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A CRÍTICA SÓCIO-RELIGIOSA MACHADIANA NO CONTO A IGREJA DO DIABO A PARTIR DAS INTERTEXTUALIDADES BÍBLICO-RELIGIOSAS

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“É A ETERNA CONTRADIÇÃO HUMANA”: 
A CRÍTICA SÓCIO-RELIGIOSA MACHADIANA NO CONTO “A IGREJA DO 
DIABO” A PARTIR DAS INTERTEXTUALIDADES BÍBLICAS 
 
Sergio Dario C. Silva1 
 
 
RESUMO 
 
 
A literatura de Machado de Assis é um marco na história da Literatura Brasileira e 
internacional, devido a sua capacidade literária inovadora, sua cosmovisão, e 
comprometimento com a realidade social. A intertextualidade e interdiscursividade são 
recursos explorados no conto “A igreja do Diabo”, no qual se encontram diálogos com os 
legados da literatura universal, em especial, a Literatura Bíblica. Este artigo parte da 
premissa que a apropriação de textos bíblicos possui um papel relevante na construção do 
discurso crítico-ideológico de Machado de Assis. Assim, este artigo é uma análise e reflexão 
sobre o papel do uso da Literatura Bíblica no conto “A igreja do Diabo”, sob o viés dos 
postulados teóricos de Bakhtin. 
 
Palavras-chave: Machado de Assis, Literatura Bíblica, Intertextualidade e Bakhtin. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 
Indubitavelmente, a literatura universal foi fortemente influenciada pela 
literatura bíblica ao longo dos séculos. Quanto ao uso intertextual da Literatura 
Bíblica, Frye (2004), em “Código dos códigos: a Bíblia e a Literatura”, assevera 
sobre a indiscutível influência dos escritos bíblicos na literatura universal. Frye 
(2004, p.15) diz: “mais aqui está um livro [Bíblia] que teve uma fértil influência na 
Literatura, desde os escritores anglo-saxões até os poetas mais jovens do que eu”. 
Assim como a Literatura Inglesa, a Literatura Brasileira foi fortemente influenciada 
pela Literatura Bíblica, e entre os autores que fizeram uso do legado bíblico, 
destacam-se Guimarães Rosa, Graça Aranha e Machado de Assis. 
Machado de Assis, considerado o maior escritor da literatura brasileira, é 
reconhecido universalmente pela sua forma inovadora de escrever, em que analisa a 
sociedade brasileira, o caráter e o comportamento humano; cria personagens 
 
1 Pastor da Igreja Presbiteriana Renovada e Professor do Seminário Presbiteriano Renovado Brasil 
Central (SPRBC). Graduado em Letras pela FAA, Bacharel em Teologia pelo SPRBC e FACETEN, 
Especialista em Neuropedagogia pela FTP, em Docência do Ensino Superior pela FACETEN, em 
Literatura e Cultura pela FAEL, Mestre em Teologia Exegética pelo Centro Presbiteriano de Pós-
graduação Andrew Jumper (CPAJ-Mackenzie) e Doutor em Ministério pelo Reformed Theological 
Seminary e CPAJ. 
 
 
2 
elaborados; e descreve a hipocrisia social, a imperfeição humana e o contraste em 
aparência e essência. Machado de Assis tornou-se um ícone do Realismo brasileiro, 
e revolucionou a narrativa com o uso de maior verossimilhança e menor 
superficialidade. 
A intertextualidade é um recurso muito explorado por Machado de Assis na 
sua produção literária, logo, investigar os seus vínculos com a literatura universal a 
que teve acesso, como também identificar o papel desses diálogos textuais na 
construção de um discurso, torna-se necessário, uma vez que Machado de Assis faz 
uso desse recurso para manter uma relação entre o legado literário universal e a 
realidade político-sócio-cultural de sua época. 
A Bíblia era fonte literária importante para Machado de Assis, pois a 
considerava um patrimônio literário-cultural da humanidade (Cf. ARAUJO, 1939; 
QUEIROZ, 2008).2 Não se pode ignorar também o fato de que há inúmeras 
recorrências aos textos bíblicos nas obras de Machado de Assis, e no conto “A igreja 
do Diabo” não é diferente. Este conto faz parte do livro “Histórias sem data” 
publicado originalmente em 1884. Assim, o presente trabalho discute o tema 
intertextualidade na produção literária machadiana, especificamente, no conto “A 
igreja do Diabo”, identificando a função e o impacto do uso da literatura bíblico-
religiosa na construção do sentido e intencionalidade discursiva pretendida por 
Machado de Assis a partir dos postulados teóricos de Bakhtin. 
 
