ou simplesmente nada plantar, ficando esta imensa ferida e cortes profundos feitos pela erosão, 2626262626 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Cadernode Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 enquanto as florestas vão embora para serem desmanchadas pelos dentes afiados das máquinas; e com isso as nuvens entristecidas se retiram deixando que o sol quente endureça a crosta da machuca- dura ressecada, impedindo aparecer vegetação alguma. Estes tristes hábitos também compõem a cultura. Estes velhos ensinamentos ainda permanecem em muitas consciências de esqueletos agora assentados. Demoram a ser re- conhecidos pela terra, pois na pressa de fazê-la gerar o alimento ainda a maltratam. Buscam produzir a existência da mesma forma com que os predadores fizeram no passado e por isso a terra fecha os olhos para não ver as sementes deixarem sair caules enfraquecidos e raquíticos que não alimentam e nem satisfazem os anseios de quem as semearam, pois ainda desenvolvem a cultura da mutilação. Os emissários do capital, assim que percebem o vento tremular uma bandeira vermelha, entendem que há outro território conquistado. Correm com a saliva entre os dentes, pela ansiedade de vender máquinas possantes, insumos, venenos e sementes para mover a indústria da destruição do solo e da esperança de vermos nascer daí novos camponeses libertos de todas as taras e vícios. Nestes casos a tentação ainda se sobrepõe à consciência e à lei do menor esforço, levando a consumir tecno- logias que não favorecem a recuperação da terra. Há tecnologias que vêm para o bem da terra e do ser humano, devem ser abraçadas e utilizadas para fazer companhia ao desenvolvimento. Há as que vêm para destruir e prejudicar, devem ser rejeitadas e impossibilitadas de seguir em frente. Nem tudo o que se descobre e inventa está a favor da vida e do desenvolvimento. A rigor, modernização tecnológica no campo brasileiro não chegou a ser sinônimo de desenvolvimento, porque 2727272727O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura como quintal do colonizador norte-americano, aprendemos a consumir pacotes e não utilizar nossos próprios conhecimentos. Prova-se assim que, dependência, ao invés de desenvolvimento, significa deformação da existência. Mas há os que se rebelaram contra os que desrespeitam a bondade da vida e a resistência sempre marca novas etapas, enten- dendo-se que, para resgatar a dignidade do ser humano e da terra é preciso cuidar de três aspectos fundamentais; memória histórica, resgatar virtudes e desenvolver a consciência estética. 1.3.1. Memória histórica Como ponto de partida podemos dizer que memória é a existência já produzida com todas as suas dimensões. De outro modo, poderíamos dizer que memória é a experiência feita por determinado grupo social que se organizou para produzir coletivamente sua existência. Talvez mais do que isto, a memória represente a ponte que vem do passado e nos leva rumo a construção do futuro. Memória é saber pertencer-se para poder entregar-se. Há sabedoria na memória, e é esta sabedoria que alimenta as raízes existenciais de um povo. Sabedoria muitas vezes en- terrada nas covas do esquecimento pelas mãos interesseiras de grupos que não querem ver o povo se reconhecer nas entre- linhas das páginas escritas, contando a história a partir da vi- são do vencedor e não dos quase vencidos. Dizemos, então, que há memória nos restos de raças que ainda sobrevivem, e que lutaram em todas as gerações para manterem-se vivas e que os livros de história não deixam ver para que não apareçam nas cicatrizes do tempo, os nomes e os dizeres dos lutadores incan- sáveis, pela igualdade entre os seres humanos. 2828282828 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 Há memória para os camponeses nas fases da lua, em que buscam plantar as sementes no período mais escuro para que germinem e não apareçam carunchos na colheita. Mas as em- presas poluidoras preferem fazer nossa juventude acreditar que para cada tipo de inseto ou erva daninha, existe um tipo de veneno que chamam carinhosamente de defensivos. Há também memória no trabalho artesanal dos velhos camponeses das gerações passadas, que obrigavam-se a desenvolver os próprios instrumentos de trabalho antes da indústria se apropriar deles, transformá-los, devolvê-los e modernizá-los, porém com custo elevado e manutenção insuportável. Há memória na culinária das etnias, onde o conhecimento passava-se afetivamente para as moças que se orgulhavam de estar prontas para casar, pois já sabiam cozinhar. Atualmente a indústria dos enlatados e temperados, roubou o gosto do paladar familiar e as pessoas se envenenam comendo sem controle todo o tipo de alimentos artificiais, fazendo com que vivamos a maior contradição jamais vista na história em causas de morte. Temos duas causas principais: morre-se de fome e morre-se de obesidade. Uns morrem sem sangue ou porque este que usamos tem “pouca tinta”11 ; e outros morrem por terem colesterol alto, devido ao excesso de gordura no sangue. Há memória nas fotografias em preto e branco onde aparecem os jardins, os pomares das velhas casas de madeira ou barro, onde enormes famílias reunidas até a quarta geração faziam suas confraternizações. O tempo foi amarelando as fotografias, levando os conhecimentos, deixando em seu lugar o vazio e a 11 João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina, p. 71. 