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Quais as principais mudanças ocorridas no Estado brasileiro, do fim do Regime Militar até os dias atuais no Brasil? Que mudanças recentes ameaçam os avanços no processo de construção do atual Estado Nacional? Elabore um texto com no mínimo duas laudas, respondendo as duas perguntas. A década de 1980 foi marcada, no Brasil, por profundas mudanças sociais, políticas e institucionais, reflexos do intenso processo de busca pela democratização da gestão pública brasileira. Nesse cenário, começam a ser travados fortes embates entre o poder estatal, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, desencadeando-se uma trajetória de lutas pela ampliação democrática, que visava assegurar a participação da sociedade nos processos decisórios da gestão e controle dos recursos públicos. Esse processo de mudanças é fruto do contexto de luta e mobilização dos mais diversos segmentos sociais e entidades da sociedade civil, organizados, a partir da década de 1970, em prol da conquista de melhores condições de vida e da necessidade de democratização do Estado. No estilo de gestão pública implementada no Brasil, a partir dos anos de 1990, em que se destacam as experiências de gestão participativa em inúmeras cidades brasileiras, evidencia-se a participação da sociedade como uma dimensão vital no processo de construção da cidadania. Certamente é nesse contexto de mudanças que surgem sinais da emergência de uma nova cultura política, vinculada à dimensão dos direitos sociais inscritos na Constituição Federal de 1988 e à pluralidade de atores sociais com presença na cena pública brasileira nas três esferas de governo. A Constituição de 1998 avançou ao criar mecanismos de participação nas três esferas de poder, de modo a dar ao Estado brasileiro um caráter democrático, oferecendo possibilidades para que ele, uma vez permeado por espaços públicos e coletivos de gestão, deliberação e controle, possa tornar pública a gestão do que é público. Na verdade, o Estado de Direito moderno reconhece a necessidade de se defender a sociedade contra os eventuais excessos de funcionamento da máquina estatal, através da divisão de funções entre os poderes e de mecanismos recíprocos de controle, sendo a grande novidade, nos anos de 1990, a idéia de ampliação da participação da sociedade como agente de controle. Nesse caso, o processo de participação deixa de ser restrito aos setores sociais excluídos pelo sistema e espraia-se pelas relações entre o Estado e o conjunto de indivíduos e grupos sociais, cuja diversidade de interesses e projetos integra a cidadania, devendo ocorrer, com igual legitimidade, a disputa por espaços e atendimentos do poder estatal (GOHN, 2001). Entretanto, efetivamente, em matéria de política social a nação brasileira continua apresentando, segundo Fagnani (2005), a seguinte configuração: de uma socie- dade que nunca conseguiu vencer, como fizeram várias nações capitalistas do Ocidente, a polarização entre ricos e pobres; as deficiências estruturais e acumu- ladas nas áreas da saúde, educação, assistência social, seguro-desemprego, qualificação dos trabalhadores desempregados e sub-empregados; e problemas crônicos nas áreas da infraestrutura urbana (habitação,saneamento básico, trans- porte), da reforma agrária e das políticas de emprego e renda. E na base desses déficits sociais residem duas principais determinações: a condição capitalista periférica do Brasil e, portanto, de seu desenvolvimento retardatário, dependen- te e desigual/combinado, além da sua cultura colonialista; e as ditaduras que golpearam o país, as quais, a despeito de seu empenho megalomaníaco de elevar o país à condição de grande potência mundial (como aconteceu, particularmen- te, no governo Geisel),12 castigaram severamente as camadas mais desprotegidas da sociedade, dado ao aumento da concentração de riqueza verificado. Vale ressaltar que durante o período de transição democrática brasileira, muitas instituições públicas e seus procedimentos passaram por revisões e reajustes para que se adequassem à nova realidade social e política do país. No entanto, uma delas foi quase “esquecida” da adequação à democracia estabelecida: a polícia. Luiz Eduardo Soares (2003), e Glaucíria Mota Brasil (2008), afirmam que mesmo diante da instauração do Estado Democrático de Direito1, as forças policiais não seguiram o mesmo caminho 1 O conceito de “Estado Democrático de Direito” é uma expressão comumente anunciada de forma simplista que não traduz o seu verdadeiro