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Pós‑Graduação em Gestão Módulo Básico Ética e Relacionamento Interpessoal Maria Sara de Lima Dias FAEL Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo Coordenador Pedagógico Osnir Jugler EDitorA FAEL Autoria Maria Sara de Lima Dias Gerente Editorial William Marlos da Costa Projeto Gráfico e Capa Patrícia Librelato Rodrigues revisão Dayene Castilho Programação Visual e Diagramação Sandro Niemicz AtEnção: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente, à opinião da Fael. É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo desse material, sem autorização prévia da Fael. EDitorA FAEL Rua Castro Alves, 362 Água Verde | Curitiba | PR | CEP 80240‑270 FAEL Rodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427 Lapa | PR | CEP 83.750‑000 FotoS DA CAPA Afonso Lima Ilker Jakub Krechowicz T. Al Nakib Todos os direitos reservados. 2012 Nome da Disciplina Neste artigo serão apontadas algumas noções de ética que foram se desenvolvendo ao longo da história da civilização humana, perpassando por várias etapas, acentuando a diferença entre a ética e a moral. Serão abordadas a necessidade de uma ética social frente a uma ética individual, bem como as necessidades interpessoais e o processo grupal e os valores éti‑ cos na empresa, até ser direcionado para a temática sobre ética do cotidiano e sua importância nas rela‑ ções interpessoais e na vida social. A ética será tra‑ balhada como produto das relações humanas e como modo de diferenciação entre o homem e o animal, assim como veículo de transmissão dos valores his‑ toricamente constituídos, para então ser apresentada a questão da ética dentro das instituições humanas como um produto específico do trabalho humano e que adquire diferentes formas conforme os contextos organizacionais. Após o resgate histórico da evolução do conceito, o foco se voltará para a ética no contexto das empresas em um mercado globalizante e globa‑ lizado. Será abordada também a comunicação e a linguagem como atributos especificamente humanos, assim como as diferenças individuais e as da hierar‑ quia das necessidades. As perspectivas da ética para um mundo em mudanças e transformações e, ainda, a questão do conflito e do poder nas organizações, finalizarão a discussão dessa temática. Neste artigo, as noções de ética e de valores pessoais tornaram‑se um elemento fundamental para a melhoria da quali‑ dade de vida e das relações que se estabelecem no ambiente de trabalho. Palavras‑chave: Desenvolvimento interpessoal. Ética. Relacionamento interpessoal. 1 | Noções de ética Todos possuem alguma ideia do que seja ética, já certamente ouviram falar e trazem consigo alguma concepção ou conhecimento mesmo que mínimo sobre ética. Diariamente surgem relações entre pessoas em que se perguntam que tipo de comportamento deveria ter que poderia guiar sua conduta pessoal. Cada um possui valores e conhecimentos éticos, no entanto, este conhecimento não é formal. A ética é um ramo da filosofia que se dedica a estudar os compor‑ tamentos morais do ser humano. Mas o que é, afinal, a filosofia? De acordo com Comte‑Sponville (2001, p. 7) “a filosofia é uma atividade que, por discursos e racio‑ cínios, nos proporciona uma vida feliz. Gosto de tudo nessa definição. Gosto em primeiro lugar que a filosofia seja uma ‘atividade’, energia e não apenas um sistema, uma especulação ou uma contemplação”. Essa obser‑ vação permite analisar que a filosofia e mais precisa‑ mente o ramo da ética proporciona ou tende a permitir que as pessoas tenham uma vida feliz. Sabe‑se, a partir disso, que a ética auxilia a com‑ preender o mundo e a orientar os indivíduos em relação ao comportamento e assim a fazer escolhas pessoais de forma mais acertada. Segundo o dicionário etimológico de Cunha (1982), a palavra “ética” significa algo que pertence ou relativo à ética, do latim éthicus, derivado do grego ethikos, e também se classifica como um dos ramos do conhecimento que estuda a conduta humana, estabelecendo os conceitos do bem e do mal numa determinada sociedade e numa determinada época. Durante a Idade Média a visão de Deus como o centro do mundo fez com que o homem determinasse seus critérios de bom e de mal pela via religiosa. Assim, os valores não seriam deste mundo, mas do mundo divino, e o homem para ser bom deveria ser temente a Deus. Já na Idade Moderna, com a tecnologia e as grandes invenções do conhecimento humano, o centro do universo já não é Deus, mas passa a ser o próprio homem, com sua razão e seu intelecto. No lugar das explicações religiosas para a vida, surgem as explica‑ ções racionais. Portanto, a ética está diretamente rela‑ cionada com a história do homem e com o desenvolvi‑ mento das sociedades humanas. No entanto, é preciso compreender como foi desenvolvido ao longo da sociedade as ações e normas Resumo MóDuLO BÁSICO | 2 | a virtude é um resultado do pensamento racional, que por sua vez é ligado a uma reflexão constante da disciplina moral de hoje. “[...] Os seres humanos tem a opinião de que são livres por estarem cônscios das suas volições e das suas apetências, e nem por sonhos lhes passa a cabeça a ideia das causas que os dispõe a apetecer e a querer, visto que as ignoram.” (ESPI‑ NOSA, 1983 p. 115). A autonomia da razão, ser guiado por ideias, é simplesmente uma reflexão que orienta o homem no mundo, ou seja, age‑se porque acredita‑se que somos livres para escolher coisas e tecer desejos. Para Espinosa (1983), a razão humana seria o cri‑ tério da verdade. Enquanto o homem é um ser dotado de razão, pode escolher os caminhos dele. Sendo assim, a razão representa na filosofia um esforço em compre‑ ender o mundo e orientar as ações dos homens neste mundo. É no período clássico da filosofia grega que tanto os sofistas quanto os filósofos buscavam debater quais eram os princípios que deveriam orientar o com‑ portamento das pessoas para que pudessem viver em sociedade. “Numa época em que havia pouca educação sistemática na Grécia, se é que havia alguma, os sofistas cumpriram essa tarefa. Eram mestres itinerantes, faziam conferências ou ensinavam profissionalmente” (RuS‑ SELL, 2001, p. 63). Embora os sofistas tenham desempenhado um valioso papel no campo da educação, sua visão filo‑ sófica foi hostil ao conhecimento porque considerou que, de acordo com Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas, do ser daquilo que é, do não ser daquilo que não é”, o que, no entanto, afirma a opi‑ nião de que a verdade de cada homem é a verdade para ele. Tratava‑se de um momento histórico em que as pessoas se questionavam sobre o mundo e sobre a natureza humana: De onde viemos? Para onde vamos? Seriam os homens assim como os animais movidos somente por seus instintos e impulsos? Ou haveria alguma forma de controlar nosso instinto mais animal e nossos desejos? Para alguns filósofos havia sim, como em Aristóteles (1973), uma capacidade das virtudes humanas sobrepujarem os instintos e dirigirem os comportamentos humanos. Portanto, o sábio ou o filósofo seria aquele homem capaz de alcançar a virtude e aqueles que não conseguissem estariam entregues à ignorância e aos vícios. Desse modo, a virtude é um resultado do pensamento racional, que por sua vez é ligado a uma reflexão constante. “Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de regra, gera‑se e cresce graças ao ensino – por isso requer experiência e tempo; enquanto a virtude moral é adquirida em resultado do hábito [...]” (ARISTóTELES, 1973, p. 267). O homem grego poderia ser treinado, educado para desenvolver essa vida que só pertencia aos sábios, mas nem todo cidadão teria direitoa esse tipo de educação. A ética se relaciona com questões que até hoje prevalecem: “[...] podemos ser tentados a nos fazer em perguntas tais como, qual o significado da vida, se é que de fato existe um. Será que o mundo tem um propósito, o desenrolar da história nos leva a algum lugar, ou estas perguntas não tem sentido?” (RuSSELL, 2001, p. 11). Nessa linha de raciocínio, filósofos buscaram uma reflexão racionalista sempre em oposição a fundamentos religiosos que até então serviam de guias aos compor‑ tamentos. Para quem tem formação cristã, por exemplo, não roubar, mão matar, não cobiçar, fazem parte do pri‑ meiro código de ética aprendido. A relação com a ética que se desenvolve a partir desse ponto vai permitir com‑ preender o mundo e a vida cotidiana, está impregnada na capacidade de decidir de cada um. Mesmo entre dúvidas e inseguranças, o homem toma uma posição sobre sua conduta, se algo feito é bom ou mal. Mas a apreciação do que é bom ou mal é relativa, ou seja, pertence a determinado momento histórico e a deter‑ minada sociedade em que se vive. É possível considerar, por exemplo, que a norma é não roubar, mas para alguns tipos de povos nômades o roubo pode fazer parte de um hábito de sobrevivência. No entanto, quando apela para a razão, o homem consegue perceber o lugar da ética. Se todas as pessoas podem roubar de todas as pessoas, então não haveria nada que pudesse não ser roubado e a posse não seria permitida. Esta contradição permite enten‑ der a prática da ética como uma norma universal. O estudo da ética enquanto disciplina formal iniciou com os filósofos gregos, mas a ética tem o seu campo de aplicação envolvendo várias áreas do saber, desde a sociologia, a antropologia até a biologia e a psicolo‑ ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 3 | gia. Para Aristóteles (1973), em Ética a Nicomaco, toda a ação humana busca um determinado fim que é um bem, na medida em que todos os homens anseiam pela mesma coisa, ou seja, todos querem ser felizes. Nesse sentido, o