 
2 DIALOGISMO E INTERTEXTUALIDADE: ASPECTOS CONCEITUAIS 
 
2.1 DIALOGISMO, INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE 
 
Por trás de cada texto pressupõe um discurso que deve conter alguns 
critérios textuais apontados pelos teóricos Beaugrande e Dressler (1983, apud VAL, 
1999), a saber, coerência e coesão, intencionalidade, aceitabilidade, 
situacionalidade, informatividade e a intertextualidade. A intertextualidade é um 
campo de estudo da linguística textual e refere-se ao uso de fragmentos de textos já 
 
2 Dom Hugo Bressane de Araújo escreveu “o aspecto religioso da obra de Machado de Assis” em que 
critica o homem Machado de Assis em relação a sua formação religiosa e “falhas” quanto a seus 
conhecimentos bíblicos e litúrgicos da Igreja Católica. Semelhantemente, Maria Eli de Queiroz 
escreveu “Machado de Assis e a religião: considerações acerca da alma machadiana” em que discute 
sobre o que instigava Machado a usar as intertextualidade bíblicas em suas obras: teria sido apenas 
uma fator de interesse estético para uma humor dessacralizante ou seria o indício de uma alma 
impregnada de religião, de religiosidade, de espiritualidade? 
 
 
3 
existentes como fundamento para produção de um novo texto. Como postula Fiorin 
(2011, p.30), “a intertextualidade é o processo de incorporação de um texto em 
outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo”. Assim, 
pode-se afirmar que todo texto, de alguma forma, é um intertexto, pois qualquer 
processo discursivo se firma em um discurso previamente existente dentro de um 
contexto social particular. 
Para Proença (2009), não há discurso absolutamente novo, e todo discurso é, 
em algum sentido, novo, pois tanto se serve de língua, ideias e valores 
preexistentes, como também possui uma intenção nova. Desta forma, o texto, como 
unidade comunicativa e informativa, é o meio pelo qual se pode manifestar 
publicamente um discurso que se apoia em vários outros. 
Discutir a intertextualidade requer, necessariamente, abordar o dialogismo, 
conceito inaugurado por Bakhtin a partir de sua concepção social da linguagem. 
Para ele, não se pode compreender a linguagem por meio de uma dicotomia entre 
linguagem e contexto social. Brait (2011, p.25) assevera que “para Bakhtin, os 
elementos históricos, sociais e linguísticos atuam de forma decisiva no cerne da 
personalidade do indivíduo e se manifestam de forma dialógica em seus discursos”. 
Indubitavelmente, a linguagem é um produto vivo da interação social, e como 
defende Bakhtin (1981) todo enunciado precisa de um enunciador e um receptor. 
Assim, a enunciação sempre se constituirá a partir de uma interação entre o eu e o 
outro(s). Bakhtin registra: 
O texto só ganha vida em contato com outro texto (com contexto). Somente 
neste ponto de contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando tanto o 
posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo. Enfatizamos 
que esse contato é um contato dialógico entre textos... Por trás desse 
contato está um contato de personalidades e não de coisas 
(BAKHTIN,1986, p.162). 
 
Assim, sendo que toda linguagem é dialógica, as relações de sentido são 
construídas através da interação viva e tensa entre enunciados, e todo texto possui 
pluralidade de sentidos. 
É importante ressaltar que os termos intertexto, intertextualidade e 
interdiscursividade não são utilizados por Bakhtin em sua filosofia da linguagem, no 
entanto, os conceitos dos referidos termos estão presentes quando ele discute 
acerca do enunciado, dialogismo e polifonia (cf. FIORIN, 2010). 
O conceito bakhtiniano de intertextualidade ganhou notoriedade através dos 
estudos realizados pela semioticista Kristeva. Ela afirma que 
 
 
4 
 
para Bakhtin, o discurso literário não é um ponto (um sentido fixo), mas um 
cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de várias escrituras [...] 
Todo texto constrói-se como mosaico de citações, todo texto é absorção e 
transformação de um outro texto. [...]O discurso (o texto) é o cruzamento de 
discursos (textos) em que se lê, pelo menos, outro discurso (texto) 
(KRISTEVA, 1967, p.439-40 apud FIORIN, 2010, p.163). 
 
