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Tribunal de Justiça do Distrito Fedetal e dos Territórios 
CARLOS COSSIO E A TEORIA EGOLÓGICA DO DIREITO 
Marília de Ávila e Silva Sampaio(*) 
I - INTRODUÇÃO 
O presente trabalho busca apresentar, em linhas gerais, as idéias filosóficas 
de Carlos Cossio, expressas na teoria por ele concebida, a qual denominou de Teoria 
Egológica do Direito. Seu principal conteúdo está concentrado no livro La teoria 
Ego lógica y el concepto jurídico de libertad, mas o próprio Autor reconhece que pontos 
importantes de sua teoria, tais como a questão da gnoseologia do erro ou a teoria da 
verdade jurídica estão tratados em compêndios separados. Aliás, segunda edição do 
livro acima mencionado trouxe diversas inovações em relação à primeira edição. 
O Autor partiu das idéias de Hans Kelsen e sofreu as influência do cri ti cismo 
de Kant, da fenomenologia de Husserl e da filosofia existencial de Heidegger, para 
concluir que o Direito é conduta, mas não uma conduta qualquer, mas uma conduta 
intersubjetiva, em que o fazer de um sujeito corresponde a um não fazer de outro 
sujeito, de modo que uma conduta impede a ocorrência da conduta do outro. Essa 
concepção inaugurou uma filosofia voltada para a ciência do direito, na medida em 
que o objeto de estudo do filósofo do direito é o mesmo objeto do cientista do direito. 
Para tanto Cossio desenvolveu suas idéias a partir de quatro pontos 
principais, quais sejam a ontologia jurídica, a lógica jurídica formal, a lógica jurídica 
transcendental e a axiologiajurídica, este aliás, um dos mais importantes capítulos da 
teoria, na medida em que explícita que todo ego ao desenvolver a conduta, 
necessariamente escolhe entre as possibilidades de atuação. E ao realizar tal escolha, 
valora. Assim, não se concebe uma conduta que não seja motivada pelo valor. 
Nesse ponto, Cassio discorda de Kelsen, para quem o direito é a norma e 
como esta é neutra, então o direito não se preocupa com o estudo dos valores, sendo o 
• dever ser' (objeto de estudo das ciências do espírito), um dever ser meramente lógico. 
Ao contrário, sustenta Cassio que o dever ser é axiológico e usa como argumento em 
abono a sua tese principalmente os conceitos elaborados por Husserl em sua 
fenomenologia. Segundo preleciona o Professor argentino, não há como se estudar o 
direito sem pensá-lo no dia-a-dia das pessoas, no mundo real de pessoas de carne e 
osso. Para ele o homem não é apenas uma categoria teórica, mas algo concreto que 
constrói sua realidade em co-participação com os demais homens. 
(*)Juíza de direito. Professora do UniCeub. Mestranda em Direito pela UNB. 
22 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
Suas idéias influenciaram em grande medida os juristas de sua época, 
inclusive o próprio Kelsen, que após entrar em contato com as idéias de Cassio em um 
seminário de filosofia, realizado na Universidade de Buenos Aires, reformulou sua 
Teoria Pura do Direito, publicando uma segunda edição. 
A publicação do livro Radiografia de la teoría egológica dei derecho também 
deu-se a pedido de estudiosos do assunto, principalmente de professores e estudantes 
da Faculdade de Direito da Universidade do Ceará. É o próprio Cossio, no preambulo 
do referido livro quem conta que em 1961, os professores da mencionada faculdade 
decidiram encerrar o ano acadêmico com um debate, no qual os alunos, por votação, 
escolheriam, entre os autores estudados, os três que mais houvessem despertado sua 
inquietude e interesse. 
Após algumas votações, restaram 3 nomes com a maior votação, pela ordem: 
Carlos Cassio, Karl Marx e Hans Kelsen, sagrando-se vencedor do certame o aluno 
que defendeu as idéias de Cossio. Assim, animado pela homenagem e pela difusão de 
suas idéias por outros países, escreveu o referido livro e dedicou-o aos estudantes da 
Universidade do Ceará. O episódio narrado dá conta da importância da teoria de Carlos 
Cossio para a moderna filosofia do direito, na medida em que o mesmo aparece ao 
lado dos grandes nomes da ciência jurídica de todos os tempos. 
O trabalho foi desenvolvido em sete partes, além da introdução e da 
bibliografia, começando pela apresentação da vida e obra de Carlos Cossio, os 
antecedentes e influências da teoria, suas idéias filosóficas principais, com destaque 
de alguns pontos importantes da teoria, como a gnoseologia do erro e o direito no 
direito judicial, culminando com o resumo feito por Cossio das cinco teses principais 
da teoria egológica. O método utilizado foi o de pesquisa bibliográfica, não somente 
de bibliografia de referência, mas sobretudo dos próprios livros escritos por Carlos 
Cassio. 
11- VIDA E OBRA DE CARLOS COSSIO: BREVE APRESENTAÇÃO 
O argentino Carlos Cossio, nascido em 1905, na lição de Sílvio de Macedo, 
foi um dos grandes pensadores jurídicos do mundo contemporâneo, professor da Uni-
versidade de Buenos Aires. Sua Teoria Egológica do Direito foi expressa em sua rica 
obra, da qual se destacam La teoria Egologica dei Derecho, Su problema y sus Pro-
blemas (1963); El problema de la coerción jurídica y su estado actual (1931); El 
concepto puro de revolución (1933); La plenitud deZ orden jurídico y la interpretacion 
judicial de la ley(1934); El substracto filosófico de los métodos de interpretacion 
(1940); La valoraciónjurídica y la ciencia dei derecho (1941); La teoria egologica y 
el concepto jurídico de libertad (1944) e Problemas escogidos de la teoria pura del 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 23 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
derecho- teoria egologica e teoria pura (1952). 
A teoria ego lógica tem por base a concepção culturalista do direito, segundo 
a qual o direito é um objeto cultural e não natural, porquanto não se apresenta como 
produto de métodos formais, aplicáveis às ciências físico-naturais, mas como realização 
do espírito humano, a partir de valores. Segundo Maria Helena Diniz, se o substrato 
do direito for um objeto físico, teremos um objeto cultural mundana! ou objetivo, "que 
corresponde ao 'espírito objetivo' de Hegel e à 'vida humana objetivada' de Ricaséns 
Siches, e a corrente culturalista que o estuda será a teoria cultural objetiva, de que são 
representantes, entre outros, Ortega y Gasset, Ricaséns Siches e Miguel Real e. Se seu 
substrato for a conduta humana, será um objeto egológico (de ego) ou subjetivo, 
estudado pela teoria egológica do direito, representada por Carlos Cossio, Aftalion e 
outros." 1 
É de se ressaltar a grande repercussão do culturalismo na América Latina, 
sobretudo com a teoria tridimensional de Miguel Reale, a teoria raciovitalista de 
Ricaséns Siches e a teoria egológica de Carlos Cossio. 
III - ANTECEDENTES E INFLUÊNCIAS DA TEORIA EGOLÓGICA 
A Teoria Egológica foi desenvolvida por Carlos Cossio como uma tentativa 
de superação do puro logicismo jurídico imposto por Hans Kelsen à ciência do Direito, 
à medida que a teoria pura por ele desenvolvida não conseguiu tematizar o que é 
direito nem qual sua essência. 
As bases da referida teoria são principalmente o criticismo de Kant, a 
fenomenologia de Husserl e a filosofia existencial de Heidegger, com destaque para o 
conceito de liberdade metafísica, como dimensão fundamental do homem, desenvolvido 
por esta última. 
É o próprio Cossio, no prefácio da segunda edição de seu livro La Teoria 
egologica dei derecho y el concepto juridico de libertad, quem adverte que "corresponde 
a mi lealtad declarar que para /legar a la total inteligencia de la concepción egologica 
delDerecho creo necessario un adequado conocimiento de Kant,Husserl yHeidegger 
- además de Kelsen." 2 
1 Maria Helena Diniz. Compêndio de Introducão à Ciência do Direito. lia ed. Saraiva. São Paulo. 
1999. P4g. 132. 
2 Carlos Cossio. Teoria EgoJoaica de! derecho y e! concepto jurídico de libertad. 2a ed. Abeledo-
Perrot. Argentina 1964. Pág. 14. 