significado. Este termo deveria está consoante democrático do país: “os sucessivos governos que se revezaram no poder pós- ditadura militar mantiveram intocada a autonomia de funcionamento desses dispositivos, como se eles fossem estruturas neutras e prontas a servir à democracia.” (MOTA BRASIL, 2008, p.138). Tal omissão fez com que as instituições policiais em seu conjunto e com raras exceções regionais, continuassem a reproduzir hábitos herdados de seu estreito passado militarista, marcado profundamente por ações violentas, o que foi reforçado durante o Estado de exceção. Como diria Alba Zaluar (2007, p.40), a nossa “democratização é inacabada”. Esse processo, que iniciou no Brasil no final da década de 1970 (período de “redemocratização” brasileira), foi algo que ainda não chegou a se concretizar verdadeiramente. O primado da Lei Magna, dos direitos e da cidadania não se efetivou no plano da sociedade. Na transição da Ditadura Militar para o "período de redemocratização" brasileira (1978-88), houve o deslocamento do "inimigo interno2 para o criminoso comum". (BATISTA, 2009; FERNANDES, 1989). As práticas policiais centradas na tese do “inimigo interno” transformaram o cidadão em “suspeito”, discriminando principalmente os trabalhadores desempregados, moradores de periferia e jovens, os quais cabem o ônus de provar que não são “bandidos”, “vagabundos”, ou “marginais”. Ao dar continuidade ao modelo conservador de dominação, as democracias contemporâneas têm investido (em ordem crescente) no combate ao crime, sob a forma de um “Estado punitivo” ajustando as suas políticas criminais às transformações econômicas vigentes. Estas cumprem o papel do Estado Moderno burguês3: a garantia da segurança patrimonial. com a Doutrina dos Direitos Humanos (universalizantes) e associado intimamente com a noção de cidadania plena. 2 A figura do inimigo interno provém da LEI DE SEGURANÇA NACIONAL, a qual foi criada durante o Governo de Castelo Branco (1964-1967), quando a Doutrina de Segurança Nacional foi transformada nesta lei e promulgada no Governo de João Figueiredo (1979-1985). A lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e nacional, enquadrava como inimigo todos aqueles que se opunham à ditadura militar, visando garantir a segurança da nação contra qualquer forma de subversão à lei e à ordem. 3 Entende-se por sociedade moderna aquela proveniente da ascensão da burguesia, que com a instauração do modo de produção capitalista, exige do Estado, para a manutenção da ordem social e a paz pública, um corpo armado (polícia), tendo em vista a proteção e efetivação dos direitos essenciais a esse sistema: a propriedade privada, a liberdade e igualdade. O monopólio do uso legítimo da força pelo Estado é o que tem sido considerado como uma característica definidora do Estado Moderno (ou burguês). Este não aboliu os antagonismos das classes. “Nada mais fez que substituir as antigas por novas classes, por novas condições Se as mesmas pessoas que exigem um Estado mínimo, a fim de “liberar” as “forças vivas” do mercadoe de submeter os mais despossuídos ao estímulo da competição, não hesitam em erigir um Estado máximo para assegurar a “segurança” no quotidiano, é porque a pobreza do Estado social sobre o fundo da desregulamentação suscita e necessita da grandeza do Estado penal. (WACQUANT, 2007, p, 48, grifos do autor). No contexto atual, o encarceramento perdeu o seu caráter de “ressocialização”, e passou a ser um depósito de contenção uma população considerada de risco (a “classe perigosa”) e supérflua no plano econômico. Wacquant (2007), diz que a onda punitiva contra os pobres é uma resposta direta da demissão social do Estado contemporâneo, quando aqueles são segregados do sagrado direito do consumo e da sub-exploração dos donos do capital. Complementando esse pensamento, Pastana (2012), diz que sociedade vem condenar sumariamente o suposto infrator, desejando imediatamente o seu descarte. Na verdade, o que presenciamos é a transformação do Estado brasileiro num Estado permanente de polícia (Estado de exceção permanente4). Neste, o soberano tem o poder legal de suspender a validade da lei e colocar-se legalmente fora dela. (AGAMBEN, 2010). Prova disso, são as inúmeras operações policiais em favelas e periferias das cidades brasileiras (principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo), as quais são veiculadas pelos meios de comunicação de massa, principalmente pela mídia televisiva. Todas elas possuem nomes pitorescos e são anunciadas como verdadeiras ações de “justiça” do Estado moderno brasileiro, e como forma de combate e controle da crescente criminalidade e violência urbana. de opressão, por novas formas de luta.” (MARX & ENGELS, 1848, p.48). Incorporou as mesmas instituições coercitivas dos antigos Estados (exércitos, polícias, sistema judiciário), cujo papel é assegurar a solidez das relações de produção na sociedade, reprimindo eventuais revoltas e “desordens” sociais via classe trabalhadora. 