conhecimento humano deveria ser dirigido para a busca desse bem comum e universal. Ao longo, portanto, do século XX e do século XXI, os pensadores, partindo da concepção grega, buscaram definições a respeito de uma ação moral universal por meio da razão. Contudo, as questões éticas não se estabelece‑ ram sem debates entre os filósofos e os pensadores de diferentes épocas históricas. Para Aristóteles (1973), por exemplo, a felicidade é considerada como a grande finalidade da vida, não o prazer ou a riqueza, mas uma vida de contemplação. Então, novamente, há o encon‑ tro com a religiosidade na ética, com um padrão de conduta a ser seguido que voltasse para um homem comedido, um homem que refreia seus instintos e que pode contemplar a Deus. Na verdade, o primeiro código moral que organiza a vida social de que se tem notícia são as escritas religiosas que ditam normas e padrões de comportamento sobre o que é certo e o que é errado aos olhos de Deus. Adão, por exemplo, é expulso do paraíso por não ter obediência a uma regra de comportamento. Assim, a suposta liber‑ dade de escolha do homem se depara com a necessi‑ dade de se fazer o bem para a sua própria salvação, no entendimento de que fazer o bem para o outro é fazer o bem para ele mesmo. Todas as instituições religiosas têm determinados códigos de conduta, determinada ética, na qual Deus é visto como aquele que ilumina contra a ignorância do homem, sendo que todas as coisas boas e justas emanariam de Deus, e assim o homem deveria pautar seu comportamento a partir da busca da perfeição que se assemelharia à divina. O filho do criador, constituído pela imagem e seme‑ lhança de Deus, seria um exemplo de conduta ética a ser perseguida pelo homem. Nesse sentido, pode‑se afirmar que “a civilização ocidental, que brotou das fontes gregas, se baseia numa tradição filosófica e científica que come‑ çou em Mileto há dois mil e quinhentos anos e nisso difere de outras civilizações mundiais”. (RuSSELL, 2001, p. 17). Mas a integridade dos atos humanos passa por uma reflexão da vida diária e de uma histórica da própria civilização humana baseada em pressupostos éticos. No entanto, os valores humanos mudam com o pas‑ sar do tempo e conforme o homem adquire consciência desses valores. Conforme as ações humanas podem prejudicar os outros, e conforme aprendemos ou não sobre que não devemos praticar o mal porque vivemos em uma sociedade. O ser humano deve ser dotado de ética para que consiga viver entre seus semelhantes habi‑ tando o mesmo ethos, ou ambiente. “Segundo Aristóteles, o homem é um animal político. Não vive isolado, mas em sociedade. Mesmo no nível mais primitivo, isto envolve algum tipo de organização e a noção de ordem brota desta fonte”. (RuSSELL, 2001, p. 18). Desse modo, se o homem só sobrevive em sociedade, deve aprender a respeitar as normas e regras que emergem da vida social, visto que as instituições sociais são organizações que se preocupam em divulgar os padrões de comportamento que são tidos como aceitáveis para se viver em grupo. Contudo, os pressupostos éticos e o guia de com‑ portamento humano se movem e se transformam na medida em que o homem se relaciona com os demais. Então, o homem aprende, ao longo da vida, o que seriam condutas boas ou más, éticas ou não éticas. “Somos e não somos é um modo um tanto enigmático de dizer que a unidade da nossa existência consiste em uma mudança perpétua, ou, para usar uma linguagem forjada por Platão, o nosso ser é um perpétuo devir” (RuSSELL, 2001, p. 31). De tal modo, partindo des‑ ses princípios, e tendo consciência de nossos atos, o homem deve buscar aprimorar o seu comportamento ético, com vistas a forjar uma boa vida social. Em busca de viver em harmonia com os outros homens e com a sociedade como um todo, os indivíduos são seres de direitos e deveres, e “por trás da luta entre opostos, segundo certas normas, existe uma oculta harmonia ou afinação, que é o mundo” (RuSSELL, 2001, p. 30). Os diretos e deveres humanos provêm de uma vida em comum, de respeitar e ser respeitado, de ação e reação, que formam a base das relações interpessoais. A seguir serão abordadas as diferenças entre moral e ética. 2 | Diferença entre ética e moral A palavra “moral” é um adjetivo relativo aos costu‑ mes e significa um conjunto de regras de conduta. Exis‑ tem diferenças entre o que é da ordem da ética e o que é considerado moral. Segundo o Dicionário epistemoló- gico da língua portuguesa, de Cunha (1992), o termo, MóDuLO BÁSICO | 4 | a ética se refere a posições tomadas na vida e que podem buscar por uma generalidade ou universalidade de valores. originado do latim moralis, é a conclusão moral que se tira de uma obra, de um fato, de uma moralidade. uma das características do pensamento místico é a aceitação de um destino ou da sorte, mas as ações humanas na Terra não são determinadas desde o nascimento. Ninguém nasce a princípio bom ou mau, não existe uma natureza humana. O homem é, portanto, um ser social, aprende a agir sobre o meio que o cir‑ cunda, faz suas escolhas, tem consciência de que seus atos podem repercutir na sociedade como um todo. Os indivíduos são livres para escrever sua história humana na Terra. É possível, portanto, tomar uma decisão e depois se arrepender dela, pensamento este que na consciência não tomou uma posição ética. O agir do homem é moral quando se preocupa com a manutenção da dignidade humana. “A partir do momento em que o homem produziu as possibilidades de sua própria essência, ao elevar‑se através da homi‑ nização acima do reino animal, pode realizar apenas precisamente essas possibilidades” (HELLER, 2000, p. 15). Assim, o caráter da história está nos valores que são construídos ao longo dacivilização. Os indivíduos decidem com base em valores universais aceitos por todos, desse modo, já não se pode voltar atrás na histó‑ ria. É possível fazer todas as escolhas possíveis, mas é preciso reconhecer nas decisões diárias os valores his‑ tóricos desenvolvidos pelo homem. Sabe‑se, portanto, que pode‑se tudo, mas que nem tudo convém porque as escolhas podem ferir uma moralidade ou uma ética. “As alternativas históricas são sempre reais: sempre é possível decidir em face delas, de um modo diverso daquele em que realmente se decide” (HELLER, 2000, p. 15). Não era obrigatório que o desenvolvimento histórico da sociedade tomasse o rumo que tomou, eu mesmo não preciso decidir com base somente na finalidade dos meus atos. Assim sendo, escolhe‑se com base no conhecimento do bem e na capacidade de jul‑ gamento moral. O vínculo entre o bem e o conhecimento é um marco no pensamento grego, mas a alternativa quando se escolhe algo como um comportamento não é des‑ truir a história, mas fazer a própria história. Preferir esta ação em detrimento de outra, de modo que não venha a ferir a outro ser humano, é antes de tudo uma escolha singular, ou seja, da própria pessoa em fazer o bem. Escolhe‑se, portanto, para o próprio bem e o da coletividade. Isso se refere a um pensamento ético: “pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos, pelo que fazemos em presença do perigo e pelo hábito do medo ou da ousadia, nos tornamos valentes ou covardes” ( ARISTóTELES, 1973, p. 268). Portanto, a ética se refere a posições tomadas na vida e que podem buscar por uma generalidade ou universalidade de valores. A ética remete a uma universalidade do pensa‑ mento humano. Já a moral ou o pensamento moral é situacional, muda conforme a sociedade e o tempo histórico vivido. um exemplo disso é o casamento enquanto instituição social. Até bem pouco tempo era permitido somente ter um casamento ao longo da vida e entre parceiros de sexos diferentes. No entanto, existem determinadas sociedades que julgaram esse comportamento como moralista e passaram a admitir casamentos entre pessoas do mesmo sexo. “Não pode‑ mos, portanto, dizer que todo homem predisposto ao preconceito é imoral. Mas podemos afirmar que sobre todos os aspectos nos quais tem preconceitos ocorre uma diminuição para o homem de suas possibilidades de uma escolha adequada e boa.” (HELLER, 2000, p. 60). Portanto, o termo “moral” diz respeito a uma reali‑ dade particular da vida social. Conforme os costumes e hábitos mudam, também mudam os padrões morais. um exemplo é o preconceito que pode mudar de acordo com a cultura e os hábitos locais. Sendo em maior ou menor grau dependendo das alternativas, da informação e do conhecimento que permite que a pessoa faça suas escolhas, de modo diferente das outras. Se toda uma sociedade tem uma cultura preconceituosa, o indivíduo pode escolher não ser preconceituoso se tiver a oportunidade de conhecer os motivos que levaram tal sociedade a ter padrões pre‑ conceituosos de relacionamento. Os traços característicos de um determinado grupo social, os costumes de um povo do ponto de vista das ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 5 | relações que as pessoas estabelecem entre si, por exemplo, são comportamentos ditos morais. “Por mais difundido e universal que seja um preconceito, sempre depende de uma escolha relativamente livre o fato de que uma pessoa se aproprie ou não dele” (HELLER, 2000, p. 60). De outro modo, o que é um valor, um hábito ou costume de um povo também pode deter‑ minar aquilo que é o bem ou os valores comuns de diferentes povos, atingindo toda a humanidade. Trata‑se, então, de valores éticos. Assim, a atividade humana se relaciona com a vida em agrupamentos sociais, que vão estabelecendo regras, normas, valores e que quando se cristalizam passam a gerar valores universais máximos de conduta aplicados a vários povos. A ética, portanto, estuda o ethos, esse conjunto