24 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
Nada obstante, não era preocupação da referida teoriaa destruição de Kelsen 
senão a sua correta leitura, reconhecendo seu papel na ciência do direito, sobretudo no 
que tange à lógica jurídica. 
Depois de Ulpiano, que definiu o direito como sendo dar a cada um seu 
direito, credita-se a Kelsen o mérito de ter sido o jurista que mais desenvolveu a ciência 
jurídica, ao definir o direito como sendo a norma e esta como sendo um juízo hipotético. 
Tal conclusão foi estabelecida a partir da diferença entre o ser próprio da 
natureza e o dever ser característico da moral e do direito. Aliás, a contraposição 
temática entre o ser e o dever ser, é oportuno frisar, é de origem germânica, pois foi 
Kant quem a incorporou à linguagem filosófica com o intuito de firmar por princípio 
a autonomia do mundo moral frente a natureza mecânica. Ao contrãrio da lógica das 
ciências naturais, onde dado A é B, a lógica hipotética previa que dado A deve ser B. 
Entretanto, o dever ser Kelseniano possuía um caráter estritamente lógico, 
expresso por um juízo hipotético, ou seja, a expressão de uma hipótese de conduta 
anti jurídica, para a qual deve ser uma sanção determinada na mesma norma. 
O dever ser em Kelsen era sinônimo de obrigatoriedade, tendo uma sanção 
como conseqüência do descumprimento da norma, sendo, a princípio, considerado 
simplesmente um novo nexo gramatical da norma. Para Kelsen, a única lógica aplicável 
ao juízo hipotético era a aristotélica, analisando o direito somente como uma expressão 
normativa. 
Assim, afirma Cassio, Kelsen não era kelseniano, pois não atribuiu ao dever 
ser a categoria de uma lógica. Não atribuiu à nova lógica do dever ser um caráter 
axiológico, o que só se reconheceu posteriormente. 
Na visão de Cossio, Kelsen não estava fenomenologicamente preparado 
para entender toda a significação do dever ser descoberto, pois para o método 
fenomenológico do existencialismo a verdade está nas coisas como estas se apresentam 
na realidade e não no conceitos ideais ou juízos elaborados sobre elas. 
É um princípio básico da fenomenologia que "todo juízo diz algo acerca-de 
algo". Ora, se a norma é um juízo hipotético, na forma descrita por Kelsen, então deve 
dizer algo acerca de um segundo algo existencial, que está inexoravelmente na realidade. 
Assim, considerando o princípio acima exposto, o primeiro algo é um conceito, e o 
segundo algo, uma realidade existencial dada. 
Nessa perspectiva, o normativismo de Kelsen incorreu no vazio filosófico 
ao se ocupar somente das normas, isto é, dos conceitos, sem se ocupar das condutas 
dos homens de carne e osso que espelham a realidade da existência humana. Na visão 
egológica de Cassio, Kelsen estudou tão-somente o primeiro algo da enunciação 
existencial, legando à ciência do direito, indiscutivelmente, estruturas lógicas valiosas, 
como a pirâmide jurídica por exemplo. Entretanto, o mesmo relegou a conduta humana 
intersubjetiva desenvolvida no meio social a um papel fora da ciência do direito e 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 25 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
segundo ateoria egológica "una ciência jurídica deshumanizada es la negacion de si 
misma."3 
A egologia estuda o direito como conduta, e isso faz fronteira com o 
existencialismo e a fenomenologia existencial, à medida que estuda o fazer do homem 
e com ele sua própria essência. 4 Isso porque, ao contrário da concepção kelseniana de 
que direito é só o direito positivo, a egologia tem claro que não se pode falar de seres 
e objetos sem filosofar e que o direito é a conduta humana. 
111.1 A TEORIA EGOLÓGICA E A FENOMENOLOGIA 
Para a fenomenologia não tem mais lugar a visão de que o homem percebe 
o mundo como algo que é, pois o mundo natural é composto por coisas que são por si 
mesmas, não cabendo perguntar porque são ou se já foram. Esta corrente de pensamento, 
capitaneada por Edmund Husserl (1859-1938), aceita as coisas como algo dado, algo 
existente e, nessa perspectiva, o mundo inteiro, livre de questionamentos, resume-se a 
ser. Husserl sintetiza a tese do eu natural como "eu e meu mundo circundante." 5 
É importante salientar que o pensamento de Husserl, em sua evolução, 
apresentou-se impregnado pelo conceito de subjetividade. Credita-se a Husserl o fato 
de ser o pensador contemporâneo que levou o pensamento de Descartes, o idealizador 
do conceito de subjetividade, o qual pode ser sintetizado na frase "penso,logo existo", 
às últimas conseqüências. Entretanto, em sua concepção, o conceito de subjetividade 
não foi devidamente explorado por seu descobridor, pois o método de duvidar de 
tudo, punha em dúvida até o próprio mundo. Assim, Husserl tendo como ponto de 
partida a subjetividade de Descartes e sua preocupação em encontrar um método que 
mostrasse o caminho para se chegar a um saber verdadeiro, prossegue em sua análise, 
resolvendo da seguinte forma o impasse Cartesiano: "a existência das coisas foi anulada 
3 Daniel E. Herrendorf. Introducion a la fenomelogia egologica. In Radiografia de La Teoria 
Egologica de! Derecho. Depalma Buenos Aires. 1987. 
4 Daniel E. Herrendorf, em sua introdução à fenomenologia egológica, já mencionada, assim se 
manifestou acerca dessa questão: "Si em e! hombre su essencia es su existencia (Heidegger, E! 
Ser y E! Tiempo, d 32), y su existencia está em lo que é! hiciere como hombre, su hacer como 
conduta desplegada sería ni mas ni menos que la expressión fenomenica de la persona. Entonces, 
cu ando la egologia estudia ai derecho como conduta, estudia justamente esa expresión fenomenica, 
e! hacer dei hombre, y com el, la essencia misma de! hombre." Op. Cit. Pág. 25. 
5 Husserl define a tese do eu natural como sendo a atitude "em la cual nos hallamos espontáneamente 
cuando vi vimos. Delante de nosotros encontramos, sin ningún esfuerzo, ai mundo y la~ cosas de! 
mundo, y a los demás hombres diferenciados" Apud Carlos Cassio. Radiografia de la teoria 
egologica dei derecho .. Pág. 34. 
26 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
~:' 
Doutrina 
fora de mim, pois o ego jâ havia percebido tal existência e a incorporou como algo 
imanente. O ego absorveu o mundo e o leva com ele e assim o ego não serâ anulado, 
pois a existência imanente das coisas perdurará." Dessa forma, o ego desenvolve suas 
cogitações no sentido do mundo imanente e se os objetos são, é porque são para alguém. 
Era a preocupação de Husserl a estruturação de um "método filosófico apoiado na 
subjetividade do "ego" e suas puras cogitationes, como realidade indubitável, inclusive 
com a abstenção do mundo ("colocação do mundo entre parêntesis")."6 Este é o primeiro 
postulado da subjetividade pura. 
A concepção subjetivista de Husserl não coincide com a concepção de Kant 
de subjetividade transcendental. Este partindo desse conceito de "coisa em si", estudou 
a subjetividade transcendental, aceitando faculdades transcendentais, tais como a 
sensibilidade e o entendimento, como forma de organização de mundo. Entretanto, 
Kant baseou a fundamentação da subjetividade transcendental em positividades 
apriorísticas, aos moldes das ciências naturais com seus axiomas, hipóteses e definições, 
postura que na visão de Husserl é passível de críticas, pois toma como ponto de partida 
a idealidade apriorística das leis lógicas, sendo uma fundamentação inútil. 
Assim, Husserl supera o criticismo, à medida que não se limita a formas 
lógicas, mas segue caminho que vai da evidência da idealidade dessas formações 
lógicas, até a investigação de sua constituição subjetiva como problema universal. 
