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Antropometria aplicada Introdução Existe uma grande variabilidade nas dimensões e dos tipos físicos entre os indivíduos. Muitas razões contribuem para estas diferenças, tais como o sexo, raça, idade, clima, nutrição, etc. Assim, mesmo em pequenos grupos encontramos uma grande variedade de dimensões. Como nos habituamos a conviver com pessoas de vários tamanhos e tipos, aceitamos estas diferenças como naturais, bem como as dimensões das coisas que usamos: as portas que são suficientemente altas (pelo menos para a grande maioria), cadeiras e mesas que aceitamos usar, não poucas vezes com evidente desconforto. Quando nos encontramos em situações nas quais as dimensões dos objectos que necessitamos de utilizar nos colocam dificuldades acrescidas, usamos da nossa capacidade para nos adaptarmos às condições existentes. As lesões músculo-esqueléticas, em particular na região dorso-lombar, têm vindo a assumir cada vez maior importância nas questões de saúde ocupacional. As actividades profissionais tornam-se cada vez mais sedentárias e as pessoas passam mais tempo sentadas durante o trabalho quer em escritórios quer em veículos motorizados. A incidência de dores na região lombar aumenta na população trabalhadora o que leva alguns a questionar a alegada pouca importância em geral atribuída à relação mais íntima entre as pessoas e os objectos que utilizam. Desde os primeiros estudos no campo da ergonomia se procurou determinar as distâncias necessárias para o eficiente controlo manual numa grande variedade de postos de trabalho, sendo também considerados os problemas relacionados com o assento e respectiva postura. Figura 1 – Desde a antiguidade que existem várias tentativas para estabelecer medidas do corpo humano, sendo os “canon” de Vitrúvio e Leonardo da Vinci dois exemplos dos mais conhecidos Assim, a antropometria que era inicialmente utilizada para a classificação e identificação de diferenças rácicas e dos efeitos de dietas alimentares, condições de vida, etc., no crescimento, foi 1 cada vez mais utilizada no fornecimento de informações acerca das dimensões humanas importantes para a concepção dos postos de trabalho. A princípio, muitas das decisões eram tomadas com base em critérios simples: o alcance era definido pelo comprimento do braço estendido entre o ombro e o punho, o comprimento do antebraço definia as áreas de fácil alcance e a distância entre a face inferior da coxa e o solo, como a perna dobrada pelo joelho em ângulo recto era a dimensão adequada para a altura do assento de uma cadeira. Estas e outras dimensões do mesmo tipo, obtidas de muitas diferentes populações durante as últimas quatro décadas, constituem ainda a fonte de dados em que se baseiam muitas das decisões tomadas no projecto ou "design" de postos de trabalho. Contudo, como se verá adiante, os dados e as suas aplicações tornaram-se mais complexos. Os ergonomistas reconhecem agora mais claramente a importância da harmonização, o mais perfeita possível, das dimensões dos equipamentos com a forma e dimensões das pessoas que os utilizam. É hoje sabido que uma pequena diferença entre a distância do plano de trabalho e o assento, mesmo de apenas um ou dois centímetros, pode ser suficiente para causar - ou evitar - dores no pescoço ou nos ombros. Em certas actividades, uma inclinação do tronco à frente, ainda que ligeira, mantida durante algum tempo, pode ser mais incómoda e provavelmente mais prejudicial que outras posturas aparentemente mais extremas. Reconhece-se também que a natureza das tarefas pode ser um factor tão importante para dimensionamento de um posto de trabalho como, por exemplo, a estatura das pessoas. Que relação existe entre ergonomia, antropometria e "design"? A antropometria aplicada pode ser considerada uma das ciências humanas básicas que contribuem para a ergonomia, que por sua vez contribui com dados, conceitos e metodologias para o processo de "design" (Fig. 1). Ergonomia Antropometria Design Figura 2 - Relação entre antropometria, ergonomia e "design". A ergonomia surge como um canal de informação. Antropometria laboral Conforme já foi referido anteriormente, a antropometria é e foi utilizada com os mais diferentes objectivos, abrangendo áreas como a subnutrição das crianças no terceiro mundo, ou tendo servido de “ferramenta” para a selecção racial dos nazis alemães. No que se refere à sua utilização no campo da ergonomia dos postos de trabalho, devemos mencionar as seguintes particularidades: • Refere-se a uma população de ambos os sexos e com idade entre os 18 e os 65 anos; 2 • Têm de ser consideradas medidas estáticas e medidas dinâmicas; • O seu objectivo é o desenho de postos de trabalho, o desenho de modelos biomecânicos e de produtos finais, tais como ferramentas, máquinas, dispositivos de protecção, etc. Planos de referência As definições de largura, comprimentos, etc. podem ser melhor entendidas se definias em relação a planos de referência. Assim, as medidas em antropometria podem ser definidas em relação aos seguintes planos (figura): • Horizontal ou transversal; • Frontal; • Sagital ou lateral. Figura 3 – Planos de referência utilizados em antropometria 3 As 5 falácias, segundo Pheasant Segundo Pheasant [1] são utilizadas "cinco falácias fundamentais" como argumento (entenda-se desculpa) para a falta de aplicação da ergonomia ao "design" (Quadro 1). Quadro 1 - As cinco falácias fundamentais (Pheasant). 1º - Este "design" satisfaz-me, logo será satisfatório para toda a gente. 2º - Este "design" é satisfatório para o indivíduo médio, logo será satisfatório para toda a gente. 3º - A variabilidade dos seres humanos é tão grande que é impossível satisfazê-Ia completamente em qualquer "design", mas isso não tem muita importância pois as pessoas têm uma maravilhosa capacidade de adaptação. 4º - Como a aplicação da ergonomia é cara e o critério para a escolha depende principalmente do custo, das características técnicas e da aparência (ou estilo) dos produtos, as considerações ergonómicas podem muito bem ser ignoradas no "design". 5º - A ergonomia é uma coisa excelente. Eu tenho sempre preocupações ergonómicas no "design", mas faço-o intuitivamente, baseado no bom senso, pelo que não preciso de tabelas de dados. A 1ª falácia poderá parecer exagerada e muito provavelmente os projectistas de equipamentos nunca chegarão a exprimi-la, nem sequer estarão conscientes de que estão implicitamente a invocá-Ia. Contudo, quantos produtos são na realidade testados durante a fase de "design" por uma amostra representativa de utilizadores, ou pelo menos por meio de uma técnica de simulação? Certamente muito poucos. Na maior parte das vezes, a avaliação do "design" é inteiramente subjectiva. O projectista considera o assunto, concebe o equipamento, ensaia o protótipo (se este chegar mesmo a ser construído) e conclui "parece-me OK!", com a evidente implicação de que se é satisfatório para si, sê-lo-á também para as outras pessoas. Muitas vezes, os objectos projectados para os indivíduos mais fortes ou mais aptos elementos de uma população apresentam dificuldades insuperáveis de utilização para os mais fracos ou menos hábeis. A 1ª falácia está muito próxima da 5ª por empatia. Também se aproxima muito da 2ª porque a maioria das pessoas se considera mais ou menos próxima da média. Suponhamos que definíamos as dimensões de uma porta com base na estatura e largura médias da população. A metade mais alta da população bateria com a cabeça na ombreira da porta e a metade mais larga teria que rodar o corpo para caber nela. Uma vez que a metade mais alta da população não é necessariamente a metade mais larga, iríamos de facto satisfazer ou acomodar menos de metade 4 dos utilizadores. Este exemplo de mau "design" pode parecer demasiadamente grosseiro, mas no mundo real abundam osexemplos de situações reais em que foram cometidos erros deste tipo. Como é evidente, o principal objectivo do projectista deve ser acomodar a maior percentagem possível da população. A 3ª falácia tem o seu quê de verdade, pois os seres humanos são de facto muito adaptáveis - talvez até demais, para sua desgraça! Na realidade, são capazes de suportar muito, sem que necessariamente se queixem. No exemplo acima citado, a metade mais alta da população teria provavelmente que se curvar para passar. Esta é a abordagem procusteana para o "design". Contudo, a adaptação procusteana "cobra" habitualmente mais tarde a sua "factura" em termos de conforto ou mesmo a saúde afectados, embora raramente de uma forma tão dramática como a perna amputada como sucedeu a Procustes... apesar das consequências, por vezes dramáticas, de acidentes de trabalho causados por erros de "design". Lamentavelmente, são por demais importantes os prejuízos físicos, sociais e económicos resultantes das lesões músculo-esqueléticas atribuíveis ao mau "design" de postos de trabalho e de equipamentos. Parte da refutação da 3ª falácia baseia-se nos "custos escondidos" da adaptação. Mas a 4ª falácia refere-se aos custos reais resultantes da aplicação dos conceitos e da metodologia ergonómicos ao "design". O projectista sofre a influência de uma série de factores tais como o "marketing" e a publicidade, por um lado, e a pressão dos consumidores e da legislação, por outro. O "designer" deve responder a uma variedade de forças socio-económicas e o produto do seu trabalho reflecte a sociedade em cujo contexto foi concebido e para a qual foi realizado. Em alguns casos a pressão dos consumidores leva à introdução de características ergonómicas no "design" – tal como se verifica de um modo acentuado na área da tecnologia dos escritórios. Os modernos terminais são ergonomicamente bastante melhores que os de há dez anos atrás, provavelmente devido aos efeitos que a pressão dos utilizadores (em especial através dos sindicatos nos países mais desenvolvidos) tem exercido no equilíbrio das forças do mercado. Em algumas situações, os consumidores estão dispostos a pagar um preço extra pela qualidade. Contudo para além de todos estas considerações, está o simples facto de que muitas vezes custa tanto fazer as coisas com o tamanho certo do que fazê-Ias do tamanho errado. Frequentemente, a decisão de ignorar a ergonomia por razões económicas não é mais que uma fraca desculpa para disfarçar a ignorância e talvez uma certa dose de incúria. A 5ª falácia envolve alguns aspectos mais complexos. A intuição e o bom senso de que se fala neste contexto são por vezes designados por "empatia". Trata-se de um acto de introspecção ou imaginação pelo qual somos capazes de "nos colocarmos no lugar de outra pessoa". Pode-se argumentar que o "designer", ao colocar-se empaticamente no lugar do utilizador, o acto de projectar para os outros se torna uma extensão de projectar para si próprio, de acordo com a abordagem tradicional da ergonomia: "design" centrado no utilizador. Em alguma medida isto será 5 provavelmente verdade, mas será a intuição suficiente para considerar os problemas da diversidade humana? Seremos nós capazes de imaginar o modo como alguém muito diferente de nós experimentará uma dada situação? Trata-se de uma questão ainda pouco estudada, com importantes implicações psicológicas. Será certamente difícil para um jovem adulto em boa forma física imaginar-se no lugar de uma senhora idosa com artrose tentando levantar-se de uma cadeira de braços, ou de uma atarefada mãe de três crianças irrequietas arrastando a sua prole enquanto faz compras num supermercado. Em tais casos, os dados empíricos serão certamente de maior confiança, por mais forte que julguemos a nossa intuição. O bom senso é, em si próprio, um conceito difícil de analizar, embora por vezes tenha "as costas largas". Por exemplo, podem ouvir- se expressões tais como "trata-se apenas de uma questão de bom senso" para justificar a aceitação cega de uma hipótese ainda não testada. Mas "bom senso" tem um significado diferente: pode ser definido como a forma prática de resolver problemas correctamente. Pode dizer-se que, de certo modo, bom senso e método científico são basicamente a mesma coisa, sendo este uma forma mais sofisticada e organizada daquele. Coligir a maior quantidade de dados sobre a população utilizadora e testar objectivamente as suas próprias intuições é certamente uma boa prática na solução de problemas. O ergonomista deve segui-Ia religiosamente. Com isto não se pretende banir a simulação como via económica e importante para ensaiar a qualidade de um "design", mas apenas dizer que, sendo ambas úteis, cada uma deve ter o seu momento próprio de utilização. PRINCÍPIOS E PRÁTICA DA ANTROPOMETRIA No capítulo anterior foi referida a importância de considerar a diversidade humana no projecto de equipamentos e ambientes de trabalho. Veremos agora como proceder no campo dos princípios e da prática. Existem situações em que os equipamentos e espaços de trabalho podem ser projectados especificamente para o utilizador individual. Os fatos feitos por medida, a alta-costura e os assentos dos carros de corrida são alguns exemplos mais comuns. Trata-se, porém, de artigos que podemos considerar de luxo. Na realidade, a maioria das pessoas não está disposta a pagar o preço extra, aceitando as soluções pré-fabricadas, tais como o pronto-a-vestir, que se adaptam aproximadamente às suas características físicas. Para alguns de nós, o suposto "luxo" do projecto sob medida torna-se uma necessidade se quisermos levar uma vida normal e independente: as características físicas e limitações dos deficientes são de tal modo variáveis que os equipamentos de ajuda têm, muitas vezes, que ser feitos especialmente "à medida" para o próprio utilizador. Todos concordamos com a necessidade de o vestuário ser fabricado com vários tamanhos, mas haverá a mesma opinião acerca de cadeiras ou mesas, por exemplo? A resposta mais provável será, "sim, mas dentro de certos limites". Não esperamos que crianças e adultos usem as mesmas mesas e cadeiras nas suas escolas e escritórios; parecem, contudo, adaptar-se muito bem à 6 mesma mesa de jantar, em casa. Habitualmente, fornecem-se às dactilógrafas cadeiras ajustáveis, mas todavia as suas mesas têm altura fixa. Como é óbvio, aceitamos mais facilmente um ajustamento menos perfeito numa mesa ou numa cadeira do que numa camisa ou numas calças. Será menos óbvio, porém, o modo como chegar ao melhor compromisso acerca das dimensões fixas a adoptar para um equipamento destinado a uma vasta gama de utilizadores ou como definir o ponto a partir do qual concluímos que é indispensável haver ajustabilidade no "design". Para uma decisão fundamentada deste tipo exigem-se três tipos de informação: a) as características antropométricas da população; b) o modo como essas características impõem restrições ao projecto; c) os critérios que definem a adaptação perfeita do produto ao utilizador. A descrição estatística da variabilidade As dimensões antropométricas humanas seguem uma distribuição normal ou de Gauss. Trata-se de uma distribuição muito conveniente pois pode ser descrita por apenas dois parâmetros: a média µ e o desvio-padrão σ. A figura 4 mostra as percentagens de medições situadas entre os intervalos definidos em abcissas pelos múltiplos inteiros do desvio-padrão. Pode assim ver-se que, por exemplo, cerca de 95% das medições (mais exactamente 95,45%) estão compreendidas no intervalo [-2 σ , 2 σ] centrado em µ . Como a curva é simétrica, 50% das medições são inferiores à média e 50% são-lhe superiores. Na prática, os limites antropométricos são expressos e utilizados de uma forma diferente: os percentis. Um percentil indica a percentagem de pessoas de uma dada população que têm uma dimensãodo corpo igual a, ou menor que um determinado valor. Pode-se assim dizer que a média é igual ao 50º percentil. De um modo geral, k% das medições são menores que o percentil de ordem k (kº percentil). 7 Figura 4 - Curva da distribuição normal mostrando as percentagens das medições compreendidas entre múltiplos inteiros do desvio-padrão. Adaptado de [2]. Na prática, não conhecemos em geral a média nem o desvio-padrão do universo ou população em causa. Sabemos, porém, que as amostras tendem a apresentar uma distribuição semelhante à da população de que foram obtidas. Assim, para caracterizarmos antropometricamente uma dada população, recorremos à medição de uma amostra representativa dessa população e dessa amostra calculamos os parâmetros estimadores dos correspondentes parâmetros da população. Assim, a média µ e o desvio-padrão σ são estimados, respectivamente, por Na equação da estimação do desvio-padrão usa-se por vezes n-1 em vez de n a fim de corrigir o enviesamento resultante da dimensão finita da amostra, assim se obtendo uma melhor predição. 