de ações que servem de norma. No latim, o termo “ethicos” foi traduzido por moralis, que se relaciona com os hábitos e costumes, isso talvez tenha sido a origem da confusão forjada entre os conceitos de ética e de moral. Para Aristóteles (1973), a fim de viver eticamente o homem precisa dominar suas paixões, seus impulsos, “por paixões entendo os apetites, a cólera, o medo, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão, e em geral os sentimentos que são acompanhados de prazer ou dor.” (ARISTó‑ TELES, 1973, p. 271). Assim, viver eticamente é, para Aristóteles (1973), controlar os vícios e as paixões e se dedicar a uma vida em busca das virtudes. “Toda a virtude ou excelência não só coloca em boa condição a coisa de que é excelência como também faz com que a função desta coisa seja bem desempenhada” (ARIS‑ TóTELES, 1973, p. 272). A distinção entre o comporta‑ mento bom ou mal dos homens se estabelece quando o homem atinge uma vida virtuosa, “pois os homens são bons de um modo só e maus de muitos modos” (ARIS‑ TóTELES, 1973, p. 273), ou seja, ser bom de um modo só é buscar a própria felicidade e a dos demais. Ainda, afirma que: “[...] o homem feliz, como homem que é, também necessita de prosperidade exterior, porquanto a nossa natureza não basta a si mesma para os fins de contemplação: nosso corpo também precisa gozar saúde e de ser alimentado e cuidado.” (ARISTóTELES, 1973, p. 431). Compreende‑se a distinção entre o comportamento moral, que muda com o tempo e com o desenvolvimento das sociedades, e o comportamento ético, que permanece assim como o conjunto de valores e virtudes. No entanto, o comportamento está sempre se referindo a um lugar de convivência em uma sociedade, se o homem precisa gozar de prosperidade para se manter um homem virtu‑ oso. Isso ocorre sobre um ethos que é social. A seguir, serão abordadas a ética social e a ética individual. 3 | Ética social e individual As mudanças no mundo moderno alteraram muito a forma de comportamento. O que antes era conside‑ rado imoral hoje pode ser um comportamento perfei‑ tamente aceito socialmente. Assim, é possível falar em uma ética social que seja comum a todos os homens e em uma ética individual que seja atrelada aos valo‑ res mais íntimos. Contudo, como foi discorrido sobre uma ética social na qual se observa um mundo que sofre os efeitos da poluição, do desmatamento, das crises ambientais, questiona‑se se existe uma desculpa social para um comportamento antiético. “Com efeito, o homem que fez alguma coisa devido à ignorância e não se aflige em absoluto com o seu ato não agiu volunta‑ riamente, visto que não sabia o que fazia; mas tampouco agiu involuntariamente, já que isso não lhe causa dor alguma” (ARISTóTELES, 1973, p. 282). Considere que o ser humano se preocupa constantemente com o seu comportamento social, embora não o faça em razão de interesses pessoais como o lucro ou a exploração do trabalho de outro homem. No século XIX, as relações entre capital e trabalho atingiram muitas divergências, promovendo conflitos entre trabalhadores e donos dos meios de produção, ocasio‑ nando greves e lutas por condições mais dignas de tra‑ balho. Para a sociedade produzir e reproduzir a sua exis‑ tência, alterou‑se o modo de produção: o homem saiu de um regime feudal do cultivo da terra, passou à manufatura e depois para um modo de produção industrializado. Os conflitos, os movimentos grevistas e a luta por direitos sociais iguais marcaram todo o século XIX. A consciência da classe operária, a luta de classes é, portanto, uma forma de conceber também a moral. A atividade do homem produz o seu modo de vida social e determina o modo como o homem age em relação aos outros em seu meio social de acordo com a épocarelacionada ao trabalho. Se a vida do homem se baseia no modo como ele produz e reproduz a própria exis‑ tência, a existência social determinaria a moralidade do MóDuLO BÁSICO | 6 | homem. Quando se analisa, portanto, a competitividade do mundo moderno, esse mundo precisa cada vez mais de uma ética social que se reflita em condições dignas de trabalho e de vida humana. A moral dos escravos é diferente da moral dos patrões, a moral dos operários é diferente da moral da classe burguesa. Proclamam‑se valores que ainda não são vividos; a liberdade, a fraternidade, a igualdade ainda são valores a serem perseguidos pela sociedade como um todo. Coerente com ideais humanistas, reclama‑se por uma ética do trabalho e por uma ética que se refira ao planeta, bem como por desenvolvimento com a sus‑ tentabilidade pretendida, para que o legado para as pró‑ ximas gerações seja uma vida com qualidade. Observa‑se, enquanto características da vida moderna, o egocentrismo, o narcisismo e o individua‑ lismo movido por uma forte competitividade, na disputa por lugares e postos de trabalho, por consumo desen‑ freado e insaciável. Nela, os imperativos categóricos da ética são particulares ou individualizados, a moral é individual, as escolhas são cada vez mais centradas em pequenos grupos que comandam o planeta. É preciso produzir novos sentidos sobre viver em comunidade em um mundo globalizado e globalizante e manter uma ética universal em que o imperativo cate‑ górico seja o da convivência em um planeta comum, um lugar de todos. uma luta por direitos universais para que a moral não represente somente grupos menores, os grupos mais frágeis como as mulheres, os homossexu‑ ais. É necessário reconhecer que “embora o comum das pessoas detestem os homens que contrariam os seus impulsos, ainda que com razão, a lei não lhe é pesada ao ordenar o que é bom” (ARISTóTELES, 1973, p. 433). É preciso reordenar o bom, o justo, aquele valor que é adequado à coletividade e à convivência pacífica dos povos, nem que para isso se torne necessário recorrer a leis cada vez mais duras sobre uma ética planetária em nome de uma razão universal. Existe uma ação humana sobre a natureza, o homem precisa sobreviver, e o faz por meio do traba‑ lho. Durante anos, o homem não se preocupou muito com a natureza, porque os recursos eram abundan‑ tes; hoje em dia, isso não é mais possível. Existe uma compreensão generalizada de que o homem atingiu o topo de sua capacidade destrutiva, portanto, é preciso recuar entre as leis da natureza para garantir a própria sobrevivência do homem. “E, se é pelas leis que nos podemos tornar bons, seguramente o que se empenha em melhorar homens, estes muitos ou poucos, deve ser capaz de legislar” (ARISTóTELES, 1973, p. 434). O homem chegou a um processo de desenvolvimento da civilização em que deve romper com o individua‑ lismo exacerbado. É preciso ter consciência da razão planetária, e talvez uma nova ética social deva prevale‑ cer, a lógica de uma ética comunicativa. Sobre a ética individual, há a necessidade do diálogo da troca. Caso desgosto voltaremos aos regimes totalitários através de um controle rígido dos comportamentos pelo Estado, “[...] o controle público é evidentemente exercido pelas leis e o bom controle, por boas leis” (ARISTóTELES, 1973, p. 434), não precisamos de um total controle legal sobre nossas ações precisamos sim de coletivi‑ dade e não individualismos. Desse modo, para prover o homem de seus recur‑ sos financeiros e materiais e buscar a satisfação de suas necessidades de sobrevivência enquanto habitante de um planeta comum, é imperativo que os discursos políticos lancem mão de uma discussão sobre a ética, pois “a sabedoria prática está ligada ao caráter virtuoso e este à sabedoria prática, já que os princípios de tal sabedoria concordam com as virtudes morais e a reti‑ dão moral concorda com ela.” (ARISTóTELES, 1973, p. 430). É preciso mais sabedoria e retidão para conven‑ cer os governos sobre a necessidade de proteção do mundo como um todo. Falar em ética individual frente a uma ética social é contraditório porque muitas vezes é preciso abrir mão de um desejo em prol de um bem maior. Entre os indiví‑ duos existe uma ética singular. Está claro que o homem deve manter, cuidar e preservar a sua própria vida, no entanto, o seu impulso de conservação não deve ultra‑ passar a vida dos demais. Os governos precisam garantir as necessidades essenciais de sobrevivência humana, e estas devem estar protegidas e garantidas na forma da lei. A manu‑ tenção da lei e da ordem dentro de uma sociedade que se diz ética, no entanto, não é fácil, porque “surgem desentendimentos quando o que as pessoas obtêm é algo diferente daquilo que desejam, pois é, então, como se nada tivessem obtido” (ARISTóTELES, 1973, p. 399). Ainda que argumentos racionais sirvam para ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 7 | a manutenção desse sistema competitivo instalado em nossa sociedade, é necessário falar da ética social. Compartilha‑se hoje um mundo já conhecido e com escassos recursos naturais, no entanto, o homem ainda não conseguiu atingir padrões mínimos de lei que expres‑ sem uma ética e uma justiça social. Em relação à natureza prevalecem os interesses da economia e do capital. A maior preocupação política parece ser no século XIX, no qual a geração de empregos e renda para que as pessoas continuassem a consumir os milhares de produtos que são lançados instantaneamente no mercado. No entanto, a interação entre as pessoas que habitam o mesmo universo social e o aproveitamento máximo dos recursos naturais ainda não estão na pauta das negocia‑ ções e dos acordos internacionais. O homem, com seu egoísmo arraigado, com seus valores pessoais e mesqui‑ nhos, nem sempre se percebe como um ser em relação com outros seres de iguais direitos e deveres. É importante falar de uma ética individual para todos, em que todo e qualquer ser humano tenha direito à reali‑ zação humana, como direito ao lazer, ao conhecimento, a formas de socialização, à sua realização pessoal, enquanto um ser dotado de virtualidades. No dizer de Aristóteles, (1973) o homem com suas contradições existenciais deve buscar por uma vida justa e digna e repleta de vir‑ tudes éticas. “Por virtude humana entendemos não a do corpo, mas a da alma, e a felicidade também a chamamos uma atividade da alma” (ARISTóTELES, 1973, p. 263). O homem tende a realizar o seu potencial de desenvolvi‑ mento, no entanto, a realização dele nem sempre é pos‑ sível, a humanização ou o tornar‑se de fato humano tam‑ bém reside na possibilidade de o homem ter acesso aos bens culturais produzidos pela sociedade. A seguir, será abordado o homem em seu processo de emancipação, vinculado a necessidades interpessoais que devem ser satisfeitas para serem superadas. 