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MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL Anderson Luiz da Silva MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL SOBRE O AUTOR Anderson Luiz da Silva Médico graduado pela Universidade Federal Fluminense (Niterói/RJ) Especialista em Cardiologia pela Universidade Federal Fluminense (Niterói/RJ) Título de Especialista em Cardiologia pela SBC/AMB Tutor e preceptor do Curso de Graduação em Medicina FPS/IMIP E-mail: doutorandersonluiz@gmail.com DIREITOS AUTORAIS Os direitos autorais, regulamentados pela Lei 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais ou LDA), são aqueles que visam a proteger o criador de uma obra intelectual, bem como garantir a este a exposição, disposição e exploração econômica dessa obra, permitindo, ainda, que impeça o uso não autorizado de sua obra por terceiros, mal-intencionados ou não. Dessa forma, fica proibida a cópia, impressão e distribuição desta obra sem prévia autorização do autor. NOSSA MISSÃO Copyright © CardioSite, 2020, nossa missão é prover o melhor conteúdo científico e distribuí- lo de maneira flexível, de forma digital ou impressa, a preço justo, gerando benefícios entre o autor e seus leitores. Foram empenhados os melhores esforços para que as informações apresentadas no livro estejam de acordo com os padrões aceitos à época da publicação. Sabemos que a medicina evoluiu constantemente e por conta disso a cada ano serão publicadas novas edições com temas revisados e ampliados. Temos certeza de que a forma como os temas foram abordados neste livro facilitará sua compreensão deste assunto fascinante que é a GASOMETRIA ARTERIAL. Bons estudos! www.cardiosite.com.br MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL SUMÁRIO Introdução à Gasometria Arterial ................................................................................................... 1 Estado de Oxigenação ...................................................................................................................... 3 paO2 e SO2 na gasometria traduzem o verdadeiro estado de oxigenação? ................................................3 Percurso do oxigênio até as mitocôndrias .........................................................................................................3 Como calcular a paO2 ideal pela idade do paciente? ....................................................................................4 Hipóxia, oferta de O2 e hiperóxia ........................................................................................................................5 Transporte do O2 até os tecidos ...........................................................................................................................6 Liberação do O2 para os tecidos .........................................................................................................................7 Efeito Bohr e Efeito Haldane ..................................................................................................................................9 Exercícios de fixação estado de oxigenação .................................................................................................12 Insuficiência Respiratória Aguda .......................................................................................................................15 Definição ............................................................................................................................................................... 15 Classificação ........................................................................................................................................................ 15 Insuficiência Respiratória Tipo I ou Hipoxêmica ............................................................................................... 15 ✓ Distúrbio V/Q ............................................................................................................................... 15 ✓ Shunt arteriovenoso pulmonar ................................................................................................. 16 Insuficiência Respiratória Tipo II ou Hipercápnica ........................................................................................... 17 ✓ Hipercapnia e acidose respiratória ......................................................................................... 17 ✓ Hipoxemia da hipoventilação .................................................................................................. 