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1 Transformação da Sociedade Brasileira Através da Educação na Primeira República. Prof. Dr. Sandoval Antunes de Souza Introdução No centro das várias questões que antecederam a proclamação da república estava o debate da transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Schelbauer (1998) afirma que este teor de discussão marcou as décadas finais do século XIX no Brasil. O Império construíra sua base de sustentação sobre o unitarismo centralizador e conservador, através de um regime das elites agrárias e da burocracia imperial. A Monarquia, até então, era apresentada como o único regime capaz de garantir a unidade e a soberania da nação. Entre os setores emergentes das camadas médias, beneficiárias da prosperidade urbana e da educação, a questão que mais sensibilizava e mobilizava as pessoas era o fim da escravidão. A franca expansão da lavoura cafeeira, a de 1850, no sudeste do país, canalizava a atenção do governo brasileiro e revelava o conflito existente entre os grandes proprietários do sudeste e os proprietários de terras da região nordeste, que viviam sob o signo de uma crise em sua economia açucareira. As questões econômicas ligadas aos interesses específicos da elite agrária se sobressaiam a partir de um elemento crucial: a mão-de-obra braçal. A pressão inglesa e o anacronismo da escravidão no final do Segundo Império estão na pauta cotidiana do Congresso Nacional e na imprensa do Brasil. A colonização estrangeira parecia ser a solução para a falta de mão-de-obra na lavoura cafeeira do sudeste. Este tema vai polarizar-se no campo econômico, das idéias, e, conseqüentemente, da educação, entre a defesa do homem nacional (a figura do homem livre e pobre), como possibilidade efetiva para resolver o problema da escassez braçal e aqueles que advogam a vinda do estrangeiro, principalmente europeu, para substituir a mão-de-obra escrava e a tese da necessidade de branqueamento da população. No interior deste debate estava o argumento de que o homem livre brasileiro era naturalmente indolente e 2 ocioso, mas que poder-se-ia acabar com o parasitismo reinante a partir da educação desta população livre, através da disciplina e treinamento para as novas relações de trabalho. A necessidade de educar o homem livre para o trabalho, coloca a educação no centro das relações sociais do final do século XIX. A educação agora é segundo, Schelbauer (1998), enfatizada como responsável pelo combate à ignorância e, sobretudo, pelo treinamento de mão-de-obra e disciplinarização para o trabalho, ao mesmo tempo, cristaliza-se a crença de que a educação transformaria a infância abandonada, os “ingênuos”, de indolentes em trabalhadores úteis através da implantação de escolas populares. Com a Proclamação da República, as preocupações com a educação do povo continuam na pauta da classe dirigente, mas a finalidade desta educação mudou de foco. Paradoxalmente, na medida em que ocorre a abolição definitiva, a escola voltada para o treinamento da mão-de-obra assalariada não se efetivou e a discussão sobre ela praticamente desaparece. As discussões sobre a educação do povo passam a ter como objetivo a formação do cidadão, mais vinculadas à preocupação com a participação democrática e a unidade nacional, mais voltada à alfabetização dos futuros eleitores do que com a produção. A sociedade que despontava com a República era mais complexa que a anterior, escravocrata. Havia vários extratos sociais emergentes: uma camada média de intelectuais, uma pequena burguesia formada de altos funcionários públicos e comerciantes abastados, heterogênea; uma burguesia industrial nascente, que vão criar novas exigências no âmbito da educação. O Debate Sobre a Educação do Povo Brasileiro No momento da transição do Império para a República, entre 1880-90, a concepção e prática da cidadania revelam uma atitude www1.folha.uol.com.br 3 paternalista em relação ao povo. A necessidade de implantação de um novo regime político coloca neste discurso, que o povo precisa fazer parte das novas relações políticas. Segundo Carvalho (1999), a República era apresentada por seus propagandistas mais radicais como a irrupção do povo na política, na melhor tradição da revolução francesa de 1789. A noção de que a República só seria legítima com a soberania nacional, que sua legitimidade só poderia ser baseada na vontade popular, ganha corpo nos discursos de membros da Câmara dos Deputados. É interessante notar que, embora proclamado sem a iniciativa popular, o novo regime despertaria entre os excluídos do sistema anterior certo entusiasmo quanto às novas possibilidades de participação. A primeira década após a