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Pensamento Político Moderno - Livro-Texto - Unidade III

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Unidade III
Unidade III
Sociedade industrial, Estado e política
As unidades anteriores focalizaram o percurso do pensamento político ocidental tendo por cenário 
a formação dos Estados Nacionais europeus e os impérios, em meio a guerras, processos de colonização 
e revoluções, uma trajetória que forjou a elaboração teórica do conceito de Estado, de poder político 
exercido e delimitado a partir dele.
Na medida em que, desde o século XV, ou talvez antes, a sobrevivência no cotidiano passou a ser 
assegurada por práticas instaladas fora do controle estrito exercido pelos senhores feudais, instauraram‑se 
forças de mudança no modo de entender a vida e a sobrevivência, de pensar a morte, de estabelecer a 
relação com Deus.
Como processo histórico, a trajetória do pensamento político ocidental resultou das condições 
concretas emergentes no espaço e tempo dos acontecimentos, envolvendo a prática de milhões de 
anônimas personagens que atuaram em conformidade – ou não – com entendimentos e disposições 
normativas sobre os acontecimentos. As forças sociais de mudança instalaram um conjunto de 
critérios na apreciação do poder e da política, tais como liberdade, garantia da propriedade, segurança 
e felicidade.
Desse modo, a trajetória do pensamento político ocidental correspondeu à urdidura de formas 
de exercício do poder, tanto no plano normativo institucional, quanto nas práticas, abrangendo os 
processos de assujeitamento e de revolução, emergentes das condições abertas para a sobrevivência dos 
povos e grupos sociais.
Os valores e critérios instaurados não surgiram da inventividade desse ou daquele autor, mas do 
curso histórico do segmento social que os exerceram em suas práticas, anonimamente, antes mesmo 
da sua elaboração teórica conceitual. Nesse sentido, a sociedade que emerge consolidando tais valores 
e práticas se diz sociedade burguesa, ao segmento social que a construiu, burguesia, e ao modelo de 
Estado emergente, Estado burguês.
Esse modelo de sociedade contrasta em vários aspectos com o modelo vigente até então, dentre 
eles o aparecimento do indivíduo que vai se tornando mais significativo e dotado de direitos, inclusive 
o de escolha da religião, substituindo ou articulando‑se à condição de súdito; como indivíduo, essa 
personagem social também se torna agente da economia, associa‑se ao rei, organiza‑se em companhias, 
define as práticas das trocas monetárias no mercado interno e no âmbito das relações entre mercados 
nacionais; estabelece formas e regras de contratação para o trabalho e remuneração ou ainda recorre 
ao sistema vantajoso e lucrativo da escravidão.
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Esse conjunto de práticas sociais, em que se configura a sociedade burguesa, decorreu do sistema 
de produção e circulação de bens e produtos que incorporou o trabalho remunerado, ou em condições 
especiais também o escravo, na produção, circulação e consumo de produtos e mercadorias. Nessas 
condições, o trabalho produz um “mais valor” agregado aos produtos – o que resulta em acumulação do 
capital investido e ampliação das atividades dos agentes que o detêm –, assim como aos instrumentos 
e saberes necessários à produção.
Pode‑se dizer, portanto, que entre o modelo de sociedade burguesa e o sistema econômico que 
ela construiu há uma coerência perfeita, que se reflete no âmbito político, nas normas do direito, nas 
práticas e expectativas sociais, além dos padrões e regras de comportamento. Esse era o modelo de 
ordem social que o europeu colonizador lutou para preservar em toda parte por onde dominou, não 
importando de fato se o fazia sob o signo da colônia ou unidade imperial.
Contudo, essa ordem continha, em si mesma, pelo menos dois fatores internos de mudança: a) o 
indivíduo, em sua liberdade barrada por direitos de súdito; e b) a possibilidade de introdução de formas 
mais rentáveis de trabalho, presididas por sistemas de gestão mais eficientes, portanto mais lucrativos. 
Combinados, esses dois fatores estão presentes na Revolução Industrial, nas demais revoluções e 
movimentos de independência que marcaram o século XIX.
O modelo de sociedade que emerge das mudanças decorrentes da ação desses dois fatores, dentre 
outros, é o da sociedade industrial, cujas características básicas preservam o modelo original, burguês. 
Portanto, continuam a ser coerentes com o sistema econômico, ou, modo de produção capitalista 
(MPC), mas diferem da matriz original pela presença de um contingente populacional, urbano em sua 
maioria, integrado pelos que exercem a força de trabalho necessária ao sistema, porém em condições 
distintas das anteriores. Importante notar que esse “novo” contingente populacional se qualifica 
como participante do jogo político, inclusive para redefinir sua configuração institucional e instaurar 
novas regras.
Por isso, as lutas sociais, as reivindicações populares, que surgem por toda parte no século XIX, 
refletem as acomodações e alterações do modelo original burguês. O próprio Estado, como construção 
simbólica e normativa, é afetado pelo resultado das lutas, das tendências de pensamento que surgem 
para dar conta das mudanças que precisam existir para que as disposições de poder do Estado burguês 
permaneçam fundamentalmente as mesmas.
 Observação
A palavra “modelo”, em Ciências Sociais, tem sentido particular: não 
designa qualquer realidade concreta, histórica, mas uma construção teórica 
e imaginativa tomada como referência para análise de um dado momento 
dessa realidade. Por isso, é possível pensar em um “modelo” de mulher para 
o século passado e sabê‑lo sensivelmente distinto do que se entende hoje 
por “modelo” para a mulher contemporânea.
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A palavra “sociedade”, não diz respeito a um determinado conjunto de 
indivíduos, mas às relações que entre eles são estabelecidas, seus respectivos 
sentidos, mesmo em processo de mudança.
Os sentidos das relações sociais alteram‑se no tempo e no espaço, 
porque são históricos e articulados: mudanças introduzidas diretamente 
no modo de produção afetam outras esferas da vida, não ao mesmo tempo, 
nem com a mesma intensidade; isso é fácil de perceber com a tecnologia, 
que afetou todas as esferas do comportamento social, inclusive o espaço 
político, religioso.
O conceito estrutura é utilizado em Ciências Sociais para sistematizar as 
análises das relações sociais e de seus sentidos cambiantes, com a vantagem 
de permitir descrever, compreender, analisar e interpretar os modelos, e até 
mesmo compará‑los. Portanto, com o emprego do termo estrutura nunca 
devem ser entendidas as relações observadas no cotidiano (empíricas), mas 
os sentidos aos quais elas correspondem, os quais se pretende focalizar. 
Em poucas palavras, estrutura social é conceito e não uma “empiricidade”; 
é ideia, e não uma materialidade. Exatamente porque se trata de um 
conceito é que se pode atribuir às ações sociais a qualidade de “relações 
estruturais”, ou ainda dizer que as “relações estruturais são estruturantes”, 
porque na expressão “estruturante” estão implícitas as dimensões de tempo 
e de dinâmica da estrutura, permitindo por essa concepção, entender como 
a estrutura se repõe, preservando‑se, ou se transforma na história.
7 A Ordem sOciAl e A pOlíticA
Várias tendências emergem no ambiente político animado pelas contradições sociais, geradas pelo 
capitalismo industrial naEuropa, de meados do século XIX às primeiras décadas do século XX. Dessas 
tendências, duas – positivismo e socialismo – representam posturas políticas diametralmente opostas, 
em face da ordem social que ambas tomam como objeto de análise. Nas duas tendências, notam‑se 
alguns elementos em comum, especialmente o apego a uma racionalidade autoritária “científica”, 
crença partilhada por intelectuais e elites dessas tendências. Enquanto, para o positivismo, o controle 
moralizante, autoritário e científico da ordem era o sentido da política positiva, as ideias socialistas 
visavam a outra ordem social e, especialmente na versão marxista, uma ordem construída pelos 
militantes em um processo revolucionário de acirramento das contradições.
7.1 A ordem social e a política: as raízes do positivismo na França
Auguste Comte (Montpellier, 1798 – Paris, 1857) teve uma vida de muito trabalho, de desgostos amorosos 
que o abalaram profundamente e de grande produção teórica, destacando‑se o Curso de Filosofia Positiva, 
o Discurso Sobre o Espírito Positivo (1844) e o Discurso Sobre o Conjunto do Positivismo (1848). Era ele um 
professor auxiliar da Escola Politécnica de Paris, fora secretário de Saint‑Simon entre 1815 e 1817, enamorado 
de Clotilde de Vaux, que faleceu em 1846. Sobre o período seguinte descreve Bréhier (1977, p. 252):
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Desde esse momento passa Comte a sonhar com uma religião da humanidade, 
da qual se proclama o primeiro pontífice, inspirado pelo amor de Clotilde, 
e cujos ritos deviam ser presididos, em grande parte, pela recordação de 
Clotilde. O sistema da política positiva (1851‑4), o catecismo positivista 
(1852) e a síntese subjetiva, ou sistema universal de concepções próprias ao 
estado normal da humanidade (1856) são escritos desse período.
Os títulos dos trabalhos de Comte, especialmente os últimos, dão a entender tratar‑se de um autor 
confiante, seguro de si e reconhecido no ambiente acadêmico, mas essa impressão não corresponde 
aos dados de sua biografia: a realidade de sua modesta posição na Escola Politécnica, a resistência da 
instituição em conferir‑lhe uma cátedra, seus períodos de depressão, que o impediram de continuar o 
curso de Filosofia Positiva, e finalmente a pobreza e o desconsolo após da morte de Clotilde.