17 ✓ Falência da musculatura respiratória ...................................................................................... 18 ✓ Investigação do mecanismo de hipoxemia .......................................................................... 19 Exercícios com questões ..................................................................................................................................... 20 Equilíbrio Acidobásico .................................................................................................................... 23 Princípios fundamentais do equilíbrio acidobásico ........................................................................................23 O que o aparelho de gasometria mede? ........................................................................................................ 23 HCO3 padrão ou standard ................................................................................................................................. 24 Base Excess (BE) .................................................................................................................................................... 24 Ventilação alveolar e a paCO₂ ......................................................................................................................... 24 Ventilação alveolar e os quimiorreceptores .................................................................................................... 25 Entendendo os distúrbios acidobásicos ............................................................................................................ 25 ✓ Distúrbios acidobásicos primários ............................................................................................ 26 Passo a passo da interpretação dos distúrbios acidobásicos ....................................................................... 27 ✓ Distúrbios Acidobásicos Mistos .................................................................................................. 27 ✓ Resposta Compensatória .......................................................................................................... 28 MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL ✓ Como identificar o distúrbio acidobásico primário? ............................................................. 31 ✓ Aplicando na prática os valores do Bicarbonato Standard e Base Excess ....................... 31 Distúrbios do equilíbrio acidobásico .................................................................................................................. 33 ✓ Sistemas Tampão ........................................................................................................................ 33 ✓ Como os rins regulam o equilíbrio acidobásico? ................................................................... 34 ✓ pH e o equilíbrio do potássio .................................................................................................... 35 ✓ Acidose Metabólica .................................................................................................................. 36 ✓ Alcalose Metabólica ..................................................................................................................42 ✓ Acidose Respiratória .................................................................................................................. 43 ✓ Alcalose Respiratória ................................................................................................................. 44 ✓ Delta/delta e distúrbios triplos .................................................................................................. 45 Exercícios com questões ....................................................................................................................................48 Bibliografia ....................................................................................................................................... 