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28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 1/55 SOCIOLINGUÍSTICA CAPÍTULO 1 - AFINAL, O QUE A LÍNGUA TEM A VER COM AS PRÁTICAS SOCIAIS? 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 2/55 Danieli Silva Chagas INICIAR 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 3/55 Introdução A Linguística — vista, hoje, como uma ciência autônoma que se dedica ao estudo da linguagem humana — só adquire esse status a partir do início do século XX. Isso porque, em 1916, é publicado o “Curso de Linguística Geral”, livro no qual são expostas as principais ideias do professor genebrino Ferdinand Saussure, organizadas por seus alunos. Contudo, que tipo de relação essa publicação teria com a evolução dos estudos linguísticos no mundo? Até o século XIX, os principais estudos linguísticos se desenvolviam em torno da busca por aspectos históricos e comparatistas que pudessem relacionar as línguas umas às outras, por meio da chamada “linguística histórica”. Esses estudos priorizavam a análise das línguas em perspectiva diacrônica, observando, principalmente, o desenvolvimento das línguas ao longo do tempo, sem a preocupação com a influência de questões externas em sua configuração. Com o advento do “Curso de Linguística Geral”, as línguas passam a ser observadas, sobretudo, por meio de uma perspectiva sincrônica. Assim, vêm à tona os estudos que se preocupam, também, com a análise linguística em um determinado momento da língua, uma dada sincronia, inclusive, considerando o estágio da língua no momento em que ela é estudada. Mas que mudanças os estudos sincrônicos trazem para os estudos linguísticos? Analisadas em perspectiva sincrônica, as línguas podem, ainda, ser 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 4/55 comparadas, estabelecendo relações entre si. Entretanto, essa comparação deixa de ser a única ou principal preocupação dessa ciência, que então se estabelece como tal. Dessa forma, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, surgem variados ramos de estudos linguísticos, como o estruturalismo, o gerativismo, o funcionalismo, a linguística do texto, o cognitivismo, a sociolinguística, entre muitos outros; por meio dos quais se desenvolvem inúmeras interfaces que consideram questões linguísticas e extralinguísticas no estudo das línguas. Mas, afinal, do que trata a Sociolinguística? É o que veremos a partir de agora, por meio de uma abordagem conceitual, prática e histórica sobre a importância da Sociolinguística para os estudos da língua na contemporaneidade. Vamos lá! 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 5/55 1.1 Conceito e objeto de estudo da Sociolinguística Com a evolução da Linguística enquanto uma ciência autônoma, dá-se lugar a outras ciências que dela advém, como é o caso da Sociolinguística, que também surge como uma ciência interdisciplinar e autônoma, a partir da segunda metade do século XX. Para iniciar nossos estudos, vamos analisar de que maneira a Sociolinguística se estabelece como uma ciência interdisciplinar, por meio das relações humanas. 1.1.1 Língua e sociedade Com o objetivo de pensarmos na relação travada entre a língua e a sociedade, um dos pilares da Sociolinguística, é preciso buscar a concepção de língua. Segundo Marcuschi (2008, p. 59), De acordo com as diferentes posições existentes, pode-se ver a língua: 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 6/55 a) como forma ou estrutura – um sistema de regras que defende a autonomia do sistema diante das condições de produção (posição assumida pela visão formalista); b) como instrumento – transmissor de informações, sistema de codificação; aqui se usa a metáfora de conduto (posição assumida pela teoria da comunicação); c) como atividade cognitiva – ato de criação e expressão do pensamento, típica da espécie humana (representada pelo cognitivismo); d) como atividade sociointerativa situada – a perspectiva sociointeracionista relaciona os aspectos históricos e discursivos. A despeito de cada concepção de língua estar inserida em concepções teóricas específicas ligadas a linhas de pesquisa da língua também específicas, podemos observar que elas não são estanques. A visão de língua como atividade sociointerativa, por exemplo, não abandona totalmente a sistematicidade da língua e as regularidades inerentes a cada sistema linguística. É fato, entretanto, que, com base nessa visão sociointerativa, a língua é vista como um sistema em seu funcionamento social, por meio do qual é observada como um sistema sócio-histórico. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 7/55 Com esse viés, ao analisar as línguas, é necessário analisar, também, os fatores externos que agem sobre ela, influenciando-a e sendo por ela influenciados. Esses fatores, inclusive, estão presentes no contexto social e histórico de desenvolvimento e circulação de uma língua. Não é difícil compreender a importância da visão sociointerativa da língua, segundo a qual cada sistema linguístico deve ser observado em função de uma realidade sócio-histórica. Como exemplo, podemos estudar o caso a seguir. CASO É comum ouvirmos professores, e, até mesmo, os que não são professores, repetirem no dia a dia uma das regras de nossa gramática tradicional: não devemos usar pronome átono em início de frase. A regra — que é mais complexa e foi aqui parafraseada para se aproximar da fala diária sobre o tema — está na ponta da língua de muitos brasileiros, mas, ainda assim, é muito comum ouvirmos frases do tipo “me empresta sua caneta?”, “me assustei com sua chegada repentina!”, “me vê um copo de água?” ou “se apronte logo!”