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Disciplina: Perícia Forense - Medicina Legal Aula 2: Antropologia Apresentação Prezado aluno, você está no campo da apaixonante arte de identificar pessoas, partes de pessoas e ossadas. Identificar é diferente de reconhecer. Quem reconhece, o faz pela memória; quem identifica, o faz pela ciência. Portanto, nesta aula, você vai verificar os principais métodos de identificação, seja a médico-legal ou policial. O estudo da ossada vai oferecer os principais parâmetros para apontar a espécie – e, sendo ela humana, os critérios de dimorfismo sexual. Objetivos Diferenciar o ato de identificar do ato de reconhecer; Reconhecer os sistemas de identificação médico-legal e policial; Compreender as características que permitam apontar a identidade. Conceituação Antropologia forense é a área da medicina legal que se ocupa do levantamento da identidade. Identificar difere de reconhecer, valendo-se este da memória e aquele da ciência. Para identificar alguém ou qualquer coisa, é imprescindível o 1º registro, que é comparado ao 2º. Portanto, buscar a identidade é confrontar o 2º registro com o primeiro. O método de identificação deve possuir cinco características que permitam apontar a identidade. São elas: 01 Unicidade: é a especificidade que aponta a identidade diversa de outra; 02 Imutabilidade: é a particularidade que não muda com o tempo; 03 Perenidade: é a particularidade que resiste ao tempo; 04 Praticabilidade: a colheita deve ser de fácil obtenção e prática para efeito de comparação; 05 Classificabilidade: o processo deve ser de fácil classificação e arquivamento. Identificação médico-legal A identificação é dividida em dois campos: identificação médico-legal e identificação policial (ou judiciária). IDENTIFICAÇÃO MÉDICO-LEGAL Busca-se a identidade médico-legal por espécie, raça, estatura, biotipo, sinais próprios (sinais individuais, malformação, sinais profissionais, tatuagens e cicatrizes) e genética. IDENTIFICAÇÃO POLICIAL (OU JUDICIÁRIA) Busca-se a identidade policial pelo assinalamento sucinto, fotografia simples, fotografia sinaléptica, bertilhonagem, retrato falado e papiloscopia. Comentário A identidade policial se vale atualmente da datiloscopia, um campo da papiloscopia. Há um quadro oficial na Polícia Civil chamado de papiloscopista policial. É um quadro diferente do Detran, em que pese que a ciência seja a mesma. Atividade 1. É uma característica por excelência que aponta a identidade: a) Classificabilidade b) Praticabilidade c) Imutabilidade d) Perenidade e) Unicidade Espécie e raça Por vezes, peças ósseas ou um cadáver esqueletizado chegam ao IML. O primeiro processo é apontar que se trata de ossada humana. Sendo humana, deve-se buscar elementos que indiquem sexo, estatura, raça, particularidades odontológicas e ósseas. Espécie Quanto à espécie, afora as peculiaridades anatômicas, as diferenças histológicas podem ser constadas pelo número, forma e diâmetro dos canais de Havers, como mostra a tabela 2.1: Tabela 2.2 Características Animal x Homem Característica Animal Homem Número Chega a 40mm² 8 a 10 por mm² Forma Circular Irregular ou elíptica Diâmetro Inferior a 25µm Superior a 3µm Tabela 2.1 | Fonte: adaptada de (FRANÇA, 2004) Raça Os tipos étnicos fundamentais descritos por Ottolengui e suas características raciais são apontadas na tabela 2.2. Tabela 2.2. Tipos étnicos fundamentais. Tipo étnico Características Caucásico Pele branca, cabelos lisos ou crespos, cabelos louros ou castanhos, íris azuis ou castanhas, contorno craniofacial anterior ovoide, ortognata ou ligeiramente prognata. Mongólico (Asiático) Pele amarela, cabelos lisos, face com diâmetro anteroposterior