62 Introdução à Gasometria Arterial MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 1 Introdução à Gasometria Arterial A Gasometria Arterial é um dos exames mais utilizados no ambiente hospitalar. Exame de rápida execução que de forma automatizada fornece diversos parâmetros medidos e calculados dos gases O2 e CO2, pH, eletrólitos, hemoglobina, lactato, equilíbrio acidobásico etc. Infelizmente o que observamos na prática é uma subutilização desta formidável ferramenta diagnóstica. Muitos profissionais desconhecem todo potencial que o exame de Gasometria Arterial pode fornecer diante de cenários clínicos por vezes decisivos em que um diagnóstico correto e precoce muda toda dinâmica do tratamento. Aprender a interpretar corretamente a gasometria faz toda diferença e coloca você à frente de muitos outros profissionais que lidam com pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva, Enfermarias e os que chegam ao Pronto Atendimento. O que observamos nos livros tradicionais é a abordagem da Gasometria Arterial exclusivamente do ponto de vista acidobásico. Muitos autores esquecem que a correta interpretação do estado de oxigenação é tão importante quanto ao conhecimento do equilíbrio acidobásico. No entanto, nós valorizamos a Gasometria em todos seus aspectos e abordaremos de forma prática e didática todos os temas para que o leitor tenha uma experiência completa. Neste livro, nossa primeira abordagem será o estado de oxigenação. Aprenderemos a utilizar as informações dos gases aliadas ao contexto clínico para tomar decisões terapêuticas precisas, evitando o chamado ‘‘achômetro’’. Ofertar oxigênio para aqueles que realmente necessitam não pode ser baseado na intuição, e sim, calculado precisamente através de dados retirados do exame de Gasometria Arterial. Entenderemos que o O2 percorre um longo caminho que vai desde a chegada ao alvéolo até sua entrada na mitocôndria. São várias etapas que serão explicadas neste capítulo para a correta compreensão do estado de oxigenação. Dentro do estado de oxigenação, abordaremos um aspecto importantíssimo, a insuficiência respiratória aguda. Nesse contexto, a insuficiência respiratória aguda (IRpA) pode ser definida como uma incapacidade do sistema respiratório em captar oxigênio (pO2) e/ou remover o gás carbônico (pCO2) do sangue e dos tecidos do organismo. Trata-se de uma síndrome e não de uma doença, sendo diversas as entidades clínicas que podem causar IRpA. Isso se deve a própria complexidade do sistema respiratório e dos seus vários componentes. A respiração requer o funcionamento harmônico e concatenado de diversos órgãos e aparelhos. Falhas na ventilação Introdução à Gasometria Arterial MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 2 resultam em represamento de pCO2 no sangue e hipercapnia. Esta por sua vez pode comprometer a oxigenação de forma secundária, impedindo a renovação do gás alveolar. Por outro lado, afecções do parênquima pulmonar e das vias aéreas (sobretudo das inferiores) resultam em prejuízo principalmente da oxigenação, sendo mantida a eliminação de CO2 desde que a “bomba” ventilatória (ventilação) esteja funcionando adequadamente. O último elo da corrente consiste no sistema de transporte de gases para os tecidos do organismo. Quadros de choque ou disfunção da hemoglobina também podem ser causas de IRpA. Falhas em um ou mais dos componentes do sistema respiratório podem resultar no quadro de IRpA que frequentemente tem origem multifatorial. Por exemplo, uma paciente vítima de traumatismo cranioencefálico, contusão pulmonar e choque hemorrágico apresenta múltiplos componentes para desenvolvimento de IRpA. Apesar da diversidade de causas, a abordagem diagnóstica e a classificação da IRpA, bem como sua terapêutica, incluem princípios gerais que serão apresentados neste livro. Não menos importante, a outra abordagem deste livro se refere ao equilíbrio acidobásico. Diferentemente dos livros tradicionais, traremos aqui uma abordagem didática e de fácil compreensão que foi baseada no Curso de Interpretação Clínica da Gasometria Arterial. Uma experiência de quase uma década de ensino em sala de aula aperfeiçoada ano a ano. Exploraremos os tópicos mais importantes do equilíbrio acidobásico para que você seja capaz de diagnosticar desde distúrbios comuns aos distúrbios mais complexos. Damos as boas-vindas a você leitor que faz deste livro nosso ponto máximo de reflexão para redigir de forma clara, simples e de fácil compreensão. A partir de agora, a INTERPRETAÇÃO DA GASOMETRIA ARTERIAL terá um novo olhar por parte daqueles que desbravarem os próximos parágrafos. Introdução à Gasometria Arterial MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 3 Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 3 Estado de Oxigenação paO2 e SO2 na gasometria traduzem o verdadeiro estado de oxigenação? A resposta para o título do texto é simples: não! Não traduzem o verdadeiro estado de oxigenação. Explicaremos por qual razão não se pode visualizar na gasometria arterial somente a paO2 e a SO2 quando se deseja avaliar o estado de