8 Assim, tratando-se de pequenas amostras (em geral n ≤ 30), o desvio-padrão fica definido pela equação Erro padrão É evidente que, ao aumentar n, m e s tornam-se estimativas de maior confiança de µ e σ e diminui a amplitude provável dos erros aleatórios de amostragem. Demonstra-se que estes erros se distribuem normalmente, com média zero e desvio-padrão (designado por erro-padrão, EP) do parâmetro em causa, tal que As amplitudes prováveis dos erros de amostragem são geralmente expressas em termos dos limites de confiança de 95% do parâmetro em causa, que são definidos por ±1,96 EP, i.e., os verdadeiros valores de qualquer parâmetro da população estarão dentro de ±1,96 erros-padrão da estatística, 95 vezes em cada 100 amostras que forem obtidas. (Contudo, se estivermos interessados em erros numa só direcção, deveremos usar 1,645 EP). Isto pode ser resumido dizendo que em qualquer estudo antropométrico os limites de confiança de 95% (d) de uma dada estatística são dados por, onde K1 é uma constante para cada estatística dada no quadro 2.1, s é o desvio-padrão dos dados, n é a dimensão necessária da amostra e d é a precisão desejada para a medição (±d unidades). Alternativamente, poderemos usar a equação 9 que nos indica quantos sujeitos deveremos medir para obtermos a estatística em causa com o grau de precisão adequado. A precisão desta fórmula reduz-se quando a dimensão da amostra inicial Ni é inferior a 100. Nesse caso, poderemos obter uma estimativa mais precisa usando K2 em vez de K1 (ver nota ao quadro 2). Exemplo 1 Se desejarmos medir o valor médio da altura dos ombros com uma precisão de ±5 mm, sendo o desvio-padrão desta dimensão 66 mm, a dimensão necessária da amostra de indivíduos a medir seria: Quadro 2 – Valores do parâmetro K1 definido na equação 2.6. (Segundo Pheasant [1] e Roebuck, Kroemer e Thomson [14]). Estatística pretendida K1 Média Desvio-padrão Percentis 50º 45º e 55º 40º e 60º 35º e 65º 30º e 70º 25º e 75º 20º e 80º 15º e 85º 10º e 90º 5º e 95º 4º e 96º 3º e 97º 2º e 98º 1º e 99º 1.96 1.39 2.46 2.46 2.49 2.52 2.58 2.67 2.80 3.00 3.35 4.14 4.46 4.92 5.67 7.33 NOTA: Se a dimensão da amostra inicial (Ni) for inferior a 100, poderemos obter na prática uma estimativa mais precisa de n para a média usando o valor K2 em vez de K1: K2= 2,00 para (100>N1>40) 10 K2= 2,05 para (40>N1>20) K2= 2,16 para (20>N1>10) K2= 2,78 para (10>N1) Coeficiente de variação O coeficiente de variação (CV) é dado por Trata-se de um índice útil que traduz a variabilidade inerente a cada dimensão corporal, i.e., é independente do valor absoluto dessa dimensão bem como da unidade de medição. Na grande maioria das populações, a estatura é a dimensão com o mais baixo CV. No quadro 3 apresentam- se coeficientes de variação característicos de algumas dimensões antropométricas. Os números são oriundos de diversas fontes e não dizem respeito a uma população específica, pelo que devem ser interpretados apenas como guia aproximado. Os valores elevados da parte inferior do quadro são indicativos de distribuições enviesadas – característica das dimensões antropométricas que incluem tecido adiposo e das medidas funcionais tais corno a força muscular. Quadro 3 – Coeficientes de variação característicos de algumas dimensões antropométricas. (Segundo Pheasant). Dimensão CV (%) Estatura Alturas do corpo (sentado, do cotovelo, etc.) Segmentos dos membros Larguras (ancas, ombros, etc.) Espessuras do corpo (abdominal, peito, etc.) Alcance dinâmico Peso Amplitude de movimentos das articulações Força muscular (estática) 3 - 4 3 - 5 4 - 5 5 - 9 6 - 9 4 - 11 10 - 21 7 - 28 13 - 85 Cálculo de percentis Como se disse, uma distribuição normal fica perfeitamente definida pela média e pelo desvio- padrão. Sendo estes conhecidos, pode-se calcular qualquer percentil sem necessidade de utilizar as medições originais. 11 O percentil de ordem p de uma variável é dado por Px = m + s . zX (2.9) em que z é uma constante para o percentil considerado, que se pode obter em tabelas estatísticas (ver tabela normal). Suponhamos que queremos calcular o 95º percentil da estatura de uma população normalmente distribuída com média de 175 cm e desvio padrão de 9,8 cm, ou seja, N ≈ (175 ; 9,8). Na tabela da distribuição normal vemos que a p=0,95 (ou 95%), corresponde z=1,64. Aplicando a equação 2.9 obtemos P95 = 175 + 9,8 x 1,64 = 191,07 cm. Por vezes é necessário fazer o cálculo inverso para determinar a que percentil corresponde uma certa dimensão. Assim, se quisermos saber, por exemplo, a que percentil corresponde uma estatura de 163 cm, teremos, resolvendo a equação 2.9 em ordem a z: Px - m = z = s 163-175 = -1,224 9,8 que corresponde a uma estatura muito próxima do 11º percentil pois, segundo a tabela da distribuição normal, p=0,11 para z = -1,224. Exemplo 2 Pretende-se saber qual a percentagem de indivíduos de uma dada população cuja estatura é inferior a 158 cm, sabendo que a população se caracteriza do seguinte modo: X ≈ N (164,5 ; 24) (Isto é, distribuição normal, m=164,5 e s=24) 158-164,5 Px - m = z = s = -0,27024 Toma-se o valor de z e obtém-se a correspondente valor p (probabilidade) numa tabela da distribuição normal padronizada, por exemplo do Anexo 2. Há que interpolar entre os valores 0,39 e 0,40, pelo que a diferença tabular é d=0,01. Fica então 0,03 ………………………………. 0,01 0,01 ………………………………… d d=0,00333 donde p=0,3933 Conclui-se então que 39,33 % da população tem estatura inferior a 158 cm. Por outras palavras, pode dizer-se que, para aquela população, a estatura de 158 cm é aproximadamente o 39º percentil. 12 NOTA: no caso, mais habitual, de não ser necessária muita precisão não é necessário fazer a interpolação, podendo considerar-se de imediato o valor mais aproximado, neste exemplo p = 0,39. Exemplo 3 Outro tipo de problema consiste em calcular um determinado percentil duma população normal. Seja: Para a população definida no exemplo anterior, X ≈ N (164,5 ; 24), calcular o 90º percentil. Trata-se do problema inverso do exemplo anterior: Determinar z tal que p = 0,9. (Por vezes representa-se por z90). Pela tabela da distribuição normal padronizada, temos que para p = 0,90 então z =1,28 Resta apenas aplicar a equação 2.9 para calcular P90 = m + s . z90 = 164,5 + 24 x 1,28 = 195,22 cm. 2.1.5 Frequência cumulativa Outra forma de representar dados antropométricos consiste na curva de frequência cumulativa de que se mostra um exemplo na figura 5. Nestacurva, os percentis estão em ordenadas e em abcissas temos os valores da dimensão correspondente ou valores de z se calibrarmos a curva em desvios-padrão. A curva é também designada por ogiva normal. A vantagem desta curva é permitir-nos avaliar as consequências de uma determinada decisão no "design" em função da percentagem de indivíduos acomodados. Por exemplo, permitir-nos-ia saber directamente qual a percentagem dos indivíduos que conseguiriam passar sob um obstáculo com uma dada altura sem nele baterem com a cabeça. Figura 5 - A distribuição de frequência cumulativa da estatura de uma amostra de ingleses adultos. (Segundo Pheasant [1]). 13 O declive da ogiva normal é máximo para o valor médio (que é também ponto de probabilidade máxima e ponto de inflexão da curva), diminuindo progressivamente com a aproximação dos extremos da distribuição. A curva é assintótica com a horizontal a 0 e 100% (i.e., teoricamente encontra a horizontal no infinito). A consequência prática deste facto é ser muito difícil acomodar os percentis e extremos da população. Isto significa que, à medida que pretendemos adaptar o "design" a uma maior proporção de indivíduos, maiores restrições se colocam ao projectista e mais difíceis se tornam as soluções. Em termos de custo/benefício trata-se de uma situação cujas compensações tendem a anular-se face à subida dos custos. Resta agora saber como determinar o ponto exacto a partir do qual os benefícios deixam de compensar os custos, isto é, os custos, de tão elevados, já não se justificam face à pequena percentagem de utilizadores que será beneficiada pela amplitude do "design" a partir desse limite. É óbvio que não existe uma resposta simples para esta questão. Caso a caso as condições são diversas e não pode haver uma regra, mesmo que muito geral, aplicável a todos. Todavia, em muitas circunstâncias é aplicada uma regra que, apesar de arbitrária, é considerada satisfatória: trata-se de projectar para a faixa compreendida entre o 5º e o 95º