Husserl ressalta o papel da subjetividade, "estabelecendo a relação entre o eu natural 
(psicofísico) e o ego transcendental, diferenciando-os, mas reconhecendo que ambos 
têm o mesmo conteúdo, ou seja, formam ou constituem o mesmo "eu"7 , propondo 
duas teses para o estudo do subjetivismo: 1) "O mundo e'''- O eu é capaz de intuir o 
todo, a partir de uma percepção do mundo com base em evidências absolutas, mas tal 
percepção se limita a uma visão sempreparcial, pois é impossível chegar a uma 
experiência total dos objetos; 2) "Eu sou"- O ego percebe o mundo a partir da abstração 
dos elementos variáveis dos fenômenos psíquicos, das cogitações do próprio ego, 
reduzindo-as à sua essência, aos seus eidos, operando-se a redução eidética. O mundo 
não desaparece quando se tenta reduzir o objetivismo do eu, ou seja "a objetividade 
que caracteriza a lógica, no plano transcendental, é calcada na intersubjetividade, 
fundada, por sua vez e em última anâlise, numa subjetividade (ego transcendental)"8 • 
Ele passa a ser para a consciência um fenômeno, pois para esta o mundo e os objetos 
6 Luiz Henrique Cascelli de Azevedo. As repercussões da fenomenologia de Husserl no direito. 
Notícia do direito brasileiro. N. 6 jul./dez. de 1998. Universidade de Brasília. Faculdade de 
Direito. 2000. Pág. 180. 
7 Idem. 
8 Ibidem. Pág.l83. 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 27 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
são entes intencionais. Ou seja, o mundo é a intencionalidade de alguém e os atos nos 
quais consiste a vida do ego, pois " o mundo é, porque é para alguém". O mundo é o 
correlato intencional do eu e isso é o que significa a chamada redução transcendentaP 
Segundo a concepção egológica, todo estudo de direito que não tiver por 
base as concepções fenomenológicas, baseando-se tão somente no estudo das normas 
jurídicas, corre o risco de impor ao estudioso uma dupla frustração, a primeira 
frustração, de caráter científico, diz respeito ao fato de que as normas não têm o condão 
de resolver todos os casos concretos que se apresentam a análise, pois surgem da ação 
de homens de carne e osso e que desenvolvem sua conduta com plena liberdade. O 
estudioso que se detiver somente no estudo das normas não estará estudando o direito 
propriamente e sim os conceitos escritos e formais que o mencionam. Essa frustração 
científica, no que tange às concepções positivistas do direito, foi assim resumida por 
Daniel E. Herrendorf " el abogado, el juez, deben ser capaces de uma percepción 
inteligible de cualquier tramo deZ universo. Pero el universo entero y sus posibilidades 
humanas não cabem em la piramide de Kelsen." 10 
Já a segunda frustração, de caráter existencial, diz respeito ao fato de que se 
o trabalho é uma dimensão espiritual do homem, frustrar-se profissionalmente, a partir 
da frustração científica mencionada anteriormente, é frustrar-se existencialmente, pois 
o que se frustra é o projeto de existência humana. Se o trabalho do estudioso do direito 
ficasse simplesmente adstrito à mera repetição de normas, certamente tal tarefa poderia 
ser substituída, com mais eficiência, por um computador. Essa frustração existencial 
não é menos importante do que frustração científica e atinge não só os advogados, 
mas também os juízes, pois quando estes se vêem compelidos a dobrar seus princípios 
e crenças para sentenciar de acordo com a norma escrita, experimentam essa frustração 
biográfica, pois é justamente dos juízes que se espera a realização de justiça, e as leis 
não são a justiça. 
111.2 A TEORIA EGOLÓGICA E A FILOSOFIA EXISTENCIALISTA 
Segundo Martín Heidegger (1889-1976), o "homem-está-sendo-no-mundo". 
Tal afirmação significa que o homem só é em uma situação mundana e só nela. Assim 
9 Segundo Luiz Henrique Azevedo, no desenvolvimento de sua teoria Husserl "crê que a verdade, 
acessível pela lógica, está nas próprias coisas (intencionalidade). Contudo, elas não seriam 
exteriores â consciência (aliás, esta era tida como fonte primordial da evidência requerida pelo 
conhecimento verdadeiro). Prossegue atingindo as chamadas essências (nível eidético) para, ato 
contínuo, alcançar o nível transcendental. Reunido todo esse percurso, a fenomenologia seria 
um processo de continuação da realidade ou um método de sua evidenciação num patamar 
transcendental (neste prevalece o mundo interior imanente). Op. Cit. Pág. 184. 
10 Daniel E. Herrendorf. Op. Cit. Pág. 50. 
28 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
o homem é definido a partir de duas dimensões: o homem situado e o homem 
situacionado. Situado porque sempre é em uma situação existencial determinada. Não 
é no vazio. Situacionado, porque por sua vez essa situação na qual o homem é o 
determina e limita de algum modo, oferecendo limitadas oportunidades de vida , dentro 
de determinadas situações que vive. 
O homem, ao viver, desenvolve uma conduta e até mesmo a omissão constitui 
uma conduta e, como viver é conviver, pois ninguém vive isolado, então a conduta do 
homem deve compatibilizar-se com a dos demais homens, e isso significa que haverá 
uma interferência intersubjetiva de condutas. Como existem várias possibilidades de 
conduta, comportar-se, desenvolver conduta significa valorar, tomar posição acerca 
da melhor conduta a ser realizada. Assim, viver significa considerar axiologicamente. 
Tais conceitos influenciam diretamente a teoria egológica, pois norma e 
juízo de valor são inseparáveis e a norma egológica é a realidade existencial tal qual 
ela é, pois aí se situa o direito. Daniel Herrendorf traz à colação, em abono a essa tese, 
o fato de que mesmo antes do primeiro Código de Hamurabi, já existiam homens e 
mulheres convivendo e valorando condutas. Havia, pois, o direito, muito embora não 
existissem normas escritas. 
Dentro dessa perspectiva, a conduta é a expressão fenomênica da pessoa, 
comportando-se em sua realidade vivente e a teoria egológica se apresenta como uma 
teoria da conduta, na medida em que representa a pessoa que age e assume sua conduta. 
O direito é definido como uma ciência da experiência e não como uma ciência das 
normas simplesmente. O direito se manifesta a partir do protagonista de uma conduta, 
que se comporta de acordo com possibilidades axiológicas completas, dentro de uma 
situação existencial. Primeiro há uma valoração da conduta por parte do indivíduo, as 
normas e sua violação vêm depois. Tanto que quando um criminoso comete um crime, 
valora de forma positiva sua conduta, sob a perspectiva de sua liberdade existencial, 
ao passo que a sociedade a valora negativamente. 
O valor da egologia se justifica como filosofia a partir de sua investigação 
sobre a subjetividade, sobre o ego, daí o nome da teoria "egológica". 
Em resumo, para a teoria egológica "e/ Derecho es ciencia de realidades, 
porque es ciencia de conducta humana; el Derecho es, como objeto, esa conducta 
humana viviente que es llevada a cabo por el ego, es decir: el Derecho es um objeto 
egologico." 11 
11 Daniel Herrendorf complementa tal assertiva, afirmando que "assumir que e! Derecho es conducta 
y que, por lo tanto, es una ciencia de experiencia humana, es assumir e! criterio más elemental 
que pudiera caber en este orden. Como se v e, no es la filosofia que anda por las nubes." Op. Cit. 
Pág. 61. 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 29 
? 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
IV • IDÉIAS FILOSÓFICAS DE CARLOS COSSIO 
Segundo Cossio, existe uma impossibilidade de se pensar a liberdade com 
a lógica do ser, mas o fato de tal conclusão jamais ter sido explorada pelos juristas 
levou à crença de que o objeto do direito fossem as normas, e não a conduta. Assim, a 
teoria egológica inaugura a tentativa de conhecer a conduta mesmo, pensando-a como 
um dado da liberdade. 
Para a escola egológica não há como se estudar uma filosofia do direito 
dissociada da ciência jurídica, pois o mesmo direito estudado pela filosofia é o direito 
estudado pelo jurista. Na lição de Cossio "e/ derecho que estudia la teoria egologica 
es el mismo derecho que estudia el jurista, el objeto que investiga la ciencia dei derecho. 