proclamação da República, afirma Carvalho (1999), traz grandes transformações de natureza econômica, social, política e cultural, que se gestavam há algum tempo, precipitaram-se com a mudança do regime político, especialmente na capital da Nova República, o Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, como centro irradiador das mentalidades, da cultura, as idéias de uma participação popular, não apenas no trabalho braçal, se manifesta de maneira mais contundente do que em outras regiões do país. A abolição lançou o restante da mão-de-obra escrava no mercado de trabalho livre e engrossou o contingente de subempregados e desempregados. O rápido crescimento populacional provoca o acúmulo de pessoas em ocupações mal remuneradas ou sem ocupação fixa. A pressão social aumenta com a imigração que acirrava a luta pelos escassos empregos disponíveis. Este quadro sócio-econômico não era diferente nas demais regiões do país. Schelbauer (1998) afirma que a educação do povo é apontada como elemento fundamental na formação para a cidadania, cabendo ao Estado a sua propagação com o objetivo de tornar a sociedade mais participativa e democrática. Há um grande debate sobre a exigência da difusão da instrução primária e a criação de um sistema nacional de educação à semelhança dos que vinham sendo criados nos países europeus. Neste contexto é que a participação popular aparece como necessária para a solução das mazelas sociais, a partir da efetivação da cidadania. isto é, da educação do povo brasileiro, no dizer dos educadores da época, visto que a sociedade brasileira estava se desenvolvendo em base urbano-comercial, onde 4 o analfabetismo passa a se constituir um problema pois a leitura e escrita vão se tornando instrumentos necessários à integração neste novo contexto social. A questão abaixo têm por objeto discutir o sentido de cidadania na transição do Império para a República e como a educação da população “livre” deveria ser implementada. Modernização e Unidade Nacional As transformações da sociedade brasileira no início do século XX tinham relação direta com a educação, com a escola, com um projeto novo de nação. A noção de nacionalidade, de coletivo, de unidade nacional, era parte desse processo e seria preocupação constante dos educadores naquele momento histórico. As questões econômicas e a formação de uma sociedade mais homogênea faziam parte das preocupações daqueles que viam na educação uma forma das possibilidades sociais se concretizarem. Veríssimo (1985) coloca que, comparando com os Estados Unidos da América, a mesma educação prodigamente distribuída a todos os cidadãos devia ser a cadeia que ligasse os elementos heterogêneos da nação. O advento da República e o ingresso de novos grupos étnicos no Brasil, a partir da mudança de regime de trabalho, fazem emergir a necessidade de criar a alma nacional, inexistente aos olhares da época. No início do século XX, o tema da educação para o trabalho trazia para a discussão uma das preocupações da nascente indústria brasileira: a positividade ao trabalho. Essa possibilidade iria transformar-se no valor moral mais consagrado pelo grupoindustrial. A noção de trabalho precisava se desfazer de sua imagem aviltante de desgraça e atraso, tão forte em uma sociedade que fora escravista durante mais de três séculos. Para o olhar dos empresários industriais, eram preocupantes, segundo Carmo (1998, p.106), a alegada preguiça e a crescente desordem. “Educar” um indivíduo pobre significava, principalmente, criar nele “hábitos de trabalho” pela valorização do próprio trabalho como atividade moralizadora. A vida cotidiana 5 dos trabalhadores na incipiente indústria e nos transportes, no começo do século, era penosa e sofrida e as condições de moradia eram muito precárias. Nesse contexto, muitos resistiram a se submeter ao regime fabril, e deslocados do processo, preferiram a rua. Outros começavam a formar um contingente de mão-de-obra, cujo desafio estava na formação de um conjunto de valores éticos que introjetasse no trabalhador a integração na mecanização do mundo fabril. A maior parte do tempo era dedicada ao trabalho e, geralmente, toda a família estava envolvida no sustento. No final da segunda década, segundo Carmo (1998, p.106), 33% da força de trabalho era de mulheres que trabalhavam no setor fabril, especialmente na indústria têxtil. Todos precisavam ser educados. O quadro social se delineava traumático: analfabetismo na grande massa populacional, tanto no campo como nas cidades, baixo nível educacional daqueles que tiveram acesso à educação, precárias condições de saúde e intervenção paternalista das oligarquias regionais. Se, de um lado, a opção agrário-exportadora