percentis, ou seja, abrangendo 90% da população centrada na média. Esta prática parece ser um compromisso razoável – mas é preciso não perder de vista as consequências da eventual falta de ajustamento para os 10% que ficarão fora da amplitude dos limites do "design". Haverá apenas um ligeiro incómodo ou desconforto ou ficará comprometida a operacionalidade do sistema? Haverá riscos para a saúde ou a segurança do trabalhador, a curto, médio ou longo prazo? Um indivíduo de dimensões inferiores ao 5º percentil sentado à mesa de jantar numa cadeira demasiadamente alta poderá sentir-se algo desconfortável no final da refeição; mas se não for capaz de pisar o travão do seu carro com eficiência ou se não conseguir ver bem a estrada, as consequências poderão ser mais sérias. O projectista deve ponderar muito bem estes aspectos. Critérios e limitações: As limitações cardinais Em ergonomia e antropometria define-se: • Limitação – característica observável do ser humano, de preferência mensurável, que tenha consequências para o projecto de um dado objecto; • Critério – uma norma de julgamento com a qual se mede ou averigua o grau de ajustamento do objecto ao utilizador. Existe uma hierarquia para os diversos níveis de critérios. No topo, situam-se conceitos gerais como conforto, segurança, eficiência, estética, etc., que poderemos designar como critérios gerais ou primários, de alto nível. Porém, para se alcançarem estes objectivos, há que satisfazer diversos outros critérios, especiais ou secundários, de nível mais baixo. A relação entre estes conceitos pode ser ilustrada pelo exemplo seguinte. No projecto de uma cadeira, o conforto deveria ser 14 obviamente um critério primário; o comprimento da perna do utilizador impõe uma limitação ao projecto pois, se a cadeira for alta demais, a pressão na face posterior da coxa causará desconforto. Isto leva-nos a formular um critério secundário: que a altura do assento não deve ser maior que a distância vertical entre a base do pé e a concavidade posterior do joelho (esta dimensão é designada por altura do popliteu). Poderemos obter a distribuição desta dimensão numa tabela de dados. Pareceria razoável escolher o valor do 5º percentil (por hipótese 355 mm), pois se uma pessoa com um comprimento de perna tão curto como o 5º percentil ficasse acomodada, também os restantes 95% da população ficariam. Isto leva, mais ou menos directamente, a uma especificação para o projecto ou critério terciário: que a altura do assento não deve ser maior que 355 mm. Na prática, de um modo geral, é necessário ir descendo ao longo de níveis sucessivos da hierarquia antes de se chegar a um conjunto de recomendações operacionais realmente úteis. Em qualquer nível da hierarquia podem ocorrer conflitos entre critérios cuja solução exige compromissos. No exemplo atrás referido, o nosso critério secundário diz-nos quando um assento está muito alto mas não quando está baixo demais. Os critérios para este caso são menos bem definidos – poderíamos chamar-lhes imprecisos. Na realidade, é perfeitamente possível que um homem alto se possa sentir muito desconfortável numa cadeira desenhada para acomodar as pernas curtas de uma mulher do 5º percentil, e em situações desse tipo terá que se encontrar um compromisso satisfatório no sentido de conseguir o maior conforto para o maior número. Do mesmo modo, poderá haver circunstâncias em que seja necessário chegar a compromissos como, por exemplo, o conforto contra a eficiência ou a segurança. Não serão muito comuns circunstâncias conflituais deste tipo, mas, quando existem, levantam habitualmente problemas interessantes sobre que critério utilizar para as avaliar em conjunto. Em termos práticos, o meio da hierarquia é muitas vezes o melhor ponto de começo para o ataque de um problema (há quem lhe chame "abordagem pelo meio"). Nesta linha, consideraremos quatro tipos de limitações que entre si condicionam a grande maioria dos problemas mais comuns de aplicação e, por consequência, uma parte considerável da ergonomia. Pheasant chama-lhes as "quatro limitações cardinais" da antropometria: espaço, alcance, postura e força. Seguem-se alguns comentários acerca dessas limitações. 1ª Limitação cardinal: Espaço Ao projectar postos de trabalho é necessário prever espaço adequado para a cabeça, cotovelos, pernas, etc. Deve providenciar-se espaço adequado para acessos e circulação de materiais e pessoas. As pegas devem ter aberturas adequadas para os dedos ou a palma da mão. Trata-se de limitações de espaço livre ou de espaço mínimo porque determinam as mínimas dimensões aceitáveis para os objectos. Se tal dimensão for escolhida de modo a acomodar um membro 15 avantajado da população (por exemplo, o 95º percentil em altura ou largura, etc.), o resto da população, menor que ele, ficará necessariamente também acomodada. Trata-se de uma limitação "majorante". Como há que considerar apenas um dos extremos da população, é uma limitação de um só sentido ("one-way"). 2ª Limitação cardinal: Alcance A capacidade para alcançar e operar um manípulo de controlo é um exemplo óbvio – como a limitação da altura da cadeira ou a capacidade de ver a estrada por cima do "capot" do automóvel. As limitações de alcance determinam a dimensão máxima aceitável para um objecto, mas desta vez devem ser determinadas por um membro pequeno da população, por exemplo, o 5º percentil. Neste caso estamos perante uma limitação "minorante". Trata-se também de uma limitação de um só sentido, visto que consideramos apenas o extremo inferior. 3ª Limitação cardinal: Postura As relações entre as dimensões dos objectos e as dimensões antropométricas dos utilizadores determinam, entre outras coisas, a postura desses utilizadores. A altura de uma superfície de trabalho (quer sentado, quer de pé) é um bom exemplo. Neste caso, pode serigualmente indesejável que a altura seja muito alta ou muito baixa, isto é, trata-se de uma limitação com dois sentidos ("two-way") que obriga a considerar os grandes e os pequenos utilizadores. Os critérios para a postura são em geral menos óbvios que os dos espaços livres ou dos alcances pois dependem de considerações de natureza biomecânica, tais como amplitudes de movimento das articulações e dos segmentos do corpo. 4ª Limitação cardinal: Força O quarto tipo de limitação diz respeito aos limites aceitáveis para a força a exercer em tarefas de controlo ou noutras tarefas de manipulação. Em geral, os limites da força humana impõem de uma forma natural uma limitação de um só sentido, bastando estimar qual o esforço máximo aceitável para os indivíduos mais fracos. Porém, em alguns casos este procedimento pode ter consequências indesejáveis para os indivíduos mais fortes, como, por exemplo, um manipulo ficar leve demais, correndo-se o risco do seu accionamento involuntário. Princípios e técnicas em "design” Alguns autores referem três tipos distintos de princípios utilizados no design de equipamentos, em função das características desses equipamentos, das especificidades do projecto, dos recursos financeiros disponíveis e da importância que assume, para a população utilizadora, a maior ou menor adequação dos equipamentos às suas características. Esses princípios são os seguintes: 16 "Design" para amplitude ajustável É sem dúvida o tipo de solução mais eficiente e desejável quando se trata de assegurar a melhor adaptação dos equipamentos aos utilizadores, de forma a minimizar os efeitos da grande variabilidade humana. Há exemplos bem conhecidos: • os assentos de automóveis e outros veículos permitindo diversos graus de ajustamento para a frente e para trás, da inclinação das costas, da altura do assento, etc. • a cadeira ajustável para trabalho com computador, permitindo diversos tipos de regulação. De um modo geral, este tipo de soluções tem algumas limitações: • acréscimo de custo resultante dos dispositivos que asseguram a ajustabilidade; • maior complexidade dos equipamentos que poderá torná-los mais susceptíveis de avariar e mais difíceis de reparar; • nem sempre é viável o uso da ajustabilidade, em particular quando se trata de equipamentos destinados a terem muitos utilizadores durante períodos de tempo curtos. “Design” para indivíduos extremos Trata-se de uma abordagem só aplicável quando pretendemos garantir que a grande maioria da população fique abrangida pelo "design". Imaginemos que se pretende definir a largura