Na verdade, esse descompasso entre a envergadura do projeto, que se depreende nos títulos, e as 
condições efetivas para sua execução, no dizer de Paim (1979, p. 116) “[...] decorre do desconhecimento 
dos limites e pressupostos de semelhante inquirição”. E acrescenta o testemunho do próprio Comte em 
1842 (apud PAIM, 2007, p. 52):
Jamais li, em nenhuma língua, nem Vico, nem Kant, nem Herder, nem Hegel 
etc.; somente conheço suas diversas obras através de algumas relações 
indiretas e de certos resumos demasiado insuficientes. Quaisquer que possam 
ser os inconvenientes dessa negligência voluntária, estou convencido de 
que contribuiu para a pureza e a harmonia de minha filosofia social.
Mas qual seria, enfim, o projeto de Comte, a sua filosofia social? Em princípio, a reorganização 
da sociedade a partir da ciência ou do pensamento científico que, para tanto, deveria também ser 
reorganizado, ou melhor, sistematizado em uma ciência com esse propósito.
Para Auguste Comte essa ciência seria a Sociologia, desde que fundamentada em um método 
que tivesse por objeto os fenômenos sociais e por objetivo “[...] explicar diretamente, e com a maior 
precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana”. Nesses termos, caberia 
a essa ciência ver, “[...] no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a 
manifestação geral do futuro” (COMTE, 1934, p. 511, apud MORAIS, 1978, p. 54).
Essa ciência do social deveria abandonar a busca das causas e centrar a investigação nas leis naturais 
invariáveis, reveladas pela observação sistemática dos fatos, e pelas relações estabelecidas entre eles, 
considerando dois aspectos fundamentais: o Estado estático e o Estado dinâmico, tal como a anatomia e a 
fisiologia no âmbito das Ciências Naturais. O estudo do estágio estático do “organismo social” coincidiria 
com a elaboração científica de uma teoria positiva da ordem social, caracterizando as atividades que 
se destinam a preservar a estrutura do organismo social, e as forças sociais que respondem pela coesão 
social ou solidariedade. No estudo da dinâmica social, Comte focalizava as leis naturais que respondem 
pela evolução da sociedade humana, ou seja, a “Lei dos Três Estágios”, ou ainda a relação entre a ordem e 
o progresso. Os três estágios evolutivos da humanidade e da vida são: teológico (fetichismo, politeísmo, 
monoteísmo), metafísico e positivo.
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Segundo Bréhier (1977), aqui se introduz o tema da antítese entre épocas críticas ou revolucionárias 
e as orgânicas ou estáveis. O tema aparecera no corpus das filosofias antirrevolucionárias, para as quais 
“revolução e anarquia são a mesma coisa”, dado que:
[essas teorias] consistem numa tentativa de destruição dos poderes legítimos, 
poder temporal e poder espiritual, destruição que se estende à família e à 
propriedade; e a tarefa dos regimes posteriores à Revolução é restaurar os 
poderes que haviam sido atingidos pela crise (BRÉHIER, 1977, p. 253).
Comte, introduzindo a tese do progresso, empresta sentido particular à história: como o passado não 
volta, e também a história não regride, ele considera a revolução uma crise indispensável, sinalização da 
passagem de um estágio teológico para o científico.
Contudo, o processo revolucionário deve conduzir ao restabelecimento dos dois poderes, do temporal 
e do espiritual, da família e da propriedade; assim, o progresso se resume à mudança das crenças, das 
teológicas para as científicas. Nesses termos, as ciências se tornam um recurso para o reformismo, 
ou suporte para mudanças que induzem à permanência, e, em caso de contradição, Comte aponta a 
necessidade da ditadura, de modo a manter a estrutura, ou unidade. Em síntese, afirma Bréhier (1977, 
p. 255‑256):
A tese política de Comte é, por conseguinte, clara: a unidade social a qualquer 
preço, pela unidade da doutrina quando seja possível e, quando não, por 
uma ditadura temporária. Mas a doutrina positivista deve assegurar, de 
maneira definitiva, essa unidade que a doutrina teológica deixou fracassar.
É possível perceber que a concepção de sociedade em Comte é fortemente conservadora, centrada 
na ordem social, apesar de ele reconhecer a situação de miséria em que vivia a população trabalhadora 
francesa de seu tempo, lamentar essa condição e não aceitar a imposição da violência para reprimir a 
manifestação popular. Comte via no positivismo a única tendência de pensamento (e de prática) capaz 
de conduzir a uma “saída” da situação social de crise, que, para ele, era de ordem moral, e não somente 
material.
Para o filósofo, a crise por que passava a França de seu tempo correspondia a um momento da 
“marcha geral da civilização”, caracterizada pela coexistência em conflito de dois sistemas: um que se 
extinguia (a velha ordem), e outro que tendia a se constituir (a nova ordem industrial e científica).
O positivismo, como expressão de uma “política científica”, seria o único movimento (e partido) capaz 
de enfrentar a “anarquia social” instalada, e de preservar o Ocidente de qualquer tentativa comunista. 
Seria um partido construtor de “uma política moderna, capaz de satisfazer aos pobres, tranquilizando os 
ricos”. Sob a proposta de “modernização e racionalidade”se situa o caráter conservador e autoritário do 
positivismo, e o forte cunho ideológico de sua concepção de progresso.
Enfim, o pensamento comteano era antiliberal e anti‑individualista e propunha a intervenção do 
Estado na vida econômica e na organização social a partir de uma legislação reguladora, positiva, de 
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controle e organização, de modo a suprimir a desordem e a anarquia. Embora sugerisse ampla liberdade 
de discussão, o exercício de controle sobre a opinião pública se tornava fundamental. Portanto, a 
liberdade de imprensa deveria ser substituída pela divulgação de “informativos”, cartazes ou anúncios. 
“Liberdade com responsabilidade era a diretiva, devendo cada um assinar seus escritos, com data, local 
de nascimento e endereço”, logo, comenta Morais Filho sobre Comte:
A educação deve ser universal, abrangendo todas as classes da sociedade 
e todos os ramos do conhecimento humano, desde a Matemática à Moral. 
Só assim teriam todos as mesmas oportunidades, ricos e pobres, burgueses 
e proletários, fazendo com que melhor se diferenciassem as vocações e 
aptidões pessoais, vindo cada qual a ocupar na sociedade o lugar que lhe 
fosse mais adequado (MORAIS FILHO, 1978, p. 31).
Completando esse quadro, o sistema positivista proposto por Auguste Comte seria organizado sob o 
marco republicano, contrário à monarquia, mesmo à constitucional, implicando expansão do executivo, 
inclusive com função legislativa, abolindo o Parlamento, exceto para discussão de orçamento, e contrário 
ao sufrágio universal. Com tais características, o modelo positivista aproxima‑se ao de uma ditadura do 
proletariado, como regime correspondente ao “período de transição” entre a anarquia e o estado positivista.
Entre a preservação da ordem social, enraizada no capitalismo industrial, e os conflitos sociais e 
econômicos dela decorrentes, geradores da anarquia repudiada, o positivismo se perde em contradições: 
ao mesmo tempo em que Comte considerava que “a tranquilidade só será solidamente atingida na 
França, quando o poder for ocupado por governadores proletários”, e que “os proletários devem aderir 
ao comunismo”, não seria essa a “solução” para a crise, visto que ela se apresentava como de natureza 
moral, exigindo intervenção positivista nessa esfera conforme recomenda Comte (1839 apud MORAIS 
FILHO, 1978, p. 33):
Sem perturbar a economia geral, a reorganização mental, interpondo 
habitualmente uma comum autoridade moral entre os operários e seus 
chefes, oferecerá a única base regular de uma conciliação equitativa e 
pacífica de seus principais conflitos, quase abandonada hoje à brutal 
disciplina de um antagonismo puramente material.
Paim (1979, p. 117) considera as ideias contidas no sistema de política positiva, uma “radical recusa 
do espírito moderno, batizado de anarquia mental”, enfim,
O projeto de submeter as populações ao que se chama de “evolução 
sistemática”, isto é, um procedimento de ajustamento do homem ao novo 
estágio da evolução social e que consiste no puro e simples abandono da 
mediação da Idade Moderna, a fim de retornar a algo de muito próximo da 
situação vigente na Idade Média (PAIM, 1979, p. 117).
Nesses termos, diz ainda o autor, a religiosidade, presente no catecismo positivista readquire a 
perdida primazia, e o poder temporal volta à subordinação ao poder espiritual.
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Não é estranho que as ideias positivistas tenham atraído a atenção de segmentos das elites brasileiras. 
Embora Cruz Costa (1960) não considere a influência do positivismo tão importante, não deixa de 
reconhecê‑la, e de afirmar que
Na polifonia das correntes filosóficas do século XIX, é o tom positivista, por 
certo, o mais importante a atrair as elites. E os representantes destas são a 
expressão de uma nova modalidade de burguesia que se oporá à tradicional, 
a que em regra era constituída pela aristocracia (CRUZ COSTA, 1960, p. 41).