reduzido, espaço interorbital alargado, mento saliente e maxilares reduzidos. Negroide Pele preta, cabelos crespos, crânio pequeno, prognata, fronte alta, nariz alargado e achatado, narinas espessas e largas. Indiano Pele amarelo-trigueira, estatura alta, cabelos pretos, lisos, espessos e luzidios, íris castanhas, mesocéfalo, supercílios espessos, orelhas pequenas, nariz saliente, estreito e longo, barba escassa, fronte vertical, zigomas salientes e largas. Australoide Pele trigueira, estatura alta, nariz curto e largo, zigoma largo e volumoso, prognatismo, cintura escapular larga, cintura pélvica estreita, dentes fortes, saliência das arcadas superciliares, dolicocéfalo. Tabela 2.2 | Fonte: adaptada de (FRANÇA, 2004) Ângulo facial Em relação ao ângulo facial, busca-se o grau de prognatismo. São traçadas três linhas imaginárias, descritas a seguir e mostradas na figura 2.1. 1. Ângulo de Jacquart: da glabela (região mais anterior da fronte), passando pela espinha nasal e desta para o meio da linha médio-auricular; 2. Ângulo de Curvier: da glabela, passando pelo ângulo dentário superior e deste ao meio da linha médio-auricular; 3. Ângulo de Cloquet: da glabela, passando pelo ponto alveolar e deste ao meio da linha médio-auricular. Figura 2.1. Os ângulos faciais. Fonte: (FRANKLIN, 2014) Dos ângulos apurados, estima-se a raça pelos dados constantes na tabela 2.3. Ângulo Caucasoide Mongólico Negroide Jacquart 76,5º 72º 70,3º Cloquet 62º 59,4º 58º Negroide 54º 53º 48º Determinismo sexual Sexo pode ser determinado biologicamente pelo estudo cromossomial, quando então a presença do par XX e a ausência dos corpos fluorescentes apontam o sexo feminino, enquanto o par XY com corpos fluorescentes identifica o sexo masculino (sexo cromossomial). Ainda na mesma linha, o achado de corpos de cromatina no sexo feminino e de sua ausência no sexo masculino caracteriza a determinação do sexo cromatínico. A presença de gônadas (sexo gonadal) e a morfologia da genitália externa e interna seguem o mesmo parâmetro biológico. Demonstração dos cromossomos feminino e masculino. (Fonte: Shutterstock / Por Soleil Nordic) Atenção Destarte a natureza biológica na determinação do sexo, há de se levar em consideração o comportamento do indivíduo frente ao que ele sente de si mesmo, caracterizando o sexo psíquico, que pode ser contrário ao que é apontado no registro civil (sexo jurídico). Raras vezes, a identificação requer o intercurso pericial (sexo médico-legal), notadamente nos estados intersexuais, pela presença de genitália dúbia, e frequentemente nos estados avançados de decomposição cadavérica, em esqueletizados e despojos humanos. Dos ossos, os que melhor se prestam para determinação sexual são o crânio, a mandíbula, o tórax e a pelve. No crânio, grosseiramente, podem-se traçar parâmetros de diferenciação com base nas características anatômicas ou por meio do índice craniométrico de Baudoin, que define a relação de 100 vezes da largura máxima do côndilo occipital com o comprimento máximo deste côndilo. Nesta aula, vamos prestigiar os segmentos ósseos que possibilitam melhor determinismo sexual: o crânio e a pelve. A última é a que melhor fornece esses parâmetros diferenciais. Ilustração de esqueleto humano, vista lateral. (Fonte Shutterstock / Por S K Chavan) Crânio O crânio feminino apresenta as seguintes características: glabela vertical, mastoide não proeminente, rebordo supraorbitário cortante e mandíbula ovoide. O crânio masculino apresenta as seguintes características: glabela angulosa, mastoide proeminente, rebordo supraorbitário rombo e mandíbula angulosa. A tabela 2.4 apresenta as peculiaridades quanto ao crânio. Tabela 2.4 Peculiaridades do