2929292929O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura falta de imaginação de como era naquele tempo. Nos livros também há memória, contadas pelas mãos hábeis de escritores verdadeiramente humanos, que se empenharam em registrar detalhes daquilo que o pensamento não conseguiria guardar, mas que o analfabetismo tira o direito de buscar nas letras a identidade perdida. Nas lembranças há memória. Nos contos, fábulas e lendas. Na vida dos lutadores do povo entregue inteirinha na construção de um sonho, mas que a classe dominante esconde, evitando muitas vezes deixar sinais até onde esconderam seus ossos depois de assassinados, porque temem que a voz do sentimento fale mais alto que as palavras e que o povo se reconheça em seus heróis e queira resgatar seus ideais de uma só vez. Há memória na crença traduzida de geração em geração, que os oportunistas usam da boa vontade e da fé das pessoas, facilitando aos opressores enfiarem a espada da dominação na consciência já sem cor, da classe trabalhadora e desempregada. Há conhecimentos biológicos e farmacológicos, desen- volvidos naturalmente pelas nossas gerações passadas e que hoje as empresas multinacionais patenteiam os inventos como se tivessem surgido do nada. Enfim, nos menores detalhes há memórias que fizeram parte da construção da existência de nossos antepassados e que dor- mem em alguma dobra do embrulho que traz a história. Até nossas mãos têm sabedoria e memória, mas cabe a nós ter cons- ciência da importância deste passado para sabermos como olhar corretamente para o futuro. Quando vamos para a terra, esta memória nos acompanha e é com ela que principiamos a organização de um novo mo- mento histórico, procurando produzir uma nova existência. 3030303030 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 1.3.2. As virtudes extraordinárias Virtude para nós é a capacidade que temos de fazer coisas extraordinárias permanentemente. Somente desenvolve virtudes aquele que tem capacidade de voltar-se para o bem. Os poderosos temem as virtudes, porque elas têm o poder de provocar a resistência contra a dominação e contagiar aqueles que devem derrubar suas estruturas. Se virtudes são capacidades extraordinárias, as conquistas coletivas sempre são vitórias extraordinárias. É por isso que os lutadores trazem o coração carregado de virtudes, onde o povo em marcha procura encostar-se para buscar ali a energia que lhes falta. O povo sente vontade de abraçar seus líderes por causa das virtudes que estes possuem e porque sentem que estas pertencem também a eles. Muitas vezes na fraquezase manifestam virtudes que jamais imaginávamos existir, e elas têm o poder de alastramento que podem impulsionar grandes mudanças em poucos momentos. Para ilustrar destacamos a história dos escravos romanos. Encon- tramos nos registros históricos que no ano 71 a.C. houve uma revolta de escravos na antiga Roma que durou cerca de dois anos. Essa revolta foi comandada por Spartacus, um escravo que despertou para o sonho de liberdade, a seu redor conseguiu arre- banhar cerca de 20 mil escravos, um número pouco significativo se formos olhar o poder do império romano na época comandado por Caius Crassus. As sucessivas batalhas iam cada vez mais dando moral e referência aos escravos, que atraíam outros escravos para a luta, até o dia em que foram capturados e crucificados, pois o instrumento da pena de morte da época era a cruz. Durante o tempo que durou a revolta os poderosos tentavam de todos os meios dizer que já haviam dominado os escravos e 3131313131O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura durante o dia, espalhavam notícias procurando convencer a população desta mentira. Mas durante a noite o clarão das fo- gueiras acesas denunciavam que os escravos ainda estavam lá, resistindo, e este esplendor convidava os demais escravos a saírem das mansões e dos palácios e somarem-se a eles. Portanto, não era a força dos escravos que os poderosos temiam, mas sim as virtudes que eles apresentavam, e as fogueiras eram fundamentais para desenvolver esta representação. De onde vinha esta força? Vinha da virtude da confiança. “Não há uma definição clara para um homem que conduz outros homens. O comando é uma coisa rara e intangível, sobretudo quan- do não se apóia nem na força nem na glória.Qualquer homem pode dar ordens, mas dá-las de maneira a que outros obedeçam é uma