vai permitir o equilíbrio das contas externas e o fluxo financeiro, proporcionando mudanças significativas no padrão de vida nacional, em que o crescimento rápido da rede ferroviária, a construção de portos “modernos”, a produção de energia elétrica são indicativos desse processo; por outro lado, as condições de trabalho e o isolamento em que viviam cerca de 80% da população, que produziam essa riqueza, por se encontrarem no campo, excluíam esse grande contingente populacional dos benefícios desse novo contexto sócio-econômico. Ao lado das questões econômicas, aflorava na intelectualidade brasileira questionamentos que demandavam respostas para as expectativas que a República e o contexto social esperava. A nação continuava um país que não se realizava. A classe dominante, ou parte dela, que no momento anterior estabelecera uma aliança com a camada média da população, agora se reorganiza para manter e expandir os seus interesses. Dallari (1998, p. 23) diz que: “A República Brasileira foi o resultado da convergência momentânea de forças heterogêneas e até contraditórias que encontrou o denominador comum na recusa à monarquia”. A denominada “Política dos Governadores” é um 6 exemplo dessa realidade. Aqui, o sustentáculo da estrutura oligárquica era o pacto entre as elites agrárias. Segundo Sodré (1973, p.304) “Tratava-se de entregar cada Estado federado, como fazenda particular à oligarquia regional que o dominasse(...)”. A oligarquia não significava apenas o monopólio da terra, mas também o controle do voto daqueles que eram “aptos” para tanto, o que oferecia um campo de luta para os que pleiteavam uma democracia social vislumbrada pela negação do agrário e afirmação do industrial. A marca fundamental desse período, no contexto político, foi a ausência de participação democrática dos cidadãos na condução dos negócios públicos. Os partidos políticos não constituíam canais para essa participação popular, mas apenas veículos de reprodução e dominação da elite agrária sobre a grande massa populacional pobre, marginalizada, sem cidadania. As insatisfações da sociedade não encontravam válvulas de escape nem vias de acesso ao centro das decisões e, ao mesmo tempo, a população agrária se encontrava excluída pelas distâncias, falta de comunicação e pobreza crônica. Neste contexto crítico, a força de uma proposta educativa aumenta. Com o aceleramento da urbanização nas décadas de dez e vinte vão diminuindo, aos poucos, os traços mais típicos do “Brasil-país-essencialmente agrícola” na sua acepção econômica e social. Paradoxos relacionados ao período de desenvolvimento urbano criavam demandas e tensões que o pacto oligárquico não podia absorver. Esse período assume características de crise, resultante do início do processo de desintegração do regime oligárquico, de caráter exclusivista e excludente. O incipiente pensamento industrial do período procurava desqualificar o momento anterior, na tentativa de afirmação de uma nova forma econômica, que geraria “progresso” e “prosperidade”. A decorrência das questões econômicas e políticas, a acentuada dependência externa, a necessidade de exportação, a forte valorização da cultura exterior (neste caso a Norte-Americana e Europa Ocidental), transformam-se em exigências de mudanças sociais e vão instigar alguns educadores a escrever, discursar e levantar uma bandeira capaz, na visão deles, de mudar este quadro dramático da educação do povo brasileiro. Para eles, a educação se torna a solução, pois ela “educa” para a sociedade 7 “urbano-industrial”, que se desenhava como o novo modelo de sociedade desejável para o país. O “Entusiasmo Dominante” nas Primeiras Décadas do Século XX. Os educadores daquelas primeiras décadas tinham consciência das decorrências tanto do poder oligárquico como das dificuldades sócio- econômicas. Contudo, acreditavam que tanto as oligarquias como os problemas sociais, isto é, o poder e a ignorância, só poderiam ser combatidos e eliminados pela educação, essencial para a formação do caráter e das forças produtivas organizadas. Schelbauer (1998, p. 77), ao analisar um texto de Paulo Tavares, de 1908, afirma que: “Para ele, um país de analfabetos não poderia figurar como uma nação autônoma, civilizada nos mapas do globo, quando muito poderia permanecer como um vasto campo de exploração”. Na década de 1920, um grupo de intelectuais (advogados, médicos, professores e engenheiros), a partir do Rio de Janeiro, desiludidos com a República e convencidos de que na educação residia a solução dos problemas do país, decidiram organizar uma ampla campanha pela causa educacional. Eles formaram a gênesis da Associação Brasileira de Educação, e, na realidade