4 | Necessidades interpessoais e o processo grupal Considera‑se que o ser humano é acima de tudo um ser social, que nasce, cresce e se desenvolve em grupos sociais. O homem depende do homem para poder sobreviver em sociedade. É ser que fala e esta característica o diferencia dos animais. Devido à capaci‑ dade de comunicação, é possível entender o outro, tra‑ balharem juntos para atingir a satisfação de suas neces‑ sidades e seus desejos. Contudo, a comunicação não é fácil porque existem situações concretas vividas desde o nascimento até as características geneticamente trans‑ mitidas que fazem dos indivíduos seres diferentes. As diferenças podem ser sociais, culturais e devem ser consideradas quando se fala, pois o comportamento verbal é dirigido para outro ser e é nessa ação que se funda a diferença. É importante conhecer o porquê de tais diferenças para que seja possível compreender por‑ que os homens agem, como agem em relaçãouns aos outros. “Em todas as ações e propósitos é ele a finali‑ dade, pois é tendo‑o em vista que os homens realizam o resto.” (ARISTóTELES, 1973, p. 255). A primeira ação do homem é a da relação com o outro, é no grupo que o homem aprende as finalidades os objetivos de sua vida, os seus valores éticos e morais. Em suas ações diárias, o homem reflete padrões de comportamento aprendidos ao longo da vida. “Existe uma finalidade para tudo que fazemos, essa será o bem realizável, mediante a ação, e se há mais de uma, serão os bens realizáveis através dela” (ARISTóTELES, 1973, p. 255). Participando de grupos humanos, o homem altera o grupo e a si mesmo, suas ações promovem rea‑ ções nos demais. Considerando que ele não sobrevive sozinho, é preciso aprender a trabalhar em grupos, mas participar de grupos humanos não significa concordar com todas as ideias. Ainda assim, o homem é singu‑ lar, ou seja, boa parte de seu comportamento deve ser aprendido em grupo, mas o homem é capaz de reflexão e de mudança de comportamento. Na medida em que participa de diferentes gru‑ pos ao longo da vida – grupos familiares, escolares, grupos religiosos e grupos de trabalho –, o homem desenvolve papéis sociais e modos de ser, a própria maneira de viver em sociedade. Tais papéis se definem para o homem como um meio de ir em busca da satis‑ fação de suas necessidades. Entre as necessidades humanas de fome, abrigo, afeto, entre outras, aquela necessidade mais geral ou comum a todos os homens é a busca da felicidade. Nesse sentido, “a felicidade é, portanto, algo absoluto e autossuficiente, sendo também finalidade da ação”. (ARISTóTELES, 1973, p. 255). Quando se chega a participar de um determi‑ nado grupo social, não se começa do nada; o homem MóDuLO BÁSICO | 8 | não é uma tábua rasa, já traz consigo determinadas vontades, desejos e valores que aprendeu no decor‑ rer de sua existência. “O desejo [...] seria antes em nós esta força, que nos permite comer com apetite, agir com apetite, amar com apetite” (SPINOZA apud COMTE‑SPONVILLE, 2001, p. 77). Identifica‑se a necessidade de participar como algo absoluto do homem, inerente à sua ontologia. “[...] Cha‑ mamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa” (ARISTóTELES, 1973, p. 255.) Assim, o homem deseja participar, tomar parte de grupos sociais, ser reconhecido como pertencente a determinado grupo, o que lhe garante uma identificação e consiste em uma sua definição de ser quem ele é. Esse sentimento de pertencer é que lhe permite se sentir integrado, e fazer parte de algo maior e que de certa forma lhe garante a sua própria sobrevivência. No entanto, as necessidades sociais e de ser aceito em determinados grupos nem sempre são satisfeitas. O grupo controla quem pertence ou não, quem pode ser incluído ou não. “Os vários grupos de trabalho eram coletivamente responsáveis pelos esforços individuais de seus membros” (SENNET, 2005, p. 135). Conforme sua estrutura, seus objetivos de funcionamento grupal partilhando ou detectando erros, um trabalhador pode responsabilizar ou outros, pode incluir e aceitar ou não a participação do individuo no grupo. Na sociedade, vive‑se em grupos institucionaliza‑ dos e hierarquizados no qual nem sempre o estrangeiro é bem‑vindo, as estruturas sociais tornam‑se rígidas, e os diferentes são com frequência expulsos de deter‑ minados agrupamentos sociais. “[...] As sociedades complexas tornaram‑se rígidas a tal ponto que a própria tentativa de refletir normativamente sobre elas ou de renovar sua ordem [...] é virtualmente impedida” (BAu‑ MAN, 2000, p. 11). O grupo deve compartilhar determinados objetivos, valores emocionais, e se mantém em estruturas de rela‑ ção mais ou menos estáveis. Qualquer elemento que saia ou entre em um grupo tende a alterar a ordem das relações interpessoais estabelecidas. “A ordem das coi‑ sas como um todo não está aberta a opções, está longe de ser claro quais seriam estas opções.” (BAuMAN, 2000, p. 11). A organização social do modo como está estruturada obriga‑o a viver em grupos institucionaliza‑ dos, e a se adaptar e estabelecer relações com pessoas que não compartilham dos mesmos valores e opiniões. Nos grupos de trabalho, com frequência os indivíduos veem‑se obrigados a conviver com o diferente e com as diferenças de opiniões, crenças, costumes e valores. Assim, as necessidades de relacionamentos interpes‑ soais e intersubjetivos o obrigam a aprender a conviver com o diferente e a desempenhar diferentes papéis quando está em grupos. um exemplo é o perfil de uma pessoa muito revo‑ lucionária, que para participar de um grupo precisa modificar o comportamento se tornando dócil. “Nin‑ guém ficaria surpreso ou intrigado pela evidente escas‑ sez de pessoas que se disporiam a ser revolucionários” (BAuMAN, 2000, p. 12). Esse tipo de convivência com o outro em função de objetivos de trabalho, por exemplo, com quem se é obrigado a se relacionar por diferentes motivos, é chamada de “solidariedade mecâ‑ nica”. Preciso do outro, devo me relacionar com este outro ainda que não compartilhe com ele dos mesmos valores. Desse modo, viver na modernidade é viver em constante reforma, é viver flexibilizando nossas condu‑ tas e viver por uma ética da diferença. “A modernidade significa muitas coisas, e sua chegada e avanço podem ser aferidos utilizando‑se muitos marcadores diferen‑ tes” (BAuMAN, 2000, p. 15). Se os indivíduos são impelidos a formar uma solidariedade mecânica com os demais, contrariamente também podem fazer suas escolhas. Dentro de grupos sociais distintos é possível esco‑ lher a qual grupo se filiar, a quem oferecer a sincera amizade. A este tipo de formação grupal em que a pes‑ soa escolhe os motivos de sua filiação chama‑se de “solidariedade orgânica”. um valor compartilhado, um sentimento de pertencimento de comum, uma comu‑ nhão de valores, objetivos e intenções. “O indivíduo se submete à sociedade e essa submissão é a condição de sua libertação. Para o homem, a liberdade consiste em não estar sujeito às forças físicas cegas” (BAuMAN, 2000, p. 27). Assim, os grupos formados por nossas escolhas pessoais são grupos de trabalho mais coesos e fortes e que tendem a se manter unidos mesmo diante de problemas circunstanciais. Nesse sentido, o objetivo do grupo tende a prevalecer sobre os objetivos do indi‑ víduo. O homem precisa do trabalho para sobreviver e o tipo de trabalho mais característico da vida moderna é o trabalho em grupos. ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 9 | A empresa consciente e cidadã permite que as pessoas sejam autônomas ou consegue definir claramente a autonomia dentro dos papéis e responsabilidades dos cargos No grupo de trabalho é que o sujeito deve aprender a aceitar as diferentes necessidades e perfis, aprender a conviver. “Precisar tornar‑se o que já é a característica da vida moderna [...], a expressão sendo evidentemente pleonástica, falar da individualização e da modernidade é falar de uma e da mesma condição social” (BAuMAN, 2000, p. 41). O processo grupal se estabelece em torno de objetivos comuns, de metas a serem alcançadas e compartilhadas por todos dentro de uma determinada organização de trabalho. É no grupo e convivendo com o outro que os indivíduos compartilham as diferenças, sentem‑se fazer parte do mundo à volta e fortalecem‑se. As atitudes tendem a se voltar para o atendimento dos resultados, dos objetivos grupais: quanto mais coesão no grupo de trabalho, mais produtividade e mais satis‑ fação para o participante. A seguir serão abordados os valores éticos que devem permear as relações interpes‑ soais na empresa. 