mínima de um corredor de modo que nele se possam cruzar duas pessoas sem necessidade de uma ter que ceder passagem à outra. Neste caso, a solução seria escolher um percentil elevado da largura de ombros da população masculina (por exemplo o 95º ou o 99º percentil) e fixar a largura do corredor no dobro desse valor, porventura com algum acréscimo se fosse previsível o uso de qualquer equipamento mais volumoso. É a solução típica para problemas relativos a espaços mínimos livres que satisfaçam a uma elevada percentagem da população. Outro exemplo, será determinar a altura mínima do parapeito de um postigo de inspecção por forma que mesmo os utilizadores mais baixos da população possam olhar através dele com comodidade e eficiência. Trata-se ainda de um problema de projectar para os extremos, na circunstância o extremo inferior da população. Caso não fosse praticável uma solução mais sofisticada, o melhor seria talvez escolher o 5º percentil, ou mesmo inferior, da distância olhos-solo da população feminina. Satisfaríamos os mais baixos, mas os mais altos teriam que se curvar de maneira incómoda. "Design" para o indivíduo médio Embora este talvez seja o tipo de solução que ao leigo possa parecer mais óbvia, facilmente se demonstra ser o tipo de abordagem menos recomendável. Imaginemos a especificação da altura para o assento de uma cadeira não ajustável de uso geral. Aplicando este princípio, a solução mais 17 evidente seria escolher uma altura igual ao valor médio dos 50º percentis da altura do popliteu das populações masculina e feminina, que admitiremos serem caracterizadas, respectivamente, por (440 ; 29) mm e (400 ; 27) mm. O valor médio seria 420 mm. Calculando os correspondentes percentis para as duas populações, conforme foi exemplificado em 2.1, tem-se: Para os homens, Px - m = Z = s 420-440 = -0,690 29 ou seja (Tabela da distribuição normal), P ≈ 24,5% para os homens, e para as mulheres, 420 - 400 Px - m = Z = s = -0,74127 sendo para as mulheres, P ≈ 77%. Admitindo que a população global é composta por proporções aproximadamente iguais de homens e de mulheres e interpretando os resultados acima à luz do que foi discutido a propósito do exemplo 2, verifica-se que o "design" não satisfaria à seguinte proporção da população global: 24,5+77 P= = 50,75% ≈ 51% 2 Isto significa que mais de metade dessa população ficaria mal servida com a referida cadeira, pelo que se pode considerar uma solução muito fraca. Habitualmente, as soluções obtidas com a aplicação deste princípio são pouco satisfatórias, pelo que se pode dizer que, de um modo geral, só se justifica quando não seja praticável qualquer dos princípios anteriores e as implicações ergonómicas do projecto sejam pouco relevantes. Testes de ajustabilidade Chegados a este ponto, convém esclarecer que, de um modo geral, nos casos práticos de projecto os princípios acima descritos não se aplicam de uma forma absolutamente rígida. Muitas vezes acontece que num dado problema são usadas técnicas mistas fazendo apelo a mais do que um daqueles princípios. Consideremos então alguns dos conceitos introduzidos acima e apliquemo-los na resolução de um problema prático de projecto. Analisaremos o problema com bastante pormenor - talvez mais do que seria necessário num caso real. 18 Trata-se de especificar a altura correcta para uma superfície de trabalho na qual vai ser executada uma certa tarefa de montagem industrial exigindo pouca força e precisão. Podemos admitir que, por força da prática corrente na empresa, o trabalho será executado de pé e que a população utilizadora é um grupo representativo da população masculina adulta. Por onde começar? Uma boa maneira seria esquecer as teorias e seguir uma abordagem totalmente empírica para o problema, realizando um ensaio de ajustabilidade. Para isso precisamos de uma mesa de altura ajustável, na qual se possa desempenhar a montagem, e de uma amostra representativa da população dos potenciais utilizadores. Cada sujeito deverá desempenhar a tarefa com a superfície de trabalho colocada a diferentes alturas e opinar de cada vez sobre se a altura da mesa está demasiadamente alta ou demasiadamente baixa, ou correcta. Poderíamos ainda refinar estes julgamentos sugerindo categorias intermédias de avaliação. Teríamos também que tomar certas precauções para evitar influenciar os julgamentos dos nossos sujeitos, escolhendo com cuidado a ordem de apresentação das várias alturas. Um teste de ajustabilidade é essencialmente uma experiência psico-fisica na qual os sujeitos fazem julgamentos acerca das sensações que experimentam (por exemplo, conforto) em resposta a certos estímulos físicos (por exemplo, altura da superfície de trabalho). Uma vez terminada a nossa experiência, teremos um conjunto de dados que nos permitirão prever a percentagem de utilizadores que achará satisfatória uma determinada altura de trabalho. Os dados obtidos reflectirão não só a variabilidade antropométrica dos nossos sujeitos, mas também a sua experiência colectiva no desempenho de tais tarefas e a sua capacidade para julgar quais as posições de trabalho mais apropriadas. Mas não haverá outra alternativa à realização de ensaios de ajustamento cada vez que surge um problema de"design"? A metodologia é boa, mas o número de sujeitos terá que ser elevado se quisermos boa precisão nos resultados, o que torna o processo caro e demorado, muitas vezes impraticável. Por isso os testes de ajustabilidade só se justificam em situações especiais. Simulação Uso de manequins Uma alternativa aos ensaios de ajustabilidade é o recurso a técnicas de simulação, utilizando manequins à escala ou mesmo em tamanho natural com os quais se testa a ajustabilidade de determinado "design". Como é evidente, este método exige que os manequins sejam representativos da população que irá utilizar o equipamento em projecto. Outra consequência inevitável deste método é a necessidade de construir protótipos ou maquetes em tamanho natural ou pelo menos modelos reduzidos dos equipamentos a produzir a fim de testar a ajustabilidade com os manequins. 19 Simulação em computador Outra alternativa é o uso da simulação em computador. Existem programas apoiados em bases de dados antropométricos com os quais é possível simular postos de trabalho ou equipamentos e gerar silhuetas humanas com dimensões antropométricas escolhidas pelo experimentador a fim de testar a adequação dos equipamentos. Trata-se de uma espécie de ensaios de ajustamento sem recorrer a pessoas, tornando os ensaios muito mais rápidos e económicos. E assim possível testar um grande número de hipóteses, eliminando as menos satisfatórias sem os custos e perdas de tempo da construção de muitos protótipos ou modelos reduzidos. Em princípio, este tipo de ensaio não substitui totalmente a experimentação com indivíduos, mas permite importantes ganhos na redução do número de protótipos, no gasto de materiais e no pagamento de ensaios com seres humanos com características antropométricas representativas dos potenciais utilizadores. Método dos limites E na realidade, na maior parte dos casos, podemos conseguir resultados comparáveis aos do método anterior apenas com o recurso a papel e lápis. Contudo, na essência, a nova metodologia não é muito diferente da anterior: de certo modo, podemos considerar que os sujeitos de carne e osso são agora substituídos pelos dados e critérios antropométricos. Usemos um exemplo para ilustrar o método: Segundo Grandjean, a altura mais indicada para o desempenho de tarefas manipulativas de força e precisão moderadas situa-se entre 50 e 100 mm abaixo da altura do cotovelo ao solo, conforme ilustra a figura 6. Será este o nosso critério. Repare-se que se trata de um critério com dois sentidos por ser relativo à postura, como vimos anteriormente, visto poder ser excedido em ambas as direcções. Admitamos que a altura do cotovelo (AC) da população em causa é N ≈ (1090 ; 52) mm, à qual devemos adicionar uma correcção de 25 mm para a espessura dos sapatos, ficando a nossa variável definida por N ≈ (1115 ; 52). Combinando estes dados com o critério adoptado, obtemos os limites superior e inferior para o nível óptimo de trabalho: AC - 50 = (1065 ; 52) e AC -100 = (1015 ; 52). Podemos tratá-los como sendo novas dimensões antropométricas normalmente distribuídas e calcular os percentis nestas distribuições correspondentes a uma dada altura de