oxigenação dos pacientes. Para compreender melhor todos os processos que envolvem o estado de oxigenação, precisamos antes responder a seguinte pergunta: em qual parte do metabolismo aeróbico o oxigênio é mais utilizado? Nos primeiros períodos da faculdade estudamos bioquímica e todos os seus complexos mecanismos. Relembramos o estudo da bioenergética e todas as suas reações para produção de energia celular. A estrutura celular onde o oxigênio é utilizado para maior parte da produção de ATP é a mitocôndria. Então, o oxigênio retirado do ar inspirado é utilizado nas mitocôndrias. Este é o objetivo principal do oxigênio: produzir energia gerando muitos ATPs nesta estrutura celular fenomenal chamada mitocôndria. Percurso do oxigênio até as mitocôndrias O oxigênio passa por várias etapas até chegar às mitocôndrias. O primeiro passo é atravessar a barreira alvéolo-capilar. Em seguida, o oxigênio precisa saturar a hemoglobina (Hb) das hemácias; depois disso, precisa ser conduzido até os capilares teciduais para em seguida ser liberado para as células. Vejam que existem 4 etapas: barreira alvéolo-capilar, saturação, transporte e liberação. É possível saber se existe ou não integridade da barreira alvéolo-capilar calculando alguns parâmetros, o mais utilizado é a relação paO2/FIO2. Essa relação traduz a capacidade de Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 4 captação do oxigênio. Uma adequada captação se dá por uma relação > 300. Relação entre 201 e 300 já mostra um leve comprometimento da barreira alvéolo-capilar, relação entre 101 e 200 já demonstra moderado comprometimento desta barreira e relação ≤ 100 revela grave comprometimento. Isso é tão importante que é usado para classificar a gravidade da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). A imagem abaixo mostra de forma bem didática uma membrana alvéolo-capilar normal ao lado de uma membrana inflamada e espessada típica da SDRA. Podemos notarque o O2 encontra uma certa dificuldade para atravessar a membrana alvéolo-capilar quando ela se encontra alterada por algum motivo (infecção respiratória, congestão pulmonar, SDRA etc.). Como dissemos, isso pode ser de certa forma mensurado pela relação paO2/FIO2. Devido a sua importância crucial, orientamos a todos sempre realizar este cálculo paO2/FIO2 caso o aparelho não esteja programado para fazê-lo. Importante frisar que a paO2 é fornecida em mmHg e a FIO2 deve ser colocada em decimal. Por exemplo: paO2 60 mmHg FIO2 50%, o cálculo deverá ser feito 60 ÷ 0,5 = 120. Outro exemplo paO2 80 mmHg FIO2 35%, 80 ÷ 0,35 = 228. Como calcular a paO2 ideal pela idade do paciente? Quando olhamos para paO2, estamos apenas observando a concentração parcial deste gás no sangue arterial. Já estudamos que quanto mais grave o comprometimento da barreira alvéolo- capilar, mais alta tem que ser a FIO2 para atingir uma paO2 adequada. O valor de referência da paO2 é relacionada inversamente com a idade. Quanto mais alta idade, mais baixo passa a ser o valor de referência. Diversas fórmulas existem para calcular o valor de paO2 ideal para idade, a mais utilizada é paO2 ideal = 109 – (0,43 x idade). Existe um modo mais prático de calcular que é através da seguinte fórmula: • 100 – 1 3 da idade (cem menos um terço da idade). Nós recomendamos esta fórmula por conta da sua praticidade. • Para ambas as fórmulas devemos aplicar um desvio padrão (DP) de ± 5 mmHg. • Por exemplo, um paciente de 60 anos tem um valor e referência de paO2 de 100 - 1 3 de 60 = 100 – 20 = 80. Aplicando o DP de ± 5 mmHg (Valor de Referência = 75 a 85 mmHg). Lembrando que sempre que olhamos a paO2 de um paciente, devemos relacionar com sua FIO2 (ar ambiente 21% ou de acordo com a suplementação de oxigênio através da assistência ventilatória mecânica ou máscaras de oxigênio). Para pacientes que estão utilizando cateter de O2, sugerimos o cálculo da FIO2 através da seguinte fórmula: Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 5 FIO2 = (fluxo) x 4 + 20. Por exemplo, para um paciente com suplementação de O2 sob cateter de 2 L/min, a FIO2 aproximada será de (2 x 4) + 20 = 28%. Ressaltamos que a paO2 apenas reflete a concentração deste gás no sangue para saturar a hemoglobina (Hb). Quando olhamos para a SO2, estamos apenas vendo a capacidade de saturação da hemoglobina na presença do oxigênio. Tal relação é dada pela curva de saturação da oxi-hemoglobina conforme mostra a figura abaixo. Uma saturação baixa ocorre quando existe pouca presença de oxigênio ou quando existem defeitos da molécula de hemoglobina. Uma