5 | Os valores éticos na empresa Os valores do homem se relacionam com os grupos aosquais ele pertence. Assim, é normal supor que ao se falar de valores éticos individuais também é possível observar que estes sofrem influências dos grupos que convivem e das condições desses grupos, que podem ser relacionadas ao trabalho em conjunto. O homem é um ser que trabalha e ao agir sobre a natureza produz o mundo e produz a si mesmo. O trabalho humano é diri‑ gido para atingir determinados objetivos, na medida em que se trabalha, desenvolvem‑se instrumentos e meios de aprimorar o processo de trabalho. O homem é um ser que cria e desenvolve novas formas de produzir a própria materialidade de sua vida. Quando se fala em ética, é fundamental abordar que essa ética permeia todas as relações humanas, e, portanto, o trabalho não pode estar fora da ética. O trabalho tem um determinado valor para aquele que trabalha e para a empresa que administra a força de trabalho. É preciso falar da ética dentro das economias, nos negócios das empresas, já que ela está em toda a parte em todos os grupos humanos. “[...] A filosofia moral nos permite avaliar se a história que contamos a nós próprios sobre o nosso contexto moral é razoável ou não” (FuRROW, 2007, p. 15). Assim, existe na empresa moderna uma necessidade de derrubar privilégios, de diminuir as hierarquias e de aproximar a relações entre as pessoas. Observa‑se cada vez mais, uma acentuada valori‑ zação dos valores éticos, daqueles que são proclama‑ dos e vividos no cotidiano de trabalho, como o princípio da autonomia, “um requisito básico para o agir moral [...]” (FuRROW, 2007, p. 17). A empresa consciente e cidadã permite que as pessoas sejam autônomas ou consegue definir claramente a autonomia dentro dos papéis e responsabilidades dos cargos. Assim sendo, o requisito básico deve ser a habilidade de dentro da empresa de conseguir tomar as suas próprias decisões. A empresa, portanto, para ser ética nos relaciona‑ mentos interpessoais que promove, não deve se preo‑ cupar somente com os lucros de seus investimentos nos negócios, promovendo agentes morais. De acordo com Furrow (2007, p. 18), “um agente moral não só age autonomamente, ele deve ser capaz de realizar ações morais”. Ao se preocupar com questões macroestru‑ turais à sua volta, bem como com os relacionamentos interpessoais dentro da empresa, observa‑se que a organização está formando exemplos paradigmáticos de ação moral. um exemplo muito comum seriam as ações voltadas para a responsabilidade social, preo‑ cupadas com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, voltadas para a melhoria das condições de trabalho de modo a oferecer aos seus funcionários qua‑ lidade de vida. Comumente as ações propagam éticas nas empresas, isto é, tem uma finalidade ou algum tipo de propósito como aumentar os valores dos negócios, difundirem uma imagem pública que possa resultar em dividendos ou lucros. Mas a motivação e o inte‑ resse das empresas em divulgarem suas ações morais também se relacionam com o respeito ao consumidor. Dessa forma, a maioria das pessoas prefere adquirir produtos de empresas cidadãs que assumam compro‑ missos com a sociedade. MóDuLO BÁSICO | 10 | Conseguir uma boa autoimagem e propagar valores como a não poluição ambiental e as boas práticas no ambiente de trabalho são hábitos cada vez mais valo‑ rizados no mercado de trabalho. Assim, acredita‑se ser legítimo e necessário falar sobre a ética nas organiza‑ ções e nos negócios, principalmente porque o homem passa a maior parte da vida no trabalho. A questão da complexidade humana e da multiplicidade de condições que interferem em seu comportamento ético influen‑ ciam o seu modo de agir na empresa. Portanto, mesmo no ambiente de trabalho, é necessário falar de ética, sendo a atividade humana identificada e descrita. Ainda assim, pode‑se escolher se filiar ou não a determinados grupos de trabalho e não a outros grupos conforme pre‑ ferência. “Na sociedade moderna, alguns indivíduos são mais livres que outros, alguns são mais dependentes que outros” (BAuMAN, 2003, p. 38). Nesse sentido, as empresas permitem decisões para pessoas que podem ser mais autônomas e que têm mais recursos intelectu‑ ais e morais para decidir. Por motivos diversos, existem instituições sociais nas quais se confia e outras que parecem idôneas. Assim, os homens são movidos por uma ideia de mora‑ lidade empresarial. Todos os seres humanos têm inte‑ resses que precisam ser satisfeitos e desejam interagir com instituições que sejam interpretadas como éticas. Nesses julgamentos, buscam a imparcialidade, já que “todos nós temos esta capacidade porque nós temos a capacidade para a liberdade e para a razão, embora seguidamente não a exerçamos” (FuRROW, 2007, p. 31). Contudo, o que é ou não adequado para cada pes‑ soa, o que contribui ou o que causa dano ao bem nem sempre são relevantes. É preciso reconhecer que a produtividade das empresas tende a se relacionar também com o fato fundamental da liberdade humana. “A liberdade (a reali‑ dade dela, se não o ideal) é um privilégio, mas privilégio ardentemente contestado” (BAuMAN, 2003, p. 39), ou seja, quanto mais alta a capacidade de as pessoas serem responsáveis por suas ações, mais alta a motiva‑ ção e a responsabilidade. Ao contrário, a baixa produti‑ vidade tende a se relacionar com uma fraca adesão aos objetivos organizacionais, o que é comum ser assunto de conflito real dentro das organizações de trabalho. Dentro dos grupos de trabalho, quando se acusa alguém de agir mal, seguidamente o julga pelo padrão de moralidade. Na divisão social do trabalho, “o tempo era minuciosamente calculado em toda a parte da vasta fábrica, para que os altos administradores soubessem com precisão o que todos deveriam estar fazendo num dado momento” (SENNET, 2005, p. 47). Assim, tempo e espaço controlado, tarefas divididas, foi o início do processo de hierarquização. Nesse processo, ao longo do tempo estru‑ turado e até hoje, percebe‑se que existem cargos de maior ou menor responsabilidade sobre as decisões tomadas. No entanto, os valores que a empresa proclama devem ser vivenciados em todos os níveis hierárquicos. Existe uma necessidade ética de falar e fazer, de divulgar valores e de se comprometer e cumprir tais valores. A presença humana nas empresas proclama a necessidade também de as empresas em cultivarem valores humanos, de valorizarem as relações interpesso‑ ais que se estabelecem no ambiente de trabalho. Existe uma ideia de solidariedade nos grupos de trabalho ou de tarefa. Se alguma pessoa não atinge a meta, todo o grupo sofre as consequências dessa ação. Assim, o capi‑ tal deve se preocupar em manter e permitir boas rela‑ ções interpessoais no ambiente de trabalho, uma ideia de cooperação, de compartilhar, deve estar presente e essa cooperação exige contato com o outro, distribuição do poder e da tomada de decisões em todos os níveis hierárquicos. A empresa moderna deve estar atenta para um novo modelo de relações no qual os valores huma‑ nos sobrepõem‑se aos valores técnicos, e no qual o homem tem mais valor do que a máquina no ambiente de trabalho. Somente tais empresas que valorizam seu capital intelectual tendem a manter grupos coesos de trabalho, fortes o suficiente para não sucumbirem diante das primeiras dificuldades encontradas. 6 | Valores individuais X valores organizacionais As pessoas estão dispostas à trabalhar e filiam‑se a determinadas organizações, mas nem sempre os valo‑ res organizacionais equivalem aos valores individuais, assim como nem sempre se está preparado para cer‑ tas contingências encontradas no ambiente de trabalho. Quando se entra em um novo ambiente de trabalho nem sempre há clareza sobre quais são os objetivos da empresa, quais são os seus valores organizacionais. O sistema de racionalização aplicadoao trabalho desenvol‑ ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 11 | veu burocracias e estabeleceu normas e procedimentos para o controle das tarefas diárias. A necessidade de planejamento criou hierarquias e normas que muitas vezes tornam o ambiente de trabalho impessoal. A neutralidade da empresa existe, os bons fun‑ cionários são recompensados e os maus funcionários punidos, mas o valor que a empresa atribui ao homem no processo de trabalho deve se considerado. Assim, quando se entra em uma organização, questiona‑se sobre que tipo de ética se estabelece nas relações diá‑ rias, que tipo de posicionamento moral se estabelece entre as tarefas e os resultados alcançados. Em contrapartida, em um mesmo ambiente de tra‑ balho nem todas as pessoas possuem os mesmo valo‑ res ou compartilham as mesmas crenças. Quando se fala em ética no ambiente de trabalho, fala‑se de ética relacionada a comportamentos, a condutas que são permitidas ou não nesse ambiente. Existem condutas que podem depreciar o respeito e a dignidade de um trabalhador, como, por exemplo, a pessoa estar com seu uniforme de trabalho em péssimas condições de higiene e limpeza. Para os demais trabalhadores, tal fato pode ser visto como uma falta de cuidado e responsabilidade, sendo uma conduta não permitida. Existem obrigações tácitas ou declaradas, explícitas ou implícitas no trabalho que podem gerar dúvidas. Nesse sentido, “a aceitação da contingência e do respeito pela ambiguidade não são fáceis, não há razão para depreciar os seus custos psi‑ cológicos (BAuMAN, 2003, p. 43)”. Começa‑se a compreender que dentro dos valo‑ res individuais as emoções permitem as interpretações e os julgamentos da realidade nos interesses se algo pode ser encarado como bom então eu posso fazer, e assumo um compromisso pessoal com a empresa. A empresa delega determinadas contingências e comprometimentos com procedimentos morais, que são os códigos de ética das relações interpessoais. Muitas vezes se concorda com estes valores sem reflexão, por hábito ou por