Esta estabelece una vinculación inquebrantable entre la teoria egológica y la ciencia 
positiva dei derecho. La egologia no cree en una filosofia dei derecho a secas 
desvinculada de la cienciajuridica. Una filosofia semejante se colocaria en el dilema"de repetir lo que las ciencias dicem ... o de negar las conclusiones de aquéllas, sellando 
com esta su propria muerte."12 
Segundo a egologia, a filosofia, bem como a ciência empírica, deve indagar 
quatro grandes problemas principais, que serão a seguir analisados, quais sejam: 1) A 
ontologia jurídica. 2) A lógica jurídica formal; 3) A lógica jurídica transcendental e 4) 
A axiologia Jurídica. 
IV.l ONTOLOGIA JURÍDICA 
A primeira questão que se põe à análise é a indagação essencial acerca do 
objeto que o jurista deve conhecer. Forte na lição de Cassio, "si la ciencia dei Derecho 
es conocimiento-de-un-objeto el primer presupuesto filosofico que nos toca examinar 
concierne a los problemas de este objeto como tal, es decir, dei Derecho mismo como 
objeto."13 
Assim, a ontologia jurídica se depara com dois problemas essenciais: o 
primeiro deles diz respeito a indagar-se a qual gênero supremo está submetido o Direito 
e o segundo consiste na determinação do Direito como objeto egológico. 
12 Carlos Cossio. Panorama de la teoria egologica de! derecho. Revista de la facultad de Derecho y 
Ciencias sociales. Buenos Aires, 1949, ano IV, num. 13. Apud Enrique R. Aftalión et alii, 
Introdución ai Derecho. 9a ed. Buenos Aires. 1972. Pág. 963. . 
13 Carlos Cossio. La teoria egologica dei Derecho y e! concepto jurídico de la libertad. Op. Cit. 
Pág. 284. 
30 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
Quanto ao primeiro problema, concluiu Cossio que o Direito é cultura, 
partindo da oposição existente entre os objetos culturais e os objetos naturais. O Direito 
é, pois, um objeto cultural, pois não é produto de métodos formais e sim do espírito 
humano, tendo por base valores. 
Quanto ao segundo problema, ou seja, da determinação do direito como 
objeto egológico, ensina Cossio que "el más sencillo ejemplo de la vida diaria nos 
confirma en nuestra pesquisa , mostrando, en forma incontrovertible, que ai Derecho 
se lo intuye em la conducta y no em ninguna outra parte: al ver a un hombre que 
arroja de una casa a outro hombre poniendo en la acera su cama y sus enseres, 
tenemos, com toda propiedad, la vivenda de una injusticia o de una justicia sobre la 
que se edifica el correspondiente juicio dei hombre vulgar y também del jurista. "14 
Depreende-se do exemplo que todos os juízos do jurista se originam do ato empírico 
da conduta e nelà buscam seu juízo de verificação intuitiva. 
A conduta, objeto do direito, é uma totalidade sucessiva sobre uma 
determinada proteção existencial. Assim, não pode ser fragmentada indefinidamente 
em ações menores, pois chegará o ponto em que existirá somente o fragmento de uma 
dessas totalidades, mas não uma totalidade sucessiva. 
Ainda analisando a ação humana, Cassio afirma que, onticamente 
considerada, a mesma consta de dois componentes, um físico, que é a atividade tempo-
espacial de nosso corpo e outro psíquico que, como decisão de vontade, inclui também 
os conteúdos emocional e intelectual com que se projeta nossa consciência. Na lição 
do Professor argentino, ambos os componentes não estão numa relação de sucessão, 
mas numa relação de compenetração e é por isso que Del Vechio pode afirmar 
exatamente que a ação é um fato da natureza, que ao mesmo tempo é um ato de vontade, 
afastando de vez a possibilidade da existência de ações puramente internas, por falta 
de componente físico e, em contrapartida, a existência de ações puramente externas, 
por falta do componente psíquico. Mesmo a omissão é uma conduta, pois a ação em 
geral " es, precisamente, el modo de presentarse la conducta en cada una de sus 
totalidades sucessivas. " 15 
A ação humana é dividida em três componentes: 1) O eu atuante; 2) O fazer 
do eu; 3) O resultado do fazer, o que foi representado por Cossio no seguinte gráfico: 
Meio Fim ............. . 
14 Idem. Pâg. 285. 
15 Ibdem. Pâg. 288. 
Valor do fim 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 31 
)( 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
A AÇÃO COMO UMA TOTALIDADE SUCESSIVA 
O objeto egológico não está no meio, nem nos fins, nem no valor do fim, 
mas na ação como totalidade sucessiva. Entretanto, essa análise se refere à conduta 
em si mesma, numa dimensão existencial, ou melhor, numa interferência subjetiva, 
mas não se aferiu sua dimensão coexistencial, ou sua interferência intersubjetiva. 
Nesse ponto, antes de prosseguir na definição da conduta como objeto do 
direito, Cassio esclarece que a interferência será subjetiva quando a liberdade de agir 
aparece conjugada com uma omissão da mesma pessoa titular do comportamento. 
Essa omissão do mesmo agente se apresenta como sendo a intuição intelectual essencial 
à moral, que também é conduta. Já quando a liberdade de fazer de um agente aparece 
conjugada com o impedimento de agir de outro agente, ai se apresenta a interferência 
intersubjetiva caracterizadora do ser jurídico, ou seja, a percepção jurídica se define 
pelo impedimento de atuação de um sujeito por outro e por isso mesmo, o Direito, 
como fenômeno, resulta de uma interferência intersubjetiva de ações possíveis. O ser 
jurídico é uma conduta compartida. 
Cossio, entretanto, adverte que essas interferências não são categorias de 
conhecimento do próprio comportamento, mas sim duas faces da mesma realidade, 
pois não dependem da perspectiva do sujeito cognoscente em relação à conduta. Isso 
porque esta conduta pode ser definida como a liberdade de um fazer referente a um 
ego titular, mas pode também ser definida como a liberdade existente em uma conduta 
compartida, pois o ser humano é um ser social, vive em sociedade. Assim, a liberdade 
de cada sujeito ao integrar a ação compartida, consiste numa permissão ou impedimento 
para o que fizerem os outros ou para o que fizerem todos em conjunto. 
Dessa maneira, tanto o permitir quanto o impedir a conduta do outro se 
apresentam como liberdade compartida e " la conducta humana em su inerferencia 
intersubjetiva de acciones posibles, que hemos definido recurriendo a la oposición 
complementaria dei permitir o impedir, nos hace ver a su turno cómo y por que el 
Derecho se constituye con la intuición de la libertad."16 
IV.2 LÓGICA JURÍDICA FORMAL 
A ontologia jurídica e a lógica jurídica formal gravitam sobre a ciência do 
direito, partindo de horizontes opostos, pois na ontologia jurídica, o dado são as ações, 
16 Carlos Cassio. La teoria egologica dei derecho y el conceoto jurídico de libertad. Op. Cit. Pág. 
308. 
32 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
a conduta. Jâ para a lógica em geral, o dados são os conceitos, o logos. Mas os conceitos 
podem ser estudados sob dois ângulos: como pensamento, do qual se ocupa a lógica 
formal e como conhecimento, estudado pela lógica transcendental. A lógica jurídica 
formal é o estudo da validade do direito como compatibilidade do pensamento jurídico 
ou da concordância desse pensamento consigo mesmo. 
Partindo da pureza metodológica de Kelsen, para quem a cópula normativa 
da teoria pura traz um dever ser neutro de toda valoração, a norma seria uma simples 
imputação de um antecedente a um conseqüente. Assim, a norma jurídica tem uma 
estrutura de juízo hipotético. A lógica, na visão kelseniana, a ser aplicada ao dever ser 
é uma lógica aristotélica, ou seja, não era diferente da lógica do ser, sendo o dever ser 
por ele apresentado meramente lógico e não axiológico. 