saturação normal apenas revela que existe uma quantidade satisfatória de oxigênio se ligando adequadamente à hemoglobina, nada além disso. Quando olhamos um monitor de sinais vitais e identificamos uma saturação de O2 igual a 97%, isso significa apenas que existe uma quantidade de oxigênio no sangue capaz de saturar 97% da hemoglobina das hemácias. Se tivermos pouca hemoglobina (anemia), teremos pouco oxigênio sendo transportado. Diferente do CO2, o oxigênio é praticamente levado até os tecidos ligado à hemoglobina. Hipóxia, oferta de O2 e hiperóxia Se pouca concentração de O2 (hipóxia) é deletéria, então, quanto mais oxigênio eu ofertar ao meu paciente será melhor? Esta é a premissa mais equivocada na prática que se deduz a partir do seguinte raciocínio: onde existe deficiência, quanto mais se oferta, melhor será o resultado. Isso não é bem assim! Se um pouco é bom, dar muito pode ser ruim. Lembremos de Paracelso, médico do século XVI, que disse: ‘‘a diferença entre remédio e veneno está na dose’’. Devemos ofertar O2 na medida certa. A Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 6 hiperóxia é tão deletéria quanto a hipóxia. Manter pacientes com paO2 além do necessário com medo de o paciente evoluir com hipóxia é uma conduta equivocada e perigosa. Altas concentrações de FIO2 reduzem a concentração de nitrogênio. O nitrogênio é fundamental para se evitar o colapso alveolar (desnitrogenação alveolar). Dessa forma, ventilar pacientes com altas concentrações de FIO2 acaba reduzindo as concentrações de nitrogênio (N2), e isso pode provocar atelectasias pulmonares. Então, a regra é ofertar O2 na medida certa calculando a paO2 ideal para idade e evitando colocar FIO2 elevada desnecessariamente. Uma regra simples para ofertarmos O2 de forma adequada pode ser vista no exemplo abaixo: • Paciente de 60 anos, intubado e ventilado mecanicamente, sendo ofertado O2 com FIO2 de 60%, apresentando na Gasometria Arterial uma paO2 de 180 mmHg com SO2 100%. • Vamos ajustar a FIO2 para obtermos uma paO2 ideal para idade do paciente: ✓ Paciente de 60 anos. Utilizando a fórmula mais prática para calcularmos a paO2 ideal chegamos ao seguinte resultado: 100 – 1 3 da idade (cem menos um terço da idade). paO2 = 100 – 1 3 x 60 → 100 – 20 = 80 mmHg. ✓ Então, a paO2 ideal para este paciente é 80 mmHg, mas ele está ventilando com uma paO2 de 180 mmHg. Como devemos calcular a FIO2 ideal para atingir a paO2 ideal de 80 mmHg? ✓ É muito simples, basta fazermos uma regra de 3: 180 mmHg ------------- 60% FIO2 80 mmHg --------------- X FIO2 X = (80 x 60) ÷ 180 → 27% ✓ Assim, devemos reduzir a FIO2 de 60% para 27% no ventilador para evitar a toxicidade do oxigênio e consequentemente colapso pulmonar. Transporte do O2 até os tecidos Antes de falarmos sobre transporte, precisamos esclarecer que existe uma grande diferença entre pressão parcial arterial de O2 (paO2) e conteúdo arterial de O2 (CaO2). É possível ter uma paO2 normal com CaO2 alterado e vice-versa. O conteúdo arterial de oxigênio está relacionado não somente com grau de saturação como também com a concentração de hemoglobina no sangue. O CaO2 é dado pela fórmula: • CaO2 = 1,38 x Hb x SO2 (SO2 em decimal). Alguns autores, ou melhor, muitos deles não consideram o fator 1,38, mas sim 1,34. Por não apresentar muito disparate entre eles, optamos por considerar 1,38 pelo fato de ser um número mais recente em algumas literaturas. Por exemplo, um paciente com 7 g/dL de Hb no sangue e SO2 98%. CaO2 = 1,38 x 7 x 0,98 = 9,46 mL/dL. Um mesmo paciente com a mesma saturação, mas com uma Hb de 14 g/dL terá o dobro de conteúdo arterial de O2. Assim, quando olhamos um monitor que revela uma saturação de 98%, devemos sempre nos perguntar: qual o conteúdo arterial de oxigênio desse paciente? A resposta vai depender, Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 7 sobretudo, da concentração de Hb no sangue. O valor de referência (VR) vai depender do gênero até porque homens têm mais hemoglobina do que as mulheres. Sendo assim, os valores de referência para ambos os gêneros adultos são os seguintes: • Homens: 17 a 22 mL/dL. • Mulheres: 15 a 20 mL/dL. Agora que já sabemos o que vem a ser o conteúdo arterial de O2, podemos inferir que é este conteúdo que será ofertado ao tecido. Não é isso? Ainda não! Para saber o que vai chegar de O2 ao tecido, precisamos lançar mão de um outro parâmetro, o débito cardíaco (DC). Até agora tudo de que precisávamos estava na gasometria, mas o DC é um parâmetro em que é necessário um método capaz de medi-lo. Em