. Esse uso é feito pela maioria dos brasileiros, ainda que 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 8/55 alguns insistam em falar “empresta-me sua caneta?”, “assustei-me com sua chegada!”, “vê-me um copo de água?” ou “apronte-se logo!”, correndo o risco de parecer pedante, dependendo da situação de comunicação. Esse conflito tem explicação, mas ela não está apenas na estrutura da língua, e, sim, em questões sociais e históricas que a perpassam. Por volta da metade do século XIX, após a independência do Brasil, foi adotado como padrão linguístico para o Brasil a norma culta portuguesa, observada nos principais compêndios gramaticais brasileiros. Contudo, a língua portuguesa no Brasil, já no século XIX, apresentava usos predominantemente proclíticos, como “se apronte logo!”, mesmo na Constituição vigente antes da independência. Esse fato só mudou após a separação política entre Brasil e Portugal, quando passou a predominar a ênclise, de acordo com o padrão português adotado na Constituição. O caso apresentado é um exemplo claro da relação entre a língua e a sociedade, mas, acima de tudo, demonstra que essa relação é mais complexa do que parece. Afinal, se, nessa época, o Brasil acabara de se tornar independente politicamente de Portugal, por que, então, adotara a norma culta portuguesa como padrão? 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 9/55 A resposta para essa pergunta também está no contexto social e histórico do desenvolvimento de nossa língua. Faraco (2008, p. 12) nos explica que Em geral, a fixação de um certo padrão responde a um projeto político que visa impor uma certa uniformidade onde a heterogeneidade é sentida como negativa (como “ameaçadora de uma certa ordem”). Foi esse o caso do Brasil no século XIX, em que uma certa elite letrada, diante dasvariedades populares (em particular do que se veio a chamar pejorativamente de “pretoguês”) e face a um complexo jogo ideológico (em boa parte assentado em seu projeto de construir um país branco e europeizado) trabalhou pela fixação de uma norma-padrão. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 10/55 Como se vê, as línguas constituem mais do que um simples conjunto de sons ou palavras. Ela é um reflexo das relações sociais travadas entre seus falantes. Figura 1 - A escravidão negra é um dos principais fatores sócio-históricos que influenciaram na configuração do português no Brasil. Fonte: Marzolino, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 11/55 Em perspectiva histórica ou diacrônica, essas relações se constituem, por exemplo, por influência das línguas africana, indígena e europeia na configuração do português brasileiro e por meio das ações políticas de então, diante de tal realidade. Já em perspectiva sincrônica, a língua pode ser observada em diferentes recortes temporais, inclusive o atual, em função de “quem fala, com quem fala, onde fala, por que fala” e outros variados aspectos sociais. Esse olhar sobre a relação entre a língua e a sociedade constitui um dos principais recortes da Sociolinguística como ciência, sobre a qual estudaremos na sequência. 1.1.2 O que é a Sociolinguística? A Sociolinguística, de maneira geral, é definida como o estudo da linguagem em que se considera a implicação de fatores sociais. Essa definição, por ser bastante ampla e tratar de uma visão apresentada internacionalmente na década de 1980, abre caminho para o seu objeto de estudos: a relação entre a língua e a sociedade (LYONS, 1981). Conforme observamos, a língua pode ser analisada sob várias perspectivas que consideram fatores linguísticos e extralinguísticos. Essa convergência de fatores é, para a Sociolinguística, vista como uma teoria para alguns estudiosos e como uma metodologia 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 12/55 para outros, sendo de grande importância para a fundação de seus estudos. Nas palavras de Mollica e Braga (2008, p. 9), A Sociolinguística é uma subárea da Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais. Essa ciência se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente, os empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo. VOCÊ SABIA? O que é comunidade de fala? A comunidade de fala, segundo Labov (1972), constitui cada grupo que compartilha determinadas atitudes sociais e normas perante a língua. É possível pensar que determinadas comunidades de fala considerem mais apropriado o uso proclítico de “me empreste sua caneta?”, enquanto que outras comunidades de fala consideram mais 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 13/55 apropriado o uso enclítico de “empreste-me sua caneta?”. É possível, ainda, que um mesmo indivíduo participe de comunidades de fala diferentes, alternando seus usos para se adequar à comunidade em que esteja em dado momento. A Sociolinguística pode se dividir em vários ramos, como os que priorizam os estudos relacionados à variação e à mudança linguística, o multilinguismo, o contato entre línguas, entre outros. Em todos os casos, parte-se da premissa de que a língua é variável e heterogênea, uma vez que, segundo Mollica e Braga (2008, p. 9), há “[...] formas distintas que, em princípio, se equivalem semanticamente no nível do vocabulário, da sintaxe e morfossintaxe, do subsistema fonético-fonológico e no domínio pragmático-discursivo”. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 14/55 Essa heterogeneidade — que, na visão de Saussure (2014), limita-se à fala ou à materialização do sistema linguístico — é entendida pela Sociolinguística como inerente ao próprio sistema linguístico. Nessa perspectiva, a pronúncia da palavra “Recife” em Figura 2 - Os sons que emitimos são umas das instâncias em que opera a variação e a mudança linguística. Fonte: Andrea Danti, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 15/55 diferentes estados do Sul ou do Sudeste em relação ao Nordeste brasileiro, por exemplo, seria parte do nosso sistema linguístico. Ainda de acordo com Mollica e Braga (2008, p. 9), as “[...] formas distintas que, em princípio, se equivalem semanticamente.”, apresentam variações em relação à região geográfica, como o exemplo citado. Assim, essas formas são de interesse dos estudos sociolinguísticos e desafiam a visão de língua estabelecida desde a imposição de um padrão normativo espelhado no português europeu, conforme visto no século XIX, até a dicotomia saussureana langue x parole (língua x fala), estabelecendo novos propósitos e definições para os estudos linguísticos. 1.2 Termos frequentes na sociolinguística 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 16/55 Como temos visto, a Sociolinguística parte da premissa de que a língua é variável e heterogênea. Assim, por essa variedade e heterogeneidade, manifestam-se nas comunidades de fala, gerando formas distintas em função do uso linguístico. Sabendo que as comunidades de fala são muitas e que podem se configurar em função de diversos fatores sociais, históricos e geográficos, é válido pensar na distribuição desses fatores e na nomenclatura própria utilizada nos estudos sociolinguísticos. Vejamos, então, os principais termos necessários à compreensão desses estudos a partir de agora. 1.2.1 Regionalismos, dialetos e línguas A língua portuguesa transplantada para o Brasil se distribui como língua oficial por um território de dimensões continentais. Dessa maneira, são muitas as formas linguísticas observadas ao longo do nosso território para representar a mesma realidade. Como exemplo, podemos citar o uso dos termos “bergamota” (no sul), “tangerina” (no sudeste) e “mexerica” (no sudeste). Essas diferentes unidades lexicais, utilizadas em função da região geográfica observada, constitui os chamados regionalismos. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 17/55 Os regionalismos não são considerados diferenças substancialmente relevantes para que se fale na existência de dialetos, uma vez que se manifestam em aspectos pontuais, como o vocabular ou a pronúncia. Os aspectos observados na fala das pessoas em função das regiões em que vivem são popularmente chamados de “sotaque”. Aliás, todos temos o chamado sotaque, independentemente da região em que vivemos. Quem mora no Nordeste, por exemplo, costuma dizer que as pessoas que vivem no Sul ou no Sudeste “falam cantando”, ao passo que muitos moradores do Sul e do Sudeste identificam a tal “fala cantada” no falar dos Nordestinos. Isso nos mostra que a fala de cada região possui suas peculiaridades, sendo prontamente identificadas por falantes oriundos de outras regiões. Os dialetos, por sua vez, são compostos de peculiaridades que extrapolam o nível lexical ou fonético. No dialeto, são percebidas características peculiares que se mostram desde o nível morfossintático, fonético-morfológico e até semântico-lexical. Ele é visto como uma variedade linguística de uso coletivo, que se irradia por certas áreas geográficas. Nos estudos dialetais brasileiros, o “dialeto caipira” é bastante mencionado, já que, em meados do séculoXX, despertava a curiosidade de estudiosos como Amaral (1955, p. 41): 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 18/55 Tivemos, até cerca de vinte e cinco a trinta anos atrás, um dialeto bem pronunciado, no território da antiga província de São Paulo. É de todos sabido que o nosso falar caipira – bastante característico para ser notado pelos mais desprevenidos como um sistema distinto e inconfundível – dominava em absoluto a grande maioria da população e estendia a sua influência à própria maioria culta. O dialeto caipira faz parte da agenda de estudos linguísticos há muitas décadas, e, por sua influência, manifesta- se, até mesmo, em textos literários. Osvaldo Ceschin, pesquisador do assunto, publicou um excelente artigo sobre as peculiaridades desse dialeto, intitulado “O Dialeto Caipira”. Vale a pena ler! O artigo está disponível no link: <https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/viewFile/104900/103696 (https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/viewFile/104900/103696)>. VOCÊ QUER LER? https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/viewFile/104900/103696 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 19/55 As línguas, diferentemente dos regionalismos ou dos dialetos, constituem um sistema de regras que está presente na mente de todos os falantes de uma determinada comunidade. Ela é vista como instrumento de um povo e contém as regras gerais, socialmente estabelecidas, que podem variar em função de determinados fatores, sem ser percebida como outro sistema. Há muitos países multilíngues que tem em uma ou em várias de suas línguas a língua oficial. No Brasil, por exemplo, a língua oficial é a língua portuguesa, embora sejam faladas, ainda em território brasileiro, múltiplas línguas europeias e, sobretudo, indígenas. Essa multiplicidade linguística possui influência em processos de variação observados na própria língua portuguesa. 