Como se pode observar, Kristeva, em sua leitura de Bakhtin, associa discurso 
com texto, resultado de uma relação dialógica no processo de construção de 
sentido. Dessa forma, embora Bakhtin não fizesse uso dos termos intertextualidade 
e interdiscursividade, tais conceitos estão firmemente embutidos em seus 
postulados teóricos, pois conforme assevera Kristeva (1967, p. 443 apud FIORIN, 
2010, p. 163), “para Bakhtin, o diálogo é a única esfera possível da vida da 
linguagem”. 
O interdiscurso e interdiscursividade, em Bakhtin, podem ser identificados em 
seu conceito de dialogismo, que não pode ser confundido com interação face a face 
ou dialogismo entre interlocutores, pois, para ele, esse diálogo se dá sempre na 
relação discursiva (cf. FIORIN, 2010). Em síntese, o dialogismo bakhtiniano se 
desdobra em dois sentidos, isto é, o princípio constitutivo da linguagem e a forma 
particular de composição do discurso. Quanto ao princípio constitutivo da linguagem, 
o dialogismo aponta para o seu funcionamento real, e conforme afirma Fiorin (2010, 
p.167) “o real se apresenta para nós semioticamente, o que implica que o discurso 
não se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos, que 
semiotizam o mundo”. 
O dialogismo é tanto de caráter convergente como divergente e tenso, luta 
entre as vozes sociais, e o sujeito perde seu papel de preeminência dando lugar a 
essas vozes. Usando outros termos, Diana Barros (2011, p.3) entende que o 
dialogismo bakhtiniano “concebe-se como espaço interacional entre o eu e o tu ou 
entre o eu e o outro no texto”, o que nos leva a concluir que todo enunciado é 
fundamentado em outro(s) e não existe fora dessa relação dialogal conflitante. 
Bakhtin discute sobre interação discursiva, relações entre linguagem, sociedade, 
história e ideologia, aspectos que podem ser observados na análise de “Memórias 
Póstumas de Brás Cubas”. 
 
 
 
 
 
5 
2.2 TIPOS DE INTERTEXTUALIDADE 
 
 Há diversos usos e processos intertextuais explorados pelos autores em suas 
composições literárias. Kock (2012) identificou seis tipos, a saber, intertextualidade 
temática (reprodução de temas), estilística (reprodução de estilos), explícita (menção 
da fonte-autor), implícita (fonte-autor oculto), intergenérica e tipológica. Fiori (2011) 
apresenta três processos de intertextualidade: alusão, citação e estilização. 
Sant’Anna (1999) reconhece quatro processos intertextuais: paráfrase, paródia, 
estilização e apropriação. E as autoras Paulino, Walty e Cury (1998) apresentam oito 
processos possíveis de relações intertextuais: a epígrafe, a citação, a referência, a 
alusão, a paráfrase, a paródia, a pastiche e a tradução. 
 Postas as diversas formas e processos intertextuais, destacaremos a 
paráfrase, a paródia, a alusão, a citação e a estilização, pois são as principais e as 
mais utilizadas no texto literário. 
 
 
2.2.1 Paráfrase, paródia e estilização 
 
 
 O termo “paráfrase” é oriundo do grego que significa continuidade ou 
repetição de uma sentença (cf. SAT’ANNA, 1999). Paráfrase é uma reafirmação, em 
que não se rompe com o enunciado original, apesar do uso de vocábulos diferentes. 
“Paródia” (do grego para-ode) refere-se a um ode (poema musical) que 
transforma ou perverte outro ode (cf. FÁVARO, 2011). Assim, diferente da paráfrase, 
a paródia rompe com o enunciado original. Quando se trata de paródia é 
imprescindível falar de Bakhtin e seu conceito de carnavalização, que considera a 
paródia um dos aspectos da coexistência de duas vozes num texto antagonicamente 
relacionadas. Para Bakhtin, na paródia não há possibilidade de fusão dessas vozes 
como acontece na estilização, mas a segunda voz entra em oposição à voz original 
forçando-a seguir direção oposta (Cf. FÁVARO, 2011). Desta forma, a paródia não 
se propõe endossar o texto-enunciado original, mas romper, ora irônica e 
abertamente, ora sutilmente. 
A estilização é um ponto de equilíbrio entre a paráfrase e a paródia, uma vez 
que modifica a forma sem perverter a essência da estrutura, logo, trata-se de uma 
reprodução do estilo. Fiorin (2011, p.31) define “estilos” como “o conjunto das 
recorrências formais tanto no plano da expressão quanto no plano do conteúdo”. Em 
 
 
6 
síntese, conforme assevera Sant’Anna (1999), a paráfrase representa um desvio 
mínimo, a estilização, um desvio tolerável e a paródia, um desvio total, porque 
perverte e inverte o sentido. 
 