7.2 A ordem social e a política: as ideias socialistas
As ideias socialistas formam um leque de tendências, mas a origem está associada à formação urbana 
do capitalismo, especialmente industrial. São as contradições entre segmentos sociais que passam a 
conviver no espaço urbano em situações radicalmente distintas que acabam por provocar as revoltas 
às quais as revoluções emprestaram discursos igualmente distintos. Dessas tendências, e foram muitas, 
apenas três nomes serão considerados nessa unidade: Saint‑Simon, Proudhon e Karl Marx.
7.2.1 As ideias socialistas: Saint‑Simon (1760‑1825)
No Manifesto Comunista, Marx e Engels mencionam as ideias de Saint‑Simon e de outros em 
um grupo ao qual classificam como tendências do “socialismo e comunismo crítico utópico”, todavia 
reconhecem Saint‑Simon dentre os que elaboraram “sistemas socialistas e comunistas propriamente 
ditos” (MARX, 2010, p. 66) que se inserem nos movimentos iniciais do processo de luta do proletariado, 
contudo, dizem eles:
Os fundadores desses sistemas compreendem bem o antagonismo das 
classes, assim como a ação dos elementos dissolventes na própria sociedade 
dominante. Mas não percebem no proletariado nenhuma iniciativa histórica, 
nenhum movimento político que lhe seja próprio.
Segundo ainda o Manifesto, esses autores utópicos não perceberam as condições materiais da 
“emancipação do proletariado”, apelando para as ciências sociais, leis sociais ou para a própria imaginação. 
Tais autores também não admitiram a ação revolucionária, embora apelassem para o sofrimento da 
classe operária, e em nome desse sofrimento propusessem seus planos de organização social.
Claude Henri de Rouvroy de Saint‑Simon viveu o período revolucionário conturbado na França, mas 
não participou dos debates e lutas políticas de seu tempo: em parte porque era militar e estava nos EUA, 
integrando as tropas francesas, em parte porque, ao voltar à França, dedicou‑se aos negócios. Empreendeu 
depois viagens pela Europa, Inglaterra e Alemanha, e, retornando à França, iniciou a sua atividade de 
escritor, estudioso da sociedade, filósofo, às vezes jornalista e professor. Suas ideias moderadas, utópicas 
segundo alguns ou confusas segundo H. Burgin, não tiveram acolhimento de seus contemporâneos, 
embora ele tenha tido alunos como Auguste Comte (1798‑1857), fundador da Sociologia, e Adolphe 
Thiers, político conservador, ministro do Segundo Império, além de jornalista e historiador.
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Saint‑Simon viveu um tempo em que a descoberta e a crença na razão iluminista conduziram à queda 
da monarquia absolutista, o período de explosão emocional ou “catarse” de ressentimentos, vinganças 
e violência do terror, sucedido pela repressão e restauração do Império com Napoleão, seguindo‑se de 
sua rápida queda e nova fase de lutas, repressão e articulações políticas tendentes à reconstrução do 
Estado em bases republicanas.
Os textos de Saint‑Simon não convergem para as tendências que se revelaram vencedoras em cada 
fase desse percurso, sendo possivelmente esse o motivo pelo qual foram relegados a um esquecimento 
que levou o seu autor à miséria trágica. Talvez também seja essa “inadequação” às tendências da 
conjuntura política francesa o que tornou a obra de Saint‑Simon tão significativa ao entendimento de 
sociólogos posteriores, dentre outros, Émile Durkheim (1858‑1917) e Georges Gurvitch (1894‑1965). 
Para este, “os verdadeirossucessores de Saint‑Simon sociólogo foram Proudhon e, sobretudo, Karl 
Marx”, e não Auguste Comte, conforme afirma Gurvitch na introdução da obra La Physiologie Sociale 
(SAINT‑SIMON, 1965, p. 5).
A apresentação que o sociólogo russo Gurvitch faz de Saint‑Simon, ao preparar a Introdução e 
Prefácio das Obras Escolhidas do autor, corresponde a essa peculiaridade do seu pensamento, que 
desliza da análise das condições observadas para a proposição de linhas de ação, ou mais precisamente, 
para a antevisão de um futuro:
Saint Simon, que foi o mais realista dos “utópicos” e o mais utópico dos 
sociólogos, ele mesmo facilita essa separação entre doutrina social política e a 
sociologia. Como resultado, segundo os regimes e as conjunturas, ele modifica 
os meios: revolucionário para os regimes militares e pré‑capitalistas, é reformista 
para os regimes capitalistas e pós‑capitalistas (SAINT‑SIMON, 1965, p. 5).
Em 1803 Saint‑Simon publicava uma pequena obra à qual denominou Cartas de um Habitante de 
Genebra para os seus Contemporâneos. Nesse texto, ele conclama os não ricos, os trabalhadores, a se 
unirem, em uma linguagem que lembra as palavras do Manifesto Comunista, que apareceria em 1848, 
no qual as ideias de Saint‑Simon e de outros autores são classificadas como “socialismo utópico”. Dos 
excertos da carta, selecionados por Gurvitch (SAINT‑SIMON, 1965, p. 10), percebe‑se a construção de 
uma relação de poder entre “os ricos” e uma categoria que ele menciona por vous (na tradução livre 
substituída por “vocês”). Apesar de se associar a essa categoria pelo apelativo “meus amigos”, o autor se 
exclui da relação, descrevendo‑a a partir da distinção entre trabalho braçal, exercido pelos que não são 
instruídos, e a riqueza dos que comandam, designados por “ricos” ou “proprietários”.
Essa diferenciação, que marca a relação de dominação entre os dois segmentos, seria minimizada 
na medida em que os trabalhadores, mais numerosos, “forçassem” os ricos a instruí‑los. No balanço 
quantitativo dos dois segmentos, são os trabalhadores (vocês, ou vous) que informam ao autor que 
“eles” são numericamente superiores, e apenas nesse momento o autor se insere nessa categoria (somos).
[Meus amigos] Até hoje os ricos não tiveram outra ocupação que a de os 
comandar, forcem eles a esclarecê‑los e instruir; eles fizeram trabalhar os 
seus braços, façam trabalhar suas cabeças para vocês. Eu lhes convido a 
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fazer uso de uma pequena parcela da dominação que vocês exercem sobre 
os ricos [...]. Vocês me dizem que somos dez vezes, vinte vezes, cem vezes 
mais numerosos que os proprietários, e apesar disso os proprietários exercem 
sobre nós uma dominação bem maior que aquela que nós exercemos sobre 
eles (SAINT‑SIMON, 1965, p. 10).
Em outro excerto, Saint‑Simon (SAINT‑SIMON, 1965, p. 10), ainda se dirigindo aos “amigos”, inicia 
a apresentação de um “projeto”, o seu, cuja finalidade é superar as diferenciações e chegar a um 
“sistema” mais racional, organizado e justo para a vida social. Nesse trecho, o autor se desvencilha 
de toda vinculação anterior com seus ouvintes, para assumir a autoria de um projeto (“eu concebi”) 
e dessa posição de saber ele não submete o projeto aos “amigos”, mas o apresenta, justificando‑o em 
suas observações e constatações. Interessante notar que, nessas constatações, a dominação entre ricos 
e trabalhadores aparece como “um fato”, um desejo encontrado em cada homem:
Meus amigos, nós somos corpos organizados; em considerando como 
fenômenos fisiológicos as nossas relações sociais, eu concebi o projeto que 
lhes apresento. Pelas considerações colocadas no sistema, que emprego para 
ligar os fatos fisiológicos, vou lhes demonstrar a justiça do projeto que lhes 
apresento. Um fato constatado por uma longa série de observações é que 
cada homem experimenta em grau maior ou menor vivo desejo de dominar 
todos os outros homens (SAINT‑SIMON, 1965, p. 10).
A mobilização dos trabalhadores convergiria para um conselho (Conselho de Newton) eleito por 
indicação dos integrantes, composto por intelectuais, para o qual as mulheres poderiam ser indicadas e 
eleitas. O Conselho teria divisões nos principais países, de modo a abranger toda a humanidade, e nesse 
Conselho todos trabalharão:
Todos os Conselhos de Newton respeitarão a linha de demarcação que separa 
o poder espiritual do temporal. [...]. A obrigação imposta a cada um é a de 
constantemente orientar suas forças em uma direção útil à humanidade; 
os braços do pobre continuarão a nutrir os ricos, mas o rico será obrigado 
a fazer trabalhar seu cérebro, e se seu cérebro não é próprio ao trabalho, 
ele será também obrigado a fazer trabalhar os seus braços, porque Newton 
não deixará seguramente [...] trabalhadores voluntariamente inúteis em sua 
oficina (SAINT‑SIMON, 1965, p. 10).
Nessas ideias, que beiram a ficção, observam‑se reflexos do ambiente religioso que permanece na 
França, apesar do ateísmo e agnosticismo dos enciclopedistas e da confiança na ciência como meio para 
encaminhar problemas sociais, que serão a tônica do positivismo, e a valorização da física (Newton), 
campo científico que atraía Saint‑Simon. O “projeto” não se constitui como partido político, nem como 
documento de mobilização, mas como uma proposta “esclarecida” para os leitores.