1.2.2 Mudança lexical e evolução das línguas Dos estudos sociolinguísticos, recebem destaque em muitas pesquisas os estudos da variação e da mudança. Essas pesquisas, sobretudo os estudos da mudança, apontam para os vários estágios de uma língua, possibilitando analisar, com base em seu passado, os possíveis rumos que a língua tomará. Entre elas, cumpre destacar os que dão foco à mudança lexical. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 20/55 É sabido que, salvo as línguas mortas, nenhuma língua é estática, uma vez que todas evoluem. E a mudança linguística se relaciona diretamente com essa evolução. VOCÊ SABIA? O que é uma língua morta? São chamadas de línguas mortas aquelas que não possuem falantes nativos por diversos motivos históricos. Esse é o caso, por exemplo, do latim, que, por mais que possua gramática conhecida, registro escrito e seja utilizado em lugares para fins específicos — como em ritos religiosos —, ela não constitui, modernamente, a língua mãe de nenhuma nação. O contato linguístico, uma das áreas estudadas no âmbito da Sociolinguística, é um grande propulsor da mudança e da evolução das línguas. Geralmente, o contato se dá por meio de uma língua franca, que, para Phillipson (1992, p. 42), 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 21/55 [...] é uma língua que é usada para a comunicação entre diferentes grupos de pessoas, cada grupo falando uma língua diferente. A língua franca pode ser uma língua usada internacionalmente (ex. inglês), pode ser a língua nativa de um dos grupos, ou uma língua que não é falada por nenhum grupo como língua materna, mas possui uma estrutura e vocabulário simplificados, e é frequentemente uma mistura de duas ou mais línguas. Desse contato, pode-se resultar, inclusive, em outras línguas, por meio de processos como a pidginização ou a crioulização. Os crioulistas nem sempre concordam sobre uma definição precisa para pidgin e crioulo, apresentando visões divergentes com relação à situação de muitas línguas que vêm sendo classificadas como tais. Com relação a essa divergência, podemos mencionar que são chamados normalmente de pidgins as línguas reduzidas que surgem em função de contato prolongado entre grupos que não possuem uma língua em comum. Segundo Bortoni-Ricardo (2014, p. 30), Um pidgin pode ter duração razoavelmente efêmera, seguindo dois ciclos possíveis: ou desaparece ou evolui para uma língua crioula. A passagem do pidgin para uma língua crioula dá-se quando uma ou sucessivas gerações o adotam como uma língua materna, conferindo-lhe as características de uma língua natural. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 22/55 No caso do pidgin, que possui como característica uma simplificação em que são abandonadas marcas de concordância, além de ser utilizado um número reduzido de palavras, ele surge para atender às necessidades específicas de comunicação e possuem funções sociais reduzidas: comércio (Russernorsk, pidgin Eskimo); ocupação militar (pidgin inglês no Japão do pós-guerra); e comunicação escravos-senhores (pidgin inglês do Havaí nas plantations). Veja um exemplo em que é apresentada uma frase em um pidgin do inglês, seguida da forma alvo (MESTHRIE et al., 2000, p. 291 apud RIEHL, 2009, p. 116): Before my sellum for ten dollars Before I sell for ten dollars (‘Eu vendi por 10 dólares’) (Gras bilong fes (= grass belong face) = barba. Diferentemente do pidgin, as línguas crioulas estão necessariamente ligadas aos fatores de colonização europeia e escravidão negra. O crioulo é resultado do contato de longa duração entre dois grupos étnicos (situação de bilinguismo), envolvendo a reestruturação total da língua. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 23/55 Há vários pesquisadores que se dedicam à pesquisa de línguas crioulas. Em uma entrevista feita pela Universidade Aberto com o professor Jorge Morbey, intitulada “Viagem de um Crioulo de Cabo Verde aos Crioulos do Oriente”, Morbey nos fala dos crioulos de Cabo Verde e do Oriente. Os vídeos estão disponíveis em: <https://www.youtube.com/watch?v=gBYapf4s-po (https://www.youtube.com/watch?v=gBYapf4s-po)> e <https://www.youtube.com/watch?v=0P0Q3LQXRhg (https://www.youtube.com/watch?v=0P0Q3LQXRhg)>. Vale a pena assistir! Essa mistura feita pelo crioulo é entendida como a norma de uma comunidade, em que os componentes, como o léxico ou a gramática, podem ser claramente associados a cada uma das línguas, pelo que se observa maior importância da língua do substrato (a língua que se VOCÊ QUER VER? https://www.youtube.com/watch?v=gBYapf4s-po https://www.youtube.com/watch?v=0P0Q3LQXRhg 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 24/55 mistura à língua-alvo). A transmissão irregular da língua-alvo em situação de bilinguismo, muitas vezes, leva ao pidgin, que, na segunda geração, tornando-se língua materna, reestrutura os espaços não preenchidos com aportes do substrato. Conforme Mesthrie et al. (2000, p. 282) e Riehl (2009, p. 116), um conhecido crioulo do inglês em situação de contato linguístico em terras africanas é o Tok Pisin: Gras bilong hed (= grass belong head) = cabelo Gras bilong ai (= grass belong eye) = sobrancelha Resultante do contato com o português europeu, recebe destaque o crioulo cabo-verdiano, que tem sido utilizado em situações oficiais. Veja um exemplo da conjugação verbal em cabo-verdiano com a figura a seguir. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 25/55 Quadro 1 - As diferenças podem ser observadas com a conjugação verbal no Português e a conjugação verbalno Caboverdiano. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada em QUINT, 2010, p. 251. Deslize sobre a imagem para Zoom 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 26/55 Além do surgimento de pidgins crioulos e das línguas francas, a mudança lexical também ocorre por meio de um empréstimo, uma abreviação ou uma junção. São considerados empréstimos as palavras vindas de outras línguas para a língua de destino, na qual podem, inclusive, adquirir outros significados. Os empréstimos geralmente são resultado do contato linguístico, podendo, com seu radical, gerarem outras palavras na língua que recebe o empréstimo. É o que acontece, por exemplo, com a palavra “delete” no português do Brasil, que já deu origem, por meio do acréscimo de sufixo, ao verbo “deletar”. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 27/55 Figura 3 - A palavra “marketing”, assim como outros empréstimos, já foram consolidados na cultura brasileira e na língua portuguesa no Brasil. Fonte: mypokcik, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 28/55 Com a evolução das línguas — além dos empréstimos, que, no Brasil, originam-se desde línguas africanas a europeias e indígenas, devido às diversas situações de contato linguístico ao longo da história de nosso país — também são comuns as junções de radicais ou lexemas. Tanto os já inseridos na língua portuguesa quanto os oriundos de outras línguas na formação de novas palavras podem ser considerados. Essas junções ocorrem, muitas vezes, como forma de representar na língua a evolução que ocorre na sociedade em que ela está veiculada. Temos como exemplo a palavra “sambódromo”, um neologismo formado por radicais de palavras de origem africana e grega, criado para nomear a existência de um espaço característico de nossa sociedade na contemporaneidade. Além disso, as abreviações também são comuns e se fazem com base na apropriação de palavras estrangeiras, como é o caso da palavra “Kombi”, veículo que recebe como nome, no Brasil, a abreviação da palavra de origem alemã "kombinationsfahrzeug". Sendo assim, podemos perceber que a mudança lexical está profundamente ligada à evolução das línguas, assim como essa evolução está ligada às mudanças observadas na sociedade e nas necessidades linguísticas inerentes a essas mudanças, como já atestava Antoine Meillet, discípulo de Saussure, no início do século XX. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 29/55 1.3 Histórico da Sociolinguística Os estudos linguísticos são de interesse internacional, uma vez que as correntes linguísticas surgidas em diferentes países são de interesse de linguistas em todo o mundo. Afinal, muitas dessas correntes têm origem americana e surgem, inicialmente, como forma de explicar o inglês americano, espraiando-se por várias outras línguas, e servindo, também, como subsídio para explicá-las. Esse é o caso da Sociolinguística, cujos principais temas enquanto ciência autônoma interdisciplinar foram apresentados, pelo que cumpre pensar, o histórico de seu surgimento. 1.3.1 Origens 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 30/55 Como vimos, a Sociolinguística surge como ciência oficialmente a partir da metade do século XX. Contudo, há estudos anteriores a esse período que lançam as bases para o seu surgimento. Nas palavras de Bortoni-Ricardo (2014, p. 11), há linguistas que [...] muito antes dos anos 1960, já desenvolviam em seus trabalhos teorias de natureza claramente sociolinguística, como é o caso de Meillet [1866-1936], Bakhtin [1895 – 1975] e membros do Círculo Linguístico de Praga. Esses são pensadores que levaram em conta o contexto sociocultural e a comunidade de fala em suas pesquisas linguísticas, ou seja, não dissociavam o material da fala do produtor dessa fala, o falante – pelo contrário, consideravam relevante examinar as condições em que a fala é produzida. Com o desenvolvimento da pesquisa desses autores, são consideradas duas premissas para o desenvolvimento das pesquisas linguísticas: o relativismo cultural e a heterogeneidade linguística. Também de acordo com Bortoni-Ricardo (2014, p. 12), o relativismo cultural parte do pressuposto de que “[...] uma manifestação de cultura prestigiada na sociedade não é intrinsecamente superior a outras [...]”. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 31/55 Figura 4 - Os livros são símbolos de culturas privilegiadas, cujos entes, por vezes, diminuíram a importância da Deslize sobre a imagem para Zoom 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 32/55 Segundo as bases do relativismo cultural, assim como nenhuma cultura deve ser considerada superior ou inferior a outra, as línguas, em suas várias manifestações, também não devem ser consideradas superiores ou inferiores a outras. A premissa da heterogeneidade linguística se traduz no “[...] advento da crença na heterogeneidade ordenada e do reconhecimento da existência de muitas variedades no âmbito de qualquer língua natural” (BORTONI-RICARDO, 2014, p. 12). VOCÊ SABIA? Que a concepção de cultura e a relatividade cultural se relacionam à hipótese Sapir-Whorf? A hipótese Sapir-Whorf, como normalmente é apresentada, combina determinismo linguístico (“A linguagem determina o pensamento”) com relatividade linguística (“Não há limites para a diversidade estrutural das línguas”) (LYONS, 1981, p. 276). g p g , j , p , p cultura de outras comunidades, sobretudo, de comunidades ágrafas. Fonte: Thinglass, Shutterstock, 2018. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 33/55 Sobre a heterogeneidade, Mollica e Braga (2008, p. 9) destacam que Todas as línguas apresentam um dinamismo inerente, o que significa dizer que elas são heterogêneas. Encontram-se assim formas distintas que, em princípio, se equivalem semanticamente no nível do vocabulário, da sintaxe e morfossintaxe, do subsistema fonético- fonológico e no domínio pragmático-discursivo. O português falado no Brasil está repleto de exemplos. No sul do país, o pronome “tu” é o tratamento preferido quando o falante interage com o ouvinte, encontrando-se em menor escala em outras regiões e evidenciando uma diferenciação geográfica, em que os pronomes de tratamento distribuem-se em sistemas variacionais diferentes. Com base nessas premissas, liderados por Labov (1981), linguistas norte-americanos iniciaram estudos teóricos e experimentais, a fim de observar a variação e a mudança. 1.3.2 Principais autores e estudos Antes da década de 1960, alguns estudos já consideravam a relação entre língua e sociedade e o relativismo cultural. No entanto, é no ano de 1953 que a palavra “Sociolinguística” surge pela primeira vez. O termo é usado em um trabalho de Haver C. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 34/55 Currie e leva o estudo dessa ciência de maneira mais estruturada, com objetivos melhor definidos, sendo desenvolvido nos Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960. Em 1964, com a publicação da obra dos pesquisadores Gumperz (1982), Labov (1981) e Hymes (1972), os estudos propriamente sociolinguísticos podem ser considerados definitivamente inaugurados. Afinal, esses autores buscavam desenvolver uma nova concepção sob a qual a Linguística seria estudada. Sendo vista como o cerne do rompimento com a visão estruturalista da época. O estruturalismo orientou, por muito tempo, como modelo hegemônico, a agenda de estudoslinguísticos. Até hoje, ele influencia linhas de pesquisas voltadas para o conhecimento estrutural das línguas. Para saber um pouco mais sobre o assunto, acesse um resumo, escrito por José Renato Salatiel, sobre as origens dessa corrente no link: VOCÊ QUER LER? 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 35/55 <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/estruturalismo-quais-as-origens-desse-metodo-de-analise.htm (https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/estruturalismo-quais-as-origens-desse-metodo-de- analise.htm)>. A partir de então, surgem outras correntes de estudos linguísticos, como a Sociologia da Linguagem, introduzida por e Joshua Fishman; e a Etnografia da Fala, iniciada por Dell Hymes. Esses estudos também consideram a importância da interação entre a língua e a sociedade. Assim, a Sociolinguística passa a tratar do estudo sobre a incidência de forças sociais com relação as manifestações linguísticas em seus diversos níveis (fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos). https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/estruturalismo-quais-as-origens-desse-metodo-de-analise.htm 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 36/55 Figura 5 A língua em uso é o foco dos estudos sociolinguísticos Fonte: exopixel Shutterstock 2018 Deslize sobre a imagem para Zoom 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 37/55 Labov (1981) é o responsável por sistematizar os estudos de variação na língua falada. É ele quem os inaugura em 1963, quando analisa o inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard, no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Várias pesquisas foram realizadas após essa, como a que trata da estratificação social do inglês falado em Nova York, em 1966. Labov (1981) ainda contrapõe os estudos de orientação saussuriana focando, em vez da langue, de Saussure, na parole, no ponto de vista social, e não individual. William Labov é conhecido no Brasil e no mundo como o “pai” da Sociolinguística. Linguista americano, Labov atuou por muito tempo como professor no departamento de linguística da Universidade da Pensilvânia. Ele publicou livros e artigos com foco na relação entre a língua e a sociedade, além de participar de congressos no mundo todo para divulgar sua linha de pesquisa. Figura 5 - A língua em uso é o foco dos estudos sociolinguísticos. Fonte: exopixel, Shutterstock, 2018. VOCÊ O CONHECE? 