Tanto para a teoria pura do direito como para a teoria egológica a norma 
jurídica possui a estrutura de um juízo disjuntivo, sintetizado na fórmula " dado A 
dever ser B. Dado não B deve ser S." É o que preleciona Cassio ao afirmar que "la 
teoria egologica, com su doctrina de la norma jurídica como um juízo disjuntivo, 
garantiza ampliamente el carater cientifico dei conocimiento."11 
Entretanto, a teoria kelseniana é analítica e resolve de forma ilusória a questão 
das lacunas do Direito. Isso porque o mero juízo analítico pode fazer crer que tanto aafirmação lógica de que "tudo o que não está proibido, estâ juridicamente permitido", 
quanto a afirmação de que "tudo o que não estâ permitido está juridicamente proibido" 
possuem a mesma significação. Tal conclusão, contudo, principalmente a que afirma 
que "tudo o que não está permitido, estâ juridicamente proibido", apresenta-se como 
uma impossibilidade lógica e existencial, à medida que afronta a liberdade inerente a 
toda conduta humana. Tal conclusão poderia levar a uma paralisação absurda da vida 
a qual pertence o Direito. 
Assim, para a teoria egológica o axioma que estabelece que "tudo o que 
não estâ proibido, estâ permitido" foi imposto onticamente pela liberdade, na qual a 
conduta consiste num juízo sintético apriorístico e não num mero juízo analítico. 
IV.3 LÓGICA JURÍDICA TRANSCENDENTAL 
Não basta que o pensamento jurídico seja válido e que suas diversas partes 
sejam compatíveis entre si, análise obtida a partir da aplicação da lógica jurídica formal. 
17 Carlos Cossio. La teoria egologica de! derecho y e! concepto jurídico de libertad. Op. Cit. Pág. 
338. 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 33 
~ 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
É necessário que além de válido, o pensamento jurídico seja verdadeiro. A plenitude 
da verdade será obtida a partir dos dados empíricos que constituem o objeto do 
pensamento jurídico. Assim, no que se refere ao pensamento jurídico, em relação às 
verdades universais e necessárias, o estudo não se limita ao aspecto puramente formal 
de compatibilidade das diversas partes do pensamento entre si, mas do exame das 
estruturas de pensamento destinadas ao conhecimento do objeto, destacando-se aquelas 
inconvenientes ao objeto em estudo. 
Segundo a teoria tradicional, o conhecimento jurídico se dá a partir da 
interpretação da lei. Já a teoria egológica sustenta que, em sendo o Direito conduta, 
não se interpreta a norma e sim a conduta, mediante a lei. Outro aspecto importante 
para a lógica transcendental é que o tempo da experiência jurídica não é o tempo 
convencional e sim o tempo existencial, íntimo, integrado por três datas: um antes, um 
agora e um depois. 
A lógica jurídica transcendental se ocupa, segundo a teoria egológica, de 
estabelecer qual a relação existente entre a norma e a conduta. 
IV.4. AXIOLOGIA JURÍDICA 
A axiologia positiva indaga dos valores reais dados em uma comunidade, 
em um lugar e tempo determinados e forma parte da ciência jurídica. Já a axiologia 
pura indaga os valores verdadeiros ou valores puros e integra a filosofia do direito. A 
ciência jurídica estuda os valores reais incorporados à conduta, dotando-lhes de sentido. 
Já a filosofia jurídica estuda o valor puro, desvinculado de concreção em qualquer 
instituição, lugar ou tempo, em pura referência ao Direito em geral. 
Para o Professor Cossio, os valores se dividem em dois grupos: 1) valores 
de autonomia, descritos como aqueles que põem a pessoa que desenvolve a conduta 
como centro, caracterizando a atuação do ego. São unidirecionais e se situam na 
existência individual e 2) valores de heteronomia, descritos como aqueles que se 
expressam a partir do elemento coexistencial, ou seja, do contato entre as pessoas da 
comunidade. São bidirecionais e situam-se na vida associada, na medida em que são 
impostos pela comunidade, segundo suas estimativas, com vigência plural. Assim, 
para a egologia, os valores são valores de bilateralidade ou de alteridade, na medida 
em que toda conduta se desenvolve valorando, com a presença do Direito, a partir da 
intersubjetividade de condutas. Todos os valores de bilateralidade são valores jurídicos. 
Para Cossio, a justiça é o principal valor, o valor fundante da filosofia e que 
encabeça o que ele denominou de plexo axiológico do Direito. A justiça é considerada 
o valor supremo, pois é a melhor possibilidade contida em uma situação éoexistencial 
dada, isso porque qualquer dos valores do plexo axiológico estão subsumidos à justiça. 
34 . R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
Assim, a cooperação é uma forma de justiça, a paz também é justiça, tanto quanto são 
justiça a solidariedade e a ordem. 
E assim explica o Professor Argentino a axiologia jurídica para a escola 
ego lógica: "la teoria egológica , al mostrar que los valores de conducta son inmanentes 
a la libertad, puede estabelecer que son valores jurídicos todos los que tienen estructura 
de alteridad, de acuerdo com la idea aristotélica. Sólo que además de la justicia, 
corresponde incorporar el orden, la seguridad, e! poder, la paz, la cooperación y la 
solidariedad. Pero, en tal caso, de acuerdo ahora com la ide a platónica de la totalidad, 
la justicia da el equilibrio y proporción reciprocas de aquellos otros valores.(. .. ) 
Mientras el pensamento tradicional pone, al reves, la noción platónica dentro de la 
noción aristotelica, al esclarecer que la justicia desempena en el seno dei plexo jurídico 
um papel similar al que le atribuía Platón frente a los valores morales."18 A teoria 
egológica concilia, pois, a idéia platônica de justiça como virtude totalizadora e 
harmonizante, com a idéia aristotélica da alteridade, forte na lição de Enrique R. 
Aftalión. 
Sob a influência de Heidegger, Cassio estudou a valoração juridica a partir 
de três planos coexistenciais diferentes: 
1) El mundo de cada qual- Plano da mundificação- apresenta a situação 
existencial de cada um. É o homem que está-sendo-no-mundo, em uma situação 
determinada. 
2) Las personas como individualidades jurídicas- Plano da personalização 
- apresenta o eu em oposição ao tu, ou seja o ego se personaliza e assume a si mesmo 
como eu e aos demais como tu, caracterizando-se como pessoas diferenciadas. 
3) La comunidad como sociedad que nos contiene- Plano da socialização-
o homem toma consciência de uma vida plural e se socializa. 
A partir de cada plano coexistencial (coexistência como mundo, coexistência 
como pessoa e coexistência como sociedade), obtêm-se os seis valores positivos puros, 
os quais completam o plexo axiológico e se apresentam dispostos em pares e são, a 
saber: 1) No plano de mundificação aparecem a segurança e a ordem; 2) No plano de 
personalização aparecem a paz e o poder e 3) No plano da socialização aparecem a 
solidariedade e a cooperação. 
18 Luis Recasens Siches. Panorama Del Pensamiento Jurídico em e! siglo XX. Primer tomo. Editorial 
Porrua S/ A. México. 1963. 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
Assim, para a axiologiajurídica os valores que integram o plexo axiológico 
são emparelhados em duplas e a cada valor fundante, corresponde um desvalor 
extrínseco, por defeito, pois representa a sua degradação, e um desvalor intrínseco, 
por excesso, que representa sua hipertrofia . Desta forma, o valor de heteronomia 
ordem (plano de mundificação), tem como sua degradação a desordem e como 
hipertrofia o ritualismo. No plano da personificação, o valor de heteronomia é o poder. 
Sua degradação é a impotência e sua hipertrofia, a opressão. Por fim, no plano da 
socialização, o valor de heteronomia é a cooperação e seu desvalor é a minoração e 
sua hipertrofia a massificação. 
V. A VERDADE E A GNOSEOLOGIA DO ERRO 
Questão de grande importância para a egologia diz respeito ao conceito de 
verdade jurídica e sua repercussão tanto na dogmática jurídica, quanto na filosofia do 
direito. A ciência dogmática, como ponto de partida da reflexão filosófica, define-se 
como produto histórico da livre criação cultural. Nesse sentido, essa noção de 
historicidade não é um problema do objeto da ciência, qual seja, o direito, mas um 
problema que afeta a ciência como tal. 