qualidade, e esta qualidade Spartacus possuía”12 . Na medida em que os trabalhadores Sem Terra decidem abandonar a vida de “indigência”, despertam em si o sonho de liberdade, e passam a desenvolver e apresentar virtudes que intimidam os poderosos que mentem, usando agora a televisão e os jornais, dizendo que derrotaram os lutadores da reforma agrária. Mas à noite quando menos esperam, lá se vão legiões de famílias empilhadas em caminhões ocupar fazendas abandonadas e dando-lhes a possibilidade de renascer. Aos poucos, o vermelho das bandeiras, como se fosse o esplendor de uma grande fogueira, avisa que ali os escravos buscam a liberdade e convidam outros tantos a forjarem juntos o próprio destino. Desta maneira cria-se uma nova cultura em torno das virtudes. Esquemas de organização são desenvolvidos e 12 Fast Howard. Spartacus. Publicações Europa-América, 1974, p. 118. 3232323232 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 experimentados. Pais e mães de famílias, que até pouco tempo eram apenas chamados pelos filhos, agora são anunciados ao microfone para participarem de reuniões onde decidirão o futuro de suas vidas. Passam a assumir responsabilidades, liderar pe- quenos grupos e desenvolver tarefas que beneficiam a cole- tividade. Acaba-se temporariamente o machismo e a dominação de um sobre o outro, porque na estabilidade podemos ser diferentes, mas no perigo somos todos iguais. A insegurança transforma-se em desafio. A mãe outrora tímida e submissa, abraçada aos filhos, coloca-se em frente aos pelotões sanguiná- rios que se apresentam para manter a ordem apodrecida. Permanecendo alguns dias já se vê nascer ali uma cidade, neblinada pela solidariedade. Nascem cabanas que servem de casas, escolas feitas de plástico e bancos de varas roliças, mas as crianças aprendem o que tem de melhor na esfera da educação infantil. Em poucos dias estão falando frases de Anton S. Ma- karenko13 como a que diz que: “estou convencido de que o ob- jetivo da nossa educação consiste não só em formar um indivíduo criador, um indivíduo cidadão capaz de participar com a maior eficiência na construção do Estado. Nós devemos formar uma pessoa que sem falta seja feliz”14. Assim como Paulo Freire e outros educadores importantes. Através de comissões, busca-se resolver os problemas que a própria convivência social produz, como é o caso do lixo. Nas cidades costuma-se atribuir a tarefa da limpeza à administração pública, e se o prefeito não tomar providências, a cidade fica 13 Anton Makarenco, renomado pedagogo Russo que se dedicou à educação de crianças de rua de 1920 a 1935. 14 Anton Makarenco. Problemas da Educação Escolar, 1986, p. 29. 3333333333O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura insuportável pelo simples fato de que as pessoas pagam impostos. Ora, os impostos não podem ter o direito de eliminar a solida- riedade entre as pessoas e o cuidado com a preservação da vida! Aqui surge uma virtude fundamental que é o da preocupação com o zelo pelo que é nosso. Os conceitos de público e privado, sem diminuir a responsabilidade de ninguém, são su-perados, na medida em que o processo educativo reconstrói o ser humano em outra direção, exigindo sua participação, e isto se torna cultura. Há dizeres e pensamentos produzidos que se transformam em trincheiras ideológicas, buscando não só o melhoramento do comportamento, mas a limpeza dos vícios que se acumularam em cada consciência, como lixo de perversidades que endurecem as relações e por isso precisamos combatê-los com doçura e ener- gia. Vimos em uma escola esta criação ideológica: “Escola limpa não é a que mais se limpa, mas a que menos se suja”. É um verda- deiro chamado à responsabilidade com aquilo que é público. Em poucos dias abrem-se cacimbas coletivas e inicia-se o tratamento da água. Banheiros coletivos para homens e outros para as mulheres. Estabelecem-se normas de convivência e assim reorganiza-se em poucos dias a nova forma de produzir a exis- tência humana, acordando as virtudes adormecidas no leito do tempo, que passam a povoar os sentimentos e controlar as von- tades que levam aos desequilíbrios na convivência social. Os poderosos se espantam quando observam um enorme aglomerado de pessoas, onde não se requisita força policial para intimidar e manter a ordem. Mas os próprios Sem Terra orga- nizam e tudo funciona sem prisões nem repressão. Nas marchas organizam-se longas filas que causam inveja aos que assistem a passagem e emocionados esperam o momento 3434343434 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 para lançarem-se sobre as pessoas para abraçar e derramar lágrimas quentes nos ombros dos caminhantes, como bálsamo refrescante que alivia as dores do caminho. Também nas marchas não se requi- sita força policial para orientar o trânsito. É a força da terra que desperta virtudes, onde o comando não emite ordens, solicita e recomenda cuidado