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 38/55 Atualmente, várias interfaces têm sido feitas entre a Sociolinguística e as correntes, como o cognitivismo, o funcionalismo e, até mesmo, o gerativismo, resultando, cada uma delas, em olhares diferentes, mas, muitas vezes, convergentes. Isso subsidia o conhecimento sobre o universo complexo que representam as línguas. 1.4 Sociolinguística Variacionista e Sociolinguística Interacionista 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 39/55 Como os estudos sociolinguísticos possuem diversas vertentes, cujas pesquisas podem se complementar, é possível observar os fatos da língua sobre perspectivas diferentes. Esses estudos são orientados por um referencial teórico que considera desde os aspectos sociais que afetam a língua em uso até os fatos que afetem a língua em uma perspectiva dual ou dialógica. É o caso, respectivamente, da Sociolinguística Variacionista e da Sociolinguística Interacional. Vejamos suas peculiaridades na sequência. 1.4.1 Sociolinguística Variacionista A Sociolinguística Variacionista, também conhecida como teoria da variação e mudança, objetiva analisar a língua em seu contexto sociocultural. Assim, por meio de suas análises, ela observa os processos de variação na língua. Isso pode, inclusive, resultar em uma mudança linguística com o passar do tempo, ou, até mesmo, em uma variação estável. São chamadas de variantes as formas em variação. Tarallo (2007, p. 8) afirma que “[...] variantes linguísticas são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade”. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 40/55 VOCÊ SABIA? A variação é considerada estável quando dura por um longo período, prevalecendo uma variante sobre a outra. Nesse caso, geralmente as gerações mais novas e as mais velhas utilizam a variante popular, o que se repete nas outras gerações. Quando a geração gera mudança, a tendência é observar o crescimento gradual do uso da variante popular (MOLLICA; BRAGA, 2008). Além disso, temos visto que a Sociolinguística tem como pressuposto o fato de que toda língua é heterogênea. Contudo, é preciso destacar, de acordo com a teoria da variação, que essa heterogeneidade é ordenada por regras da língua. Nas palavras de Coelho et al. (2015, p. 59, grifo dos autores), Não se concebe a variação como uma propriedade que possa levar o sistema linguístico ao caos. Mesmo que a princípio se possa pensar que heterogeneidade implica ausência de regras, a Sociolinguística vê a língua como objeto dotado de heterogeneidade estruturada, logo, há regras sim. Decorre daí que, enquanto a língua concebida como sistema homogêneo contém 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 41/55 somente regras categóricas, que sempre se aplicam da mesma maneira, a língua concebida como sistema heterogêneo comporta, ao lado de regras categóricas, também regras variáveis, condicionadas por fatores tanto do contexto linguístico quanto do extralinguístico. Entende-se como regra categórica aquela que opera em 100% dos casos, sem qualquer violação na fala natural; enquanto que a regra variável é aquela que opera entre 5 e 95% dos casos, em que não há violações por definição. No português brasileiro, é categórica a regra segundo a qual os artigos vêm sempre antes do substantivo, por exemplo. Assim, é agramatical (fora das regras e princípios internos de nossa língua), tanto na fala culta quanto na fala popular, dizer “menino o” em vez de “o menino”. A concordância verbal, por outro lado, constitui uma regra variável, visto que as pesquisas linguísticas brasileiras atestam desde a marcação de concordância verbal em apenas 16% dos casos pesquisados em Helvécia, na Bahia (LUCCHESI, 2008); até a marcação de concordância verbal em 88,1% dos casos em Copacabana, no Rio de Janeiro (VIEIRA; BAZENGA, 2013). 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 42/55 Também é de interesse da Sociolinguística Variacionista investigar os fatores que condicionam a variação e a mudança em determinadas comunidades linguísticas. Por exemplo, é conhecido, internacionalmente, o trabalho de Labov (1981), que explora condicionadores étnicos e sociais na investigação do que ele chama de “inglês negro”, modernamente chamado de “vernáculo afro-americano”. No Brasil, são vários os condicionadores linguísticos e extralinguísticos estudados com base na apresentação de regras variáveis, em diferentes fenômenos e diferentes comunidades. Os estudos da Sociolinguística Variacionista redimensionam as concepções de certo e errado no ensino da língua. Nesse contexto, muito se questiona sobre o lugar da norma padrão. O professor Ataliba de Castilho fala sobre isso no vídeo “Linguística: O dilema do ‘certo’ e do ‘errado’”. Assista no link: <https://www.youtube.com/watch? v=WE1C57q_9zw (https://www.youtube.com/watch?v=WE1C57q_9zw)>. VOCÊ QUER VER? https://www.youtube.com/watch?v=WE1C57q_9zw 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 43/55Com a evolução dos estudos sociolinguísticos, uma nova vertente dessa ciência surge, principalmente a partir da década de 1980, quando o foco do estudo se dá na influência de fatores sociais, mesmo em seu aspecto individual. Vejamos! 