crânio. Peculiaridade anatômica Sexo masculino Sexo feminino Capacidade 1.400 cm³ 1.300 cm³ Mastoide Rugoso e proeminente Proeminência reduzida Arco superciliar Saliente Tênue Côndilo occipital Longo e delgado Curtos e largos Mandíbula Peso médio de 80 g, robusta, arco dental retangular, ângulo mandibular fechado em média 126o Peso médio de 63 g, suave, arco dental arredondado ou triangular, ângulo mandibular aberto em média 127,9o Índice de Baudoin <50 >50 Fonte: adaptada de (FRANÇA, 2004) Galvão (apud FRANÇA, 2004) em 1994, estabeleceu a relação entre 11 pontos craniométricos,sendo o meato acústico externo o referencial, como se observa na figura 2.2. Pontos craniométricos de Galvão. MAE: meato acústico externo; GN: gnátio; PR: próstio; ENA: espinha nasal anterior; G: glabela; B: bregma; V: vértex; L: lambda; OP: opistocrânio; I: ínio; Ms: mastoideo; GO: gônio. Fonte: (FRANKLIN, 2014) Figura 2.2 Pontos Craniométricos de Galvão. Atividade 2. Qual o ponto anatômico de referência para a medida craniométrica aplicada ao dimorfismo sexual, segundo Galvão? a) Meato acústico externo b) Espinha nasal anterior c) Opistocrânio d) Glabela e) Bregma Pelve Na pelve óssea (ossos do quadril e do sacro), essencialmente na sua porção anterior, e, sobretudo, a partir dos 18 anos de idade, constatam-se elementos diferenciadores marcantes. Portanto, representa o segmento do esqueleto que mais se presta para a diferenciação sexual, notadamente em sua porção anterior. As características que permitem a diferenciação sexual nesse segmento do esqueleto são: Pelve feminina: Cavidade pélvica mais arredondada e menor; ângulo subpúbico obtuso; incisura isquiática arredondada. Pelve masculina: cavidade pélvica cordiforme; ângulo subpúbico masculino agudo (figura 2.3); incisura isquiática angulosa (figura 2.4); Figura 2.3. Exame de dimorfismo sexual. Figura 2.4. Incisura isquiática maior assimétrica, típica de pelve masculina. Repare o ângulo agudo próprio do sexo masculino. O forame obturador se apresenta robusto e arredondado no sexo masculino, enquanto no sexo feminino as bordas se mostram angulosas, dando uma conformação triangular à estrutura. Da coluna vertebral, apenas a região sacral permite o dimorfismo sexual. O osso sacro tem amplitude considerável e formato triangular no sexo feminino. No sacro masculino, observam-se alongamento e forma triangular estreita. Atenção Fique atento: o sexto segmento do osso sacro só aparece no sexo masculino. Na pelve feminina, é evidente o sulco pré-auricular, sendo difícil ou até mesmo ausente na pelve masculina. Quanto à faixa etária, observe a presença de epífises de crescimento. Correlações são feitas entre o amadurecimento ósseo e dentário. A radiologia se presta para avaliar a idade óssea, sobretudo a radiologia dos ossos do punho. A estatura (no vivo) ou o comprimento (no cadáver) pode ser estimado por mensurações dos ossos longos. Identificação judiciária Trata-se da identificação policial: atualmente, o que melhor aponta a identidade é a papiloscopia. Vamos tecer alguns comentários sobre outros processos de identificação. Fotografia simples A fotografia simples é a tomada fotográfica de frente e de perfil, diferindo da fotografia sinaléptica, cuja redução é de 1/7. Sistema de bertilhon Apontado por Alphonse Bertilhon, é um sistema fundamentado na fixidez do esqueleto a partir dos 20 anos de idade, traçando 11 medidas antropométricas.4 São elas: - Diâmetro anteroposterior da cabeça; - Diâmetro transversal da cabeça; - Comprimento da orelha direita - Diâmetro bizigomático; - Comprimento do pé esquerdo; - Comprimento do dedo médio esquerdo; - Comprimento do dedo mínimo; - Comprimento do antebraço; - Estatura; - Envergadura; - Altura