 
 
 
 
2.2.2 Alusão e citação 
 
 
 Alusão e citação são processos interdiscursivos significativos na produção 
literária. Citação é um tipo de intertexto que faz uso da transcrição de um enunciado 
de outrem, reproduzindo as ideias do autor, e Fiorin (2011, p.30,32), em “Polifonia 
textual e discursiva em Bakhtin”, afirma que “a citação pode confirmar ou alterar o 
sentido do texto citado, [...] e ocorre quando um discurso repete percursos temáticos 
e/ou percursos figurativos de outros”. 
 Quanto à alusão, o foco se encontra na reprodução sintática e não na 
vocabular. É o ato de fazer referência, explícito ou implicitamente, a um texto, 
fragmento textual, produção artística ou evento histórico, para fins comparativos ou 
associativos. Fiorin (2011, p.31) esclarece que, nesse processo intertextual, “certas 
figuras são substituídas por outras, sendo que todas mantêm relações hiperonímicas 
com o mesmo hiperônimo ou são figurativizações do mesmo tema”. Além disso, 
deve-se destacar que as alusões podem reafirmar o sentido do texto aludido, ou 
apresentar sentido oposto, comprovando a existência da relação dialógica defendida 
por Bakhtin. 
 
 
3 AS INTERTEXTUALIDADES BÍBLICAS NO CONTO “A IGREJA DO DIABO” 
 
 
 Em “A igreja do Diabo” destacam-se apropriações de textos bíblicos, Antigo e 
Novo Testamentos, mas também documentos e obras de caráter religioso-teológico. 
A personagem Diabo é apresentada como antagonista de Deus, exatamente como 
se ver nos escritos bíblicos e na tradição cristã. A atuação do Diabo é deveras 
significativa no conto, e contrariando a muitos que evitam dizer o nome do Diabo, 
Machado o apresenta com todas suas características maléficas sem uso de 
eufemismos. 
O capítulo I descreve a ideia do Diabo de fundar uma igreja e as razões de tal 
decisão. O conto se refere a “um velho manuscrito beneditino” que narra o dia em 
que o Diabo tem a ideia de fundar uma igreja, pois se sentia humilhado por seu 
 
 
7 
papel avulso e por sua desorganização (sem regras, sem rituais, sem escritura, sem 
credo). O Diabo descreve sua nova igreja, imitando a antiga organização e padrões 
litúrgicos da Igreja Católica: 
Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, 
novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo 
universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, 
enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será 
única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos 
modos de afirmar; há só um de negar tudo. (ASSIS, 2016, p.369). 
Para o Diabo a organização tinha um papel importante para combater as 
outras religiões, pois era necessário “Escritura contra Escritura” e um “credo 
universal”, e uma “Igreja como tenda de Abraão” (ASSIS, 2016, p.369). Desta forma, 
o Diabo deseja “mostrar sua importância através da contrariedade a todas as 
normas pré-estabelecidas” (PRZYBYLSKI, 2008, p.242). Observamos a intenção de 
Machado de deixar claro o diálogo intertextual não apenas com a Bíblia, a Escritura 
dos cristãos, mas também com o aparato litúrgico-religioso. Percebe-se a imitação 
dos ritos religiosos da Igreja Católica Romana (missa, vinho e pão, prédicas, bulas, 
novenas). Machado conhecia não apenas a Bíblia como também os ritos religiosos 
católicos.O Diabo queria uma igreja única, “uma tenda de Abraão” e um credo 
universal, contrapondo as outras igrejas e religiões que se dividem e disputam entre 
si em nome de Deus. Notamos aqui uma clara crítica as controversas entre as 
religiões no mundo. A referência a Maomé e Lutero faz alusão ao islamismo e ao 
protestantismo. Maomé é considerado pelos mulçumanos como o grande profeta de 
Alá, enquanto que Lutero é o “pai” da Reforma Protestante iniciada em 31 de 
outubro de 1517 com a publicação das 95 teses na porta da Igreja do Castelo de 
Wittenberg. 
O capítulo II, entre Deus e o Diabo, narra a chegada do Diabo ao céu para 
apresentar a sua ideia a Deus. O Diabo reafirma sua inferioridade, chama Deus de 
mestre, e ironicamente, demonstra lealdade. 
Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa 
do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, 
vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu 
reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E 
então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de 
dissimulação. (ASSIS, 2016, p.370). 
 