1.4.2 Sociolinguística Interacionista Diferentemente da Sociolinguística Variacionista, a Sociolinguística Interacionista, ou Sociolinguística Interacional, detém-se no comportamento individual observado nas interações face a face. Seus precursores são Erving Goffman e John Gumperz. Segundo Bortoni-Ricardo (2014, p. 147), A principal distinção que Gumperz faz entre a Sociolinguística interacional e a Sociolinguística laboviana é que a primeira apoia-se no pressuposto de que a interação humana é constitutiva da realidade social. Segundo esse pensador, a ordem, a estrutura, etc. não são pré- determinadas, mas constituem-se na própria interação, baseadas em um conjunto complexo de fatores materiais, experienciais e psicológicos [...]. A interação humana é, portanto, constitutiva dos papéis sociais, considerados como um conjunto de prerrogativas e de deveres em um determinado domínio social. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 44/55 Deslize sobre a imagem para Zoom 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 45/55 Bortoni-Ricardo (2014) ainda elabora uma metodologia segundo a qual pode ser realizada a análise de estratégias da comunicação dentro da perspectiva da Sociolinguística Interacional, organizando-a em cinco grupos de categorias: características estruturais e comunicativas do evento, processo interpretativo, uso da língua ou práticas verbais, regras dialógicas e linguagem não verbal. Figura 6 - A interação face a face é o objeto de estudo da Sociolinguística Interacional. Fonte: Lightspring, Shutterstock, 2018. VOCÊ O CONHECE? 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 46/55 Stella Maris Bortoni-Ricardo atua como professora de Linguística na Universidade de Brasília. Atualmente, ela desenvolve suas pesquisas em torno da interface entre Sociolinguística e educação, mas possui diversos livros publicados em áreas da Linguística, sendo uma das precursoras dos estudos etnográficos no Brasil. Para saber mais sobre a autora e seus projetos, acesse sua página na internet com o link: <http://www.stellabortoni.com.br/ (http://www.stellabortoni.com.br/)>. Como exemplo de trabalho, Bortoni-Ricardo (2014, p. 149, grifos do autor) cita a canção de Paulinho da Viola, “Sinal Fechado”, conforme fragmento a seguir: — Olá! Como vai? — Eu vou indo. E você, tudo bem? — Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E você? http://www.stellabortoni.com.br/ 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 47/55 O diálogo contempla dois turnos de fala, que, na linguagem técnica da Sociolinguística Interacional, formam um par adjacente. Os interagentes usam expressões que fazem parte de sua cultura em comum, como “Eu vou indo”, o qual possui um sentido específico dentro do diálogo para além do significado das palavras em si. O mesmo acontece com a expressão “[...] correndo pegar meu lugar no futuro”. Os sentidos das expressões destacadas se dão pela conversação, ao passo que a interação acontece. Para estudar mais a fundo a Sociolinguística Interacional, leia o capítulo publicado no site da PUC-Rio, intitulado “Pressupostos teóricos”, em que são apresentados pressupostos teóricos e práticos da análise da conversação. O capítulo está disponível no link: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/5503/5503_3.PDF (https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/5503/5503_3.PDF)>. VOCÊ QUER LER? https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/5503/5503_3.PDF 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 48/55 Em outra situação, ou não partilhando os falantes de uma mesma cultura, mesmo que falem uma mesma língua, a conversação não se travaria de forma efetiva, visto que as frases poderiam ser interpretadas em seu sentido literal, prejudicando a comunicação. Assim, percebe-se que, por mais que o foco da Sociolinguística Interacional não seja idêntico ao da Sociolínguística Variacionista, ambas colocam o aspecto social em papel de destaque, tornando-as parte dessa importante ciência que é a Sociolinguística de maneira geral. Síntese 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 49/55 Você concluiu seus estudos sobre o conceito e a história da Sociolinguística, focando na interação entre a língua e as práticas sociais. Dessa forma, foi possível perceber o que é a Sociolinguística, o histórico de seu surgimento e como o termo evoluiu ao longo do século XX, relacionando essa evolução às interfaces estabelecidas entre os estudos linguísticos e os variados aspectos da vida social. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: aprender sobre a relação entre língua e sociedade, bem como sua ligação com a Sociolinguística; perceber as características dos processos de modificação das línguas (pidgin, crioulo e língua franca); compreender a origem e o histórico de evolução da Sociolinguística como ciência autônoma e interdisciplinar; reconhecer os principais autores e conceitos na evolução da Sociolinguística; analisar as principais diferenças entre a Sociolinguística Variacionista e a Sociolinguística Interacionista. 28/09/2020 Sociolinguística https://unp.blackboard.com/webapps/late-Course_Landing_Page_Course_100-BBLEARN/Controller 50/55 Referências bibliográficas AMARAL, A. O Dialeto Caipira. Prefácio de Paulo Duarte. São Paulo: Anhembi, 1955. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do? select_action=&co_obra=7381 (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do? select_action=&co_obra=7381)>. Acesso em: 22/01/2018. 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