Uma verdade sobre a natureza, por ser neutra, pode ser expressa 
independentemente do sujeito, sem encerrar juízos de valores, ao passo que uma verdade 
cultural, por ter uma substância axiológica, não se expressa independentemente do 
sujeitoque a enuncia. O valor é sempre um valor para alguém, pois é da essência do 
valor a referência a um sujeito. 
A gnoseologia fenomenológica repousa sobre a teoria dos atos atualmente 
objetivantes, com que Husserl agrupa, por seu denominador comum, todas as vivências 
que interessam ao problema do conhecimento, definindo os atos atualmente objetivantes 
como sendo a intuição (perceptiva, rememorativa ou imaginativa) e a significação 
(normativa ou enunciativa). O conhecimento, dentro da concepção de Husserl, se dá 
quando uma significação concorda com uma intuição. 
No que conceme à conceituação de verdade, esta fenomenologicamente, se 
define como a adequação entre o conceito do objeto e a intuição do mesmo. No 
fenômeno social a objetividade, que é intersubjetiva, está presente duas vezes: 1) No 
próprio fenômeno de conhecer, que é a cultura; 2) Na ciência jurídica que trata de 
conhecer o direito. Assim, como todo juízo traz em si a pretensão da verdade, também 
toda verdade traz em si a pretensão de objetividade. 
Entretanto, como se afirmou anteriormente, a objetividade é intersubjetiva, 
ou seja, exige uma atitude dos demais sujeitos. Por erro, afirmou-se qué nas ciências 
naturais a objetividade e a verdade são a mesma coisa, pelo fato de que a atitude dos 
36. R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
demais seria somente passiva, bastando a divulgação do enunciado. Jã em relação às 
verdades jurídicas o processo de objetividade e verdade se apresenta apartado, pois o 
sujeito que enuncia algo contribui para a compreensão do que foi dito, de tal forma 
que não se pode separar sujeito de enunciado. Assim, não basta a coincidência entre 
conceito e intuição, pois o fato social hã que ser objetivo, ou seja, hã que receber 
valoração coincidente com os demais. 
Na verdade jurídica, não basta o processo individual da verdade de 
concordância entre conceito e intuição, pois hã que haver um papel ativo dos demais. 
Nessa perspectiva, o aspecto histórico das ciências culturais aparece inolvidãvel e 
muito mais intenso do que se apresenta nas ciências naturais. 
Na concepção egológica, um erro para as ciências culturais não pode ser 
reconhecido da mesma forma como um erro para as ciências naturais. Isto porque, 
para as ciências naturais, o erro é simplesmente rechaçado, pois significa o 
descumprimento de um enunciado, ao passo que para as ciências culturais, se apresenta 
como uma negação articulada do enunciado proposto. 
Dessa forma, as afirmações de determinado jurista não podem ser 
reconhecidas como erros metodológicos , pois as afirmações foram vividas como 
verdades jurídicas na época em que foram concebidas. Assim, a gnoseologia do erro 
para a escola egológica se apresenta como a história da ciência dogmática, na medida 
em que assume a verdade jurídica como parte de erros que jã foram superados. Assim, 
afirma Cossio que "la verdadjurídica se hace de un hecho institucional y, además, de 
un error, cuando tal es hecho historico de los juristas como cientificas" 19 , o que mistura 
a história da ciência do direito com a verdade jurídica, mas como gnoseologia do erro. 
VI . O DIREITO NO DIREITO JUDICIAL 
O ponto de partida dos estudos de Cossio, em seu livro La teoria ego lógica 
del derecho y el concepto jurídico de libertad, foi justamente a fenomenologia da 
sentença judicial, tema que serve de introdução a toda uma filosofia da ciência do 
direito. O professor argentino justifica tal postura ao afirmar que a perspectiva adotada 
teve em mira os problemas dos juristas que estudam filosofia e não dos filósofos que 
estudam a ciência jurídica. Não obstante, essa postura deixa antever a importância do 
tema ora abordado para a teoria egológica. 
Sob a ótica egológica, aplicar a lei é enfocar uma conduta desde o ângulo 
da lei, ou seja, é atribuir um sentido axiológico à conduta que se considera, mas também 
19 Apud Luis Recasens Siches. Op. Cit. Pág. 407. 
R. Dout. Jurisp., Brasflia, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 37 
~/ 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
é, ao mesmo tempo, extrair um sentido axiológico da conduta que se considera. Assim, 
o juiz aplica a lei a uma conduta e extrai da conduta elementos para a escolha e aplicação 
da lei. 
Há uma imanência material do juiz no direito, pois é no juiz que se 
conceituam, como realidade, os sentidos jurídicos de justiça ou de ordem, que tem que 
ser evidenciados quando se aplicam as leis. 
Segundo Cossio, o juiz deve interpretar a lei de acordo com sua ciência e 
sua consciência e quem extrai da norma legal sua razão jurídica é o juiz ao compreender 
o sentido de justiça ou solidariedade ou de ordem contido nos fatos. 
Cossio advertiu para o fato de que a teoria dos métodos interpretativos tem 
querido suprimir a consciência do juiz no processo de aplicação da lei, pondo em seu 
lugar uma receita que, ao ser aplicada sobre a lei, deixaria a lei interpretada e serviria 
para resolver todos os casos concretos. Tal pretensão tomou por base a concepção de 
que direito é a lei e que o objeto do conhecimento do jurista é somente a lei, crendo, 
ainda, que o juiz é um ser externo ao direito. Na visão ego lógica, tal posicionamento é 
passível de crítica, pois o direito não se resume à lei e o juiz é imanente ao ordenamento 
jurídico, ao ponto de poder afirmar-se que o direito é, em parte, o próprio ato do juiz. 
Aliás, a necessidade de julgar do juiz deriva da própria estrutura lógica do 
dever ser, pois ao nos colocarmos na esfera do direito vale para nossa conduta uma 
estrutura constitutiva que não é construção nossa nem do legislador, mas pertence ao 
direito enquanto objeto. Assim afirma Cossio: "Ya hemos dicho que ser Juez quiere 
decir administrar justicia; em este sentido el Juez debe de juzgar siempre, no porque 
y cuando el Legislador quiera, sino porque es Juez, es decir porque esa es su ontología 
jurídica. El Legislador, ciertamente, puede indicar cómo se llena el cargo de Juez y 
cómo éste há de cumplir sufundon; pera el Legislador no inventa ni crea la propia 
funciónjudicial porque ésta es inherente e inmanente al concepto deZ Derecho." 
(grifo nosso )20 
Esta concepção, é oportuno frisar, tem profundas consequências na análise 
do postulado de plenitude do ordenamento jurídico, pois se para a doutrina tradicional 
o ordenamento jurídico é pleno, porquanto é a soma de todas as normas e, como as 
normas contemplam todos os casos, dando a noção de completude do sistema, para 
Cossio a interpretação judicial é imanente à noção de ordenamento jurídico e apriorístico 
a este, uma vez que se reconhece que a função judicial integra o conceito totalitário de 
ordenamento jurídico. 
20 Carlos Cossio. La olenitud de! oreden juridico y la internretación juducial de la !ey Editorial 
Lousada S/ A. Buenos Aires. Págs. 54155. 
38 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
Na lição de Ricasens Siches, Cossio resumiu três classes de juízos lógicos 
presentes na sentença: 1) Conceitos fundados na forma empírica-dialética- aqueles 
juízos nos quais o juiz, precisando decidir e não havendo dados suficientes para tanto, 
escolhe certas circunstâncias do caso e, dentro da lei, o fundamento dajuridicidade da 
própria decisão; 2) Alguns juízos fundados em forma dedutiva, porém apodítica -
juízos que emanam da lógica jurídica pura, ou seja, "juízos que não só são assim, mas 
que não podem deixar de ser assim" e 3) Juízos dedutivos, mas assertivos- juízos com 
valor puramente de fato, fundados na existência da lei. 