É importante considerar que, ao longo da carta, Saint‑Simon apresenta suas três contribuições 
básicas a uma ciência do social:
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a) ele afirma que a sociedade pode, e deve ser estudada a partir da ciência, no caso, a Fisiologia;
b) ele indica que a sociedade se apresenta indiscutivelmente dividida em três classes, distinguidas 
como: os intelectuais (savants), abrangendo artistas e profissionais liberais; os funcionários 
públicos encarregados da guarda de valores e bens do patrimônio público e proprietários (os ricos 
antes mencionados), também abrangendo banqueiros, industriais, comerciantes; os igualitários, 
trabalhadores, e finalmente o povo;
c) a terceira contribuição consiste na proposta de uma nova religião, não vinculada às existentes, mais 
espiritualizada, mais condizente com as condições instauradas pelas luzes, expressão utilizada por 
ele, nas quais o poder estaria associado à razão, ou ao saber.
Essas três contribuições são discutidas e detalhadas em textos posteriores, os quais vão a uma direção 
cada vez mais utópica e de valorização da tecnocracia. Em 1813, ele publica Da Fisiologia Social e sob esse 
título discute o estudo da sociedade, admitindo correspondência entre a dinâmica social e aquela dos 
organismos vivos, um modelo organicista trazido das ciências naturais e, de certo, modo da Física, modelo 
que corresponderá ao utilizado posteriormente por Durkheim. Diz Saint‑Simon que “[...] o domínio da 
fisiologia, em relação a um tema geral, se compõe de todos os fatos que se passam nos seres organizados” 
(SAINT‑SIMON, 1965, p. 27‑28). Nesses termos ela se aplica ao estudo da vida social, porque:
A sociedade não é uma simples aglomeração de seres viventes, cujas ações 
independentes de toda finalidade não têm outra causa que o arbítrio das 
vontades individuais, nem outro resultado que acidentes eventuais ou 
sem importância; a sociedade, ao contrário, é, sobretudo uma verdadeira 
máquina organizada, em que todas as partes contribuem de uma maneira 
diferente para o curso do conjunto. [...] A reunião dos homens constitui 
um verdadeiro ser, cuja existência é mais ou menos vigorosa ou vacilante, 
conforme seus órgãos cumpram mais ou menos regularmente as funçõesque lhes são confiadas (SAINT‑SIMON, 1965, p. 27‑28).
Admitindo esse ponto de partida, a história da civilização não deixaria de ser uma história da 
vida humana, em diferentes estágios. Portanto, todas as medidas que foram tomadas para melhoria 
da sociedade não deixariam de ser como regras de higiene “que a natureza faz variar segundo o 
estado da civilização” e, desse modo, também a política adquire o caráter de medida higiênica para 
assegurar a harmonia. Mais uma vez, como a fisiologia social se vale de dados e observações, enfim 
dos fatos, ela é a ciência capaz de contribuir para encontrar um sistema adequado para o estado 
atual da civilização.
Mas se o que se observa são as guerras, as lutas, os poderes absolutos etc., como se explica 
isso? Para Saint‑Simon, assim como as crianças são atraídas para o que lhes interessa, ou que lhes 
pareça útil, também nos estágios infantis da civilização esse comportamento aparece. Todavia, o 
povo sempre intervém quando não são atingidos os seus reclamos, razão pela qual se sucedem os 
governos e reis.
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Contudo, as revoluções, apesar da violência, tendem a substituir o poder que atua, sem considerar 
os objetivos do povo, por outras formas, das quais o povo participa. Para ele:
A população europeia foi dominada pela força revolucionária desde o 
século XV, essa força não cessará até que um sistema social radicalmente 
distinto do sistema teológico e feudal seja estabelecido em seu lugar. A 
primeira operação para deter a ação revolucionária consistia em conceber e 
apresentar claramente o sistema social que convém ao presente Estado das 
luzes. Esta operação está terminada (SAINT‑SIMON, 1965, p. 34).
A tarefa, ainda para o autor, seria então retomar suas atividades aqueles segmentos que ele considera 
úteis para a sociedade: os artistas, os sábios e os industriais, porque esses três grupos, atuando em 
conjunto, conduziriam à prosperidade da sociedade.
Como foi apontado, Saint‑Simon se vale de um modelo orgânico para discutir a sociedade, mas 
suas proposições são fortemente influenciadas pelo pensamento iluminista, e dessa influência advém o 
apego demonstrado pela intervenção racional:
Assim, segundo os princípios da política e da moral, e ao mesmo 
tempo que os da fisiologia e da higiene, o legislador deve combinar 
a organização social de maneira a estimular, o mais possível, todas as 
classes ao trabalho e particularmente ao trabalho mais útil à sociedade 
(SAINT‑SIMON, 1965, p. 33).
Dessa racionalidade, ele retira uma concepção de homem e de organização: o homem é naturalmente 
preguiçoso, portanto, trabalha na medida da satisfação de suas necessidades, mas no Estado social, 
segundo ele:
As solicitações são multiplicadas, e muito mais numerosas do que suas 
faculdades produtivas, ele é forçado a destinar uma parcela do que pode 
produzir em troca de certos produtos que ele não obtém diretamente de 
seu trabalho. Esta necessidade (que se converte para ele em uma fonte 
de riqueza) é a única que ele reconhece, e a única à qual ele consente 
em se submeter: quer dizer que o homem industrioso, como tal, se 
submete a uma única lei, a do seu interesse. [...]. Todavia, há homens 
que são preguiçosos como todos, e querem consumir como todos, mas 
não produzem nada, portanto esses homens usam da força para viver do 
trabalho alheio (SAINT‑SIMON, 1965, p. 44).
Combater essa violência seria tarefa principal do governo, a qual corresponderia, em última instância, 
ao controle da ociosidade. Nesse sentido, o governo deveria ser próximo à atividade administrativa em 
uma empresa:
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Penso que o fim único para onde devem pender todos os pensamentos e 
todos os nossos esforços, é a organização mais favorável, a da indústria; 
entendida no sentido mais geral e que abrange todos os gêneros de trabalhos 
úteis, a teoria como a aplicação; os trabalhos do espírito como aquele das 
mãos (SAINT‑SIMON, 1965, p. 44).
O passo seguinte na argumentação de Saint‑Simon consiste em situar o sentido dessa política, que 
seria não a transformação da sociedade em uma indústria, mas a instalação de um princípio moral 
que pode ser extraído das relações administrativas, na medida em que todos trabalham para um fim 
comum e útil. Por isso a ênfase na organização e, por decorrência, a importância atribuída ao trabalho 
produtivo, em qualquer setor, ao lado da importância que atribui ao saber na organização.
Outro aspecto importante do pensamento desse autor reside na crítica que ele faz às teorias de seu 
tempo, as quais não propuseram formas organizativas adequadas, de tal sorte que a Declaração dos 
Direitos do Homem, por exemplo, não pode ser considerada solução ao problema da liberdade social, 
porque na verdade ela não foi enunciada.
Segundo Touchard (1970, v. 5, p. 136‑137), Saint‑Simon faz a diferença entre liberdade formal, 
a que é apresentada nos textos, e a liberdade real, essa não cogitada nos textos, embora ele não seja 
democrata, uma vez que admite a desigualdade como necessária.
Em sua defesa da “classe industrial”, como a que produz a riqueza e a glória da nação francesa, assim 
como sua arte e ciência, Saint‑Simon desenvolve no texto “O Organizador”, em jornal datado de 1819, 
uma parábola, pela qual ficou famoso e foi muito criticado. Na parábola (apud TOUCHARD, 1970, v. 5, p. 
76‑79) ele argumenta sobre a classe industrial e sua contribuição para a França:
Se a nação perdesse essa classe, ela seria um corpo sem alma, ficaria 
imediatamente em estado de inferioridade perante as demais nações que 
hoje são suas rivais, e continuaria a ser subalterna em relação a elas, de 
modo que ela não teria como reparar essa perda. [...] Seria necessário para 
a França pelo menos uma geração inteira para reparar esse infortúnio, 
porque os homens que se distinguem nos trabalhos de utilidade positiva são 
verdadeiras anomalias, e a natureza não é pródiga em anomalias, sobretudo 
anomalias dessa espécie.
Em seguida ele introduz outra premissa de seu raciocínio, agora reportando à importância do 
segmento social que representava os níveis mais elevados de poder no Estado, em síntese, diz ele:
Mas admitindo que a França conservasse todos os homens de gênio que ela 
possui nas ciências, belas artes, artes aplicadas e profissões, mas que por uma 
infelicidade perdesse no mesmo dia Monsieur, o irmão do rei, o Duque e a 
Duquesa de Angoulème, o Duque e a Duquesa de Berry, o Duque e a Duquesa 
D’Orleans, o Duque e a Duquesa de Bourbon, e Mademoiselle de Condé, e 
ao mesmo tempo, todos os altos oficiais da coroa, todos os ministros de 
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Estado (com ou sem seus departamentos), todos os conselheiros de Estado 
[...] os marechais, cardeais, arcebispos, bispos, vigários canônicos, prefeitos 
e subprefeitos, empregados dos ministérios, juízes, e mais uns dez mil 
proprietários, os mais ricos que vivem nobremente. Esse acidente consternaria 
os franceses porque eles são bons. Mas esta perda de trinta mil indivíduos, 
reputados os mais importantes do Estado, não causaria outro sofrimento que 
o puramente sentimental, porque não causaria nenhum mau político para o 
Estado (SAINT‑SIMON apud TOUCHARD, 1970, v. 5, p. 76‑79).