pelo simples fato de saber que ali vão seres humanos, que não são números nem tampouco indivíduos enfileirados, mas que possuem senti- mentos e levam no coração saudades dos filhos que ficaram nos acampamentos, cuidados por outros pais que não puderam seguir a marcha. Se a saudade na distância é forte, a vontade de chegar é maior. Com os olhos fixos no vazio do horizonte que se coloca à frente, cada um quer saber o que se esconde após o topo da ladeira. Assim vivem as utopias. A cada topo alcançado, novo topo se deve alcançar, mas valeu a pena ter caminhado. Sem es- ta persistência a história não tem sentido. Este é o caminho que leva à reconstrução e coloca a revo- lução em marcha. Não é fácil reconstruir-se quando já nos tiraram o material mais precioso que é a dignidade de ser gente. Um ser humano reconstrói-se na medida em que acredita que dentro de si há material importante para colocar e tapar os vazios que o tempo de dominação provocou. Não é fácil ser livre quando ainda não aprendemos pronunciar a palavra liberdade. Caminhamos ocupando espaços que outrora temíamos ocupar. Marcharé mais do que viajar, é caminhar em busca de surpresas. A cada passo uma emoção, um gesto de carinho, uma mão estendida que parece querer esculpir em nós o novo homem ou mulher que pretendemos ser, e como estátuas inacabadas, abraçamos os escultores, como a pedir ajuda para que encham 3535353535O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura os espaços vazios que descobrimos dentro de nós, pe-los opressores nos terem feito acreditar no passado, que nada mais éramos e nada mais poderíamos ser. É caminhando que descobrimos o espaço vazio do anal- fabetismo que viaja conosco e nos provoca a perguntar ao caminhante ao lado o que dizem as letras em cada placa à beira da estrada. Ou quando alguém nos entrega um panfleto de soli- dariedade e envergonhados, o dobramos e o colocamos com respeito no bolso da mochila, que vai molhada sobre nossos ombros. É caminhando que vemos o vazio do latifúndio, protegido por cercas e a fome rondando as cidades. É caminhando que vemos o medo nos olhos das janelas das casas, escondidas atrás de grades, temendo que os pobres queiram fazer justiça pelos longos anos de violência aplicada para acu- mular riquezas. É caminhando que vamos descobrindo e esculpindo em nós uma nova consciência, porque os olhos parecem ver não o que está ocupado, mas sim os espaços que se deve ocupar. Há muitos espaços vazios que ao esculpir, vamos des- cobrindo. O latifúndio, em 500 anos de história do Brasil, não destruiu apenas a terra, mas também a consciência dos pobres e trabalhadores, por isso milhões deles andam como se estivessem cegos. Há um latifúndio em cada cabeça que não deixa produzir virtudes e valores, que embrutece as relações sociais e humanas, que abre profundos rasgos de erosão na memória, fazendo-nos acreditar que a história começou com nosso nascimento indi- vidual, antes disso “nada” de importante existiu. É a cultura do vazio e do esquecimento. Descobrimos também neste caminhar a importância da mão amiga que nos arrasta para o futuro, e neste espaço vamos tran- 3636363636 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 çando experiências, conhecimentos, comportamentos, idéias, virtudes, enfim, vamos construindo uma verdadeira interação. “A existência do espaço interativo é fundamental para o processo de construção do conhecimento, na formação dos sujeitos, e para o avanço da organização do movimento social. Pois é tam- bém nesse espaço, onde se desenvolvem as relações, articulações e alianças”15 . Estas descobertas e vivências misturam-se às ansiedades e convidam para que produzamos nossa nova existência. 1.3.3. A consciência estética A estética no seu sentido amplo deve significar a capacidade que o ser humano tem de marcar sua existência no mundo, produzindo objetos úteis e belos para sua sobrevivência, dando a eles um sentido de continuidade da própria existência. O belo se eterniza na permanência dos objetos criados. Neste sentido, emanamos beleza que plenificam gestos e razões como identidade de um povo. Na origem da palavra estética está o sentir. Ela vem do grego aisthesis que significa a faculdade de sentir. Logo, a estética se torna importante para a vida humana, pois ela está ligada ao desenvolvimento da criatividade e da capacidade de sentir, estes elementos formarão as características da consciência estética. Como a produção da existência consciente exige elevada capacidade de criatividade, pois mesmo nos pequenos detalhes usamos o intelecto e as mãos para produzi-las e colocá-las em ordem, podemos considerar todo e qualquer ser humano artista e arquiteto de sua própria história, para isto se torna fundamental 15 Bernardo Mançano Fernandes. MST: Formação e Territorialização, 1996, p. 223. 