conveniência, porque os homens são movi‑ dos por um sentido de pertencimento, de tal modo que se julgam parte da empresa. Às vezes, as empresas são vis‑ tas como grandes famílias por seus funcionários, tamanha a relação interpessoal e emocional que se estabelece. Passa‑se a maior parte da vida no trabalho, por‑ tanto, é o trabalho que modifica o ser humano e ao mesmo tempo também modifica a forma do próprio homem de ver o mundo e de se relacionar com este mundo. A perspectiva do ambiente profissional se move por um contrato social, que é gerado no momento do emprego. Muitas vezes se associa a este contrato um contrato psicológico. Esta relação con‑ tratual se baseia na reciprocidade entre o ambiente e o homem. Contudo, os acordos feitos também são capazes de gerar desacordos entre o individuo e a empresa em termos de valores. A consideração e o interesse da empresa pela política de relações interpessoais contratualizada nem sempre se efetiva, e é possível se deparar com situ‑ ações que vão contra a ética individual. Observam‑se demissões injustas, promoções que nem sempre teriam a ver com algum sentido de merecimento e entra‑se em contradição. Os problemas sobre a igualdade das rela‑ ções no ambiente organizacional mobilizam diferentes emoções, estão em jogo sentimentos de lealdade, de confiança e de consideração. Questiona‑se sobre como é possível trabalhar em um ambiente em que não somos ouvidos, ou num ambiente em que não podemos expressar as nossas emoções. Nosso posicionamento envolve refletir sobre procedimentos éticos e seus limites bem como a acei‑ tação de nossos valores morais e o enfrentamento de situações diárias de conflito no ambiente de trabalho. Situações de conflito surgem e pedem um posi‑ cionamento, recorre‑se à consciência para aumentar a capacidade de julgar uma determinada situação que se apresenta. E, assim, a fragmentação do processo de trabalho também leva a uma fragmentação dos grupos, e dentro da empresa que os valores da competitividade entre os grupos de trabalho são estimulados. Quanto mais fragmentados separados e competitivos, menor o grau de solidariedade do grupo. As pessoas que aparecem no setor de pessoal são vistas como recursos ou como pessoas pelas empre‑ sas. Todos esses fatores compõe o quadro chamado de clima organizacional. Desse modo, faz‑se escolhas e decide‑se permanecer ou não naquele ambiente de tra‑ balho, enfrentar ou não aquele momento de discussão. As decisões passam pelo julgamento do indivíduo, por sua razão, que vai justificar o posicionamento de acordo também com as necessidades. MóDuLO BÁSICO | 12 | No ato de participação nos grupos de trabalho, cada decisão tomada dentro do ambiente organizacional tem impactos sobre as demais pessoas com as quais se convive, os juízos ou julgamentos daquilo que é certo ou errado, do que deveria ou não fazer são permeados de emoção, uma vez que as pessoas não são coisas que pertencem a uma organização. As emoções estão presentes no processo de trabalho: sente‑se culpa ou vergonha quando se erra, ou contentes e satisfeitos com as decisões no ambiente organizacional quando estas resultam em objetivos alcançados. Tudo depende de como são tecidos os julgamen‑ tos sobre os atos de cada um e dos demais à volta. É no ambiente organizacional que muitas vezes se deve tomar decisões sem ter tempo suficiente para refletir, e passa‑se a desenvolver certa sensibilidade para fazer julgamentos morais. Faz‑se concessões, aceita‑se desculpas, compreende‑se que os homens falhos nos julgamentos e buscam melhorar, porque, na verdade, busca‑se de fazer o bem. Os conflitos existentes entre os indivíduos e as organizações mui‑ tas vezes não podem ser ignorados ou dissimulados, mas devem ser negociados – como será visto na pró‑ xima seção. O homem é um ser racional, e, acima dos valo‑ res organizacionais, muitas vezes apresenta valores cristalizados que há muito tempo foram passados pela família, pela sociedade em que vive. É possível alterar os comportamentos diários buscando a excelência nas relações interpessoais. Em certos momentos da vida, as decisões devem ser tomadas e as escolhas feitas muitas vezes porque são o que a organização deseja, mas é preciso usar a inteligência para considerar se tais ações são boas ou más. 7 | Ética no cotidiano Vamos refletir sobre a ética no cotidiano, como questões práticas ou de ordem moral. É no dia a dia que se descobre porque determinadas decisões são toma‑ das e se observam os princípios que orientam a conduta ética de cada um. “Às vezes, as pessoas acreditam que a ética é inaplicável ao mundo real, pois imaginam que a ética seja um sistema de normas simples e breves, do tipo: não minta, não roube e não mate” (SINGER, 2002, p. 10). Contudo, a ética se aplica de modo rápido à realidade ampla da vida diária. Será que se deve cumprir um compromisso esta‑ belecido com alguém mesmo em próprio prejuízo, será que se deve alterar uma promessa feita ou negar uma condição aceita? “Em situações normais pode ser errado mentir, mas se você estivesse na Alemanha nazista e a Gestapo se apresentasse à sua porta em busca de judeus, sem dúvida o correto seria negar a existência da família judia escondida no seu sótão” (SINGER, 2002, p. 10). Em uma determinada noite um homem caminha na rua e alguém se aproxima. Ele deve correr dessa pessoa, imaginando um inimigo? Deve atirar em um desconhecido, supondo ser um marginal que vai ata‑ car?. O que dirige a ação do comportamento é o meu esquema de valores éticos, “as consequências de uma ação variam de acordo com as circunstâncias nas quais ela é praticada” (SINGER, 2002, p. 11). É possível con‑ siderar‑se uma pessoa boa e até buscar fazer o bem, mas o queé o bem para um não é necessariamente o bem para o outro. A utilidade de uma ação não pode desprezar o ponto de vista da prática e as consequên‑ cias dessa ação. Quando se faz escolhas diárias, questiona‑se com frequência que critérios devem ser utilizados para julgar se uma pessoa é boa o suficiente para ser amiga ou má o suficiente para ser inimiga. No entanto, “nenhum juízo moral pode fazer mais do que refletir os costumes da época na qual é criado” (SINGER, 2002, p. 13). Se for pensado dessa forma, existe uma ausência de res‑ ponsabilidade nas escolhas e decisões subjetivas, pois essas escolhas estariam simplesmente refletindo o espí‑ rito da época. Outro aspecto importante se aplicarmos o princí‑ pio de tomada de decisões se uma ética universal e somente com base em nossa felicidade e buscando a diminuição do sofrimento, as nossas atitudes então seriam relativas a nós mesmos e não éticas, uma vez que as consequências de nossas ações para o outro não seriam consideradas. A grande oportunidade para pensar em ética é transformá‑la no cotidiano pessoal e profissional. Em cada pequeno gesto, em cada ação impregnada de escolhas, a ética estaria presente. “As crenças e os cos‑ tumes dentro dos quais fomos criados podem exercer grande influência sobre nós, mas ao refletirmos sobre eles, podemos resolver agir de acordo com o que nos sugerem, mas também podemos fazer‑lhes uma franca ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 13 | oposição” (SINGER, 2002, p. 14). Isso porque as esco‑ lhas podem ser dadas em um determinado momento da vida conforme se amplia o conhecimento sobre o mundo e sobre si próprio. O que se fez no passado tende a não se repetir se uma lição ética for aprendida. Por exemplo, a pessoa que faz uma crueldade contra animais e é condenada por esse ato pode aprender subjetivamente que esse ato, além de ser socialmente mau, é condenável e pode mudar o com‑ portamento dela para a defesa dos animais. As divergências podem ser relativas, as defesas éti‑ cas podem ser sujeitas a objeções. “As características do argumento ético que implicam a existência de padrões morais objetivos podem ser atenuadas pela afirmação que se trata de um tipo de erro [...]” (SINGER, 2002, p. 15). O ponto fundamental deve ser o papel da razão nos julgamentos éticos, porque os fatos objetivos podem ser questionados sempre a partir da razão e porque a sabe‑ doria é necessária nos julgamentos. Emitir um juízo moral é discutir uma questão do ponto de vista da ética. Questiona‑se sobre como seria possível viver diante de padrões sociais considerados não éticos. É necessário assumir que a diferença entre as pessoas lhe permite tomarem ações não éticas no dia a dia. Todas as questões de julgar o que os demais fazem são relativas em termos de comportamentos éti‑ cos. Assim, isso quer dizer que “viver de acordo com alguns padrões éticos é viver à margem de todo e qual‑ quer padrão ético” (SINGER, 2002, p. 17) porque os que mentem, enganam e roubam podem também afir‑ mar que estão de acordo com os seus padrões éticos. Desse modo, só é possível viver de acordo com padrões éticos convencionais, uma condição válida para todos aqueles que pretendem justificar seus comporta‑ mentos como não movidos somente em função de seus interesses pessoais e particulares. 