4 Bia Barbosa (2012), em seu artigo intitulado Brasil forjado na ditadura representa Estado de exceção permanente, defende que o Brasil atual se caracteriza pela existência de um Estado de Exceção dentro do Estado de Direito. Assim sendo, ela difere o que seria cada um dessas formas de Estado: “Na interpretação tradicional do termo, [Estado de Exceção] trata-se de um momento de suspensão temporária de direitos e garantias constitucionais, decretado pelas autoridades em situações de emergência nacional, ou mediante a instituição de regimes autoritários. Seu oposto seria o Estado de Direito, conduzido por um regime democrático.”. Conforme Michel Misse (2006, 2008), e Vera Telles (2010), o tráfico de drogas5 e o crime organizado6 aparecem como o grande fantasma sob os quais são atribuídos todas e quaisquer mazelas de nossas cidades, apresentando-se como o epicentro da violência urbana como um inimigo que deve ser combatido através da estratégia de guerra (extermínio). As populações residentes destes territórios são alvos da intervenção estatal “salvadora” que se dá através de muitos programas sociais (focalistas), circunscrevendo o que Foucault (2008), denominou de: a lógica de governamentalização7 das populações pobres como forma de sua contenção, disciplinamento e controle. Do exposto, podemos concluir que houve diversas mudanças no cenário nacional a partir da inserção do Estado de Direito, a crítica acima não menospreza o fato de que a Constituição de 1988 trouxe, para além da necessidade de implementação das políticas públicas, a prerrogativa da participação poppular, a qual pode e deve avaliar suas necessidades e os serviços ofertados. Entretanto, com o aumento da violência há ma tendência a criminalização da pobreza, o que podemos chamar de retrocesso, pois quando o Estado não investe em políticas públicas, há o aumento das expressõs da questão social, traduzida no desemprego, pobreza, analfabetismo, ausência de serviços de saúde, etc. Atualmente, vemos a nossa democracia ameaçada, pelos planos de governo atuais que visam meramente proporcionar lucros ao grande Capital, mesmo que custe o suor da classe trabalhadora. Com o plano de governo de Michel Temer, por exemplo, vemos grande parte dos avanços citados sendo desconstruídos, a começar pelo congelamento do orçamento destinado à 5 Bauman (1998), diz que o tráfico de drogas é divulgado constantemente por meio dos discursos do aumento da criminalidade, e este seria produto próprio da sociedade de consumidores. 6 Há uma relação estereotipada entre drogas e crimes. Ver Misse (2006, 2008), Telles (2010) e Zaluar (2004). 7 A Biopolítica para Michel Foucault (2008), é um dispositivo estratégico da sociedade capitalista que tenta controlar as vidas humanas. O controle sobre o corpo da comunidade dá poder ao Estado (Biopoder) para “fazer viver e deixar morrer”. A punição e o disciplinamento historicamente foram (e ainda são) utilizados pela burguesia como forma de implantação e manutenção da ordem capitalista. eduacação e à saúde pelo período de vinte anos. Tal medida visa também incentivar à privatização e suacateamento dos serviços públicos. Dito isto, cabe aos pesquisadores e defensores dos direitos humanos, trazerem reflexões para a esfera pública8 a respeito da integração perversa entre criminalidade, pobreza, cor, local de moradia, segmento etário e ociosidade, buscando discutir outras possibilidades e outras políticas que contribuam para a construção da cidadania das juventudes brasileiras, principalmente para aqueles que estão inseridos no contexto de punição e controle, construindo laços de proximidades e possibilidades juntamente com eles e não contra eles. Referências AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. _____.Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. ANTUNES, R. (1953). Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 8. ed. São Paulo: Cortez, Campinas,SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2002. ARENDET, H. (1906-1975). A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10 ed. 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