trabalho. Contudo, devemos ter presente que o critério se refere a "altura óptima" pelo que será razoável admitir que os nossos trabalhadores estão dispostos a aceitar, um pouco menos que a perfeição absoluta. Neste pressuposto, será útil considerar mais duas zonas abrangendo 50 mm acima e abaixo da zona óptima, que poderemos designar por "satisfatórias embora não perfeitas (figura 6). Escolhemos o valor de 50 mm apenas por parecer, um valor razoável e não por obedecer a qualquer critério científico. Do mesmo modo definiremos as duas distribuições correspondentes 20 aos novos limites: (1115; 52) e (965; 52). Estamos agora em condições de calcular a percentagem de indivíduos que previsivelmente considerarão satisfatória qualquer altura do plano de trabalho. Figura 6 - Critérios para altura de trabalho óptima e satisfatória para trabalho de montagem industrial, (Segundo Grandjean), No quadro 4 mostram-se as previsões das respostas da população em percentagens de indivíduos satisfeitos para uma superfície de trabalho com 1000 mm de altura. Foram obtidas com a ajuda da fórmula 2.8. Verificamos que a altura de 1000 mm corresponde ao 75º percentil da distribuição do critério inferior - do qual inferimos que essa altura seria "demasiadamente baixa" ou "não satisfatória" para os 25% de indivíduos com AC superior a esse valor. Do mesmo modo, o critério central corresponde aos 39º e 11º percentis, respectivamente - do qual concluímos que 28% dos homens com AC entre estes valores consideraria a altura "correcta" ou mesmo "óptima". Poderíamos continuar a efectuar cálculos semelhantes para outras alturas até encontrarmos um valor que optimizasse a percentagem de boa acomodação e minimizasse a percentagem de insatisfeitos (um computador daria certamente uma boa ajuda). A figura 7 mostra os resultados de uma série de cálculos desses. Verifica-se sem surpresa que os valores "óptimos" descrevem uma curva normal (e); enquanto os valores "muito altos" e "muito baixos" originam ogivas normais com inclinações opostas (a, b, c, d). Se juntarmos os valores "óptimos" com os "um pouco altos" e "um pouco baixos" numa categoria de "satisfatórios" curva (f), deixaremos de fora os residuais "não satisfatórios" curva (g) fora desses limites (26% não satisfatórios e 74% satisfatórios para 1000 mm de altura de trabalho). Pela figura se vê que o valor ideal seria 1050 mm. 21 Quadro 4 - Cálculos da percentagem de homens acomodados por uma superfície de trabalho com altura de 1000 mm. Critério Distribuição Percentil Conclusão AC -150 (965 ; 52) 75 25% demasiadamente baixa AC -100 (1015; 52) 39 61% muito baixa AC -50 (1065 ; 52) 11 11% muito alta AC (1115 ; 52) 1 1% demasiadamente alta 28% altura correcta Será que podemos considerar o problema solucionado? Reparemos que, apesar da optimização conseguida com o plano de trabalho a 1050 mm, cerca de 15% dos utilizadores ainda consideram a altura insatisfatória. Ocorrem diversas perguntas: Será a postura tolerável ou demasiadamente incómoda? Será a situação aceitável ou em contrapartida haverá o risco de aparecimento de lesões a médio ou longo prazo? Será preferível ter uma mesa demasiadamente alta ou baixa? Será de facto indispensável recorrermos à solução de altura ajustável ou de outro tipo (talvez com degraus)? Nem sempre a resposta é fácil. Figura 7 - Aplicação do método antropométrico dos limites na determinação da altura óptima de trabalho para uma tarefa industrial de montagem. As curvas mostram as percentagens de utilizadores para diversas categorias de acomodação ou não acomodação: (a) demasiadamente baixo; (b) muito baixo; (c) muito alto; (d) demasiadamente alto; (e) altura correcta; (f) satisfatória; (g) não satisfatória. (Segundo Pheasant ). 22 Haverá algumas situações em que a única solução será construir e ensaiar um protótipo – o que pode parecer que nos encontramos num círculo vicioso que nos enviou de novo para os testes de ajustabilidade, mas na realidade a análise estatística reduziu muito a amplitude das possíveis opções, a ponto de tornar realizáveis os ensaios. A antropometria é ainda uma ciência relativamente inexacta e por isso a maioria dos ergonomistas considera o ensaio com utilizadores na fase de protótipo como um passo essencial do processo de design (à semelhança dos engenheiros que testam os seus modelos para confirmarem os cálculos e as hipóteses simplificativas). O processo acima descrito para a procura do melhor compromisso é designado por método dos limites. Esta designação, pedida emprestada a uma técnica experimental psico-fisica com a qual tem algumas semelhanças formais, reforça o facto de ser, nasua essência, uma técnica de testes de ajustabilidade imaginários. Um método simplificado O método dos limites não é de aplicação muito simples. Em muitos casos pode-se utilizar uma abordagem mais directa que, embora sem possuir todas as potencialidades do método dos limites, produz resultados em geral satisfatórios. Trata-se de um método em grande parte baseado no bom senso, como tantas coisas na vida, embora tenhamos que cuidar em não nos deixarmos cair na 5ª falácia referida na secção 1 destes textos. A melhor forma de proceder consiste, em primeiro lugar, em identificar a limitação (ou limitações) dominante (s), isto é, cuja observância seja imperativa para a qualidade do projecto. Depois, há que considerar as demais limitações por ordem decrescente de importância para a qualidade do produto final. Finalmente, será preciso definir os critérios de ajustamento aos utilizadores. Vejamos através de um exemplo como aplicar esta metodologia: Problema: Pretende-se determinar a altura (fixa) de uma bancada para ser utilizada na posição de pé, para a montagem final de um ferro de engomar pouco exigente em termos de força e de acuidade visual. A solução deve satisfazer 90% da população masculina e deve admitir que será aceitável uma tolerância de ± 50 mm, graças à excelente capacidade de adaptação humana. Se for necessário, dimensionar também um estrado ou degraus. Há que responder primeiro a quatro questões prévias: (a) De que tipo de limitação se trata?; (b) Qual é a limitação? (c) Qual o critério a satisfazer?; (d) Qual o percentil (ou percentis) a considerar? Quanto à primeira questão, trata-se de nitidamente de uma limitação de postura, isto é, com dois sentidos (two way). De facto, não é aceitável qualquer das duas posturas: 1ª, trabalhar com acentuada flexão anterior do tronco, problema que poderá afectar os indivíduos mais altos; 2ª, trabalhar com os cotovelos afastados do tronco, postura que afectará as pessoas mais baixas por 23 terem que elevar os antebraços acima da bancada o que por sua vez obriga a afastar os cotovelos do tronco se a bancada for demasiadamente alta para elas. Esta postura produzirá fadiga muscular na musculatura dos ombros devida ao esforço de sustentação do peso dos braços. Isto significa que, na prática, teremos que dimensionar a bancada tendo em consideração dois limites, o superior e o inferior. Atendendo ao tipo de trabalho a realizar, é desejável que o trabalhador possa mover livremente os braços sobre a bancada, pelo que a altura recomendável seria um pouco inferior à altura do cotovelo (AC), na ordem dos 50 mm. Isto responde às questões (b) e (c). Quanto à questão (d), uma vez que a bancada deve satisfazer 90% dos indivíduos, poderemos dimensionar bilateralmente para P95 e para P5. Assim deixaremos "de fora" - isto é, não satisfeitas - 5% das pessoas em cada extremo da distribuição. É um procedimento corrente. A altura do cotovelo é AC ≅ N (1090 ; 52) mm. Logo, de acordo com as três primeiras alíneas, os valores limitantes da nova variável [AC - 50 mm] são P95 = 1130 mm e P5 = 995 mm. Concedendo uma correcção de 25 mm para a espessura do calçado (cf. pág. 4-3), os valores limitantes passam a ser VLc,95 = 1155 mm e VLc,5 = 1020 mm. Tomando em atenção o intervalo de tolerância de ± 50 mm, os valores limitantes ficam respectivamente enquadrados pelos intervalos S [1105 , 1205] e I [930 , 1030]. Então qual o valor a escolher? Tira-se muitas vezes partido da tolerância humana no sentido de economizarmos nos materiais e no presente caso isso levar-nos-ia a optar por uma altura da bancada igual ao limite inferior do intervalo S, isto é, ABs = 1105 mm. Idêntico raciocínio levar-nos-ia a admitir que os indivíduos do 50 percentil considerariam aceitável o limite superior do intervalo