3737373737O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura a criação da consciência estética. Esta consciência estética se configura na qualidade de gostar. Desenvolve-se desta forma a pedagogia do bom gosto. Este sentido acrescenta-se em nós da mesma forma como qualquer outro, e deve ser exercitado dia- riamente, caso contrário atrofia e desaparece. É a busca da beleza que nos faz pentear os cabelos todos o dias, a cortá-los quando vemos que tiram a beleza dos traços da face, como se a moldura estivesse deformando-se. A obra de arte de um camponês Sem Terra não se encontra em paisagens pintadas ou em escritos filosóficos que se tornam obras, mas na paisagem real que se torna poesia. Aquilo que é novidade na natureza para alguns, para um Sem Terra não é ou pode ter outro significado. O pôr-do-sol para muitos pode repre- sentar um fenômeno artístico, pintado pelas mãos invisíveis do criador da natureza, para o camponês pode representar apenas fadiga de um dia duramente trabalhado, onde agora, ambos “vermelhos” de cansaço, no colo da noite adormecerão, para renascerem no dia seguinte e dispostos, acordarem o amanhecer. Nossa preocupação está então em saber valorizar o que de belo há na natureza e o que podemos tornar mais belo, usando as próprias forças da natureza, para fazer mais bela a vida cotidiana a partir desta fonte de beleza que é a natureza. A estética representada pela arte no mundo do capital se transforma em mercadoria, que se utiliza como elemento de poder para dominação e alienação das pessoas. A beleza em nossos assentamentos não é para ser comercializada, mas sim para demonstrar que caminhamos rumo à reconstrução da vida com o perfume das flores cultivadas, com o único objetivo de perfumar o caminho neste quadro de arte pintado pelas mãos de um desconhecido, que usou a enxada e os dedos como 3838383838 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 instrumentos básicos da edificação desta grande obra. Assim, a cor marrom está na própria terra e o verde está contido na pró- pria muda da flor, que se deita sobre o leito macio preparado para a fecundação. Assim irá fazer parte da paisagem. Nossa pintura tem mais sensibilidade por ser real, porque respira e exala perfume, sensibilizando também nossa consciência estética. Essa pintura é real. Acima de tudo porque o pintor não pode imaginar-se fora. Está dentro, e sem ele a paisagem não terá a mesma beleza. Este ser social, transformado em pintor, existe na realidade objetiva e subjetiva. Ocupa um lugar de des- taque, movimentando-se de um lugar para outro, para assumir um posto de melhor ângulo e continuar sua obra. Esta pintura é bela porque está em permanente movimento. Somente se pode olhar uma vez e fixar a imagem, no momento seguinte já não é a mesma paisagem porque muitos elementos mudaram de lugar, as nuvens foram para longe, os pássaros voaram em busca de outros galhos e o homem abraçou-se à mulher para emergirem em uma nova relação de igualdade e prazer. O contato com esta beleza natural educa os demais sentidos, como amar, gostar, admirar, sorrir e cantar. Desperta interesse coletivo de reproduzir esta obra de arte. A classe dominante quando vai aos leilões de arte, compra por altos preços obras de arte e as leva para casa, trancando-as em cofres, tirando a liber- dade da beleza poder tocar os sentimentos das pessoas e fazê-las sentirem-se mais humanas. Escondem as pinturas devido ao egoísmo que os amarra e porque são incapazes de reproduzi-las. Nessa insegurança oprimem-nas através da escuridão das paredes de aço, não deixando que falem e nem digam com seus traços, que para ser verdadeiramente gente, é preciso criar. Os 3939393939O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura dominadores não são puramente humanos, se assemelham às máquinas, sem sentimentos, sem alegria e sem imaginação. Criam os mundos de fantasias onde o capital lhes dá as ordens para cada movimento que devem fazer. Eles não sabem construir uma paisagem livre e bela. Quando necessitam criar, chamam um trabalhador para desenhar-lhesalgo que possam exibir aos seus colegas. É a cultura da frieza e da dominação. Porque então damos flores de presente? É errado fazer isto? Não. Damos flores de presente porque somos incapazes de explicar com palavras o que sentimos. Precisamos das pétalas e do perfume para que as mãos possam externar nossos sentimentos. Mas mesmo assim as flores murcham! Elas mur- cham para dizer que a beleza não está em um gesto isolado. É preciso continuar sensibilizando nossa consciência para que ela não se acomode e crie sem limites novos gestos de carinho e afeição. Nós somos mais criativos porque somos mais livres, e criamos nossas paisagens sem medo que alguém as roube, pois sua grandeza física e estética, torna impossível de transportar. Quando conseguem fazer isto, apenas levam pedaços e a beleza suporta poucos dias a ar- rogância humana e desaparece. Talvez seja por isso também que as flores murcham, porque