do busto. Sistema datiloscópico de Vucetich Papiloscopia é uma denominação atribuída ao chileno Humberto Orrego Gauthier, porém o sistema datiloscópico mais aceito foi idealizado por Juan Vucetich em 1891 e aplicado no Brasil em 1903. Beltrán lançou a lofoscopia (estudo das cristas), Galton a denominou finger prints e Harold Cummins a chamou de dermatóglifo. Trata-se de um método de identificação que, através de um revelador, deixa impresso um conjunto de linhas brancas e pretas em um suporte, impressão que corresponde ao reverso do desenho digital. As linhas brancas e pretas se arranjam de modo a configurar três sistemas de linhas (linhas diretrizes): basal, nuclear e marginal. A seguir veremos mais informações sobre este sistema. Sistema datiloscópico de Vucetich Este sistema foi idealizado por Juan Vucetich com base nas papilas dos dedos das mãos. Ele observou que linhas papilares descreviam um desenho digital formado por três sistemas de linhas: basal, nuclear e marginal. O encontro dessas linhas deixava notar em algumas impressões a letra grega delta. A partir daí, ele definiu quatro tipos de papilas (figura 2.5): 1. Verticilo (V): dois deltas; 2. Presilha externa (E): delta à esquerda; 3. Presilha interna (I): delta à direita; 4. Arco (A): ausência de delta. Figura 2.5. Tipos fundamentais – V, E, I, A. Uma fórmula decadactilar (figura 2.6) é aquela na qual se expressam os 10 dedos. O polegar da mão direita é chamado de fundamental, enquanto os demais da mão direita se chamam divisão. O polegar da mão esquerda é denominado de subclassificação; os demais dedos da mão esquerda, subdivisão. Figura 2.6. Fórmula datiloscópica. Diante de dúvidas, se procuram os pontos característicos (ponto, cortada, bifurcação, forquilha e o encerro) que, em número mínimo de 12 pontos, são suficientes para afirmar a identidade. Dica Outros processos, como o albodactilograma e a poroscopia, podem ser utilizados quando ainda persistir dúvida. Outros sistemas voltados para a identificação são: 01 Sistema otométrico de frigério (forma dos pavilhões auriculares); 02 Sistema otométrico de Capdeville (cor e medida dos olhos); 03 Sistema otométrico de Levinsohn (fotografia do fundo do olho); 04 Sistema otométrico de Matheios (fixidez de regiões da face – comparação fotográfica); 05 Sistema de Bentham (tatuagem ao nascer); 06 Sistema poroscópico de Locard (individualização e imutabilidade dos poros das glândulas sudoríparas); 07 Sistema flobográfico de Ameuille (detalhe fotográfico das veias da fronte); 08 Sistema flobográfico de Tamassia (imutabilidade das veias do dorso da mão – fotografia) etc. Atividade 3. Qual a particularidade fundamental do sistema datiloscópico de Vucetich? a) O sistema de linhas principais b) O primeiro dedo da divisão c) O dedo fundamental d) Delta e) Arco Referências FRANÇA, G. V. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p. 39- 40. ____________. Medicina legal. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015; p. 89-92. FRANKLIN, R. Perguntas e respostas comentadas de medicina legal. Rio de Janeiro: Rubio, 2014. p. 113, 120. Próximos Passos • Conceituar tanatologia forense; • Identificar os processos de evolução cadavérica; • Correlacionar a evolução cadavérica com a data da morte. Explore mais Antropologia forense: quando os ossos contam histórias. Disponível em: http://ensina.rtp.pt/artigo/antropologia-forense-quando-os-ossos-contam- historias/ <http://ensina.rtp.pt/artigo/antropologia-forense-quando-os- ossos-contam-historias/> . Acesso em: 17 de junho de 2018. http://ensina.rtp.pt/artigo/antropologia-forense-quando-os-ossos-contam-historias/
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