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RESENHA: CRIME E CONSTUME NA SOCIEDADE SELVAGEM MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem. Trad. Clara Corrêa. Brasília: Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003. A obra "Crime e Costume na Sociedade Selvagem" do antropólogo polaco, Bronislaw Malinowski, realiza um estudo descritivo inédito sobre o “direito primitivo", questionando alguns mitos que perfazem a narrativa da sociedade na referida época, proporcionando, consequentemente, a abertura de novos campos de estudo para a sociologia e antropologia social. O livro baseia-se no estudo do autor a respeito dos costumes locais de uma comunidade primitiva nas proximidades da Austrália, tendo como foco principal a análise dos elementos que interferem no comportamento social dos indivíduos que constituem esses grupos, como a religião, economia e cultura; No bojo da obra, encontra-se, por exemplo, registro do que seria uma espécie de ordenamento jurídico comparado Código Civil. Apesar de inicialmente ressaltar a deficiência de informações a respeito da lei primitiva (forças que contribuíam para a manutenção da ordem), a obra caracteriza-se por apresentar um novo método de investigação de campo que contraria a perspectiva consolidada (na época) que sociedades, como o povo Mailu e nativos das Ilhas Trobriand – tribos encontradas na Austrália que foram objeto de estudo de Malinowski, não constituíam qualquer tipo de lei. Na sua perspectiva, o autor afirma a presença de leis nas sociedades primitivas, todavia, em certa medida dissociadas do caráter metafísico/mítico: “Os selvagens têm uma classe de regras compulsórias, sem nenhum caráter mítico (...), mas provida de uma força aglomeradora puramente social.” Ainda ao se referir a esse rol de regras, Malinowski analisa as forças sociais de alguns grupos, chegando a conclusão de que a coesão da convivência social era derivada do respeito e da reciprocidade - “(...) a troca estabelece um sistema de laços sociológicos de natureza econômica, muitas vezes combinados com outros laços entre indivíduo e indivíduo, grupo de parentesco e grupo de parentesco, aldeia e aldeia, distrito e distrito”. Para ele, era essa a base principal da existência de uma ordem numa sociedade primitiva. Nessa perspectiva, no decorrer do livro há a demonstração de que as regras estão fundadas nos costumes e tradições, observamos, portanto, que alguns dos elementos descritos pelo autor remetem as atuais esferas Civil e Penal do Direito contemporâneo (conforme foi citado no início dessa resenha). As regras do casamento, das sucessões assim como os delitos puníveis e o tipo de pena aplicada constituíam-se de regras baseadas nos costumes e tradições que, embora não estivesses escritas, eram respeitadas por todos, ou seja, tinha poder coercitivo perante àquele grupo. A partir desse fato denota-se que, apesar do caráter inequivocamente obrigatório das regras, havia também uma certa elasticidade no seu cumprimento, ou seja, os mesmo que estabelecem as normas, também produzem, igualmente, os “remédios” para as violações. Na verdade, segundo Malinowski, o cumprimento das normas é garantido pelo sistema de trocas - os nativos raramente encontram-se satisfeitos com as negociações realizadas e, portanto, se não for causar prejuízo ou perda de seu prestígio, há um certo desvio de suas obrigações. Importante frisar também a concepção do suicídio como alternativa à vergonha da exposição da transgressão realizada. Por fim, a última parte permite ao leitor entender a realidade social que permeia a convivência nos clãs: " Em todas as oportunidades em que atua como unidade econômica nas distribuições cerimoniais, o clã permanece homogêneo somente em relação a outros clãs. Na verdade, internamente, há um espírito inteiramente comercial, não isento de suspeitas, inveja e práticas mesquinhas. A solidariedade aparente está sempre eivada de pecados e praticamente inexiste na rotina da vida cotidiana.". A leitura da obra, portanto, faz-se de fundamental importância para compreender os fundamentos da história do Direito. Essa retomada do processo histórico do que seria um embrião do atual ordenamento jurídico é inerente ao estudo sociológico e antropológico. A análise da obra resenhada, assim como a leitura de Totem e Tabu (Sigmund Freud) nos ajudam a compreender o processo de transição ao qual o Direito está atrelado.