Impiedoso, ele continua em sua análise, explicando a diferença entre o impacto de uma perda e de 
outra, dado que essas pessoas desaparecidas poderiam ser facilmentesubstituídas em suas funções, e 
de modo até melhor que os ocupantes que desapareceram. A seguir, acrescenta argumentos decisivos:
[Elas] não contribuem, não fazem mais que dar prejuízo, visto que se esforçam 
por prolongar a preponderância exercida, pelas teorias conjunturais sobre os 
conhecimentos positivos; elas prejudicam necessariamente a prosperidade 
da nação privando, como acontece, os intelectuais, artistas e artesãos 
do primeiro grau de consideração que lhes pertence legitimamente; elas 
prejudicam porque empregam seus meios pecuniários de uma maneira que 
não é útil às ciências, artes e às artes aplicadas; prejudicam porque se valem 
anualmente dos impostos pagos pela nação [...] sob o título de abonos, 
pensões, gratificações, indenizações etc. para pagamento de seus trabalhos 
inúteis (SAINT‑SIMON apud TOUCHARD, 1970, v. 5, p. 76‑79).
A parábola explicita sua crítica em relação à ordem social, que em seus aspectos básicos era restaurada 
na França; contudo, a conclusão que o autor retira é de cunho moral, de “inversão de valores”. Apesar 
de um crítico do liberalismo que alimentava as tendências políticas à época, sua crítica à situação em 
França também é liberal.
Nos textos de 1821 e 1822, intitulados Do Sistema Industrial, Saint–Simon usa uma forma epistolar, e se 
dirige aos distintos segmentos sociais, aos quais ele denomina classe. No primeiro texto, intitulado “Considerações 
sobre Medidas a Tomar para Terminar a Revolução”, ele reafirma suas posições, concluindo dirigindo‑se ao rei:
As forces temporais e espirituais da sociedade mudaram de mãos. A força 
temporal verdadeira reside hoje nos industriais, e a força espiritual entre os 
intelectuais. Essas duas classes são as únicas que exercem sobre a opinião e 
sobre a conduta do povo uma influência real e permanente (SAINT‑SIMON 
apud TOUCHARD, 1970, v. 5, p. 76‑79).
No segundo texto, de 1821, ele se dirige aos empresários de todos os setores, apontando a necessidade 
de expandir o volume de atividades, e de empregos, como forma de corresponder às expectativas do 
povo. Para tanto, ele considera que a figura mais indicada para conduzir essa atividade seria o chefe das 
empresas industriais, na medida em que “[...] eles são os verdadeiros chefes do povo, porque controlam 
as jornadas de trabalho” (SAINT‑SIMON apud TOUCHARD, 1970, v. 5, p. 76‑79).
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No terceiro texto, de 1822, ele finalmente se dirige aos chefes dos operários, mas mudando de 
postura, articula o discurso a partir de uma identificação com a parcela mais pobre: “os senhores são 
ricos, nós somos pobres” e continua afirmando que, como “eles” são os chefes, é para eles que se deve 
dirigir o discurso.
É nossa classe, senhores que suporta diretamente os inconvenientes da má 
administração atual, [que] comprova para a ela mesma tudo o que deixa 
de ganhar, e então é natural que sejamos nós que devamos encontrar o 
remédio para os males que pesam sobre nós de uma maneira particular.. 
Esses inconvenientes (...) resultam, para um grande número de nós, 
sofrimento desde as primeiras necessidades da vida. É então a nós que 
cabe a iniciativa de indicar os meios para colocar um fim a nossas misérias, 
essa demanda deve ser a de 25 milhões de homens (SAINT‑SIMON apud 
TOUCHARD, 1970, v. 5, p. 76‑79).
Outros textos se seguiram, porém, assim como esses mencionados eles também caíram no silêncio. 
Para agonia de Saint‑Simon, suas obras não provocaram a reação esperada. Ao que consta, no final de sua 
vida ele vivia apoiado por amigos, os quais, aliás, foram os iniciadores do movimento saint‑simonista, um 
socialismo utópico, iluminista, religioso sem vínculo institucional, que o autor não chegou a conhecer.
7.2.2 As ideias socialistas: Pierre Joseph Proudhon (1809‑1865)
Touchard (1970, p. 142) abre seu comentário sobre Proudhon afirmando que “Não é possível separar 
o proudhonismo da vida de Proudhon; o proudhonismo é a presença de um homem”. Segundo esse 
autor, a biografia de Proudhon foi marcada pelos seguintes acontecimentos:
— O rompimento com Karl Marx em 1846, a propósito da publicação de 
Proudhon do Sistema de Contradições Econômicas ou Filosóficas da 
Miséria, livro ao qual Marx respondeu com a Miséria da Filosofia.
— Eleição de Proudhon em 1848 para a Assembleia Nacional, mas lá não 
consegue se fazer ouvir.
— Condenação a três anos de cadeia, após violentos artigos.
— Publicação de Revolução Social demonstrada pelo golpe de Estado 
de 1851, parecendo que ele aderiu a Napoleão III, mas permaneceu a 
acusação de ter sido “adesista” (TOUCHARD, 1970, p. 142).
Mas quais são os aspectos principais desse autor que é ao mesmo tempo uma referência obrigatória 
nas tendências do pensamento socialista e um autor que recebeu críticas tão profundas e espetaculares 
de Marx?
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A primeira obra de Proudhon, O que é a Propriedade? (1840), trouxe ao autor reconhecimento e 
desagrado, talvez pela frase com a qual passou a ser identificado: “a propriedade é um roubo”, embora 
essa frase não fosse dele, mas de Brissot, em 1789.
Na carta que Marx dirige, em 1865, a um editor, que lhe solicitara um “julgamento pormenorizado 
sobre Proudhon” (MARX, 1961, v. 1, p. 326‑332) o autor considera essa obra a melhor de Proudhon, 
embora não haja novidade em seu conteúdo, mas pelo modo novo e vigoroso com que expõe velhos 
conceitos. Marx identifica na obra uma contradição fundamental: seu autor, ao vincular a propriedade 
ao conceito jurídico, não faz uma análise sob o foco da economia política, consequentemente, essa 
opção pelo formal impediu que as relações econômicas e históricas que permitiriam responder à questão 
fossem exploradas, restando ao autor realmente responder que “a propriedade é um roubo”, tal como 
Brissot em 1789. Esse erro o levou a enredar‑se em toda sorte de sutis raciocínios, para ele próprio 
obscuros, sobre a verdadeira propriedade burguesa.
Na sequência da carta, Marx menciona o contato com Proudhon em Paris, em 1844, ocasião em 
que “[...] contaminei‑o com o hegelianismo que, dada sua ignorância do idioma alemão, ele não podia 
estudar convenientemente” (MARX, 1961, v. 1, p. 326‑332). Depois que Marx deixou Paris, Proudhon 
continuou seus estudos com um professor de filosofia alemã “que tinha a vantagem de não entender 
patavina da matéria” (MARX, 1961, v. 1, p. 326‑332).
Três anos depois, Proudhon enviou a Marx o seu livro Filosofia da Miséria (1847), acompanhado por 
uma carta solicitando uma “crítica severa” da obra.
Marx não fez por menos, escreveu Miséria da Filosofia em resposta e, segundo o relato que faz ao 
editor,
Demonstrei ali, entre outras coisas, quão pouco ele [Proudhon] penetra 
no segredo da dialética científica; mostrei como, por outro lado, ele 
compartilha das ilusões da filosofia especulativa, pois ao invés de conceber 
as categorias econômicas como expressões teóricas de relações históricas 
de produção, correspondentes a um dado estágio de desenvolvimento da 
produção material, ele as converte de maneira absurda em ideias eternas, 
preexistentes; e como através desses circunlóquios retorna mais uma vez ao 
ponto de vista da economia burguesa (MARX, 1961, v. 1, p. 326‑332).
Na verdade, Proudhon fizera uma crítica contundente da economia política marxista para seu 
autor, mas não dispunha de instrumental teórico para tanto. Como diz Marx, “demonstrei como era 
absolutamente deficiente e, por vezes, até infantil o seu conhecimento da economia política que se 
propôs a criticar” (MARX, 1961, v. 1, p. 326‑332). Nos parágrafosfinais da carta, Marx sintetiza seu 
parecer sobre obra e autor:
Proudhon tinha uma inclinação natural pela dialética, mas como nunca 
chegou a compreender a dialética verdadeiramente científica, jamais foi além 
da sofística. Isto de fato, condizia com seu ponto de vista pequeno‑burguês. 
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[...] o pequeno‑burguês é uma contradição viva. Se como Proudhon é um 
homem inteligente, logo aprenderá a jogar com suas próprias contradições 
e a desenvolvê‑las conforme as circunstâncias em paradoxos notáveis e 
espetaculares, ora escandalosos, ora brilhantes. O charlatanismo na ciência 
e a conciliação na política são inseparáveis desse ponto de vista. A tais 
indivíduos só resta uma força motora, a vaidade, e a única coisa que lhes 
interessa, como a todos os vaidosos, é o êxito do momento, a sensação do 
dia (MARX, 1961, v. 1, p. 326‑332).
Afora a arrogância de Marx, traço perceptível mais em seu discurso que em sua pessoa, seus 
comentários aparecem em linguagem mais sutil nos textos que focalizam a contribuição de Proudhon. 