8 | Ética profissional Cada um tem um papel profissional na sociedade, assim, uma conduta ética torna‑se importante para todas as profissões. “A ética se fundamenta num ponto de vista universal, o que não significa que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável” (SINGER, 2002, p. 19). As circunstâncias que alteram as causas e as consequências também alteram as decisões particu‑ lares. Quando se emite um juízo ético, deve‑se extrapolar a noção do “eu prefiro” ou “eu gostaria”, pois as coisas devem ser em prol da vida das demais pessoas. Muitas vezes no dia a dia há dificuldade em conciliar aspectos pessoais e profissionais que podem ser incompatíveis até mesmo com uma definição ampla da ética. As pessoas sentem falta de relações constantes e duráveis no ambiente profissional, sendo “a ética do tra‑ balho [...] a arena em que se contesta mais essa expe‑ riência” (SENNET, 2005, p. 117). Todas as pessoas no presente sentem que suas relações são de certo modo instáveis ou estão ameaçadas pela falta do tempo e do interesse de uns pelos outros. Mesmo no campo do trabalho não se encontram profissionais como antiga‑ mente, que atendiam a mesma família por décadas. Na sociedade moderna, os profissionais não mantém rela‑ ções constantes com seus clientes se isso não significar lucro no final do mês. No entanto, quando se fala em papel profissional de cada um diante da sociedade moderna, resgata‑se a importância da escolha profissional, de modo que mesmo muito antes do exercício profissional, já deveria ser analisada a escolha da profissão do ponto de vista da ética e da sociedade como um todo. Os jovens muitas vezes escolhem suas profissões porque acreditam na rentabilidade, nos ganhos de seu trabalho e não param para refletir sobre a ética. A escolha de uma profissão não vem isolada de um conjunto de regras e normas de condutas profissionais, chamada de “deontologia”, a parte que estuda os códigos de ética de cada profissão. Para Compte‑Sponville (2001), se não se morresse mesmo sem ser felizes, haveria tempo para aguardar e a felicidade acabaria chegando nem que daqui a cem anos. Sabe‑se que muitas ideias da ética devem ser tomadas à frente quando se busca ser feliz e quando se faz escolhas profissionais boas ou más. Sempre a ética também estará presente. Por exemplo: um advogado que deve defender um traficante, deve pensar se aceita ou não o caso. um médico que deve fazer uma cirurgia de alto risco, um publicitário que divulga a cerveja com a campanha de futebol, estimulando o consumo de álcool. Em toda a nossa sociedade é possível observar situa‑ ções em que parece que falta uma determinada ética a guiar as atitudes e atividades humanas. Mas não se deve aceitar aquilo que não se acredita, pois se o fizer é pos‑ MóDuLO BÁSICO | 14 | sível entrar em crise com a própria ética. Se for tolerado o pequeno roubo de clipes do colega de trabalho, ou acredita‑se que é normal um pouco de água na gaso‑ lina, os indivíduos estão sendo coniventes com a falta de ética. Se não for solicitada a nota fiscal, estimulando o comerciante a não pagar os impostos. Existe um saber em nossas ações diárias e escolhe‑se aceitar ou não atitudes de outras pessoas que parecem ser antiéticas. Quando um jovem escolhe, por exemplo, ser médico, deve abraçar o juramento de Hipócrates e guiar sua conduta para salvar vidas, sendo que pelos menos tem de levar em conta os interesses de todos que esta‑ rão sendo afetados pela sua conduta. Quando um indivíduo decide ser advogado, deve saber que estará vinculado a um determinado órgão de classe – nesse caso, a OAB – que cuida para que os valores da profissão sejam preservados por todos os profissionais da ordem. O juramento sobre um determi‑ nado código de ética significa uma aceitação das regras e dos limites de daca profissão. No entanto, “por mais diligentemente que um homem ou mulher aplique a ética ao trabalho, porém persiste a duvida sobre si mesmo” (SENNET, 2002, p. 125). O prazer pelo trabalho está muitas vezes associado ao equivalente de dinheiro que ele representa, quando conquista algo tende a buscar mais recompensa, assim ,os resultados do trabalho podem interferir no modo como desenvolve‑o, e ao tempo em que se dedica às pessoas que atendem. No entanto, quando o profissional trabalha em grupo, a formação e partilha das decisões tendem a favorecer as decisões éticas. A cultura do trabalho e das profissões traz consigo os direitose os deveres pro‑ fissionais, que são rigidamente controlados por órgãos de classe que trabalham no intuito de preservar a cate‑ goria profissional. A ética profissional também se rela‑ ciona com a ética do trabalho, pois de nada adianta a pessoa jurar um determinado código quando está se graduando e depois não praticar no dia a dia os com‑ promissos assumidos. É no cotidiano que se desenvolve uma expectativa sobre aqueles que são os prestadores de serviços, quanto aos profissionais serem qualificados, competentes e capazes de prestar um serviço digno. Estabelecem‑se relações de confiança com o médico que atende, com o professor que ensina, com todos os profissionais com os quais se mantêm relações ao longo da vida. Desse modo, a honestidade do trabalho, o respeito com o ser humano, o sigilo, a segurança, entre outros itens, e valores, devem ser garantidos pelos profissionais. Caso isso não ocorra, existem instâncias que são os conselhos de classe para os quais o público em geral pode se dirigir no sentido de registrar quei‑ xas e reclamações por condutas que firam determinado código de ética. Se, por exemplo, um médico é negligente, pode pôr em risco a vida de um paciente e por esse fato pode ser denunciado ao Conselho Regional da Medi‑ cina. A importância do sistema de controle e registro das profissões se estabelece como necessária porque jus‑ tamente nem todas as pessoas cumprem com os seus deveres profissionais. Portanto, esses órgãos gestores têm o dever de zelar pelo cumprimento da profissão e funcionam diretamente na interação com o público que é atendido pelos serviços. Acredita‑se que as maiorias das empresas que contratam profissionais deveriam observar se estes estão devidamente registrados em seus Conselhos, evitando casos de falsos profissionais que às vezes são contratados e passam anos exercendo uma profissão indevidamente. Se a maioria das profis‑ sões possui seu Código de Ética, é na área da saúde que ele se faz mais necessário porque envolve questões de vida ou morte. 9 | Perspectivas éticas para um mundo de mudanças Existe‑se em um mundo global, no qual uma diver‑ sidade de culturas, costumes e hábitos deve conviver pacificamente. Portanto, em uma sociedade pluralista é cada vez mais necessário ter referencias éticas, onde “as nações colonizadoras esforçaram‑se o máximo para se agarrar à convicção de que estavam espalhando pelo mundo não só a ordem, mas também a civilização” (BAuMAN, 2003, p. 49). Assim, muitos dos valores que foram projetados na história vieram de fora, sem consi‑ derar as diferenças culturais existentes. Contudo, é necessário considerar alguns valores que podem ajudar a definir o que o homem pode ou não fazer, o que seria bom em termos de liberdade de escolhas e o que deve ser impedido por leis. Existem várias concepções de ética e vários discursos que se estabelecem desde os mais conservadores, apelando para a manutenção dos valores e das tradições, até os grupos políticos mais liberais, que permitem a ênfase da ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 15 | ética pluralista, baseada no diálogo e na convivência das contradições. Se a ética é relativa a determinada socie‑ dade, é preciso saber e conhecer o tipo de sociedade em que se vive e o tipo de sociedade em que se quer viver no futuro. Será que os valores proclamados pela sociedade de consumo e midiática são valores éticos ou será que a lei de Gerson ou a lei de levar a vantagem em tudo se justifica, dentro de determinadas comunidades de consumo? “Toda a pólis separa, coloca a parte, parti‑ culariza seus membros com referência aos membros de outras comunidades, de mesma maneira forma que os une e faz igual dentro de suas próprias fronteiras” (BAuMAN, 2003, p. 51). Assim, quem está dentro e aqueles que deveriam ser exilados de uma sociedade de consumo são definidos pela sociedade. Nesse sen‑ tido, questiona‑se se os fins justificam os meios, em ter‑ mos de buscar os padrões universais, mas estes só são adequadas para determinadas comunidades humanas e seriam inadequados para outras. O tipo de sociedade que almejou os valores e as práticas universalizantes também é a mesma sociedade que separa e que classifica as pessoas. É uma socie‑ dade programada para ser repetida, em que as regras de conduta sejam rígidas e qualquer comportamento desviante seja francamente punido com “códigos éti‑ cos promovidos em nome de grupos, seja em vista de interesses grupais superiores, seja em vista de suprema sabedoria grupal” (BAuMAN, 2003, p. 51). Busca‑se uma sociedade da liberdade sem práticas de controle voltadas para a hegemonia e uma sociedade que forta‑ leça os valores da democracia e da cidadania. Observa‑se hoje novas cenas sociais, como, por exemplo, gangues de rua roubando não para comer, mas para consumir produtos de marcas, guetos dentro da grande cidade, nas vilas de periferia, as favelas da sociedade globalizada. uma sociedade separada por classes que conseguem consumir mais e outras que têm limitado poder de escolha, “[...] uma visão de uma difusão global da informação, tecnologia e interdepen‑ dência que notavelmente não envolvia a ecumenização das autoridades políticas, culturais e morais” (BAuMAN, 2003, p. 51). Nesse tipo de sociedade, as diferenças aumentam em muito as dificuldades de relacionamento. O outro passa a ser visto como uma ameaça, a competição parece estar instalada até mesmo nos lares. Vive‑se um mundo em transformação no qual os valores tradicio‑ nalistas vão pelo ralo; os novos valores, por sua vez, configuram‑se entre campos de conflito e são disputas por espaço, por direitos. As lutas sociais descrevem o movimento de pessoas em busca daquilo que deveria ser um direito de justiça social. As pessoas marcham por terra, marcham por emprego, marcham por liberdade sexual. Ainda, apesar de tantas transformações e valores sociais, existe muita segregação, determinados