 
8 
O diálogo entre o Diabo e Deus é estruturado de acordo com a cena “prólogo 
no céu” da obra “Fausto”3 do escritor alemão Goethe, e também remete, 
parodicamente, ao relato bíblico de Jó. Em Fausto, a história inicia no céu, onde 
Mefistófeles, o Diabo, faz uma aposta com Deus quanto a conquista da alma de 
Fausto, o favorito de Deus. Na história bíblica, o Diabo aparece no céu, mas é Deus 
quem inicia a conversa sobre a piedade da personagem Jó. O Diabo não nega a 
piedade de Jó, mas se nega a reconhecer que a piedade seja desinteressada. Ele 
questiona a motivação da fidelidade de Jó, afirmando que tal devoção era 
decorrente das bênçãos divinas, e se Deus as retirasse, Jó blasfemaria. Deus 
aceitou o desafio do Diabo e permitiu que tocasse em tudo que Jó possuía. Diabo 
saiu da presença de Deus e fez Jó perder todos os seus bens e os seus filhos, 
contudo, a reação de Jó foi surpreendente: 
 
Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e lançou-se em 
terra e adorou; e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o 
SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR! Em 
tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma. (JÓ 1.20-22). 
 
No conto machadiano há traços que claramente remetem à histórica bíblica de 
Jó. Nos dois relatos, o Diabo aparece sem ser convidado, Deus inicia a conversa, o 
Diabo questiona e contesta as afirmações divinas, Deus permite que o Diabo 
execute sua ideia, a conversa tem as ações humanas como assunto central, e as 
teses do Diabo são um fracasso. 
O Diabo propõe criar uma “hospedaria barata” uma vez que a morada no céu 
é apresentada como hospedaria de custo alto. A ideia do céu como morada está 
presente no Novo Testamento. Vejamos alguns exemplos: 
 
Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria 
dito, pois vou preparar-vos lugar. (João 14.2) 
Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o 
Senhor Jesus Cristo.” (Filipenses 3.20) 
 
No conto, o Diabo é um imitador, e ao substituir “céu” por “hospedaria”, o 
conto rompe parodicamente com o significado original, e perverte a ideia bíblica de 
“céu” como morada eterna. A expressão “hospedaria barata” é um eufemismo para o 
“inferno”. Segundo o Diabo, o preço para ir ao céu é alto demais, pois é necessário 
reprimir os desejos para fugir de punições e conquistar a retribuição divina. Observa-
 
3 A obra “Fausto” é considerada uma das grandes obras-primas da literatura alemã. Trata-se de um 
poema trágico, escrito como peça teatral e organizado em duas partes. O primeiro esboço foi feito em 
1775, o segundo em 1791 e a publicação completa foi em 1832 quando Goethe já havia morrido. 
 
 
9 
se que, semelhantemente à história de Jó, o Diabo questiona as motivações 
humanas de seguir a Deus. 
Com a permissão de Deus, o Diabo decide lançar a “pedra fundamental” de 
sua igreja. Ele argumenta que os devotos de Deus são como as rainhas de “manto 
de veludo rematado em franjas de algodão”. Aqui Machado faz uso da metáfora para 
a ratificação da retórica entre Deus e o Diabo que se desenvolve na narrativa. As 
virtudes dos homens são comparadas às rainhas que vestem o manto de veludo, o 
qual era símbolo da doçura, fragilidade e ingenuidade (cf. PRZYBYLSKI, 2008, 
p.244). Assim como as capas de veludo podem ter franjas de algodão, das belas 
virtudes humanas podem emergir maldades. O diabo acrescenta que os devotos de 
Deus “centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado” 
(ASSIS, 2016, p.371). O livro santo é uma referência metafórica à Bíblia Sagrada 
dos cristãos, o qual ensina sobre a diferença entre as virtudes e os pecados. 
Na sequência do diálogo, Deus usa a história do “ancião”, o recém-chegado 
no céu, como exemplo de que o Diabo estava errado em sua retórica. O ancião tinha 
uma vida honesta e teve uma morte sublime, pois vendo um casal de noivos em 
naufrágio, “deu-lhes a sua tábua de salvação e mergulhou na eternidade” (ASSIS, 
2016, p.371). O Diabo nega, afirmando que “a misantropia pode tomar aspecto de 
caridade”, e que os devotos a Deus obedeciam para fugir da punição e obter 
retribuições. Observa-se que o “ancião” assim como o “Fausto” são personagens 
espelhados na personagem Jó, o homem piedoso, íntegro e reto. 
O uso dos termos “salvação” e “eternidade” não é acidental, mas intencional, 
pois são fundamentais na escatologia cristã, em que os salvos, depois da morte, 
viverão eternamente no céu com Deus (1 Tessalonicenses 4.16-17; Mateus 6.19-
20). A narrativa prossegue: “Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e 
sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica. Deus interrompeu o 
Diabo” (ASSIS, 2016, p.371). Os “serafins” que agitam as asas, “Miguel” e “Gabriel” 
são importantes nos escritos bíblicos e na crença cristã. Miguel é um arcanjo 
poderoso que aparece nas narrativas de grandes batalhas (Daniel 10.13, 21; 12.1; 
Judas 9; Apocalipse 12.7), enquanto que Gabriel é um anjo mensageiro de boas 
novas (Lucas 1.19,26). O “cântico dos serafins que enche o céu” de harmonias é 
uma referência à visão do profeta Isaías (Cf. Isaías 6), e o “Diabo caindo como um 
raio” na terra é uma alusão ao clássico texto da queda de Lúcifer em Isaías 14.12-
 