A partir da aplicação dessas três classes de juízos, concluiu Cossio que o 
ordenamento jurídico constitui-se numa plenitude hermética, fundado no axioma 
ontológico de "tudo o que não está proibido está juridicamente permitido". O Direito 
não é, pois, uma mera possibilidade e sim uma realidade humana, que é da forma 
como sai das mãos do juiz. 
VII. AS CINCO TESES DA TEORIA EGO LÓGICA 
Cossio resumiu a teoria egológica em cinco teses fundamentais,que foram 
apresentadas em 1963 e retomadas em seu livro Radiografia de la teoría egológica del 
Derecho de 1987. 
1) PRIMEIRA TESE· O DIREITO COMO CONDUTA HUMANA 
A tese de que o direito como objeto é conduta não constrói uma coerência, 
mas encontra uma necessidade ontológica. Afastam-se as idéias de que o direito seja a 
norma ou a vontade do legislador, de que seja um precedente ou ainda o pensamento 
de um deus, de que seja um a transposição de interesses humanos para um plano de 
interesse coletivo o social ou que seja uma conformidade racional com a natureza 
humana, pois cada uma dessas hipóteses consiste, por definição ou generalização, em 
uma afirmação referente à experiência jurídica que não deriva necessariamente dessa 
experiência, mas é imanente a ela. 
Para a escola egológica, jamais nenhum legislador vai criar o direito, podendo 
somente criar a sua modificação. Isso porque o legislador já encontra um direito dado 
com anterioridade na experiência e isso ainda que o legislador assuma suas funções 
como originário. Ao legislador não é dado começar sobre o nada jurídico, partindo, 
pois da modüicação de um dado da realidade. Esse direito preexistente já se encontra 
na conduta das pessoas e o direito é ele mesmo conduta, sendo essa a necessidade 
ontológica a que alude o início da tese. 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 39 
I 
~ 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
À medida em que com o direito desenvolve-se uma experiência de realidades 
e que estas realidades ou advém da mecânica da natureza ou estão na liberdade do 
homem, forçoso é concluir que o direito está na conduta, uma vez que não é 
conseqüência da mecânica da natureza. Mas o direito não só está na conduta como ele 
próprio é conduta, um dever fazer, promovido pela liberdade. 
2) SEGUNDA TESE - A CONDUTA JURÍDICA É PERCEPTÍVEL 
A conduta humana que interessa ao direito é a conduta humana em sua 
interferência intersubjetiva ou compartilhada. A conduta é intuível para a sensibilidade, 
pois os fenômenos de conduta se percebem naquilo que conceme à exteriorização da 
própria conduta. Mas ao jurista interessa não a intuição dinâmica da conduta em sua 
pertinência à natureza, mas uma intuição biográfica da existência humana como 
fenômeno de conduta, precisamente a intuição do ego como alterego na presença 
somática do próximo, forte nos ensinamentos de Husserl. 
Importa observar que a percepção jurídica é diferente da percepção moral, 
pois esta se caracteriza como a percepção do que alguém faz em contraposição ao que 
ele mesmo omite. Já a percepção jurídica se caracteriza não pela omissão, mas pelo 
impedimento de atuação de um sujeito por outro sujeito e, por isso mesmo é que o 
direito, como fenômeno, resulta de uma interferência intersubjetiva de ações possíveis. 
O conhecimento do direito se faz a partir desse perfil coexistencial do comportamento 
que se apreende onticamente, na medida em que qualquer ato humano deixa antever a 
dimensão jurídica da vida humana, pois as pessoas podem fazer aquilo que não lhes é 
proibido. 
Somente pelo fato de que a conduta coexistencial impede algo ou não a 
alguém é que em alguns casos pode-se instituir o permitido como potestativo ou às 
vezes como obrigatório. E esta alternância de sujeitos na conduta é que faz com que os 
atos jurídicos, como por exemplo a compra e venda ou os testamentos, se realizem. 
Esses atos são perceptíveis aos nossos órgãos sensoriais e é aqui onde a inteligência 
do jurista vê diretamente a impedibilidade como essência, ao perceber com seus olhos 
quais das possibilidades que realizam a conduta interferente, impedindo ou não algo 
na conduta interferida. 
3) TERCEIRA TESE- A CONDUTA JURÍDICA É JUSTIFICÁVEL 
Cossio afirma que uma conduta sem valor ontologicamente não pode ser. 
Ortega y Gasset afirmaram que o homem, para resolver-se a fazer isto ou aquilo tem, 
40 R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Doutrina 
querendo ou não, que justificar para si mesmo a eleição feita, ou seja, tem que descobrir 
qual de suas ações possíveis naquele instante é a que mais dá realidade a sua vida, a 
que possui mais sentido. "E! hombre no puede dar un solo passo sin justificar/o ante 
su propio íntimo tribuna/."21 
E os valores constituem a última palavra em torno dessa justificação, 
definindo-se os valores próprios da conduta jurídica como valores de bilateralidade, 
não só no sentido de que são bipessoais, mas em seu sentido mais sutil, correspondente 
a uma unicidade da conduta conjunta resultante de um valor de justiça. Segundo a 
filosofia existencial, se os valores jurídicos são valores coexistenciais da conduta em 
si mesma considerada, então o próximo é uma parte do mundo circundante (qualificado 
por sua liberdade). É também uma pessoa em sua individualidade (um tu contraposto 
a um eu) e, na conduta existencial de alguém, o próximo é um par do outro como 
membro de uma integração superior (um tu complementar do eu entre nós). 
A questão relativa aos valores dentro da teoria egológica já foi analisada ao 
tratarmos da axiologia jurídica. Entretanto, Cossio adverte que a justiça, como qualquer 
valor, é um "existenciário de futuridade". Por conseguinte, se situa no ego e no próprio 
tempo da situação, atento à validade da afirmação de Ortega y Gasset de que "yo, soy 
yo y mi circunstancia" como expressão do "estar-sendo-no mundo" heideggeriano. 
Com isso a dicotomia axiológica de objetivismo e subjetivismo resta superada pois a 
situação é objetiva, na medida em que é comum para todos. E a subjetividade do ego 
, para ser situacional, tem que subsistir como vocação e tem de compartilhar-se como 
opinião pública, ainda que a opinião seja contrária ou indiferente. 
Se a justiça consistir em dar a cada um o que é seu, então justiça deve conhecer 
o que é o seu de cada um, sob pena de estar incorrendo no vazio. Não obstante, é evidente 
que o seu de cada um depende das circunstâncias concretas que cada um integra e essa 
circunstância se modifica a todo momento. Assim a justiça não é algo indeterminado ou 
vazio. É, ao contrário, concreta e cheia como a vida que está a justificar-se, pois a justiça 
é a melhor ordem possível, é a melhor segurança que nos protege, é a melhor do poder 
que nos hierarquiza, a melhor paz que nos une, a melhor cooperação que nos harmoniza 
e a melhor solidariedade que nos acolhe, conforme ensina Cossio. 
4) QUARTA TESE - A CONDUTA JURÍDICA É PROJETÁ VEL 
A conduta humana foi definida pela egologia como sendo um dever ser 
existencial. Assim, a conduta se integra com a emoção de si mesma, com o impulso de 
21 Apud Carlos Cossio. Radiografia de la teoria egológica. Op. Cit._Pág. 162. 
R. Dout. Jurisp., Brasília, (66): 13-59,mai.-ago. 2001 
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
si mesma, com a decisão de si mesma, com o propósito de si mesma e com os valores 
de si mesma. Isto se toma óbvio a partir da percepção de que sua 'omissibilidade' e 
sua 'impeditibilidade' correspondem ao ego e ao alter ego. E o ego se define, entre 
outras coisas, por ser pensante. A questão é saber qual a natureza desse pensamento de 
si mesma com a conduta que a integra. 
A natureza é previsível, na medida em que é repetitiva. Já a conduta é 
previsível porque é projetável, pois a conduta, sendo irrepetível como é, seria 
imprevisível, se não fosse projetável. E ser projetável quer dizer que nós temos a 
conduta como um projeto, antes de tê-la como realidade, ou seja, ser projetável é ter a 
conduta no pensamento. Entretanto, a conduta não é algo independente do pensamento. 