espaços de exclusão e campos de conflitos. No entanto, nem sempre foi assim. Na história do Brasil, um país com sucessivos governos militares durante pelo menos 30 anos, as pessoas não tinham o direito de se manifestar ou, se o faziam, eram punidas. Compreende‑se, nesse sentido, que existe uma moral da época em que se vive e que esta moral pode mudar. “A alternativa seria ceder o campo de batalha aos perpétuos adversários dos pregadores do universalismo, aos comu‑ nitários” (BAuMAN, 2003, p. 54). Pois, no momento em que alguém aceita a pluralidade cultural e moral presente nos valores morais universais e se retira para os valores de uma comunidade caseira, chega‑se talvez ao apelo que mais faça sentido ao chamado “bom senso”. Portanto, deve‑se defender a ética e a política, o direito à fala e à diferença de opinião. uma sociedade que promove condições sociais desiguais não tem ética; pessoas que são excluídas do trabalho, de formas de sobrevivência, que não tem suas necessidades bási‑ cas atendidas, podem promover ações que aos olhos da sociedade em geral sejam imorais. A corrosão do caráter, de Richard Sennet, é um livro que auxilia a compreender que os valores morais e sociais podem se perder quando o indivíduo passa por constantes priva‑ ções na vida. “Quando falta a crença de que podemos fazer alguma coisa para resolver um problema, o pen‑ samento em longo prazo é suspenso como inútil” (SEN‑ NET, 2005, p. 107). É incrível como é possível associar facilmente o aumento da criminalidade com os períodos de grande desemprego. É um tempo complexo este atual, em que um tirano no poder pode ser perdoado por roubar milhões dos cofres públicos, e uma pessoa pobre pode estar presa por roubar uma galinha. “um acentuado fracasso é a experiência pessoal que leva a maioria das pessoas a MóDuLO BÁSICO | 16 | reconhecer que a longoprazo elas não mais se bastam” (SENNET, 2005, p. 168). Ao se falar de ética no mundo contemporâneo, fala‑se da complexidade de um mundo pluralista, no qual se convive com raças, credos e costumes extrema‑ mente diferentes. No capitalismo, as pessoas dependem do emprego para sobreviver e a ausência dele pode repercutir em suas ações e comportamentos. “Quando as pessoas acham vergonhosos estar em necessidade, podem tornar‑se mais decididamente desconfiadas das outras” (SENNET, 2005, p. 169). Fala‑se de padrões de ética nos negócios, nas empresas e no sistema financeiro mundial, mas também se fala do dia a dia das práticas que se estabelecem no cotidiano pessoal e profissional. É preciso cada vez mais que o homem busque por ações justas e aceitáveis, e que exercendo seu direito de cidadão também busque a justiça social para todos. Assim, será possível construir uma sociedade mais fraterna e solidária. 10 | O papel da comunicação nas relações interpessoais As pessoas, em geral, são mais favoráveis a ouvir assuntos que lhe interessam do que opiniões que sejam divergentes das delas, são mais inclinadas a ouvir opi‑ niões que lhes pareçam neutras do que temas hostis. “Não acreditam que possam confiar uns nos outros numa crise, e essa crença é correta” (SENNET, 2005, p. 169). O processo de comunicação envolve troca entre as pessoas e certo grau de confiança. Essas transações permitem que uma pessoa se faça compreender e que também compreenda, mas muitas vezes não é possível atingir esses objetivos. A comuni‑ cação tem um peso muito importante nas relações inter‑ pessoais, ainda mais dentro do ambiente organizacio‑ nal. Para Chiavenato (2005, p. 81) “as comunicações constituem a primeira área a ser focalizada quando se estudam as interações e os métodos de aprendizagem para a mudança de comportamento ou para influenciar o comportamento das pessoas.” Sabe‑se que o bom comunicador é capaz de fazer grandes progressos ao liderar e influenciar o comporta‑ mento das pessoas. Assim, a comunicação deixou de ser um fenômeno classicamente definido como algo que ocorre entre um emissor e um receptor e no qual o meio deve ser a mensagem. A comunicação passou a ser vista como um processo complexo em que qualquer condi‑ ção própria do ambiente ou do clima organizacional pode interferir em parte do transporte das informações. Acredita‑se, portanto, que a comunicação na ver‑ dade não é algo linear. Cada ser falante se apropria ao longo da própria vida de códigos linguísticos, de um modo de ser e de se expressar, e desse modo, raramente se pode ter certeza de que aquilo que se diz está sendo plenamente compreendido. Seguem‑se determinados padrões de comportamento para se comunicar, lançar mão de frases, de vocabulários que pertencem ao meio social e cultural e aos grupos dos quais se faz parte. Assim, busca‑se compreender amplamente a comunicação. É necessário saber que podem existir entraves nesse processo, bloqueios ou ruídos que podem fornecer uma interpretação inade‑ quada daquilo que é dito. Na teia de relações interpessoais é usado um sistema de mensagens que nem sempre chegam ao seu destino em função de barreiras que, segundo Chiavenato (2005), podem ser: técnicas, semânticas e humanas. Considera‑se que uma distorção técnica pode acontecer devido a problemas de distância, como o espaço entre aquele que fala e aquele que está ouvindo. A barreira também pode ser semântica, ou seja, há a dificuldade de interpretação das pala‑ vras, a leitura ou a decodificação dos gestos, significa‑ dos. símbolos e lembranças. Ainda, considera‑se que podem existir as barreiras humanas que consistem em: variações perceptivas, diferenças de personalidade e de competências para interpretar. Assim, as comunicações constituem um complexo sistema no qual as pessoas se envolvem na transmissão de informações em que vários canais podem ou não serem utilizados para transmitir uma mensagem alem da fala. Às vezes é possível dizer que a comunicação é feita pelo olhar, já que a comunicação também se confi‑ gura como algo corporal, algo expressivo e significativo do ser humano. Nas interações interpessoais, aspectos da subjetividade estão envolvidos ao se transmitir ou receber diferentes mensagens. Existe sempre um colo‑ rido emocional em cada fala, em cada gesto singular e humano. Assim, é possível compreender que a ideia de comunicação está relacionada, conforme Chiavenato ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL | 17 | (2005, p. 81), “com fatores como a motivação, a per‑ cepção e a comunicação.” A ideia que será, portanto, transmitida, é muito situa‑ cional. Isso quer dizer que, para ouvir corretamente, per‑ ceber corretamente a mensagem, isso vai depender do momento em que se vive, do tempo e da sensibilidade para compreender. Outro fator que se encontra relacio‑ nado intimamente com o problema da comunicação é que ela traz em si algo latente, algo que é social e nem sempre racional ou consciente. Muitas vezes se fala sem pensar, ou se quer esconder algo que o emissor conse‑ gue captar por meio do estado psicológico momentâneo. Nas organizações de trabalho, muitas vezes, o padrão de comunicação é linear, ou vertical, de cima para baixo, não considerando, portanto, as sutilezas da fala e da intencionalidade do comunicador. Ainda, é importante considerar que comunicar é também se relacionar, decodificar mensagens que nem sempre chegam claras, buscar impressões e sentidos possíveis daquilo que é dito. A experiência humana com a comu‑ nicação remete a uma reflexão sobre o conceito da palavra utilizada pela pessoa e cada conceito pode ter uma interpretação diferenciada. Isso posto, acompanhe a seguir um pouco mais da comunicação enfatizando a importância da linguagem. 11 | O papel da linguagem nas relações interpessoais O conceito de cada palavra tem uma determi‑ nada interpretação dentro de um sistema linguístico. O homem é um ser que fala e a linguagem é o que distin‑ gue o homem dos demais animais. Ao entrar no mundo, o homem utiliza sua percepção para apreender objetos que são do mundo dos adultos e apreende também a utilizar a linguagem. A linguagem interfere em todo o desenvolvimento do homem. Por meio dessa experiência, pode‑se falar sobre algo que já aconteceu e que se situa no passado. A linguagem, portanto, distancia o homem do fato ime‑ diato e também o permite associar algo que ainda vai lhe acontecer no futuro. Com ela é possível organizar a experiência humana, contar e recontar fatos, dar sentido aos acontecimentos na vida, e isso é próprio da condi‑ ção humana, ou da espécie humana. A linguagem utiliza a palavra para nomear os obje‑ tos do mundo, e cada palavra pode ser associada a uma ou mais coisas. Por exemplo, quando se fala “cadeira”, remete‑se a uma variedade concreta de cadeiras exis‑ tentes. Existe para cada um uma significação do que é a cadeira, a palavra pode ser sentida e percebida de diferentes maneiras a partir da vivência pessoal. O homem pode pensar em uma cadeira de palha da casa de sua avó, por exemplo, ou remeter o pensamento a uma cadeira de plástico ou de couro, a várias formas possíveis de cadeiras. O que torna uma palavra inteligível é que ela contém um significado coletivo. As palavras, portanto, trazem sentidos que são construídos ao longo da vida, mas pelo poder da palavra é possível utilizar‑se também de símbolos, sendo, então, simbólica, porque o homem pode utilizar o seu raciocínio abstrato. Também pode‑se imaginar cadeiras diferentes com uma perna só, por exemplo. “A linguagem permite ao homem se desligar da experiência direta e garante o nascimento da imaginação, de um processo que não existe nos animais e que serve de base para a criativi‑ dade, orientada e governada”(BOCK, 2002, p. 79).
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