 
10 
13: Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada! Como foi 
atirado à terra, você, que derrubava as nações!”. 
O capítulo III, a boa-nova aos homens, narra o árduo trabalho missionário do 
Diabo em conquistar “fiéis” para sua nova igreja. A expressão “boa-nova” é também 
uma apropriação de um termo teológico fundamental dos escritos bíblicos (Cf. Isaías 
40.9-11; 52.7; Marcos 1.14-15; Lucas 2.10-11; 4.18-19; Atos 8.12, 35; 10.14-15, 36; 
Romanos 10.14-15). No conto, os termos “pregou”, “nova doutrina”, “discípulos fiéis” 
e “congregar multidões ao pé de si” descrevem o Diabo como uma imitação do 
Messias descrito nos evangelhos. O Diabo também pregou usando parábolas, como 
Cristo: “usarei parábolas quando falar com eles, e explicarei coisas desconhecidas 
desde a Criação do mundo” (cf. Mateus 13.34). Contudo, diferente do Messias que 
apontava as belezas e riquezas do Reino dos céus, o Diabo “prometia as delícias da 
terra, todas as glórias e os deleites mais íntimos”. (ASSIS, 2016, p.372). Esta 
descrição dialoga com o evento da tentação de Jesus narrado em Mateus 4.1-11, 
Marcos 1.12-13 e Lucas 4.1-13. No relato da tentação de Jesus, o Diabo o oferece 
os reinos e a glória do mundo para que Jesus prostrasse e o adorasse. Jesus não se 
rendeu ao discurso falacioso do Diabo e não caiu na tentação. 
 No conto, com um discurso de negação, o Diabo prega a substituição “das 
virtudes aceitas por outras virtudes legítimas, as quais são a soberba,a luxúria, a 
preguiça, a avareza, a ira, a gula e a inveja” (ASSIS, 2016, p.372). Ou seja, os 
pecados capitais são aqui denominados de legítimas virtudes. O Diabo apresenta 
argumentos histórico-literários sobre o papel de cada uma destas “virtudes” 
convencendo as pessoas a amar as coisas perversas e detestar as sãs. Defendia a 
fraude, o ódio e o desprezo, mas combatia o perdão das injúrias e outras máximas 
de brandura e cordialidade, como o respeito, a solidariedade, o amor ao próximo. 
Para o Diabo a venalidade passa a ter atenção especial, pois os seus seguidores 
deveriam vender tudo, até mesmo o caráter, a moral, a fé, a alma, o sangue e a si 
mesmo. (ASSIS, 2016, p.373). 
No capítulo IV, franjas e franjas, a previsão do Diabo se comprova, as virtudes 
cuja capa de veludo acabava em franjas de algodão, e uma vez puxadas pela franja, 
vinham para a nova igreja, a igreja do Diabo. Houve um aparente sucesso, pois a 
doutrina propagava-se no mundo inteiro, e não havia língua que não a traduzisse, e 
nem uma raça que não a amasse. (ASSIS, 2016, p.374). 
 
 
11 
Contudo, longos anos depois, o Diabo percebeu que havia se enganado e sua 
missão fora um fracasso, porque muitos “fieis” praticavam as antigas virtudes em 
secreto, às ocultas. Na igreja do Diabo tudo era permitido, mas a bondade era 
proibida. A liberdade total dada pelo Diabo não funcionou, e os membros da nova 
igreja se tornaram também transgressores. Tal constatação assombrou o Diabo, 
principalmente quando viu “um droguista que envenenara uma geração inteira, e 
com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas”; “um ladrão de camelos que 
tampava a cara para ir às mesquitas”; “um homem que furtava ao jogo, mas dava 
gratificações aos criados, ia toda semana confessar-se com um cônego numa 
capela secreta, benzia-se ao ajoelhava-se e ao levantar-se. O Diabo descreve tais 
atitude humana como “tamanha aleivosia”. (ASSIS, 2016, p.375). 
O Diabo volta ao céu em busca de respostas para tal fenômeno religioso. 
Após ouvir as queixas do Diabo, Deus diz: “Que queres tu, meu pobre Diabo? As 
capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de 
algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana”. (ASSIS, 2016, p.376). 
 