Kolakowiski (1978, v. 1, p. 207‑214) afirma que Proudhon não relia o que escreveu, portanto não se dava 
conta das contradições em que entrara, e por isso suas propostas podem ser consideradas como versão 
do socialismo utópico: “Sua contribuição é um esquema normativo, cujos ideais são justiça e liberdade, 
mas tentou basear esse esquema em uma análise econômica e apontar mudanças de caráter prático”.
Reconhecendo que os direitos inalienáveis do homem eram violados pelo sistema econômico, ainda 
assim acreditava na possibilidade de uma “harmonia natural” e social, que preservasse os direitos “à 
liberdade, igualdade e soberania do indivíduo”, conforme a vontade de Deus, embora ele se dissesse não 
religioso, sendo‑lhe atribuída a frase de efeito “Deus é o mal”.
Sua formação filosófica era precária (como aponta Marx), daí os equívocos no entendimento de 
Hegel, contrapondo ao movimento de superação hegeliano, a noção de “equilíbrio entre antagonismos”, 
que seria resultante do esforço dos homens e não de uma força imanente à história, como ele entendia 
o papel do progresso em Hegel.
Kolakowiski (1978, v. 1, p. 209) afirma que,
[...] ao contrário do que Marx apontou, Proudhon se esforça por sublinhar 
que a organização intelectual da realidade social em categorias abstratas é 
secundária a essa realidade. O primeiro determinante da existência humana 
é o trabalho produtivo, enquanto a atividade intelectual é secundária a esse 
trabalho.
Contudo, trabalho para ele é uma categoria tanto normativa quanto descritiva, o que o leva a uma 
crítica da propriedade a partir da indignação moral, em face do sistema (imoral) de retribuição. Portanto 
sua crítica à propriedade era ao sistema de remuneração ao trabalho e não à propriedade privada em si 
mesma:
É irrelevante o fato de o proprietário realizar ou não um trabalho produtivo; 
se o realiza está legitimado a obter uma justa recompensa, porém tudo o que 
obtiver acima disso, meramente como proprietário da riqueza, representa 
um roubo dos demais trabalhadores (KOLAKOWISKI, 1978, v. 1, p. 209).
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Na leitura de Touchard (1970, p. 145), as contradições no pensamento de Proudhon são frequentes, 
levando aos proudhonistas a explicar sempre “o que ele queria dizer com isso”, de tal maneira que, 
proudhonistas de esquerda o veem como adversário da democracia, um crítico da contra revolução, 
enquanto os da direita se opõem a isso. Todavia ele aceitou o golpe de Estado, porque se tratava de um 
acontecimento puramente político, que poderia ser utilizado para a revolução da economia, essa sim, 
“a única verdadeira”.
Contudo, à semelhança de Saint‑Simon e Fourier, Proudhon também não considera o problema 
social como passível de solução política, mas de uma ciência, a economia política, na qual sua proposta 
de um Banco do Povo seria fundamental.
Suas críticas ao Estado, ao sufrágio universal e à democracia não deixam de estar envolvidas em 
contradições: critica o Estado pela concentração de poder, mesmo aquele que represente (aparentemente) 
uma vontade geral, a seu ver uma ilusão, o que o torna um crítico de Rousseau, preferindo Voltaire; pelo 
mesmo motivo não aceita o sufrágio universal, e quanto à democracia, “Proudhon está apaixonadamente 
ligado à igualdade”, mas não sacrifica igualdade à liberdade, nem liberdade à igualdade. Touchard explica:
Ele pensa em um equilíbrio entre liberdade e igualdade [que] só pode ser 
alcançado por meio de uma solidariedade fraterna. Opõe assim nas suas 
Confissões de um Revolucionário a liberdade simples, que é a do bárbaro, ou 
do civilizado, quando este não reconhece outra lei que não seja a “de cada 
um por si”, e a liberdade composta que se confunde com a solidariedade: 
“Do ponto de vista social, liberdade e solidariedade são termos idênticos: a 
liberdade de cada um encontrar, na liberdade alheia, não um limite, mas sim 
um auxiliar; o homem mais livre é aquele que tem mais relações com seus 
semelhantes (TOUCHARD, 1970, p. 147).
A contribuição de Proudhon, portanto, é centrada no princípio da solidariedade, que ele estende 
ao âmbito político, no princípio do federalismo, na medida em que, segundo Touchard (1970), para 
ele, o Estado é uma federação de grupos: o Estado resulta da reunião de vários grupos diferentes pela 
natureza, e pelos objetivos, “[...] formados cada um, para o exercício de uma função social e para a 
criação de um objeto particular, depois agrupado sob uma lei comum e em um interesse idêntico” (Sobre 
a Justiça, quarto estudo, TOUCHARD, 1970, p. 147).
Também no âmbito internacional Proudhon é favorável ao federalismo, chegando mesmo a profetizar 
a organização de grandes blocos de estados no século XX.
No âmbito social, o princípio de solidariedade se constitui no que ele denomina por mutualismo, ou a 
associação mutualista, sistema de trocas de serviços, bens e recursos entre os integrantes da associação. 
Essa proposta evitaria a luta de classes, e a violência, e seria materializada no Banco do Povo. Na verdade, 
essa instituição nunca “ultrapassou a fase do projeto”, embora fosse referida continuamente por ele.
Em síntese, com todas as contradições e imperfeições, o pensamento de Proudhon manteve‑se 
entre seus defensores. Aproximando‑se do pensamento pequeno burguês, e de suas ilusões utópicas, 
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ao mesmo tempo distanciando‑se delas, nas críticas à religião e ao Estado, Proudhon distanciou‑se das 
tendências socialistas, sobretudo do pensamento de Marx, contudo foram as mudanças na sociedade 
francesa sob impacto da revolução industrial que abalaram a confiança dos trabalhadores nas ideias de 
Proudhon.
Exemplo de aplicação
Na medida em que os autores até agora comentados não cogitam uma transformação da sociedade, 
eles integram variantes do pensamento político conservador ou reformista, cujo contexto teórico é o 
Estado burguês. Qual seria, então, o modelo de Estado coerente com a transformação da sociedade 
burguesa?
7.2.3 As ideias socialistas: Karl Marx (1815‑1883)
Figura 28 – Karl Marx
Muito já foi dito sobre o ambiente social e político em que viveu Marx, de expansão do capitalismo 
industrial, da miséria dos operários e também sobre as influências intelectuais que sobre ele foram 
exercidas, a começar pela obra de Hegel. Essenciala toda sua obra está uma proposta básica, preocupação 
constante do cientista, filósofo e homem político, que foi sintetizada em um fragmento do texto 
conhecido como “Teses sobre Feuerbach”: “os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de 
forma diferente, trata‑se, porém de transformá‑lo” (MARX, 1963, v. 3, p. 210). Henri Lefebvre comenta a 
respeito da proposição: “A vida social é essencialmente práxis e os mistérios especulativos encontram a 
sua solução na compreensão desta práxis” (LEFEBVRE, 1958, p. 7‑21).
A concepção de transformação social proposta difere radicalmente das apontadas por Saint‑Simon e 
especialmente por Augusto Comte: não se trata de municiar a burguesia com uma “ciência” e concebê‑la 
como recurso para intervenção na realidade social, segundo alguns propósitos políticos; trata‑se da 
práxis, conceito complexo, que permite várias leituras, mas que não remete a uma ciência, e sim a um 
projeto e processo político de ação coletiva, do qual todos participam.
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Enfim, a transformação da sociedade seria resultante de um processo político cujas características 
emergiam das condições concretas da sobrevivência no capitalismo industrial, e cujos participantes seriam 
todos os que estivessem política e racionalmente comprometidos com o processo de transformação. 
Essa acepção simplificada para práxis pressupõe uma dada relação entre pensamento e ação, cujas 
características suscitaram inúmeras discussões, tanto no plano político partidário quanto no plano 
teórico filosófico, e da investigação empírica, nas Ciências Sociais. Tais discussões que foram superadas 
pelo tempo, escapam ao interesse desse texto.
Florestan Fernandes comentou a atualidade do pensamento de Marx, em artigo publicado no ano 
do centenário de sua morte (1983), partindo da afirmação encontradiça em autores menos avisados: 
“Marx está superado, independentemente do valor intrínseco de suas ideias” (FERNANDES, 1983, p. 125).
Na verdade, a investigação de Marx sobre o capitalismo, além de consistente suporte empírico, 
incorpora, no âmbito da discussão teórica, as contribuições dos principais autores da economia clássica 
(Adam Smith, Ricardo, dentre outros). Sua contribuição não foi a descrição das relações capitalistas 
em uma dada temporalidade ou espaço geográfico, não foi instaurada como “novidade” e se insere 
no âmbito da teoria econômica. Portanto, se as ideias e análises contidas na obra de Marx sofreram 
desgaste pelo desenvolvimento da filosofia e das ciências, e pela emergência de peculiaridades do 
capitalismo contemporâneo, o mesmo argumento é válido para todas as grandes teorizações, inclusive 
as da economia clássica. Então, Florestan sintetiza:
Se Marx investigou não só o capitalismo de sua época, mas as condições 
objetivas da produção e da acumulação capitalista acelerada, só seria possível 
negar “suas ideias” se o capitalismo se tivesse tornado o avesso de si próprio, 
ou seja, se a mais‑valia relativa, a manipulação econômica, social e política, 
o exército industrial de reserva, a concentração e a centralização do capital, 
as classes sociais e a dominação de classe etc. tivessem desaparecido. Ora, 
isso não ocorreu (FERNANDES, 1983, p. 126).