não aceitam conviver com a insensibilidade, que ao retirá-las dos jardins para levá-las e colocá-las sobre as mesas, deixam para trás as raízes que lhes deram a vida. A beleza somente sobrevive quando estiver ligada às suas raízes. Se somos nós que fazemos a história, significa dizer que nela ficam nossas impressões digitais. Seremos reconhecidos por elas quando nossos descendentes forem recordar do pedaço de existência que nos coube viver e produzir. As obras de “arte” estarão presentes em tudo, porque tudo 4040404040 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 foi feito com a imaginação, força física e a habilidade de nossas mãos, no espaço aberto da natureza. Desta forma a estética está presente em tudo o que fazemos. Ela é a intermediação que existe entre o querer e o fazer, entre o servir e o sentir. Isto nos leva a aproveitar pedaços da grande paisa- gem já pronta, para apenas acrescentarmos aquilo que o imaginário humano consegue inventar. Então plantamos entre as árvores, casas com chaminés fumegantes. Espalhamos animais domésticos por entre as árvores, aproximamos as flores das casas e semeamos alimentos por uma outra extensão; no fundo, o rio corre man- samente, e ao pé da montanha limpamos um lugar para banhar- nos, deixando que as águas levem embora nossas canseiras e mágoas. Compõe-se assim as paisagens reais. Cada lote é um quadro pintado pela capacidade de cada família de pintores. Há desequilíbrios. São acidentes provocados por pintores descuidados que, na pressa de fazer sua paisagem, derramam mais tinta do que o necessário, borrando parte da tela com venenos, queimadas e lixo, trazidos nas compras do supermercado. Levam-se anos e às vezes várias gerações para se aprender a pintar a obra imaginada por nossos sonhos, exatamente porque o sonho não se realiza sem a recriação do homem e da natureza. Ao mesmo tempo em que criamos, nos recriamos. Pintar é também se pintar nesta paisagem viva. A consciência estética é lenta para se desenvolver, mas sem ela é impossível reconstruir a paisagem florida onde deverá multiplicar-se a vida humana e assim tornar-se existência. Quando a estética se torna cultura? Quando os seres humanos descobrem que a beleza é parte integrante do ambiente onde vivem, até o dia da partida e passá- lo para outros seres mais jovens. 4141414141O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura Quando o tempo determinar que não quer mais nos ver andando sobre a terra, pede para nos retirarmos e nos deitarmos de barriga para cima, onde a terra num diálogo silencioso nos trans- formará e nos distribuirá para que as demais espécies possam sugar nossa energia e fortalecer sua existência, misturada a nossa nova forma de existir. Desta maneira é que a terra não é só terra nem a árvore é somente árvore, assim como o indivíduo não é somente indivíduo. As células e os átomos que compõem a matéria se deslocam em um movimento vivo, e introjetam-se, entrelaçando- se para formar uma “nova’ matéria. Há momentos em que pisamos sobre a terra e comemos as plantas. No momento seguinte entramos na terra e as plantas nos comem com suas raízes e nos transformam em plantas. Este morrer e viver permanentemente é que possibilitou nosso planeta estabelecer esta harmonia em milhões de anos de existência. Esta íntima relação não está nas conseqüências, mas na causa que originou a intimidade entre terra e homem. Esta origem está no húmus. “Daí que homem vem de húmus”16. Somos esta mistura de pó e água com características novas, nos locomo- vendo, sonhamos, pensamos, acreditamos e caminhamos em direção à construção da utopia. Somos em resumo, esta terra boa em movimento. Somos este húmus Sem Terra, andarilho, que se rebela por ser violentamente afastado da terra, onde pode ter utilidade somente voltando a ela; pela morte ou pela luta. Em ambas as situações há a retomada da terra, para tornar-se terra ou para tirar dela o sustento e manter este húmus humano em movimento. 16 Leonardo Boff. Saber Cuidar, 1999, p. 72. 4242424242 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 Por esta razão é que nossa consciência ecológica se revolta quando há desrespeito com a natureza, porque na seiva das árvo- res há sinais de sangue de nossos antepassados que foram absor- vidos pelas raízes das plantas. Na medida em que conquistamos a terra, há um desafio enorme de reconstituição da história desses locais. Nos sentimos chamados a reconstruir as florestas através do plantio de árvores, a edificar pomares e jardins, mesmo ao redor dos barracos de lona crescem flores coloridas, plantadas pela simples vontade de tornar o local mais bonito e atraente. Em uma ocupação, quando se finda o período de acampa- mento e a terra foi liberada, ficam resquícios de guerra, lonas rasgadas, varas enfileiradas que serviam de esteios para as casas, fogões de barro abandonados, restos de potes quebrados, sandálias