I: ABi = 1030 mm graças à sua tolerância. Isso permitir-nos-ia economizar nas dimensões do estrado. A altura mínima do estrado, h, ficaria então definida pela diferença entre os dois valores: h = ABs -ABi = 1105 mm -1030 mm = 75 mm. Como a altura mínima necessária para o estrado é inferior à amplitude do intervalo de tolerância - que é, como foi definido, igual a 100 mm - podemos concluir que um só estrado é suficiente para acomodar toda a variabilidade individual. Esta solução satisfaria todas as condições antropométricas definidas e ao mesmo tempo minimizaria os custos materiais da construção da bancada e do estrado. TIPOS DE DADOS ANTROPOMÉTRICOS Convencionalmente, é costume distinguir entre dados antropométricos estáticos e dinâmicos. Lamentavelmente, estes termos não são empregues exactamente com o sentido físico correcto, 24 isto é, para denotar a ausência ou existência de movimento. Isto levou alguns especialistas a propor a substituição desses termos por antropometria estrutural e funcional. Embora mais correctos, estes termos não encontraram, porém, aceitação geral. Por isso usaremos nestes textos a nomenclatura convencional. Os dados antropométricos estáticos dizem respeito às dimensões estruturais do corpo, medidas habitualmente entre pontos anatómicos fixos em posturas estereotipadas, habitualmente designadas por posturas antropométricas normalizadas. São exemplos a altura de pé, as alturas dos olhos e dos cotovelos de pé ou sentado, os comprimentos dos membros, as larguras dos ombros ou das ancas e as espessuras do corpo a diversos níveis. Também se enquadram nesta categoria os perímetros dos membros, da cabeça, do pescoço e do tronco, bem como o peso. Os dados antropométricos dinâmicos incluem medições de alcances ou amplitudes efectuadas em condições "funcionais", assim permitindo ao indivíduo um certo grau de liberdade de modo a poder adoptar posturas "naturais" para o desempenho de uma dada tarefa. Também podem ser incluídas nesta categoria as amplitudes de movimento das articulações e dos membros e a força exercida em várias acções. O valor e relevância destes dados para aplicações práticas ao "design" são tanto maiores quanto mais as condições de medição se aproximam das do mundo real em que serão utilizadas essas aplicações. Infelizmente, essa relevância é obtida à custa de um elevado grau de especificidade. Na realidade, as medições de alcances para serem utilizadas no "design" da cabina de um avião militar podem ser irrelevantes para automóveis - devido às diferenças de formato do assento e do equipamento usado pelos pilotos bem como às diferenças antropométricas da população utilizadora. Por esta razão, a obtenção de dados dinâmicos pode ser exclusiva para um dado problema de "design", o que a torna cara em matéria de tempo e pessoal. Em muitos casos, as insuficiências dos dados estáticos não são tão grandes como parecem, pois podem ser ultrapassadas pela utilização judiciosa dos critérios apropriados. Tabelas antropométricas A forma mais generalizada de divulgação de dados antropométricos são as tabelas antropométricas. Nelas são tabulados os percentis das dimensões antropométricas habitualmente mais utilizadas e o respectivo desvio-padrão. Muitos projectistas consideram as tabelas antropométricas demasiadamente áridas e pouco práticas para uso corrente e pressionaram os antropometristas para produzirem outras formas de apresentação dos dados que fossem manipuláveis e que permitissem uma mais fácil avaliação dos resultados do "design". 25 Diagramas Uma das respostas a essa pressão surgiu sob a forma de diagramas que permitem apresentar os dados de uma forma mais compreensível. Neste tipo de dados incluem-se as medições das zonas de alcance dos membros anteriores complementadas com tabulações de dados com percentis. Esses diagramas dão uma imagem clara da natureza espacial dos dados e facilitam a obtenção da informação. Outro exemplo de utilização de diagramas são as medições biomecânicas das forças estáticas apresentadas na figura 5 Figura8 - Limites da força exercida no levantamento de pesos (em Kgf) (a) com duas mãos e (b) com uma só mão em várias posições na zona de alcance conveniente segundo diversos autores. Estes valores referem-se a homens com menos de 50 anos e frequência inferior a um esforço por minuto. Formatos gráficos Outro método de apresentação de dados antropométricos é o uso de curvas de frequência cumulativa em papel normal de probabilidade. O método tem algumas vantagens: permite a comparação de várias populações relativamente a um dado parâmetro; dão imediatamente os valores para qualquer percentil desejado; permitem condensar uma grande quantidade de informação numa pequena área, permitindo obter rapidamente uma estimação da distribuição das dimensões antropométricas. Mapas Trata-se de mapas bidimensionais do corpo humano ilustrando as diversas dimensões representadas pelos respectivos valores para diferentes percentis. Alguns mapas também 26 apresentam aplicações mostrando figuras humanas em posturas de trabalho normalizadas. Estes mapas são fáceis de usar e podem ser reproduzidas em escalas convenientes para serem utilizadas em modelos reduzidos. São bem conhecidos os mapas concebidos por Dreyfuss [4], cujo maior inconveniente é serem baseados em dados antropométricos bastante antigos, o que pode constituir uma limitação para o seu uso. Manequins Outro modo de apresentar dados antropométricos é sob a forma de manequins articulados a duas dimensões, habitualmente fabricados em perspex transparente ou folha metálica, de que se mostram exemplos na figura 9 e de que existem versões em vária escalas até ao tamanho natural. Uma das características práticas interessantes dos manequins é a possibilidade de combinar membros e tronco correspondentes a diferentes percentis, assim permitindo ao projectista considerar a variação de proporções, além das dimensões corporais. Contudo, há um inconveniente quanto à aplicação destes manequins representando homens de percentis "híbridos": em geral, é difícil obter a localização correcta de alguns pontos de rotação das articulações, que podem não ser compatíveis com outras dimensões (por exemplo, a articulação do ombro quando se combinam braços e tronco de percentis de extremos opostos). 27 Figura 9 - Exemplo de manequins antropométricos, (a) 52 percentil das mulheres; (b) 952 percentil dos homens. Escala 0,76:10. (Segundo Pheasant). De um modo geral, os manequins fornecem medições precisas das dimensões e do comprimento dos segmentos corporais e respectivos pontos de rotação e das amplitudes de movimento das articulações. Podem também incorporar ajustamentos às dimensões antropométricas para posturas de trabalho sentado e de pé. Bons exemplos destes (manequins muito elaborados e precisos foram desenvolvidos pela 1 força aérea americana tendo sido largamente utilizados pela NASA para o projecto das cabinas e dos alojamentos das naves espaciais tripuladas. É evidente que não se devem utilizar os manequins indiscriminadamente. Na realidade, podemos dizer que a existência de um indivíduo do 95º percentil, por exemplo, relativamente a todas as dimensões, antropométricas, é uma impossibilidade prática, dada a enorme variabilidade das proporções entre os vários segmentos corporais. É preciso haver cautela no uso de manequins, não esquecendo as suas limitações. Existem, no entanto, no comércio alguns manequins que preservam as dimensões corporais principais, geralmente consideradas mais críticas para o "design". Em conclusão, pode dizer-se que os manequins, graças à sua versatilidade, podem ser preciosas ajudas para o projectista, permitindo-lhe além disso poupar tempo na construção de maquetes e no ensaio de protótipos quando não é conveniente utilizar uma população seleccionada para o efeito. O principal inconveniente dos manequins é o seu custo, que pode ser muito elevado no caso dos modelos de maior precisão. No caso português, a inexistência de qualquer tipo de manequim antropométrico relativo à nossa população, constitui obviamente uma limitação adicional, pois não conhecemos qualquer modelo, para além daqueles utilizados nas montras das lojas de vestuário com objectivos completamente diferentes, que não têm qualquer utilidade prática para o "design". Sistemas computadorizados Outra forma alternativa de apresentação de dados antropométricos, são os modelos computorizados. Os computadores têm sido largamente utilizados para a análise estatística de dados antropométricos, combinação de dimensões corporais para problemas específicos, cálculos de centros de massa, de momentos de inércia e em muitas outras aplicações com objectivo de definir critérios para o "design". Nos anos sessenta apareceram os primeiros modelos computorizados do corpo humano a três dimensões com propriedades dinâmicas e, desde então, têm sido desenvolvidos diversos modelos tridimensionais, com diferentes objectivos. 