 
4 O PAPEL DAS INTERTEXTUALIDADES BÍBLICAS NA CONSTRUÇÃO DO 
DISCURSO IDEOLÓGICO MACHADIANO 
 
O uso de recursos intertextuais na apropriação de textos bíblicos, como 
apresentados acima, não possui caráter acidental nem foram citados apenas para 
dar novos contornos a narrativa, pelo contrário, possui um papel relevante no 
processo de construção do discurso machadiano. Considerando que todo texto, na 
perspectiva bakhtiniana, é construído dialogicamente, a narrativa apresenta um 
discurso heterogêneo constituído pela relação entre o sujeito e o mundo, 
caracterizado por diversas vozes sociais que se entrelaçam. O teórico russo aborda 
a intertextualidade como fator interno das vozes que polemizam no texto, dialogando 
com outras literaturas. 
O texto é social, e conforme assevera Diana Barros (2011, p.1) “o texto-
enunciado recupera estatuto pleno de objeto discursivo, social e histórico”. Faraco 
(2009, p.25) acrescenta que não há enunciados neutros para Bakhtin, logo, “todo 
enunciado emerge sempre e necessariamente num contexto cultural saturado de 
significados e valores e é sempre um ato responsivo, isto é, uma tomada de posição 
neste contexto”. 
 
 
12 
Nesta perspectiva, “A igreja do diabo” reflete um contexto histórico-social que 
é severamente criticado por Machado de Assis através das personagens criadas. 
Cada personagem representa uma voz social com cargas ideológicas diferentes, 
gerando conflitos. Brayner (1981, p.16) corrobora ao afirmar que Machado foi o 
grande intérprete da ironia como contradição existência na literatura brasileira do 
século XIX. Desta forma, o conto não pode ser compreendido sem esse caráter 
heterogêneo e nem isolado do contexto histórico-social. 
O contexto histórico-social do sec. XIX, época em que a obra foi escrita, foi 
marcado pelo escravismo, novas ideologias, positivismo, darwinismo biológico, 
socialismo utópico, além de transformações político-sociais e crises ético-morais. 
Assim como o Diabo se propõe a fundar uma nova igreja a partir de apropriações e 
adequação de ideias que não lhe eram próprias, a sociedade brasileira da época 
buscava o modo de vida nos valores e ideias do liberalismo europeu, resultando em 
incompatibilidade, contradições e conflitos (Cf. SCHWARZ, 2005, p.68; SILVA, 2013, 
p.92-93 ). Era um contexto cheio de contradições nas esferas política, econômica, 
social e religiosa. A presença marcante do Catolicismo que possuía forte ligação 
com o Estado não ficou de fora das críticas de Machado. Como afirma Proença 
(2017, p.169), “Machado de Assis pinta um retrato fiel de sua gente e de sua época; 
seus retratos derivam de um consciente propósito de fazer convergirem, sobre o 
particular, projeções universalizantes, pois nos personagens machadianos nos 
reconhecemos e nessa identificação somos capturados, não cabendo indiferença”. 
Em “A igreja do Diabo” há um constante diálogo paródico com a Literatura Bíblica a 
fim de criticar e desmascarar a hipocrisia religiosa da sociedade que vivia de 
aparências num contexto marcado por grandes mudanças e crises. Acerca disso, 
Facioli comenta: 
 
O clero apoiava-se nas irmandades, padecia de uma precária formação 
religiosa e teológica, cumprindo funções mais sociais que místicas e nas 
casas grandes constituía um poderoso auxiliar da ordem social e moral, 
compactuando amplamente com a prática escravista (FACIOLI, 2002, p.21). 
 
Os textos bíblicos, no conto machadiano, possuem um papel crítico contra a 
sociedade brasileira que se julgava religiosa, mas que negava a fé com as atitudes. 
Até a própria Igreja se favorecia com o regime escravista. Logo, esse contexto 
elucida o uso satírico-irônico que Machado de Assis faz das intertextualidades 
bíblicas para demonstrar a contradição e a transgressão como aspectos inerentes 
 
 
13 
ao ser humano. Segundo Queiroz (2008, p.189), Machado não encontrou na 
sociedade a coerência religiosa que ela apregoa e hipocritamente diz vivenciar. 
Por meio da personagem Diabo, Machado explicita a ambiguidade humana, e 
o faz de tal forma que até mesmo o Diabo fica perplexo com a estupenda 
contradição humana. Przybylsk assevera: 
 
Em seus contos, Machado de Assis faz um estudo dos pequenos problemas 
do ser humano. Através de apólogos, diálogos, aforismos, o autor tese uma 
ideia de observação do ser humano e acaba analisando-o 
psicologicamente. Analisa as mais intrínsecas questões do indivíduo, mas a 
predominância do filosófico e do moralista é outro fato recorrente. 
(PRZYBYLSKI, 2008, p.241). 
 