era a resultante de vozes que se levantaram na década anterior. Nagle (1974, p. 101) intitula este período como “Entusiasmo pela Educação”, que se caracteriza por uma campanha em favor da expansão da escola do ponto de vista quantitativo, levando em conta a necessidade de nacionalização do país e de recomposição do poder político. O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem caracterizaram a década de 20, começam por ser, no decênio anterior, uma atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos político- sociais, que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução nos seus diversos níveis e tipos. É importante destacar, também, que a maioria dos autores do período tem em mente que é o Estado quem deve organizar a educação, daí a idéia de uma “Educação Nacional”, mesmo à revelia da própria Constituição da República de 1889, que atribuía aos estados a competência de legislarem sobre a instrução primária, por exemplo. Na década de 20, é clara a idéia de 8 que a União deve tomar em suas mãos a direção de um sistema de ensino capaz de criar uma unidade nacional, com dois objetivos principais: fortalecer o sentimento de amor à Pátria dos nacionais e integrar os imigrantes que chegavam com um forte sentimento nacional em relação aos seus países de origem. Na década de vinte, os projetos educacionais nas escolas étnicas passam pela obrigatoriedade do ensino de Português, bem como de Geografia e História do Brasil, revelando uma preocupação com duasquestões: a formação da nacionalidade e a busca da homogeneização cultural. A primeira estabelece o idioma nacional para os filhos dos imigrantes, e a segunda propiciaria uma mentalidade patriótica nos mesmos. Lourenço Filho, apud Nagle (1976, p. 22), na sessão de abertura da VII Conferência Nacional de Educação, em 1935, fazendo referência à década anterior escreve: Dez anos passados, nada abala nossa fé na educação como instrumento indispensável ao progresso social do país... tem que se apoiar em uma grande reforma dos costumes que ajuste os homens a novas condições e valores de vida pela pertinácia da obra da cultura, que a todas atividades impregne, dando sentido e direção à organização de cada povo. As correntes pedagógicas estavam associadas às aspirações dos intelectuais ligados à burguesia e camadas médias empenhadas na modernização do Estado e da educação, como também aos intelectuais ligados aos projetos dos movimentos sociais populares. Liberais, conservadores, comunistas, católicos, proletariado, intelectuais, industriais atuam na busca de seus ideais e interesses, mas, em todos, há um sentimento de coletividade, de bem-comum Há uma necessidade de escrever um projeto de nacionalidade, uma necessidade de se fazer e/ou pertencer a uma nação.Todos acreditam na escola como redentora nesse processo. Durante a Primeira República surgiu a idéia da escola como criação social. A escola se tornou pública enquanto desejo e fiadora de um projeto ampliado de construção da identidade. Destacamos três correntes pedagógicas que se sobressaem no período que abrange a Primeira República: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Libertária. Ghiraldelli (2001, p.20) afirma que estas correntes podem ser associadas a três diferentes setores sociais. 9 A pedagogia tradicional associava-se às aspirações dos intelectuais ligados às oligarquias dirigentes e à Igreja. A pedagogia nova surge no interior de movimentos da burguesia e das classes médias que buscavam a modernização do Estado e da sociedade no Brasil. A pedagogia libertária se identificava com os projetos ligados aos movimentos sociais populares que apregoavam transformações sociais a partir das organizações operárias identificadas com a ideologia anarquista. A Pedagogia Tradicional de cunho religioso-católico ainda reproduzia os preceitos educacionais dos jesuítas. Na questão pedagógica, o pensamento da unidade de métodos e de professores, cada sala deveria seguir os estudos com o mesmo professor em todas as etapas do ensino. Ao lado deste aspecto, a rígida disciplina, a atenção e a perseverança, isto é, traços do caráter, são considerados essenciais, ao lado de uma hierarquia no corpo discente baseada na obediência e meritocracia. A pedagogia tradicional priorizava a apreensão de conteúdos científicos, literários e filosóficos na formação dos educandos e, de acordo com Ghiraldelli (2001, p.22) acabaram forjando um dos mais poderosos métodos de ensino: “os cinco passos”. A década de 20, período final da Primeira República, significava um ponto de encruzilhada em todos os níveis de relações sociais, inclusive na educação, com condições objetivas de transformações, ainda que poderiam