Unidade de Terapia Intensiva, o DC pode ser aferido por vários métodos, dentre esses, destacamos o cateter de artéria pulmonar, o ecocardiograma e métodos minimamente invasivos. Qualquer um desses que meça adequadamente o DC pode ser usado para calcular a oferta de O2 aos tecidos (DO2). Utilizamos a seguinte fórmula para calcular a DO2: • DC x CaO2 x 10. • Valor Referência > 1000 mL/min Um paciente que tenha um DC de 5,5 L/min e um CaO2 de 20 mL/dL terá uma DO2 de 5,5 x 20 x 10 = 1100 mL/min (VR > 1000 mL/min). Liberação do O2 para os tecidos Nos capilares teciduais, o oxigênio quechega através da oferta (DO2) precisa ser transferido para célula. É praticamente a última etapa antes do oxigênio adentrar na mitocôndria para desencadear reações que produzirão energia (ATP). É o que chamamos de liberação de O2 para os tecidos. Para que isso ocorra é necessário um gradiente de difusão que vai do capilar (maior concentração do gás) para o tecido (menor concentração do gás). O líquido intersticial que banha as células teciduais tem uma concentração de O2 menor que a do sangue que chega pelos capilares arteriais; dessa forma, o O2 se difunde rapidamente da hemoglobina para os tecidos à medida que passa do capilar arterial para o capilar venoso conforme representação esquemática abaixo: Além disso, a velocidade e a intensidade de liberação do O2 para os tecidos dependem também do grau de afinidade desse gás pela Hb. Alto grau de afinidade impõe maior dificuldade de dissociação do O2 da Hb. Resta a pergunta: como saber o grau de afinidade do O2 pela Hb? Para responder essa pergunta precisamos entender a curva da oxi-hemoglobina e seus desvios para direita e para esquerda. O parâmetro gasométrico que trata do assunto é a p50. Tentaremos explicar didaticamente de que se trata tal parâmetro. Teoricamente p50 é um ponto da curva da Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 8 oxi-hemoglobina em que 50% da Hb estão saturadas com uma determinada concentração de oxigênio. Na figura a seguir são necessários, aproximadamente, 26 mmHg de O2 para saturarem 50% da Hb (veja a figura abaixo). Dependendo da concentração de O2 necessária para saturar 50% da Hb, a curva pode ficar desviada para esquerda ou para direita da referência. Vejamos o exemplo abaixo: Podemos perceber que quanto menor a concentração de O2 para saturar 50% da Hb, a curva desvia para esquerda e isso se traduz em maior afinidade do O2 pela Hb. O raciocínio oposto 26 Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 9 também é válido, ou seja, quanto maior a concentração de O2 para saturar 50% da Hb, a curva desvia para direita e menor é a afinidade do O2 pela Hb. Efeito Bohr e Efeito Haldane Em condições normais, à medida que o O2 chega aos tecidos encontra o líquido intersticial banhado de CO2 proveniente do metabolismo com alta concentração de ácido carbônico (H2CO3) com consequente formação do íon H+ tornando o meio mais ácido. Tudo isso força a Hb liberar o O2 para o tecido. Em fisiologia chamamos isso de efeito Bohr. O Oposto ocorre nos capilares pulmonares onde a passagem do CO2 para espaço alveolar diminui a formação plasmática de H+, aumentado a afinidade da Hb pelo O2, isso nós chamamos de efeito Haldane. Em resumo, quanto mais CO2 e íons H+ menor será a afinidade do O2 pela Hb e vice e versa. Daí podemos concluir que hipercapnia e a acidemia tendem a diminuir a afinidade do O2 pela Hb (desvio da curva para direita), assim como a hipocapnia e alcalemia tendem a aumentar essa afinidade (desvio da curva para esquerda). Em termos de concentração de O2, vimos que em torno de 26 mmHg são necessários para saturar 50% da Hb, se colocarmos um desvio padrão de 2 mmHg, teremos um valor de referência de 24 a 28 mmHg para p50. Concentrações da p50 < 24 mmHg se traduz em desvio para esquerda (alta afinidade) e > 28 mmHg desvio para direita (baixa afinidade). Outras condições clínicas que podem desviar a curva são: hipotermia (esquerda), hipertermia (direita), redução da 2,3 DPG (esquerda), aumento da 2,3 DPG (direita). Fisiologicamente, o composto 2,3 DPG foi descoberto na década de 70 e sua função é regular a afinidade do O2 pela Hb. A concentração de 2,3 DPG e de Hb se assemelham dentro do eritrócito. Quanto mais elevada for a situação de hipóxia (menor paO2), mais 2,3-DPG será produzido, mantendo o processo de transferência de oxigênio para os tecidos. Portanto, este Efeito Haldane Efeito Bohr Estado de oxigenação MANUAL DE GASOMETRIA ARTERIAL 10
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