Sob essa perspectiva, a da óbvia persistência das condições capitalistas no capitalismo, a análise 
do pensamento de Marx apresenta grande atualidade, não se tratando de uma “referência intelectual 
e histórica” simplesmente, embora continue a se desdobrar nas posturas contemporâneas das Ciências 
Sociais, da comunicação e, sobretudo, da política.
Todavia, quais elementos da contribuição de Marx e de Engels podem ser considerados fundamentais 
para o pensamento político? Correndo o risco de simplificar, podem ser apontados: a) o método de 
investigação e de construção do conhecimento, o materialismo histórico dialético; b) a identificação de 
processos e de sujeitos coletivos que dinamizam a história, conduzindo‑a e sendo conduzidos por ela; 
c) a construção simbólica, discursiva, das condições materiais de existência e dos possíveis de alteração, 
bem como análise e crítica dessa construção e da ordem social que é seu objeto, visando à práxis para 
justificá‑la ou transformá‑la. Nos títulos a seguir são comentados brevemente esses três elementos 
centrais ao pensamento de Marx.
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7.2.3.1 O método de investigação, o materialismo histórico dialético
Na verdade, o método de investigação da realidade social em Marx não se limita à construção do 
conhecimento da vida social, mas busca fundamentar a elaboração da práxis.
No prefácio à Crítica da Economia Política, publicado em 1859, Marx sintetiza o fio condutor de seus 
estudos, dizendo:
[...] na produção social da própria vida, os homens contraem relações 
determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações 
de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de 
desenvolvimento das suas forças produtivas e materiais. A totalidade dessas 
relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base 
real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual 
correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de 
produção material condiciona o processo em geral de vida social, político e 
espiritual (MARX, 1982, p. 25).
No entanto, é importante reconhecer que “cada forma de produção cria suas próprias relações de 
direito, formas de governo etc.” (MARX, 1982, p. 6). Como um modo de produção abrange “a totalidade 
das relações de produção”, Marx focalizou, na perspectiva histórica e geográfica, o modo de produção 
asiático, o antigo, o feudal e o burguês moderno. A passagem de um modo ao outro se dá porque “as forças 
produtivas materiais de uma sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, 
ou com as relações de propriedade dentro das quais até então tinham se movido” (MARX, 1982, p. 26). 
Todavia, “as forças produtivas que se encontram em desenvolvimento no seio da sociedade burguesa criam 
ao mesmo tempo as condições materiais para solução desse antagonismo” (MARX, 1982, p. 26).
A realidade social é vista por Marx em mudança, a história, portanto, não é uma instância fora da 
realidade, mas interna a ela. E não é um “fluir” do tempo, muito menos uma sequência de estágios, como 
pretendia Comte, mas um movimento, ele mesmo dotado de contradição, ou um movimento que se dá 
por contradição. Isso significa que uma dada situação no presente não é imóvel ou estável, porque nela 
estão contidas condições do passado e ao mesmo tempo as “sementes” do futuro.
Ao introduzir o movimento como dinâmica da história, e da realidade analisada, Marx assume a 
posição dialética, todavia ele não foi o primeiro a fazê‑lo. Hegel já havia descrito a história como um 
movimento dialético de superação da irracionalidade, em direção à razão e ao espírito, daí a célebre 
frase, atribuída a Hegel: o real é racional; mas depois dele Feuerbach aponta o caminho de uma dialética 
materialista, centrada no sujeito, na vida.
Mas então, o leitor pode se perguntar, “qual a diferença?” Para simplificar, pode‑se dizer que a dialética 
hegeliana é idealista, ou seja, são as ideias, os conceitos racionais que constituem a realidade passível 
de ser pensada, a consciência. Contudo, o problema consistia, em encontrar o processo explicativo do 
movimento dialético das condições históricas, mas que não fosse criado por um exercício lógico. Diz 
Giannotti (1985, p. 21):
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O conceito de trabalho vem responder a essas dificuldades. Interpretado como a atividade material 
orientada por um projeto. [...] [porque] pelo trabalho podemos chegar a compreender o sentido de uma 
ação social, o alcance de suas consequências e sua transitoriedade intrínseca, sem precisar recorrer à 
finalidade divina.
Mas agora surge outra dificuldade: como “situar” o processo de trabalho? Em outros termos, como 
focalizar, entender e mesmo interpretar o processo de trabalho em relação a uma totalidade que lhe seja 
mais ampla, mas que ao mesmo tempo, o explique em relações fundamentais?
 Observação
Entenda melhor a dificuldade de “situar” o processo de trabalho:
Sapatos produzidos no século XVI, no regime de corporação, outros 
produzidos no século XX em regime industrial avançado, outros ainda 
produzidos hoje em plena globalização (lembrar a Nike) são objetos 
produzidos por trabalho humano, empregando equipamentos e tecnologia 
em níveis variados e com finalidade assemelhada (nenhum sapato 
foi destinado a cobrir e proteger as mãos, mas os pés). Contudo, como 
entender os três exemplos de produção de sapatos sem inserir (situar) 
cada um deles na totalidade (da economia e sociedade) em que foram 
produzidos? Nos três exemplos houve dispêndio de energia humana 
(trabalho), mas as condições que regiam esse trabalho eram distintas em 
cada um dos exemplos, assim também “os valores” atribuídos aos sapatos 
produzidos, ao trabalho, destinação da produção em relação ao mercado 
etc. Portanto, voltando à questão anterior, o processo de trabalho, embora 
seja explicativo das transformações sociais e históricas, deve ser “situado” 
em relação à totalidade que lhe atribui sentidos, condições, limites etc. Só 
assim será possível comparar as evidências empíricas (os três exemplos de 
sapatos) e perceber as implicações dialéticas do processo.
Mas como proceder nos casos concretos? Marx responde a essa questão, explicando como passar 
dos casos concretos para as relações teóricas, ou como ele mesmo diz:
São sempre indivíduos determinados, com uma atividade produtiva que 
se desenrola de um determinado modo, que entram em relações sociais 
e políticas determinadas. É necessário que, em cada caso particular, a 
observação empírica mostre nos fatos, e sem qualquer especulação ou 
mistificação, o elo existente entre a estrutura social e política e a produção 
(MARX, 1961, v. 1, p. 24).
Portanto, a relação entre o caso concreto e individual e a instância teórica é importante, na medida 
em que, tanto a estrutura social quanto o Estado,
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[...] resultam constantemente do processo vital de indivíduos determinados, 
mas não resultam daquilo que estes indivíduos aparentam perante si 
mesmos, ou perante outros, e sim daquilo que são na realidade, isto é, tal 
como trabalham e produzem materialmente [...] independentemente de sua 
vontade (MARX, 1961, v. 1, p. 24).
Marx alude às condições internas de um modo de produção, aquelas que fundamentam as relações 
estruturantes, as quais, no capitalismo, dizem respeito a sua dinâmica interna, conforme aponta nas 
primeiras páginas de O Capital:
Minha concepção do desenvolvimento da formação econômico‑social como 
processo histórico natural, exclui, mais que qualquer outra, a responsabilidade 
do indivíduo por relações das quais ele continua sendo socialmente criatura, 
por mais que subjetivamente se julgue acima delas (MARX, 1980a, v. 1, p. 6).
Nessa proposição, Marx estabelece relação entre as condições materiais “concretas” da vida dos 
homens (forças produtivas e relações produtivas), a estrutura social, política e o Estado (superestrutura). 
Então ele amplia o alcance da proposição, para atingir o modo como os homens pensam sobre si próprios, 
sobre os outros e sobre o mundo. Em uma frase de síntese, diz ele: ”não é a consciência que determina 
a vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX, 1980a, p. 26). Esse vínculo entre a vida real (as 
condições materiais de existência) e as ideias e políticas é fundamental ao pensamento de Marx, vindo 
daí o conceito de ideologia, formas de consciência etc.
Marx não está pensando na consciência pura, muito menos na cristã (marcada pela noção pecado 
original), mas na linguagem! Diz ele:
A linguagem é tão velha como a consciência: é a consciência real, 
prática, que existe também para os outros homens, e que, portanto 
existe igualmente só para mim e, tal como a consciência, só surge com 
a necessidade, e exigências dos contatos com os outros homens. Em uma 
frase de rodapé, ele sintetiza: a minha consciência é a minha relação com 
o que me rodeia (MARX, 1980a, p. 36).
Logo, o discurso teórico, e da prática que constrói a realidade econômica e política, vem a ser um 
modo particular de expor para o outro (receptor) uma “dada realidade”, sem grandes compromissos com 
a “verdade dos fatos”, mas com interesses de outra natureza, ou como ele o diz, com o mundo que rodeia 
o emissor, do modo como ele o vê. Nas análises de Marx sobre a economia capitalista, especialmente 
sobre o pensamento dos autores clássicos, fica bastante clara sua intenção de “desmascaramento” das 
“mistificações”. Isso não significa que ele próprio não tenha em outros textos, outros discursos, procedido 
de forma semelhante, na “exposição da verdade dos fatos”.
Um exemplo de procedimentos que mascaram a realidade dos fatos em análise reside no emprego 
de abstrações ou generalizações, como “produção em geral”. Apesar de razoável, é preciso entender que 
a produção implica um complexo de determinações, associadas a épocas e condições distintas. Não 
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considerar essa diferenciação na análise é um esquecimento que, segundo Marx, “é responsável por toda 
a sabedoria dos economistas modernos que pretendem provar a eternidade e a harmonia das relações 
sociais existentes no seu tempo” (MARX, 1982, p. 5).