se manifestar contraditórias. Era consenso no pensamento da década de 20 que o Brasil vivia uma hora decisiva, decorrente da crença na possibilidade de reformar a sociedade pela reforma do homem. Nagle (1976) coloca que “A escolarização tem um papel insubstituível, pois é interpretada como o mais decisivo instrumento de aceleração histórica”. A crença no papel do ensino gerava entusiasmo e otimismo a ponto de ser pensado como a chave mestra para as transformações sociais e econômicas que iriam ocorrer; a educação era concebida “como a mais eficaz alavanca da história brasileira”. Diversos textos na década de 1920, publicados nos jornais e proferidos na Câmara dos Deputados, segundo Nagle (1976) e Schelbauer (1998), evidenciam que a educação era o “grande problema nacional”, portanto, através da educação aconteceria o processo de “constituição da nacionalidade”. Mais que slogan(s), muitos educadores contemporâneos 10 daquele período eram movidos pela crença na redenção nacional através da educação. Muitos dos seus discursos nas escolas da elite nacional se revestiam de um caráter messiânico e arrebatador na defesa da “educação nacional”. Para muitos deles, a educação e a modernização da sociedade eram intrínsecas para a realização de uma nova sociedade. Esta urgência, e paralelamente, a desilusão com os caminhos políticos da República são parâmetros que determinariam uma reflexão afirmativa de que só o processo educativo (aqui visto como um sistema organizado e coordenado) conduziria a nação brasileira à redenção de suas mazelas, à transformação social e moral que tiraria o país do fosso da pobreza, ignorância e atraso crônico, em relação às outras nações. Veríssimo (1985, p. 204) afirma categoricamente: “Não há país civilizado, não há nação livre, não há cultura, não há grandeza nacional, não há democracia, não há república – senão quando há um povo que tem a consciência de sua força, dos seus deveres, e dos seus direitos através da educação”. As questões propostas abaixo apontam para a questão da educação como “o grande problema nacional” nas duas primeiras décadas do século XX 1 – Que razões são apontadas para que na década de 20 a “Educação era o grande problema nacional”? 2 – Nagle afirma que “a escolarização era interpretada como o mais decisivo instrumento de aceleração histórica”. Quais idéias o texto aponta para essa afirmação? As Correntes Pedagógicas Após a primeira Guerra Mundial, aquele modelo educacional que se baseava na educação acadêmica e aristocrática, e que dava pouca importância à educação popular em face da forma como se estruturou e se organizou a sociedade, começa a dar sinais de ruptura. Romanelli (2005, p. 45) diz que “de 11 Dialética dialektkê (tékhné) '(arte) dialética, arte de discutir e usar argumentos lógicos um lado, no campo das idéias, as coisas começaram a mudar com movimentos culturais e pedagógicos em favor de reformas mais profundas; de outro lado, no campo das aspirações sociais, as mudanças vieram com o aumento da demanda escolar impulsionada pelo ritmo mais acelerado do processo de urbanização”. Nagle (1974, p. 101) escreve que diante desse quadro da educação brasileira, nos anos de 1910 e 1920, duas correntes de pensamento apregoavam o entusiasmo pela educação e um otimismo pedagógico. Destaca o autor que: [....] de um lado, existe a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional, e colocar o Brasil no caminho das grandes nações do mundo; de outro lado, existe a crença de que determinadas formulações doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a verdadeira formação do novo homem brasileira. (fazendo referência ao escolanovismo). Essas correntes vão pensar a educação, o sistema educacional como ponte para a civilização, isto é, através da escolarização seria possível transformar a sociedade. A relação é dialética, pois a princípio, é a transformação da sociedade que torna necessário repensar a educação. Intelectuais como Carneiro Leão, e outros educadores progressistas do seu tempo, segundo Fávero (1999, p.66) defendiam a necessidade da modernização da sociedade brasileira. Abraçavam o nacionalismo, o desenvolvimento da economia brasileira por intermédio da educação, que, utilizando os métodos ativos, formasse indivíduos produtivos, abertos a uma nova ordem socioeconômica, estimulando a iniciativa e a capacidade de realização, promovendo assim a qualificação profissional,a difusão da educação moderna, em bases científicas. Historicamente, há um embate de várias forças sociais, políticas e econômicas nas primeiras décadas do século vinte, conforme já assinalamos rapidamente. O movimento a favor do modelo agro exportador debate com o movimento a