O conto é marcado, do início ao fim, pela ironia – característica comum nos 
escritos machadianos – e pelos elementos moralizantes. O Diabo descrito por 
Machado diverge, em alguns aspectos, do que é retratado nos escritos religiosos. 
Numa época em que o “Diabo aterrorizador” era usado para manipulação dos fiéis, 
Machado descreve um Diabo com muito senso de humor, não aterrorizante, mas 
sobretudo, sarcástico e irônico. A autora Maria Castro (1997), em “A dialogia e os 
efeitos de sentido irônicos”, afirma que o discurso bivocal é o objeto principal de 
investigação em Bakhtin, e a ironia é um exemplo desse tipo de discurso. Na ironia, 
o enunciado tem sentido ambíguo e o autor, ao usar a linguagem do outro, 
apresenta-a com um novo discurso que vai de encontro ao discurso do outro. 
Conforme, diz Castro (1997), em Bakhtin, ironizar não se resume apenas em 
remeter ao enunciado do outro, mas, sobretudo, é voltar-se contra a enunciação, 
acrescentando-lhe uma ideia oposta. Assim, pensando em “A igreja do Diabo”, é o 
contexto do sec. XIX que conduz o leitor a perceber a ironia no uso intertextual da 
Bíblia. Os textos bíblicossão tirados de seus respectivos contextos e utilizados em 
outro para fundamentar uma ideologia discursiva que entra em hostilidade com o 
discurso primitivo. Essa contrariedade discursiva faz parte da intenção do autor 
Machado de Assis. 
Acerca da relação autor-obra-leitor, na perspectiva Bakhtiniana, o autor é 
sempre parte integrante do processo constitutivo do discurso. Tezza (1997, p.220, 
223) diz: “para Bakhtin, o autor-criador é a consciência de uma consciência, uma 
consciência que engloba e acaba a consciência do herói e do seu mundo” [...] “e o 
autor-contemplador é, em última instância, o leitor; já o ouvinte é interno”. A crítica à 
hipocrisia sócio-religiosa é o ponto central do discurso machadiano. Schwaz 
 
 
14 
(SCHWARZ, 2005, p. 70) afirma que à condenação liberal da sociedade brasileira, 
estridente e inócua, soma-se a sua justificação pela piedade do vínculo familiar, cuja 
hipocrisia é outra especialidade machadiana. Bosi (2000, p.86) acrescenta que 
“chegando perto dos textos vê-se que a vida em sociedade, segunda natureza, do 
corpo, na medida em que exige máscaras, vira também irreversivelmente máscara 
universal”. 
Em síntese, por meio da personagem Diabo, Machado argumenta que os 
homens são hipócritas e atores mascarados no palco da vida real, pois desejam as 
coisas más, contudo, tendem ocultar tais desejos. Os escritos bíblicos afirmam que o 
ser humano é mau por natureza, pois possui inclinações pecaminosas. Desta forma, 
o assustador no conto não é a figura do protagonista, o Diabo, mas a ambiguidade e 
a complexidade da condição humana no que diz respeito a fé e a religião. 
 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Analisar o conto “A igreja do Diabo” sob o viés bakhtiniano (sem a pretensão 
de elucidar todo o seu legado teórico) leva-nos a conclusão que o discurso 
apresentado não é individual, mas social, bivocal e dialógico, uma vez que é 
constituído de vozes sociais equipolentes que se opõem no interior do texto. 
Indubitavelmente, as intertextualidades bíblicas utilizadas reforçam a intenção 
discursiva da obra, e não podem ser tratadas como citações isoladas e sem 
propósito, pois, todo enunciado-texto se propõe dá respostas (réplicas) ao que foi 
dito (discurso) como também suscitar novas respostas. Enfim, a análise apresentada 
pretendeu mostrar como essas apropriações intertextuais se encaixam dentro de um 
plano crítico-ideológico criado por Machado de Assis com o propósito de não apenas 
entreter os leitores do sec. XIX, mas, sobretudo, confrontá-los e questioná-los 
quanto aos seus modus vivendi. 
 
 
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