Consequentemente, ao introduzir sua análise crítica da economia política, Marx (1982) principia por 
focalizar as relações internas entre produção, distribuição troca e consumo, mostrando quais aspectos 
“os economistas” deixaram de apontar, quando operam com abstrações generalizantes. Com relação à 
abstração do trabalho (trabalho em geral), ele aponta que ela só é válida quando o trabalho se converteu em 
um meio de produzir riqueza em geral, deixando de se confundir com o indivíduo em sua particularidade. 
Essa condição só aparece na sociedade burguesa, embora o trabalho tenha sempre existido.
Assim, na análise do modo de produção capitalista, Marx parte do processo de trabalho como a 
atividade do homem que
[...] opera uma transformação, subordinada a um determinado fim, no objeto 
sobre que atua por meio do instrumental de trabalho [...] processo se extingue 
ao concluir‑se o produto [...] o trabalho está incorporado ao objeto [...]. O que 
se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora em 
quantidade fixa, na forma de ser, do lado do produto [...] do ponto de vista do 
resultado, do produto, evidencia‑se que meio e objeto de trabalho são meios 
de produção, e o trabalho é trabalho produtivo (MARX, 1980a, v. 1, p. 205).
O resultado do processo de trabalho como valor de uso pode agregar vários trabalhos anteriores, 
igualmente valores de uso, mas que são considerados meios de produção do primeiro. Contudo essa 
colocação não basta para caracterizar a produção capitalista porque ela “nãoé apenas a produção de 
mercadorias, ela é essencialmente produção de mais‑valia”. (MARX, 1980b, v. 2, p. 584) Nesse sentido, o 
trabalhador deve produzir mais‑valia, não importa onde (seja em uma linha de montagem, seja em um 
SPA), mas sempre contribuindo para expansão do capital.
Mas, o que significa mais‑valia? Deve estar se perguntando o leitor.
Ao ser contratado por uma empresa, o trabalhador sabe que estará sujeito a um regime de 8 horas 
de trabalho diárias, em 30 dias, e descanso remunerado. Durante suas horas de trabalho ele produzirá 
mercadorias que têm, ao mesmo tempo, valor de uso e de troca. Sua força de trabalho foi assim alienada 
para a empresa, como mercadoria, tornando‑se um valor de uso como os demais, que serão envolvidos 
na produção; para o trabalhador, ela também se tornou uma mercadoria com valor de uso e de troca 
(contudo não será ele a determinar esse valor em termos de moeda), que lhe permite sobreviver, 
adquirindo produtos necessários para ele e seus dependentes. Um primeiro aspecto da mais‑valia reside 
na diferença entre a quantidade de horas efetivamente trabalhadas e no valor (de troca) dos produtos 
resultantes desse trabalho.
Se o trabalhador perguntar‑se quanto de seu tempo de trabalho corresponde ao valor das 
mercadorias produzidas, ele vai constatar que, na verdade, o valor desses produtos supera em muito o 
valor atribuído ao trabalho socialmente necessário à sua produção. Esse excedente em horas trabalhadas 
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(sobretrabalho) não foi remunerado e nem poderia ser, uma vez que se trata de uma dinâmica própria do 
capitalismo. Uma parcela desse excedente será utilizada pela empresa para assegurar a produção futura, 
a outra parcela vai estar embutida no lucro. O trabalhador produziu com seu trabalho uma parte para 
sua sobrevivência e outra parte para a expansão do capital da empresa (acumulação), parcela que será 
integralizada no lucro.
Mas há outro aspecto importante: o trabalho envolve produtos que chegam à empresa sob a forma 
de “matéria‑prima” e “insumos”, produtos que foram “produzidos” no mesmo regime (de mais‑valia); o 
trabalhador vai agir sobre esses produtos, fazendo com que o “trabalho morto” que ali está contido volte 
a produzir valor, portanto, o “trabalho vivo” daquele trabalhador vai “ressuscitar” o “trabalho morto” que 
ali está fazendo com que ele produza valor mais uma vez.
Até aqui foi descrita a realização do que Marx denomina mais valia absoluta, ou seja,
[...] o prolongamento da jornada de trabalho além do ponto em que o 
trabalhador produz apenas um equivalente ao valor de sua força de trabalho, 
com a apropriação pelo capital [do] trabalho excedente. Ela constitui o 
fundamento do sistema capitalista e o ponto de partida da produção da 
mais‑valia relativa”. (MARX, 1980b, v. 2, p. 585).
Esta última corresponde ao modo de produção tipicamente capitalista, industrial, no qual a 
“estimativa” do trabalho socialmente necessário (para a produção e para a sobrevivência do trabalhador) 
já se encontra estabelecido, no qual métodos e técnicas de organização produtiva são empregados para 
elevar a “produtividade” do trabalho, ampliando assim sua lucratividade. Nesse sistema, observa‑se “a 
sujeição real do trabalho ao capital” (MARX, 1980b, v. 2, p. 585).
Essa sujeição tem implicações sociais significativas, refletindo na vida das pessoas, mas ela tende a 
ampliar‑se, dado o crescimento das populações e diminuição da demanda de trabalho humano, dando 
origem à constituição de um “exército industrial de reserva”, cuja existência favorece a manutenção dos 
salários em baixa.
Em meados do século XIX, Marx descreveu as implicações do progresso da produtividade do capital, 
cujas linhas gerais aplicam‑se às condições observadas no capitalismo contemporâneo, especialmente 
no terceiro mundo:
Graças ao progresso do trabalho social, quantidade sempre crescente de 
meios de produção pode ser mobilizada com um dispêndio progressivamente 
menor de força humana. Este enunciado é uma lei na sociedade capitalista, 
onde o instrumental emprega o trabalhador [...] esta lei se transmuda na 
seguinte: quanto maior a produtividade do trabalho, tanto maior a pressão 
dos trabalhadores sobre os meios de emprego, tanto mais precária, portanto, 
sua condição de existência, a saber, a venda da própria força para aumentar 
a riqueza alheia ou a expansão do capital (MARX, 1980b, v. 2, p. 748).
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Essa lei, que mantém o exército industrial de reserva, “determina uma acumulação de miséria 
correspondente à acumulação de capital. Acumulação de riqueza num polo é ao mesmo tempo 
acumulação de miséria, (...) ignorância, brutalização e degradação moral, no polo oposto, constituído 
pela classe cujo produto vira capital” (MARX, 1980b, v. 2, p. 749).
Nas condições do capitalismo contemporâneo, a descrição realizada por Marx há quase um século e 
meio se reflete no processo que, no Brasil, recebeu o nome de “exclusão social”.
Todavia, pode‑se pensar que, sendo a sociedade contemporânea “uma sociedade de assalariados”, 
na feliz expressão de Giannotti (1984, p. 361), “todos os seus agentes comparecem como proprietários 
de uma riqueza em constante crescimento”, a força de trabalho de um lado, e as ações ou produtos 
do empresário de outro. Porém, é enganoso pensar assim, pois a produtividade das empresas não 
consiste no somatório da produtividade de seus trabalhadores, mas é medida por “seu outro, pelo 
jogo das outras empresas na conquista do mercado, de acordo com os limites da demanda efetiva” 
(GIANNOTTI, 1984, p. 361).
Isso significa que, para as empresas, a política salarial será sempre a de manter os salários no nível 
mais baixo possível, mesmo que em situação de monopólio seja possível ter lucro pagando salários altos. 
Consequentemente, o trabalho não é medido em relação a sua produtividade, mas tendo como referência 
objetiva um comum articulado pelo mercado; nesse sentido, a produção pelo valor do trabalho mede 
o trabalho vivo pelo trabalho morto. Dessa forma, instala‑se um controle do trabalho vivo, ou seja, do 
“valor” de “venda” da força de trabalho, fora da possibilidade de o trabalhador interferir.
Considerando‑se que “valor é representação e controle da produção” (GIANNOTTI, 1984, p. 361), a 
produção de valor será a reiteração permanente, dessa forma, independentemente da figura assumida 
pelo capital, mas tendendo sempre a uma produtividade média, porém oscilante, na qual se refletem as 
formas aparentemente distintas do capital (financeiro, industrial, terra etc.) bem como as “nacionalidades” 
(inglês, americano, japonês etc.).
Nos meios corporativos e empresariais contemporâneos, instaurou‑se um “saber prático”, voltado à 
preservação e expansão da lucratividade, que afeta não somente as práticas empresariais de controle, 
como também configurações especiais, qualitativas e quantitativas para a força de trabalho. Por seu 
turno, os indivíduos se habilitam (ou buscam habilitar‑se) para a inserção nesses meios, tratando de 
assegurar diferenciais de formação. Tais processos refletem‑se nas faixas de salário, bem como na 
diversidade de formas de contratação. Os mesmos processos afetam diretamente a composição e 
dinâmica das classes sociais surgidas no capitalismo, inclusive nas formas tardias, como o capitalismo 
brasileiro, mas essa é outra história...
7.2.3.1 Identificação de processos e de sujeitos coletivos na história
A presença de sujeitos coletivos implica considerá‑los inseridos na história, portanto conduzindo 
processos,

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