favor do modelo industrial. Os antigos anarquistas com republicanos e os coronéis com a classe média emergente. Mesmo assim, todos convergem a favor da educação como necessária ao país. 12 Dewey (1859-1952) Filósofo e Pedagogo norte americano. Em 1919 ajudou a fundar a Nova Escola para a investigação social. Ênfase na educação centralizada no aluno e aprendizagem ativa A Pedagogia Nova surge no contexto da crescente influência cultural norte-americana sobre o Brasil, após a Primeira Guerra Mundial e das idéias de John Dewey. Diferentemente da Pedagogia Tradicional que se caracterizava por um corpo teórico relativamente homogêneo, enfatizou a importância da liberdade na educação, a metodologia do trabalho em grupo, a prática de trabalhos manuais e a valorização da criança, colocando-a no centro do processo educacional. Jovens intelectuais, na década de 20, como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho e Francisco Campos, entre outros, têm por base nas reformas educacionais que promoveram as idéias e metodologia da Pedagogia Nova. A chamada Pedagogia Libertária, por sua vez, estava associada às primeiras organizações proletárias, de trabalhadores urbanos no Brasil. As idéias de pensadores, especialmente europeus, ligados a movimentos socialistas e anarquistas serão as bases de teorias pedagógicas que se denominam de libertárias. O modelo educacional dessa corrente pedagógica enfatiza a necessidade de transformação da ordem sócio-econômica pela educação, a partir da criação de “escolas operárias” que procuravam a partir do ensino formar um novo cidadão e uma nova sociedade. A Pedagogia Libertária pensa a educação em ”bases científicas e racionais”, combatendo “interpretações sobrenaturais”, e uma educação moral para a formação de um “ser moral e fisicamente equilibrado”. A Organização Escolar A estruturação da escola na Primeira República, com exceção da escola voltada para a elite, continuava tão precária quanto no Período Imperial. Nunes (2000, p.377) ao descrever as escolas públicas primárias do Rio de Janeiro, salientando que em outras regiões a situação era parecida, reforça a idéia de que os “benefícios” da modernidade não eram para todos. Afirma o autor que a situação das escolas se mostrava calamitosa, especialmente nas regiões mais pobres: As poucas escolas públicas encontradas no começo do século vinte eram antigas residências, muitas em ruínas (...) casas alugadas eram transformadas em escolas e tornavam-se focos de alastramento de epidemias. 13 O professor Paschoal Lemme, apud Ghiraldelli (2003, p.26) falando da rede escolar deste mesmo período afirmava que em todo vasto interior do país havia algumas precárias escolinhas rurais, nas quais, em sua maioria, trabalhavam professores sem qualquer formação profissional, que atendiam as populações dispersas em imensas áreas: eram as substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalinas, após a expulsão dos jesuítas em 1763. Na Primeira República já encontramos uma diversificação crescente do sistema de classes, segundo Ghiraldelli, que vai se refletir nos modelos de ensino do Brasil. As oligarquias agrárias, principalmente aquelas ligadas à lavoura cafeeira, continuam como classe dominante, mas com o crescimento industrial e urbano, há a formação de uma emergente classe burguesa e aumento da camada média urbana e, forma-se um novo grupo social com as massas operárias nos grandes centros urbanos. As escolas vão ser organizadas de acordo com esses interesses; contudo, ainda vai predominar uma escola cujas atenções são o ensino secundário e superior. As reformas quase sempre se voltam para o ensino secundário e, assim, além das disciplinas clássicas: português, matemática, religião, introduziu o estudo das ciências, influenciada pelo Positivismo e incluíam noções de sociologia, moral, direito e economia política. 14 Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. - 2. Ed. Ver e atual. 2000. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESB, 1999. FÁVERO, Osmar. A Educação nas Constituintes Brasileiras 1823 - 1988 / ORG. 2. Ed. Campinas. São Paulo, 2001. GHIRALDELLI JR, Paulo. História da educação. (2ª Edição) São Paulo: Cortez, 2001. RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação Brasileira: - A organização. Campinas: Ed. Autores Associados, 1998. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. São Paulo: Petrópolis. Vozes, 2005. XAVIER, Maria Elizabeth Sampaio Prado. História da Educação: A Escola no Brasil/Maria Elizabeth Sampaio Prado Xavier, Maria Luisa Santos Ribeiro, Olinda Maria Noronha: - São Paulo: FTD, 1994 (Coleção Aprender & Ensinar).
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