Com efeito, a conduta já começa a realizar-se ao antecipar-se como projeto. 
E Cossio resumiu o presente raciocínio da seguinte forma: "la conducta es 
predicible porque es projetable; y es proyetable porque uno de sus ingredientes es 
pensamiento. Podemos projetar la conducta porque ella tiene un pensamiento 
intrínseco. El proyecto en cuestión es este pensamiento y nadamás."22 
Por fim Cossio relaciona a conduta como um dever ser existencial que é 
com um dever ser lógico, expresso na cópula normativa enunciada por Kelsen. 
5) QUINTA TESE- O ERRO DOUTRINÁRIO, COMO INADEQUAÇÃO DA 
CONDUTA JURÍDICA, TEM A NATUREZA DE UM OBSTÁCULO SOCIAL. 
A quinta tese da teoria egológica guarda relação com os conflitos ideológicos 
do poder político com a ciência em geral, principalmente no campo das ciências do 
homem, já que em relação a elas, diferentemente do que ocorre com as ciências naturais, 
os poderes laicos possuem sua própria 'verdade oficial'. Dessa forma, para as ciências 
históricas e sociais é grande a possibilidade de conflito ideológico com o poder político. 
Nessa perspectiva, a teoria egológica conclui que também na ciência jurídica 
e não só na experiência do direito, um erro, além do desajuste entre intuição e conceito, 
apresentado no plano teorético, é um obstáculo social. Assim, surge a tarefa de 
desmascarar aos juristas que atuam como ideólogos a serviço de determinada classe 
social. 
Na visão de Cossio, nos últimos duzentos anos de história ocidental é possível 
identificar a perturbação e a deformação causadas pelo capitalismo, no esforço de 
tratar com propriedade de uma verdade jurídica. Nesse lapso de tempo, podem ser 
assinaladas seis grandes escolas jurídicas, quais sejam: 1) A doutrina do Direito Natural; 
22 Carlos Cossio. Radiografia de la teoria egológica dei derecho. Op. Cit. Pág. 172. 
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Doutrina 
2) O Racionalismo dogmático dos alemães, para os quais direito é somente a norma; 
3) O empirismo exegético dos franceses, para quem o direito é a vontade do legislador; 
4) O historicismo casuístico dos ingleses, para os quais o direito é o precedente judicial; 
5) O sociologismo eclético dos norte-americanos, para quem o direito emergeria de 
uma transposição pragmática dos interesses humanos a uma perspectiva de interesse 
coletivo ou social e 6) A egologia existencial, que considera o direito como conduta 
humana intersubjetiva e a norma jurídica, o projeto que a antecipa e integra. 
As posições pré-egológicas apresentam-se, na lição do referido Professor, 
impregnadas pela ideologia capitalista, à medida em que o pensamento doutrinário 
coincide com o interesse econômico que promove as valorações inerentes a cada escola. 
E o fato de o jurista silenciar acerca do móvel econômico de sua doutrina, não a toma 
mais neutra. O pensamento doutrinariamente normativo é ele mesmo ideológico, pois 
é promovido pela classe dominante, mas é mascarado com outra roupagem no campo 
do pensamento. 
A investigação ideológica, que na obra de Cossio se dá como gnoseologia 
do erro, afeta a concepção do capitalismo, enquanto concepção imperante da vida e 
tende a explicar porque subsistem nos tribunais e nos livros certas noções e concepções 
jurídicas, cujo erro está suficientemente denunciado na doutrina. 
VIII . CONCLUSÃO 
A partir do estudo da teoria egológica de Carlos Cossio, verificou-se que a 
mesma concentrou os problemas do conhecimento e da ação em tomo da conduta 
humana. As normas se referem a condutas, os juízes julgam condutas e os indivíduos 
se comportam no mundo. Superou-se a idéia de que o direito seria definido como 
sendo as normas, pois estas são um simples juízo acerca de algo que necessariamente 
se encontra na realidade. Tão lógico é o raciocínio que muito antes de haver direito 
escrito e de serem positivadas as regras de conduta, as comunidades já conheciam 
formas de organização e de composição de seus conflitos, ou seja, já conheciam direito. 
Ademais, aceitar a idéia de que o direito se resuma às normas seria aceitar, 
da mesma forma que Kelsen, que o enunciado lógico de "que tudo o que não está 
proibido, está juridicamente permitido" é tão verdadeiro quanto o que afirma "que 
tudo o que não está permitido, está juridicamente proibido". Há uma impossibilidade 
lógica nesse segundo enunciado, pois a regra básica de convívio é a liberdade. Ainda 
que o legislador quisesse, não teria como prever todas as possibilidades de atuação 
humana e normatizar todas a situações da vida. Aliás, mesmo quando age em 
desconformidade com o preceito legal, o homem valora seu comportamento e é livre 
para escolher sua forma de atuação. Tanto lícito, quanto ilícito, são possibilidades de 
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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
atuação livre, sendo que nesta última hipótese, sofre o indivíduo as conseqüências 
previstas na norma. Mas o centro do estudo não é a norma e sim a conduta do indivíduo. 
A mera repetição de normas, adverte Cassio, pode levar o estudioso do 
direito a uma dupla frustração, uma científica, na medida em que não é possível 
encontrar-se na norma todas as soluções para as situações reais e cotidianas e outra de 
ordem existencial, pois na medida em que não consegue apresentar soluções para as 
questões da vida, tomando-se um mero repetidor de fórmulas, o profissional do direito 
frustra seu próprio projeto existencial; conforme demonstrado no decorrer do trabalho. 
No que diz respeito à atuação judicial, Cassio demonstrou que o ato do juiz 
é parte do ordenamento jurídico, pois é onde o valor supremo do direito aparece com 
mais intensidade: a justiça para o caso concreto. Assim, admite Cossio a plenitude do 
sistema jurídico, mas não pelos mesmos fundamentos lançados por Kelsen, de que o 
direito é o conjunto de normas e que estas não contém lacunas, mas no sentido de que 
o ordenamento é um sistema hermético, assentado na premissa lógica de que "tudo o 
que não está proibido, está juridicamente permitido". Assim, a liberdade é um dos 
pontos fundamentais no conceito de conduta. Não obstante, a ênfase com que é tratada 
a atuação judicial frente ao sistema jurídico, pode ensejar erroneamente a 
interpretação de que o direito, na concepção de Cassio se resume à decisão judicial. 
Na perspectiva egológica, a lei é o ponto de partida para a atuação judicial, mas o 
direito não se resume a ela. Em contraposição ao que afirmava Kelsen, aplicar a lei 
é enfocar a conduta sob seu ângulo, atribuindo-lhe um sentido axiológico. Assim, o 
juiz deve aplicar a lei a uma conduta e dela extrair os elementos para a escolha de 
sua aplicação. 
Ainda à guisa de conclusão, é importante registrar algumas dificuldades no 
que diz respeito ao acesso a determinados dados da vida de Cassio, mas como restou 
explicitado no livro Radiografia de la teoría ego lógica del derecho, "por muitos motivos, 
Cossio es uno de los proscritos universitarios argentinos. Ya sea por su sostenida 
oposición al dogmatismo ecleisástico, por haber introducido el estudio de Karl Marx 
por la primeira vez en la Argentina, o por denunciar ai positivismo como la más 
servical de las ideologías dei capitalismo, Cossio se vio obligado, manu militare, a 
abandonar su catedra." 
Assim, a despeito da falta de dados pessoais sobre o Autor, o estudo de sua 
vasta obra deixa antever uma das grandes contribuições, não só para a ciência do 
direito, mas para a filosofia em geral, contribuindo, de certa forma, para o resgate da 
perspectiva existencial do ser humano como objeto de estudo (no caso da sua conduta) 
e não apenas como um conceito abstrato, contido num juízo da realidade. O homem é 
enquanto ser no mundo e não enquanto objeto de uma norma. E é justamente este 
resgate da dimensão real do homem de 'carne e osso', que interage com seu semelhante 
e com o mundo, a maior contribuição de Cassio. 
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Doutrina 
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