28 De um modo geral, os modelos computadorizados do homem consistem em bases de dados antropométricos armazenados de uma forma versátil a fim de permitir a sua leitura, manipulação, combinação e realização de cálculos com várias finalidades. Alguns dos diversos tipos de sistemas existentes permitem a inclusão do modelo humano no posto de trabalho (cadeira, escritório, veiculo, etc.) pela sobreposição das duas imagens no "écran" com uma considerável amplitude de variação de dimensões. Assim, é possível testar o ajustamento do equipamento às dimensões humanas. O programa SAMMIE, desenvolvido pelo Prof. M. Bonney e cols., é um bom exemplo (ver figura 10). Trata-se, essencialmente, de um programa contendo uma tabela detalhada de dados antropométricos que lhe permite gerar uma imagem tridimensional de um indivíduo de um percentil especificado relativamente a certas dimensões. Esta imagem pode ser visualizada num terminal gráfico, de perfil, de frente, em projecção horizontal e em perspectiva. O programa pode também incluir na mesma imagem a geometria do espaço de trabalho ou do equipamento a utilizar, apresentados de idêntica forma, integrando ambas as imagens na mesma escala. A imagem gerada pode ser movimentada sob o controlo do operador a fim de avaliar o "design" relativamente à adequação entre as dimensões antropométricas do utilizador, os espaços livres, o campo visual, etc. O sistema pode ser usado como ferramenta quer de "design", quer de avaliação e tem sido utilizada em problemas associados com o uso de veículos (camiões, automóveis, tractores, navios, aviões e comboios), equipamentos e postos de trabalho tais como áreas de pagamento em supermercados e "layout" de salas de controlo. Trata-se, contudo, de um modelo essencialmente estático, não contendo dados biomecânicos ou de inércia. 29 Figura 10 - Exemplo do "output" do modelo com computadorizado SAMMIE, mostrando um manequim representativo de uma mulher do 95º percentil utilizando um modelo de incubadora especialmente concebida para tratamento de recém-nascidos. (Reproduzido de Pheasant). Os modelos mais sofisticados incluem dados sobre a inércia e mesmo biomecânica do corpo humano, permitindo a simulação das reacções humanas em resposta a forças externas tais como vibrações, impacto ou variações do campo gravítico. Como exemplo, pode citar-se o Boeman, modelo avançado de um indivíduo sentado, destinado à avaliação da geometria das cabinas de pilotagem de avião (figura 11). Outro modelo muito sofisticado, designado por "Combiman", representa as características estáticas e dinâmicas humanas, podendo incorporar ambientes variáveis e diferentes postos de trabalho, a fim de avaliar as interacções entre o homem, o ambiente e o local de trabalho e os seus efeitos combinados no desempenho das tarefas. Tanto quanto sei, constitui o mais ergonómico de todos os modelos computadorizados construídos até hoje. Podem ainda referir-seprogramas que permitem prever a percentagem de utilizadores bem acomodados a um determinado "design" com o recurso a técnicas de simulação, tais como o programa CAPE de Bittner e cols. Figura 11 - Exemplo de imagem gerada pelo programa Boeman, um modelo computadorizado do homem 30 Relações biométricas É sabido que algumas dimensões antropométricas diferentes apresentam boa correlação estatística entre si. Este facto pode ser útil para o projectista em situações de escassez de tempo ou de natureza financeira que não lhe permitem obter, por observação directa, os dados de certas dimensões antropométricas de que necessita para resolver determinado problema. Supondo que conhece a distribuição de uma dada dimensão, digamos, a altura de pé, e a equação de regressão da altura do punho com aquela dimensão, ele pode estimar os valores da altura do punho por meio dessa equação. Além disso, se conhecer o coeficiente de correlação entre as duas variáveis, ele pode também calcular a amplitude de variação previsível da variável dependente assim obtida. Outra aplicação da regressão em antropometria é o cálculo de dimensões desconhecidas de uma dada população a partir das correspondentes dimensões de outra população, se conhecermos as equações e os coeficientes de regressão. O interesse prático das técnicas de regressão depende em grande medida da correlação entre as diferentes variáveis. É sabido que algumas estão razoavelmente bem correlacionadas (p. ex. o peso com larguras, espessuras e perímetros; alturas com outras alturas, comprimentos, etc.). Por estas razões, o projectista deve ser muito cuidadoso quanto à escolha das variáveis se pretende obter estimativas com precisão. A premissa essencial para estas técnicas serem de confiança é haver boa correlação entre as variáveis. Podem ainda usar-se outros métodos para prever dimensões corporais desconhecidas e outras estimações antropométricas entre indivíduos da mesma população, ou mesmo entre médias de populações diferentes. Estes métodos baseiam-se no conhecimento das relações (coeficientes) conhecidas entre dimensões ou das proporções entre segmentos do corpo. 31 Figura 12 – Estimativas dos cumprimentos de partes do corpo em pé, em função da altura de pé (Contini e Drillis, 1966, citados por Lida) DIMENSÕES ANTROPOMÉTRICAS ESTÁTICAS Medição das dimensões do corpo Conforme já foi dito, trata-se de comprimentos de segmentos lineares, espessuras e larguras do corpo humano nu, medidos em posições normalizadas. Existem diversos dispositivos para se fazer a medição das dimensões antropométricas estáticas. O dispositivo mais comum é o vulgar antropómetro [figura 13 (a)], de que existem modelos portáteis muito convenientes para medições dentro e fora do laboratório. Outro dispositivo muito usado [figura 13 (b)] é bastante conveniente pela simplicidade e economia, embora as suas dimensões tornem impraticável a utilização fora do laboratório. 32 Figura 13 - Instrumentos de antropometria: (a) Antropómetro portátil, composto por diversos tipos de craveiras, e (b) Modelo fixo, constituído por dois painéis com uma quadrícula graduada e banco de altura variável. (Adaptado de Roebuck). Outro equipamento utilizado para obter dimensões importantes para o dimensionamento de postos de trabalho, nomeadamente, os alcances na posição de sentados (figura 14). Figura 14 – Aparelho construído para medir os alcances das mãos na posição de sentado (Dempsey, 1953) BIBLIOGRAFIA Costa, Luís Gomes, Textos de Ergonomia – Antropometria Aplicada, Universidade do Minho, 1993 Pheasant, S., Bodyspace. Anthropometry, Ergonomics and Design, Taylor and Francis, London, 1986 Grandjean E., Fitting the Task to the Man. A Textbook of Occupational ergonomics, Taylor and Francis, London, 1988 33 Roebuck, Jr, J. A., Kroemer, K. H. E. e Thomson, W. G., Engineering Anthropometric Methods, Wiley, New York, 1975 Lida, Itiro, Ergonomia, Projecto e Produção, Editora Edgard Blucher, Lda, S. Paulo, 3ª Ed., 1995 Fundacion Mapfre, Manual de Ergonomia, Editorial Mapfre, Madrid, 1995 34 Antropometria aplicada Introdução Antropometria laboral Planos de referência As 5 falácias, segundo Pheasant PRINCÍPIOS E PRÁTICA DA ANTROPOMETRIA A descrição estatística da variabilidade Erro padrão Coeficiente de variação Cálculo de percentis Critérios e limitações: As limitações cardinais 1ª Limitação cardinal: Espaço 2ª Limitação cardinal: Alcance 3ª Limitação cardinal: Postura 4ª Limitação cardinal: Força Princípios e técnicas em "design” "Design" para amplitude ajustável “Design” para indivíduos extremos "Design" para o indivíduo médio Testes de ajustabilidade Simulação Método dos limites Um método simplificado TIPOS DE DADOS ANTROPOMÉTRICOS Tabelas antropométricas Diagramas Formatos gráficos Mapas Manequins Sistemas computadorizados Relações biométricas DIMENSÕES ANTROPOMÉTRICAS ESTÁTICAS Medição das dimensões do corpo
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