desgastadas, esquecidas e tantos outros objetos que ajudaram na resistência física e sentimental. Mas nesta dispersão de coisas, aparecem árvores e flores plantadas no desespero da ameaça do despejo, que psicologicamente ajudaram a imaginar que nas raízes das árvores e das flores, estava a simbologia da resistência e da ligação à terra, que os encarregados pelo despejo e pela violação dos lares, teriam que fazer força para arrancar-nos dali, e se passasse um tempo significativo, não nos arrancariam mais. A consciência ecológica e estética nos diz que devemos co- locar ordem nos destroços e ao mesmo tempo em que partimos para a construção das novas casas, o terreno que serviu de tapete para instalarmos nossos sonhos e preocupações, deverá ficar limpo e organizado. No solo pisado e endurecido limpa-se para plantar árvores e fazer renascer a vida, junto com a libertação da terra e das pessoas que acreditaram e venceram. Chega o dia em que a luta vence a opressão. Chega o tempo 4343434343O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura de construir as casas em meio a um choque de interesses. O go- verno aposta que uma casa de 42 metros quadrados é suficiente para uma família morar, e para impossibilitar sugestões, impõe uma planta comum para todos. Na vontade de possuir a casa, cada família aceita a imposição, mas assim que passa a habitar nela, percebe que não satisfaz as necessidades, pois possui apenas quatro cômodos e às vezes o casal tem oito filhos e a vida fica incômoda. A necessidade desafia a criatividade, e lá se vão todos se empenharem na construção de varanda para aumentar a cozinha e os dormitórios, agora de forma rústica. Pode-se perder em beleza, mas ganha-se em criatividade, iniciativa e comodi- dade. É o anseio de se ter uma casa com condições de abrigar as pessoas da família com todo conforto possível que nos faz desenvolver a criatividade. Segue-se em frente, e percebe-se que o poder do criador agora é humano. Animais são bem tratados e enfeitados,princi- palmente os cavalos que ganham novos apetrechos e ferraduras. Os pomares florescem. A bandeira do MST é pintada nas pa- redes dos galpões, casas e escolas. Não há uma praça de assen- tamento que não esteja lá uma bandeira dançado ao sopro do vento, contrastando com o verde da vegetação em terra. Os animais domésticos passeiam entre as crianças de ventres livres, que correm em direção aos seus próprios brinquedos. As mulheres recolhem dos varais as roupas secas e macias, já sem remendos, após uma jornada de trabalho gratificante na coope- ração comunitária. As portas das casas se abrem uma a uma lentamente, como se quisessem dizer boa noite aos jovens que saem para ver a lua nascendo. Não há muros em frente às casas, as grades do medo e da exclusão ficaram em alguma dobra do passado. E na linha da reconstrução e do desenvolvimento 4444444444 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 humano, vem os cuidados estéticos com o próprio ser humano. É a razão maior de produzir cada obra de arte em cada área conquistada e em cada ser humano, buscando refletir sobre cada ruga estampada na face da existência, que distingue e que nos dá identidade. Desta forma melhora-se a aparência. Reconstituem-se dentaduras, melhora-se o vestuário, troca-se os móveis da casa, adquire-se eletrodomésticos novos, enfim toma-se consciência da importância da aparência física como filhos da terra, recriados por ela em busca da manutenção da dignidade. O trabalho é desde o início o fator de produção do próprio ser humano. No decorrer da história da humanidade o trabalho foi se tornando algo punitivo e pouco prazeroso, devido a escra- vidão e a exploração do capital no desenvolvimento das forças produtivas. No resgate do ser humano, resgata-se o sentido do trabalho que possa reconstruir de forma voluntária o ser deformado. Também resgata-se o sentido das técnicas que mantenham a estética do corpo. Isto irá despertar o interesse pela beleza como método pedagógico na retificação da conduta. “O instrumento principal da influência pedagógica deve ser o método intuitivo demonstrativo da beleza na arte, no trabalho e no comporta- mento dos homens”17. Essa criação antecipada como referência, influi para que os demais seres sociais Sem Terra, sintam influên- cia deste meio, e adquiram caraterísticas complementares, reti- ficando seus hábitos. Pela urgência de produzir, muitas pessoas lançam mão de instrumentos e insumos que prejudicam, mutilam e deformam o corpo humano, fruto de um método demonstrativo do trabalho depredador. Carrega-se água na cabeça enquanto há 4545454545O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura múltiplas formas de fazer a água chegar sem esforço em cada casa, e usa-se defensivos, “ofensivos” agrícolas, quando há deze- nas de formas de combater as pragas e doenças; fruto do desconhecimento e alienação por parte das empresas de venenos, que estabelecem as bases de seus lucros sobre a depredação e destruição do ser humano e da natureza. As tentações do passado às vezes nos obrigam a virar a cabeça para ver o que não queremos mudar; é como se uma força mis- teriosa nos empurrasse para o lado de um coordenador e entregás- semos a ele o poder das ordens e ficássemos aguardando o momento de agir. Se não há ordens não haverá ação. Aí nasce a centralização do poder e a vontade de ser superior aos demais seres humanos. Essa apatia se transforma em conformismo e assim morre a indignação. O gosto pelo belo está em todos os aspectos da vida e da organização social e política, por isso é que a estética está em todos os sentidos orientando-nos que um simples gesto tem sua beleza. A forma de falar, de sorrir e dizer tem sua beleza. Há pessoas que falam muito e não cansam seus ouvintes, quando terminam de falar parece ouvir-se um ruído de pena por ter terminado. Há beleza na forma de organizar e dirigir. Muitos líderes tem a perspicácia de indicar o caminho e sem muitas explicações convencem seus companheiros e companheiras. Assim tornamos a estética parte de nossa existência, mas parte agradável que dá qualidade aos segundos que respiramos e desenvolvemos em nós, o gosto de viver e desenvolver a beleza. É fundamental acreditar que desenvolvemos nossa existência 17 Verb, M. A . La Educación Estética de Los escolares. In Teoría y Metodología de La Educación Comunista em La Escuela, p. 217 e 218. 4646464646 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 num cenário como se fosse uma tela de pintura, onde cada movi- mento nosso significa um traço na montagem desta paisagem. A alegria significa as cores alegres, a tristeza e o mau humor as cores escuras e tristes. Revisando nossa história podemos perceber claramente como está pintado o quadro da história particular de cada um. Se foi bela, o quadro estará perfeitamente pintado com cores alegres, se foi uma vida atribulada será um quadro triste, onde predominam as cores escuras. Importante é que não tenhamos medo de expor na galeria de arte da história este quadro, e ter consciência de que é possível melhorá-lo, agora que temos mais consciência da importância de nossa existência. Sobre as cores tristes é possível colocar cores alegres e fazer o cenário de nossa história mudar. Por isso é preciso acreditar em nossa capacidade de pintores, adormecida em nossa cons- ciência. Dormem dentro de nós poetas, escritores, contadores de fábulas, músicos e humoristas que somente nossa auto-estima pode acordar. Temos nossos ideais políticos, organizativos, econômicos, etc. Precisamos estabelecer também ideais estéticos que pos- sibilitem nossa intervenção no cenário histórico para transformá- lo, a fim de que vivamos em harmonia com todos os tipos de vida e socialmente felizes, bebendo nesta fonte limpa da beleza. 4747474747O MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a CulturaO MST e a Cultura 2. A revolução cultural Assunto delicado, em se tratando dos vários fatores que se interligam no tratado da revolução, principalmente quando há diferentes conceitos que desgastam a própria palavra, tendo em vista que com o decorrer do tempo, qualquer mudança signifi- cativa, em qualquer dimensão científica ou da vida social, recebe a marca desse conceito. Há também muitos desanimados que também desencami- nham as perspectivas e dificultam discutir o assunto. Falar em revolução em uma época em que parece haver uma hegemonia absoluta do imperialismo norte-americano é atrever-se demais. Por outro lado, há uma acentuação muito grande sobre determinadas questões que procuram descara- cterizar a luta de classes e destacar como pontos fundamentais, as questões de gênero, ecológicas, das minorias e tantas outras. Aceitamos que, as contradições antagônicas estão locali- zadas no mesmo lugar, entre forças produtivas e relações sociais de produção, onde uns produzem, outros se apropriam, uns concentram renda e riqueza, outros miséria e pobreza. É nesse sentido que devemos voltar nosso olhar e colocar as questões importantes sobre a situação de dominação, degeneração e destruição de tudo. Dentre todos os elementos que compõem o universo e que estão sendo destruídos, o ser humano é o prin- cipal deles, por ter a condição de poder desenvolver a consciência e ser ele o principal instrumento de resistência, é com ele que devemos lutar e buscar a solução dos problemas. Mas resgatar o ser humano não significa deixar as árvores e 4848484848 Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34Caderno de Formação nº 34 as águas desaparecerem. Uma nova relação entre os diferentes atores no universo, deverá surgir e constituir as futuras relações de produção, humanas e culturais. A revolução estrutural da sociedade é o objetivo principal daqueles que querem ver um país liberto de todas as torturas e desequilíbrios. “A
Compartilhar